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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Lula volta à Presidência e encontra país e Congresso divididos - UOL Notícias

 

Lula volta à Presidência e encontra país e Congresso divididos

Do UOL, em São Paulo, 30/10/2022

 

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será presidente do Brasil pela terceira vez. O petista foi eleito neste domingo, em uma disputa acirrada contra o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), e o tamanho da diferença entre ambos no total de votos - pouco mais de 1 ponto percentual, a distância mais acirrada desde 1989 - dá o indício de qual deverá ser a principal missão do vencedor: governar um país dividido e trabalhar com um Congresso de maioria opositora.

Lula obteve a maior votação da história brasileira - às 20h30, somava 60.111.027 votos. O recorde anterior era dele mesmo, em 2006, com 58.295.042 votos. Em nenhum momento, porém, ele abriu uma distância de mais de 2 pontos. Bolsonaro liderou a apuração até as 18h44, assim como ocorreu no primeiro turno, contando principalmente com os votos das regiões Sul e Centro-Oeste. A virada na contagem foi comemorada com gritos, choro e aplausos de aliados políticos que estavam no comitê do PT (Partido dos Trabalhadores).

Em seu primeiro discurso como eleito (leia o pronunciamento completo), Lula admitiu as dificuldades de assumir um país dividido. "A partir de 1º de janeiro de 2023, vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim."

"É uma situação muito difícil, mas tenho fé em Deus que, com a ajuda do povo, vamos achar uma saída para que esse pais volte a viver harmonicamente e a gente possa restabelecer a paz entre as famílias. (...) A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra. Esse país precisa de paz e união. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo."
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito

Ainda no discurso, Lula falou que pretende "construir uma experiência harmoniosa entre os três poderes". A frase funciona como aceno ao Judiciário, atacado inúmeras vezes por Bolsonaro, e ao Congresso, que teve maioria bolsonarista eleita no primeiro turno.

Segundo a colunista do UOL Carolina Brígido, ministros do STF preveem um período de calmaria nas relações com o Executivo após a eleição de Lula.

Logo após a divulgação do resultado oficial deste domingo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), aliado de primeira ordem de Bolsonaro e deputado engajado na candidatura do atual presidente, também fez seu aceno: "É hora de desarmar os espíritos, estender a mão aos adversários, debater, construir pontos, propostas e práticas que tragam mais desenvolvimento, empregos, saúde, educação e marcos regulatórios eficientes. Tudo que for feito daqui para frente tem que ter um único princípio: pacificar o País e dar melhor qualidade de vida ao povo brasileiro", afirmou Lira. "Ao presidente eleito, a Câmara dos Deputados lhe dá os parabéns e reafirma o compromisso com o Brasil, sempre com muito debate, diálogo e transparência."

Durante transmissão no UOL, o colunista Josias de Souza ressaltou a necessidade de Lula fazer um governo amplo para diminuir a divisão no país. "Para que ele tenha êxito, ele terá que já de saída fazer uma pregação pela pacificação nacional, pela união do país, e ele terá que demonstrar já na composição do seu ministério essa disposição de fazer um governo mais amplo, um governo que faça um movimento rumo ao centro e até à direita, eu diria", opinou.

Lula volta ao Planalto três anos depois de deixar a prisão em Curitiba, onde foi condenado pela Justiça após investigações da Operação Lava Jato. A sentença, referendada em segunda instância, tirou do petista seus direitos políticos e a chance de disputar a eleição de 2018 —à época, ele liderava as pesquisas de intenção de voto. Em 2021, as decisões tomadas pelo ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) foram anuladas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) —o que abriu a possibilidade de Lula concorrer novamente.

Bolsonaro: primeiro não-reeleito

Jair Bolsonaro deixa o Palácio do Planalto como primeiro presidente a não conseguir a reeleição, desde que ela foi permitida no Brasil. Com o fim do mandato iniciado em janeiro de 2019, processos em curso que envolvem o presidente podem descer para as instâncias ordinárias, e o atual governante ser julgado pela Justiça comum —o que aumenta as possibilidades de responsabilização penal.

No entanto, como mostra reportagem de Hanrrikson de Andrade, o provável destino da maioria dos processos contra o atual presidente deve ser o arquivamento, a exemplo do que ocorreu com o inquérito sobre possível prevaricação ante denúncias de corrupção na compra de vacinas durante a pandemia da covid-19.

Até as 22h20 deste domingo, Bolsonaro ainda não havia se manifestado sobre o resultado da eleição. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, ele passou a tarde no Palácio do Alvorada, não quis conversar com ministros e se reuniu à noite com o vice em sua chapa, general Braga Netto.

Segundo o colunista do UOL Tales Faria, Bolsonaro pensa na possibilidade de não passar a faixa para Lula no dia da posse do petista, em 1 de janeiro de 2023.


