Finalmente, resolvido. Falta pagar os 50 mil dólares que os chineses detinham no momento da prisão, assim como reparação por danos morais e físicos.
60 anos depois, Brasil reconhece nove chineses presos pela ditadura como anistiados políticos
Conhecido como "Caso dos 9 chineses" foi a primeira violação de direitos humanos do regime de exceção que ganhou repercussão internacional
China-Brasil, 3/04/2024
Revista Forum, 4/04/2024
Há exatamente 60 anos, no dia 3 de abril de 1964, a ditadura militar instalada no Brasil cometeu a primeira infração aos direitos humanos com repercussão internacional: a prisão de nove cidadãos chineses no Rio de Janeiro (RJ).
O episódio ficou conhecido como o “Caso dos 9 chineses” e, nesta terça-feira (2), foi um dos processos de reparação coletiva julgados pela Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, junto com o das comunidades indígenas Krenak e Guyraroká.
O governo brasileiro finalmente reconheceu como anistiados políticos os noves chineses presos de forma arbitrária naquele semana de horror, há seis décadas.
Entenda o que aconteceu
Três dias após o golpe de Estado que deu início à ditadura militar brasileira (1964-1985), a polícia invadiu dois apartamentos na cidade do Rio de Janeiro e prendeu nove chineses sob a acusação de que seriam agentes estrangeiros trazidos ao Brasil para fazer uma revolução comunista.
Os chineses foram presos, torturados e rotulados como agentes subversivos, supostamente no país para promover o comunismo. Na realidade, eram parte de uma missão diplomática oficialmente reconhecida, formada por negociantes, tradutores e jornalistas.
As acusações contra os chineses foram baseadas em evidências forjadas. Medicamentos comuns e agulhas de acupuntura foram distorcidos como ferramentas para assassinatos.
Outra invenção descabida é de que os chineses planejavam envenenar figuras-chave do novo regime militar, entre elas o governador Carlos Lacerda e os generais Amauri Kruel e Castelo Branco.
Relações sino-brasileiras
Para compreender o contexto do “Caso dos 9 chineses” é necessário revisitar agosto de 1961, época em que o então vice-presidente da República, João Goulart, o Jango, assumiu a responsabilidade de prosseguir com as negociações para um acordo comercial com a China, após a visita de uma delegação chinesa.
Esse esforço era parte da Política Externa Independente, uma estratégia internacional proposta pelo ministro das Relações Exteriores, Santiago Dantas.
O Itamaraty acreditava que os interesses do Brasil seriam melhor servidos por uma política de não-alinhamento, que permitiria ampliar as relações comerciais sem compromissos políticos firmes, incluindo países socialistas.
As exportações brasileiras para a China focariam em matérias-primas, produtos agrícolas e bens de consumo, enquanto as importações da China incluiriam máquinas, minérios e artesanato.
Em julho de 1961 Jango chefiou uma missão diplomática brasileira à República Popular da China. Durante sua estada em Pequim, o vice-presidente acordou com a China a criação de um escritório comercial permanente e uma feira de produtos no Brasil, seguindo a lógica de reciprocidade que também permitia ao Brasil expor seus produtos na China.
A renúncia inesperada do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, fez com que Jango retornasse às pressas ao Brasil para assumir a presidência, posição que manteve até o golpe de 1964.
Quem foram os nove chineses presos pela ditadura
Jornalistas da Agência de Notícias Xinhua, enviados ao Brasil em dezembro de 1961:
- Ju Qingdong
- Wang Weizheng
Representantes enviados ao Brasil para organizar uma exposição comercial em 1963:
- Su Ziping
- Hou Fazeng
- Wang Zhi kaj
- Zhang Baosheng
Em fevereiro de 1964, chegaram os outros três chineses da missão diplomática:
- Wang Yaoting, vice diretor da Companhia Chinesa de Importação e Exportação de Têxteis
- Ma Yaozeng, classificador de algodão
- Song Gueibao, intérprete, para comprar algodão brasileiro
Chineses tiveram o mesmo tratamento dos brasileiros
Os nove chineses foram presos pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Civil do antigo Estado da Guanabara, no Rio. O grupo enfrentou as mesmas atrocidades direcionadas aos presos políticos do país.
Em dezembro de 1964, foram sentenciados a uma década de encarceramento em julgamento de primeira instância. Apresentaram um recurso ao Superior Tribunal Militar (STM), que permanece sem julgamento até os dias atuais.
A defesa foi conduzida pelo advogado Sobral Pinto, notório por sua luta em defesa daqueles perseguidos pelo regime militar, marcado por práticas de tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados de críticos ao governo autoritário.