UOL Notícias

Planejando a próxima política externa do Brasil: trechos do livro Apogeu e Demolição da Política Externa - Paulo Roberto de Almeida

 Agora que vamos ter um novo governo, a partir de 2023, encerrando de vez a vergonhosa diplomacia bolsolavista, transcrevo abaixo alguns extratos do capítulo 9 do meu livro: 

Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira 

(Curitiba: Appris, 2021) 

Sumário e apresentação neste link: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/06/apogeu-e-demolicao-da-politica-externa_18.html


9. Um exercício de planejamento estratégico para a diplomacia 

 

Introdução: demolição e reconstrução da diplomacia brasileira

Uma avaliação sumária, e consensual, da diplomacia brasileira e da política externa governamental, desde a inauguração do governo Bolsonaro em janeiro de 2019, não poderia deixar de constatar a imensa perda de qualidade formal e substantiva desses dois vetores da projeção externa do Estado brasileiro, e do próprio Brasil, nos planos regional, hemisférico e mundial, ou até para o próprio país: a política externa deixou de refletir as necessidades e carências do processo brasileiro de desenvolvimento, assim como deixou de corresponder às expectativas que vizinhos e parceiros tradicionais mantinham sobre suas características intrínsecas e sobre as qualidades próprias do corpo diplomático profissional no bom relacionamento do país com todos esses interlocutores externos e no âmbito dos organismos internacionais dos quais o país faz parte. 

(...)

Um trabalho de reconstrução da política externa, na forma e sobretudo no conteúdo, e de restauração dos princípio e padrões elevados de trabalho da diplomacia brasileira – tal como indicado no subtítulo de meu livro anterior, Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (2020) – não poderá ser iniciado antes do final da presente gestão, e não só no que se refere à chancelaria, uma vez que as principais deformações derivam da própria orientação e comando do chefe de Estado, notoriamente incapaz de se corrigir por sua vontade autônoma e que tem sob controle assessores igualmente ineptos e um chanceler manifestamente submisso às ordens dos amadores que fingem entender de diplomacia. Na ausência de uma próxima correção de todas as deformações acumuladas ao longo do período que se estende desde a sua posse, em 2019, cabe, aos próprios membros da diplomacia, assim como a personalidades vocacionadas para a área da política externa, exercer seu talento e conhecimento na formulação de algum planejamento para o futuro da ação internacional do Brasil. 

(...)

9.1. A política externa e a diplomacia no desenvolvimento nacional

A política externa e a diplomacia são coetâneas à própria construção da nação, aliás desde antes mesmo que ela assumisse o formato político de um Estado independente, como brilhantemente demonstrado pela obra que já nasceu clássica do embaixador Rubens Ricupero: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (2017). (...)

(...)

9.1.2. Os desafios: uma matriz dos recursos e das debilidades nacionais

Uma melhor avaliação que se adequaria, sinteticamente, às “fortalezas” e “fraquezas” do Brasil enquanto economia emergente, embora ainda carente de melhores indicadores de produtividade e de inovação, ganharia muito se auxiliada visualmente com uma estrutura tipo SWOT (sigla em inglês para os conceitos de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), tal como reproduzida abaixo. 

 

Quadro SWOT para o Brasil

Ambiente

Fatores Positivos

Fatores Negativos

 

 

 

 

Interno

Grande território; diversidade e abundância de recursos naturais; fontes diversificadas de energia (renováveis, em grande parte); demografia favorável (bônus, alta proporção de ativos); regime democrático estável; expansão da economia de mercado dependente do extremo regulacionismo estatal; população receptiva à globalização, mas tolhida pela ação intrusiva do Estado; talentos individuais disponíveis; grande unidade cultural, mesma língua, sem conflitos religiosos; federalismo atuante, ainda que contraditório; estabilidade econômica afetada pela recessão de 2015-16, não superada ainda; riscos sociais moderados; flexibilidade adaptativa da população e grande tolerância nos costumes e modos de vida; propensão ao multirracialismo.

Exploração predatória dos recursos naturais, exacerbada por novo governo descomprometido com políticas de sustentabilidade em 2019-20; bônus demográfico diminuindo rapidamente, com crescimento acelerado do número de velhos; altos custos previdenciários e de gastos com saúde; baixa capacidade tecnológica de transformação produtiva; matriz energética “poluída” por recursos de fontes fósseis; mercado interno ainda de baixa renda; regime democrático de baixa qualidade, com altos graus de corrupção política; sistema político disfuncional e democracia de baixa qualidade; altos níveis de tributação regressiva; aumento da delinquência e dos particularismos culturais, raciais e de gênero; gastos públicos elevados; baixa produtividade por má educação; burocracia estatal ineficiente.

 

 

 

 

Externo

Enorme capacidade para expandir a oferta de produtos básicos, sobretudo alimentares e minérios; agricultura capitalizada, produtividade garantida por P&D e administração conectada a mercados; lições das crises financeiras e da dívida externa trouxeram menor dependência e altas reservas internacionais; atração de IED, pelas oportunidades de mercado e desvalorização cambial; mão-de-obra sendo formalizada; possível grau de investimento nos próximos anos; diplomacia profissional qualificada, dependente de boa gestão política.

Uso extensivo, mais do que intensivo, dos recursos naturais; políticas setoriais (industrial e comercial) incompatíveis com aumento da oferta externa; má infraestrutura de exportação; baixo coeficiente de abertura externa; poupança interna insuficiente; oferta externa de baixo valor agregado, baixa elasticidade; mão-de-obra protegida, cara; baixa competitividade externa; inserção reativa na globalização; volatilidade das políticas econômicas externas, defensivas; política externa errática, contraditória e ineficiente desde 2019.

Elaboração: Paulo Roberto de Almeida, 08/12/2020

 

Os traços econômicos mais relevantes do Brasil contemporâneo, tanto pelo lado de suas vantagens relativas, quanto pelo lado das limitações percebidas, estão por demais evidentes no quadro acima para merecer elaboração mais detalhada. (...)

(...)

9.2. Campos de atuação da diplomacia e da política externa 

A esfera de atuação dos governos, em geral, e o leque de interesses e de atividades abertos às instituições diplomáticas nacionais, em particular, estão sendo cada vez mais ampliados, em função, justamente, da crescente complexidade dos processos produtivos, da integração e especialização da economia mundial pelo desenvolvimento desigual e combinado das cadeias globais e regionais de valor. Tais características impõem uma sobrecarga sobre as ferramentas diplomáticas, que passam a ter de tratar de uma gama crescente de assuntos nos foros internacionais, multilaterais, regionais e plurilaterais, temas geralmente de base técnico-científica. (...)

(...)

9.2.1. Multilateralismo, regionalismo e bilateralismo como instrumentos

Qualquer técnico médio de uma profissão manual devotado a um bom serviço para seus clientes sabe que uma caixa de ferramentas diversificada e bem guarnecida é a melhor garantia de um trabalho bem feito. As caixas do bombeiro, de mecânico, do técnico precisam ter ferramentas para todos os tipos de parafusos, porcas e roscas. 

Todas as três ferramentas diplomáticas são relevantes, cada uma adaptada a circunstâncias específicas. Pretender privar-se de uma delas — do multilateralismo, por exemplo —, por puro preconceito “soberanista” e inaceitável miopia “nacionalista”, representa uma recusa irracional das simples regras de trabalho do técnico médio. Nenhum serviço diplomático digno desse nome pode pretender desempenhar bem suas funções privando-se dos instrumentos mais adequados a cada contexto negociador. (...)

(...)

9.2.2. A política externa multilateral: interfaces políticas e econômicas

O multilateralismo é, simplesmente, o terreno mais frequente de interações entre Estados soberanos desde pouco mais de um século. A despeito de, por vezes, mais lento e mais complicado, é a melhor garantia de um ambiente sadio para a cooperação externa. Apenas grandes impérios autossuficientes têm a pretensão — mas muitas vezes ilusória — de atuar sozinhos nos foros externos e internacionais. Certamente não é o caso do Brasil; mas, mesmo sendo o maior país no âmbito regional, o Brasil teria muito mais vantagens em atuar de maneira uniforme, isto é, multilateral, com seus vizinhos.

O multilateralismo é a forma predominante da cooperação entre Estados num ambiente cada vez mais interdependente como é o nosso atualmente, mas ele não elimina a cooperação regional e a bilateral para objetivos mais específicos em temas mais sensíveis (segurança, por exemplo). No caso de Estados pequenos, ou dotados de meios modestos de defesa de seus interesses concretos, o multilateralismo pode oferecer salvaguardas relativamente eficientes para defender-se dos abusos dos poderosos. No plano econômico, é evidente que o ambiente multilateral oferece maiores oportunidades de acesso a mercados e regras uniformes do que regras específicas para alguns poucos membros ou participantes em esquemas mais restritos, regionais ou plurilaterais. 

 

9.2.3. A geografia política e a geoeconomia global das relações exteriores

Apenas noções antiquadas de geopolítica pretendem limitar a esfera dos interesses nacionais ao âmbito de uma geografia determinada, ainda que de alcance regional ou mesmo mundial. A complexa estrutura da economia mundial contemporânea determina, quase que de modo imediato, uma imbricação necessária das economias nacionais, que de resto já funcionam em interdependência crescente, não tanto em função de determinações e escolhas governamentais, mas sobretudo em função de decisões tomadas em nível microeconômico, por parte das empresas privadas, que atuam segundo seu próprio cálculo de modo independente para uma alocação ótima de investimentos diretos. Critérios básicos nesse terreno são a abertura econômica, a criação de um ambiente favorável aos investimentos estrangeiros e a liberalização comercial de modo amplo, se possível ou necessário de modo unilateral. (...)

(...)

9.2.4. América do Sul: eixo de um espaço econômico integrado

Durante aproximadamente um século – e a despeito de uma inclinação inicial do regime imperial, sobretudo nas Regências, por uma diplomacia sul-americana –, a referência básica da diplomacia regional brasileira apoiava-se no conceito político de América Latina, que na verdade era mais terminológico do que prático, pois nunca houve, de verdade, uma articulação concreta em torno de objetivos “latino-americanos” comuns, além da confrontação vaga com o grande vizinho do Norte. (...)

(...)

Independentemente, dessas tribulações de antes e de agora, de avanços e recuos no eterno e recorrente projeto de integração regional, é certo que a América do Sul pertence orteguianamente à nossa circunstância, e como tal oferece ao Brasil a grande oportunidade de realizar o velho sonho da constituição de um amplo espaço econômico integrado, e isso só pode ser feito sob a liderança do Brasil, não naquele conceito de comando e controle, como costumam ser os projetos imperialistas, mas num conceito de abertura unilateral de seus mercados a todos os vizinhos sul-americanos, sem exigências de contrapartida ou reciprocidade. O Brasil seria capaz de fazer isto, pelo vigor de sua economia, pelos avanços de sua tecnologia e pela capacidade de absorver os produtos agrícolas e industriais, os serviços de todos os seus vizinhos. Mas, o Brasil será capaz de fazer isso? A resposta dependeria, obviamente de algum estadista diplomático.

 9.2.5. O multilateralismo econômico: eixo da inserção global do país

Participante da conferência de Bretton Woods, em 1944 (que criou o FMI e o Banco Mundial), fundador do Gatt, em 1947 (ainda que não gostasse dele no início), participante da conferência de Havana, em 1948 (que criou uma primeira organização internacional do comércio, mas que não entrou em vigor), animador de diversas outras conferências econômicas internacionais (geralmente sobre produtos de base) e da reforma do Gatt, em 1964, quando também passou a ser um dos principais “agitadores” da Unctad e de todas as demais iniciativas de criação de uma “nova ordem econômica internacional”, debatedor ativo em praticamente todas as rodadas de negociações do Gatt e, depois, da OMC, o Brasil sempre foi, a despeito de um baixo coeficiente de abertura externa, um grande promotor de reformas no sistema multilateral de comércio e nas demais iniciativas na frente das relações econômicas internacionais, e como tal tem todo interesse em reforçar uma estrutura de normas a serem seguidas por todos os países participantes, evitando o arbítrio unilateral a que recorrem alguns sócios poderosos. 

(...)

9.2.6. Ambientalismo e sustentabilidade: eixos dos padrões produtivos

Apenas a franja lunática de céticos políticos nega as evidências de mudanças climáticas sob a ação da economia industrial e da diminuição da cobertura vegetal natural pela atividade agrícola e de criação, mudança que se faz não apenas no sentido do aquecimento global, mas também da poluição e da diminuição de espécies animais. Infelizmente este é o quadro no Brasil de Bolsonaro, sendo que tais posturas estão sendo implementadas contra os interesses do próprio Brasil, nomeadamente o seu setor do agronegócio, mas também com graves efeitos na sua imagem internacional, pois que combinadas ao negacionismo do presidente e de vários de seus ministros em várias esferas do debate internacional do meio ambiente e da cooperação científica mundial.

(...)

9.2.7. Direitos humanos e democracia: eixos da proposta ética do país

Existem acordos, resoluções, declarações, cortes e decisões na área dos direitos humanos, a começar pela Declaração de 1948 e todos os demais instrumentos setoriais que foram sendo criados desde então nessa área crucial dos progressos civilizatórios. Com a democracia, a situação é mais fluída, pois existem menos instrumentos e meios de comprometimento com um conjunto de cláusulas básicas, de seguimento de suas poucas disposições e de monitoramento de seu cumprimento: o Compromisso Democrático da OEA, por exemplo, é bem mais abrangente e avançado do que o Protocolo Democrático do Mercosul, que só pode ser acionado se houver “ruptura democrática”: ou seja, se o eventual membro (como ocorreu com a Venezuela, quando fazia parte) tiver eleições razoavelmente legítimas, mas destruir a democracia por dentro (como aliás vem ocorrendo até em países membros da UE), pode continuar no bloco sem problemas. Nada disso impede o Brasil e sua diplomacia de serem impecáveis em matéria de direitos humanos e de respeito ao espírito e ao conteúdo mesmo dos sistemas democráticos mais avançados, o que está longe de ser o caso no Brasil atualmente. (...)

(...)

9.2.8. Blocos e alianças estratégicas na matriz externa

Blocos e alianças estratégicas deveriam ser como esses remédios de tarja preta, que só podem ser receitados em condições especiais, depois de um bom exame do paciente, da avaliação de seus efeitos colaterais e com um bom seguimento regular por especialistas na questão. Tais agrupamentos têm sido sobre-estimados e sobretudo vendidos a um preço acima de seu valor de mercado. Ao longo da história, muitos desses grupos foram constituídos, geralmente com objetivos econômicos ou de defesa.

Os mais frequentes são os blocos de comércio, mas mesmo aqui, as variedades são muitas, desde os analgésicos das áreas de preferências tarifárias (como os acordos da Aladi, e vários outros pelo mundo, sobretudo entre países em desenvolvimento), ao fortificante das zonas de livre comércio (são centenas e centenas já registradas na OMC (como a EFTA, por exemplo, embora algumas fossem bem mais musculosas, como o antigo Nafta), à vitamina da união aduaneira (o próprio Mercosul é uma, mas parece uma colcha de retalhos, muito perfurada), à anfetamina do mercado comum (o que gostaria de ser o Mercosul, mas ainda não consegue, e que corresponde à Comunidade Europeia nos anos 1960), passando depois aos antibióticos das uniões econômicas e monetárias (só a União Europeia adentrou por essa via, não considerando os países que renunciaram a ter moeda própria), até chegar nos barbitúricos da união política (por vezes por incorporação voluntária ou consentida, em outras por absorção). 

(...)

9.2.9. Relações com parceiros bilaterais e regionais

Existem os que podem ser escolhidos, por afinidade política, por intensidade de laços humanos e econômicos, e aqueles que não podem ser escolhidos, que são dados pela natureza e pela história, por contiguidade geográfica ou por vínculos profundos, derivados da própria formação do país e seu desenvolvimento ulterior. O Brasil esteve mais vinculado a Portugal e à Europa durante a maior parte de sua história, depois teve nos Estados Unidos seu principal parceiro para quase tudo, adquirindo agora um grande parceiro comercial e provedor de investimentos e outras vantagens econômicas, numa conjuntura da história mundial em que a Ásia, e a Ásia Pacifico em especial, voltará a ser a região mais rica do mundo, como já foi no passado, superando o mundo norte-atlântico, que dominou a economia (e a política) mundial nos últimos cinco séculos. 

(...)

9.2.10. Vantagens comparativas e exploração de novas possibilidades

Vantagens comparativas, justamente, constituem a base sobre a qual se assentam os duplos fluxos, in e out, que todo país mantém com todos os demais, à base das assimetrias naturais que são as que sustentam as interações de todos os tipos. O Brasil tem inúmeras vantagens comparativas, absolutas e relativas, e uma análise prospectiva pode revelar em quais direções o país deve dirigir os seus esforços de investimento nos próximos anos, o que exige, obviamente, um governo que escape do jogo mesquinho da política corrente para visualizar os cenários futuros abertos ao engenho e arte do povo brasileiro, dos seus agentes econômicos, dos seus artistas, músicos e esportistas. O mapa diplomático brasileiro é um dos mais extensos do mundo, o que deveria facilitar um esforço de identificação de tendências de consumo e de desenvolvimento em cada um dos países nos quais temos representação. Por uma vez, caberia, sem descurar nossas vantagens baseadas em recursos naturais dos últimos 500 anos, explorar as futuras vantagens, com base na projeção do que podemos fazer no quadro da economia do conhecimento e da sustentabilidade.

 

9.2.11. Integração política externa e políticas de desenvolvimento

Essa integração sempre existiu, mesmo quando se tratava de defender o tráfico e a escravidão, ou a defesa dos interesses do café e da “valorização” das matérias primas de modo geral. Na fase da industrialização, a postura foi mais defensiva, na justificativa das medidas protecionistas, restritivas e de atração de investimentos. A verdade é que poucos diplomatas se distinguiram na exposição de ideias econômicas que destoassem do consenso geral das elites dominantes, do contrário o Brasil poderia ter exibido uma trajetória mais positiva de desenvolvimento econômico, o que poderia ter sido por eles registrado em alguns exemplos asiáticos que tiveram desempenho bem superior ao do conjunto da América Latina até recentemente. (...)

(...)

9.3. O Itamaraty como força motriz da inserção global do Brasil

Não tenho certeza de que o Itamaraty possa servir de força motriz, ainda que ele deveria se esforçar para fazê-lo. Ele tem excelente quadros, gente muito bem preparada e experiente, mas a própria Casa é muito conservadora, muito recatada, quando não submissa aos dirigentes do momento. Para ser força motriz, a Casa ou seus integrantes deveriam oferecer ideias próprias, baseadas no conhecimento profundo que eles devem ter sobre o Brasil e na experiência adquirida na observação atenta de fatos e processos ocorridos na história e na trajetória recente de outros países, todos eles, os bem sucedidos e os fracassados (pois se retiram mais ensinamentos destes últimos do que dos primeiros). Os diplomatas deveriam ousar mais, se é que pensam poder oferecer subsídios a um novo processo de desenvolvimento nacional.

(...)

9.3.1. Gestão da Casa, com base nas melhores práticas da governança

Sempre considerei que, com seus sacrossantos princípios militares da hierarquia e da disciplina, o Itamaraty sempre foi mais feudal do que weberiano, embora tenha sido também razoavelmente meritocrático. Ele consagra, em todo caso, o esforço daqueles que oferecem dedicação integral à Casa, ainda que a custa de certo compadrio e de algumas relações de vassalagem, numa burocracia de boa qualidade que deveria ser bem mais executiva do que relacional. Mas ele não é exatamente patrimonialista, uma praga que infesta várias outras administrações brasileiras, mesmo se alguns barões da Casa tenham aproveitado situações de prestígio e de certa promiscuidade com outros membros das elites do poder para circular entre bons postos no exterior e chefias na Secretaria de Estado, criando uma certa aristocracia da diplomacia. Poucos são os diplomatas de origem modesta que galgaram o cimo da carreira, mas os que o fizeram foi à custa de muito estudo, muito trabalho, bastante dedicação e algumas janelas de oportunidade que podem surgir em determinados momentos da política brasileira.

Uma gestão moderna da Casa teria de preservar as tradições e peculiaridades do serviço diplomático e combiná-las a métodos de trabalho desenhados para a gestão de uma complexa rede de postos no exterior, muito desiguais entre si, e de uma Secretaria de Estado que tampouco pode funcionar como um ministério entre outros. Um bom diagnóstico da situação presente poderia ser feito por uma dessas firmas de organização e métodos, mas isso provavelmente não seria suficiente para um novo esforço de modernização do funcionamento da Casa e dos postos no exterior. O mais provável seria mobilizar mais uma vez a competência dos diplomatas espalhados pelos grandes postos para um grande estudo comparativo sobre a estrutura burocrática e os métodos de trabalho, de comunicação e de processamento das informações com os postos no exterior desses grandes países. Mas teria de ser preciso, mais do que tudo, encontrar um diplomata com alma de burocrata, para processar tudo isso e oferecer algum diagnóstico, em grupo de trabalho, para a partir daí definir as grandes linhas da próxima reforma (elas são sempre necessárias).


Para acesso integral ao livro e aos seus textos, pode ser encomendada à Editora Appris ou à Amazon.


domingo, 30 de outubro de 2022

Como o Brasil se posicionaria caso ocorresse um ataque com armas nucleares por parte da Rússia? - André Amaral (A Referência)

Como o Brasil se posicionaria caso ocorresse um ataque com armas nucleares por parte da Rússia?

Com histórico de respeito à segurança dos povos e busca pela solução pacífica de conflitos, país até agora se mantém neutro quanto ao conflito entre Moscou e Kiev, que pode evoluir para uma detonação nuclear 


André Amaral

A Referência, 30/10/2022


Não há espaço para blefes. A possibilidade de a Rússia lançar um ataque nuclear contra a Ucrânia, levantada pelo presidente Vladimir Putin e seus aliados nas últimas semanas, é real e tem deixado Kiev e o Ocidente apreensivos. Enquanto isso, a diplomacia age para tentar proteger a humanidade do maior perigo em 60 anos, quando o mundo ficou a um passo de uma guerra avassaladora durante a Crise dos Mísseis de Cuba, sob o contexto da Guerra Fria.

Em solo ucraniano, as tensões são superlativas. Em entrevista à rede ABC News nesta semana, Oleksandr Syrskiy, comandante-chefe do exército do país invadido, foi questionado sobre seu grau de preocupação e se ele acha que o mundo deveria compartilhar seus temores quanto ao uso iminente de armas nucleares pelas forças inimigas.

“Estamos e devemos estar preocupados”, disse Syrskiy em resposta. “E eu acredito que essa ameaça realmente existe e temos que levar isso em consideração”.

Uma imagem contendo grupo, em pé, homem, praia

Descrição gerada automaticamenteEncontro entre líderes: Bolsonaro durante visita a Moscou em fevereiro (Foto: Kremli.ru/Divulgação)

Diante da ameaça, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) arregaçou as mangas e iniciou uma rodada de exercícios nucleares simulando o lançamento de bombas “táticas” B61 sobre a Europa. 

Já nos EUA, o presidente Joe Biden ligou o sinal vermelho e deixou um recado que ninguém queria ouvir: o de que o mundo pode se preparar para o Armageddon no caso de seu homólogo russo colocar uma arma nuclear tática no front para tentar vencer o conflito iniciado em fevereiro.

Com exceção de países como BelarusIrã Coreia do Norte, a comunidade internacional repudia a guerra. Mas nem todo o mundo isolou a Rússia. Quando se viu pressionado por sanções ocidentais de todos os lados, à medida que sua economia se deteriorava, Vladimir Putin foi buscar um braço amigo em “parceiros internacionais confiáveis”. Em particular, o Brics, agrupamento de países de mercado emergente do qual faz parte ao lado de Brasil, Índia, China e África do Sul. 

Nesse cenário, China – aliada de primeira ordem, apesar de alegar neutralidade – e Índia surgiram como principais financiadores do Kremlin durante a guerra. Parece haver alguma sinergia entre a autocracia do regime russo, a vigilância estatal de Xi Jinping e o ultranacionalismo de Narendra Modi. 

Mas, e no caso de uma ofensiva nuclear, qual poderia ser a postura do Brics? E principalmente: qual seria o posicionamento da maior economia da América do Sul, velha parceira comercial russa, especialmente no agronegócio

E se… ?

Para Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o velho “bom mocismo” do Brasil seria colocado à prova caso uma situação que não é vista há quase 80 anos – a última foi em Hiroshima, em 1945 – venha a ocorrer. Mas a atitude não deve causar surpresa.

“É difícil ter uma perspectiva precisa, porque um ataque nuclear seria um fato inédito desde a Segunda Guerra Mundial. Mas acredito que a veia pacifista do Brasil, no sentido de estabelecer relações cordiais e em defesa do direito internacional, que prevalece na política externa brasileira historicamente, impulsionaria o Brasil a condenar a utilização desse tipo de artefato”, supõe Brites. 

Sendo assim, o professor aposta que o país se colocaria numa posição “mais de mediador”, chamando os Estados à razão. 

“Vejo o Brasil com um discurso de que ‘o uso daquele tipo de armamento fere o direito internacional, que prejudica os povos e que pode trazer uma série de consequências para a ordem internacional’. E não acredito numa condenação que vá além disso. Porque essa é a posição que diplomática e historicamente o país atribui a si próprio. O Brasil é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN) e tem um discurso muito vinculado do uso da energia nuclear para fins pacíficos. Então, acho que tudo isso pesaria numa eventual situação do tipo”, disse.

Caminhão de bombeiros

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaMíssil russo com capacidade nuclear (Foto: reprodução/Facebook)

No caso de um posicionamento do Brasil que desagrade, além da Rússia, também China e Índia, causando desconforto no Brics, Brites observa como algo improvável. Isso porque, segundo ele, o bloco “já teve dias melhores” e hoje há um certo afastamento. 

“Não vejo que isso possa gerar uma grande divergência a um nível máximo que cause danos no Brics mais do que esse afastamento dos últimos anos já tenha gerado”. 

Para o professor, é muito provável que Beijing não faria qualquer discurso condenatório ao Brasil e igualmente lançaria mão de uma narrativa “clamando à razão e ao distensionamento”. E Nova Délhi faria igual.

“Uma eventual utilização de armas nucleares deixaria cautelosas tanto a China quanto a Índia, porque são países que não querem ver uma escalada muito crítica nas questões de competição entre as grandes potências. Principalmente Beijing, e isso ficou claro no último Congresso do Partido Comunista Chinês“, avalia Brites. 

Já da parte da Rússia, a recepção à decisão brasileira pode ser outra. Uma incógnita. “Por ser efetivamente o ator responsável por esse eventual ataque, aí o contexto é um pouco diferente”, acrescentou.

Inclinado à paz

Em 2017, o Brasil, presidido então por Michel Temer, confirmou sua vocação pacífica ao ser o primeiro a assinar na sede da ONU (Organização das Nações Unidas) em Nova York o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN). Mais de dois terços dos 86 Estados-membros fizeram o mesmo.

Segundo nota do Itamaraty à época, o país estava engajado com os esforços em prol do desarmamento nuclear e assumiu “compromisso constitucional com o uso pacífico da atividade nuclear e com a prevalência dos direitos humanos e do direito internacional humanitário nas relações internacionais”.

Brasil perde espaço nas discussões

Cristian Wittmann, membro do comitê gestor da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (Ican) e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no Rio Grande do Sul, é um personagem atuante da luta antinuclear no mundo, inclusive tendo acompanhado in loco a assinatura de Temer em setembro de 2017. Como integrante da entidade ganhadora do Nobel da Paz de 2017, ele falou para A Referência sobre a forma como Brasília participa da discussão global pela eliminação completa de armas de destruição em massa e das tratativas diplomáticas para que elas nunca mais sejam usadas.

Segundo ele, embora o Brasil tenha sido o primeiro país a assinar o TPAN, em vigor desde 22 de janeiro de 2021, há uma morosidade para sua ratificação, que ainda tramita na Câmara dos Deputados.

“O Brasil hoje vive num cenário muito curioso, para não dizer espantoso, que é o fato de um procedimento rápido que poderia já ter sido ratificado, em perfeita sintonia com as aspirações históricas do país e com nossa constituição federal, permanece inerte junto à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Obviamente, isso traz uma consequência negativa”, disse Wittmann. 

Teste nuclear no Atol Enewetak, nas ilhas Marshall, Estados Unidos, em 1 de novembro de 1952Teste nuclear no Atol Enewetak, nas ilhas Marshall, Estados Unidos, em 1º de novembro de 1952 (Foto: Governo dos EUA/Divulgação)

Ele relata que o país esteve presente na primeira reunião das partes contratantes do TPAN, realizada em junho em Viena, na Áustria. Uma participação um tanto quanto discreta.

“É uma vergonha e tanto o Brasil, que era parte do chamado ‘núcleo duro’ do Core Group [Grupo Central de Negociadores do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares], que negociou o tratado e estabeleceu em sintonia com outros seis países suas cláusulas, impulsionando reuniões em um trabalho árduo da diplomacia brasileira nas últimas décadas, chegar na primeira reunião com os Estados-parte do TPAN, um encontro tido como fundamental para estabelecer uma série de segmentos para a implementação do tratado, e participar como observador”, lamentou.

Para Wittmann, este foi um mau indício. “É um sinal muito ruim, simbolicamente, mas também é ruim pragmaticamente porque, enquanto observador, o Brasil não teve capacidade de voto, ou seja, não teve a mesma capacidade de contribuir de forma ativa como outras democracias presentes. E isso nos coloca numa posição muito negativa”. 

Além de aspectos relacionados a armas nucleares, Wittmann trabalha com desarmamento humanitário, com foco em sistemas letais autônomos, tecnologia de inteligência artificial, robótica, minas terrestres antipessoal, bombas de fragmentação (cluster bombs) e comércio de armas. Com vasta trajetória, ele já levou esses temas a inúmeras audiências públicas e reuniões bilaterais no Brasil e fora. Em Brasília, o assunto tem sido difícil de levar adiante, segundo ele. 

“Nos colocamos à disposição para uma audiência pública, solicitada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e, infelizmente, ela não aconteceu. Para nossa preocupação, o relator, o deputado Orleans Bragança (PSL-SP), quando se manifesta sobre o TPAN, costuma ser crítico. Não sei se por uma má compreensão do instrumento ou por um anseio pessoal de que talvez armas nucleares possam ter algum benefício, do que discordamos completamente”, disse. 

O Ministério das Relações Exteriores, segundo Wittmann, também não tem levado esse tema como um assunto principal da sua agenda, diferentemente do que ocorria no passado, quando o Brasil estava mais atuante na Coalizão da Nova Agenda (NAC, da sigla em inglês), iniciativa que reúne em alto nível representantes de ministérios e secretarias gerais no âmbito de levar a pauta do desarmamento nuclear. 

“Hoje, dentro desse cenário político conturbado, o Brasil não avança nessa temática”, acrescentou.

Nem sempre foi assim. O membro da Ican ressaltou o exemplo de país pacifista dado pelo Brasil, que deu grande contribuição para a solução de diferentes dilemas do mundo. 

“A questão do desarmamento nuclear sempre foi uma prioridade dentro da nossa política externa, inclusive no âmbito regional, como ocorre entre Brasil e Argentina pela Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares), que é um exemplo para o mundo de como duas nações conseguem estabelecer um mecanismo conjunto de verificações e acompanhamento desses materiais”, disse Wittmann. 

Também por isso, não à toa, o país é reconhecido como um dos líderes da NAC (composta também por África do Sul, Egito, Irlanda, México e Nova Zelândia), através da qual vários avanços nas tratativas sobre o desarmamento nuclear foram alcançados com a participação brasileira, relata Wittmann. 

Para ele, “a vocação pacífica brasileira não é só uma vocação”: ela serviu de instrumento para implementar no mundo o respeito à segurança dos povos e a solução pacífica dos conflitos. E poderia fazer a diferença na atual guerra em andamento no leste europeu.

“O Brasil teria, em situações normais, muito a contribuir para o encontro de uma solução pacífica no conflito da Ucrânia, sendo uma voz muito enérgica quanto à impossibilidade, à ilegalidade do eventual uso ou até mesmo do que estamos vendo hoje da ameaça de uso de armas nucleares”, observou. 

Segundo Wittmann, é um contexto em que o Brasil, também pelo comportamento prostrado de outras nações, deixa de advogar em prol da segurança global, como agiu tantas vezes.

“Deveria haver um compromisso sério de ambos os grupos, seja dos que defendem Moscou, seja dos que defendem Kiev, como é o caso da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que todos esses envolvidos não só fizessem declarações, mas principalmente adotassem um compromisso de não usar armas nucleares em qualquer hipótese. Então, sem dúvida, o Brasil em situações normais, seria um dos principais advogados, tratando do bem comum e ajudando a evitar uma eventual detonação nuclear”.

A reportagem tentou contato com o deputado federal Pedro Vilela (PSDB-AL), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, além de outros integrantes, mas não obteve resposta para tratar sobre a ratificação do TPAN.

Por que isso importa?

Calcula-se que a Rússia tenha à disposição de suas forças armadas cerca de 1,9 mil ogivas nucleares táticas, o maior arsenal do tipo no mundo. E a facilidade de dispará-las cria um problema, vez que podem partir da maioria dos jatos das forças armadas russas, bem como de lançadores de foguetes e mísseis convencionais.

“Quase todas as armas dos russos têm capacidade nuclear. Se for um sistema de artilharia, se for um sistema de defesa aérea, se for um torpedo, se for um míssil de cruzeiro, pode ter uma arma nuclear”, disse ao site Politico um ex-funcionário sênior do Conselho de Segurança Nacional que ainda assessora o Comando Estratégico dos EUA e não quis se identificar.

Dessa forma, é praticamente impossível saber quando a Rússia substituiu munição convencional por nuclear em seus jatos ou lança-foguetes. “Para essas armas nucleares menores, provavelmente não saberemos”, disse outra autoridade norte-americana com acesso às informações de inteligência sobre a Rússia e que igualmente falou sob condição de anonimato.

O eventual ataque poderia, inclusive, sequer partir do território russo. No final de agosto, o presidente de Belarus Alexander Lukashenko direcionou uma ameaça clara ao Ocidente ao anunciar que as forças armadas do país modificaram seus aviões militares para que sejam capazes de carregar ogivas nucleares.

 

CARTA AS FORÇAS ARMADAS: É A CONSTITUIÇÃO, ESTÚPIDO!! -JAMIL CHADE e KAKAY

 CARTA AS FORÇAS ARMADAS: É A CONSTITUIÇÃO, ESTÚPIDO!!

JAMIL CHADE e KAKAY 

Senhores militares,

Neste fim de semana, vocês poderão definir o destino da democracia no Brasil. E, portanto, de milhões de brasileiros. Vimos, nos últimos dias, como a campanha de Jair Bolsonaro tentou tumultuar o processo eleitoral no país, bombardeou a sociedade com desinformação e intensificou o ódio.


Alguns de seus porta-vozes chegaram a falar sobre a possibilidade de adiar o segundo turno, o que na prática seria um golpe. Quem tem a ousadia de defender essa tese desconhece que seria necessário mudar o artigo 77 da Constituição Federal. Contudo, uma das características desses golpistas é desprezar a ordem constitucional. Sem usar subterfúgio, é outra tentativa de romper com a institucionalidade democrática.


Por mais que ocupem os microfones de rádios amigas ou façam circular a ideia nas redes sociais, tais forças autoritárias sabem que essa fraude apenas pode prosperar se contar com a disposição, ajuda logística e manobra dos senhores.


Portanto, qualquer adesão a esse movimento não fará vocês cúmplices de um ataque contra a democracia. Mas protagonistas de um pesadelo. Clemenceau teria dito que a guerra é um assunto sério demais para ser deixado aos generais. Imaginem, então, o sonho democrático.


É fundamental saber que não existe golpe dentro das normas constitucionais. Todo golpe é contra a Constituição e o povo. A recente tentativa do presidente da República de fazer uma subleitura vulgar do artigo 142 da Constituição, querendo dar às Forças Armadas o papel de tutoras da nação, foi rechaçada com veemência pela sociedade e, honra se faça, pelas próprias forças armadas.


Certamente não é de hoje que se debate o papel dos militares numa democracia. Platão já fazia isso. Por séculos, era o exército que determinava a fonte de poder de um soberano. Mas, ironicamente, sua ameaça.


Uma vez estabelecida uma democracia, uma das mágicas nas entrelinhas das leis é a de proteger o estado de políticos com ambições militares. E, claro, de generais com ambições políticas.


Em países onde houve uma transição entre ditaduras e regimes democráticos, foi o fortalecimento de normas que definem o papel das forças armadas que conseguiu desmontar eventuais pretextos e gatilhos para que militares justificassem uma tomada do poder. E, cumpre deixar claro, a transição no Brasil se deu com muito conforto para as forças armadas. Para alguns, com um exagerado conforto.


Ao longo do século 20, vimos como forças armadas de alguns dos governos mais sanguinários da história conseguiram promover uma dolorosa transição e reforma em direção a valores democráticos. Talvez um dos grandes exemplos tenha sido na Alemanha, com a democratização da missão do Bundeswehr.


Em alguns locais, os soldados podem ter amplos direitos políticos. Em outros, como na Espanha pós-franquista, militares não podem sequer se filiar a um partido, o que seria considerado já um ato político.


Mas há um consenso: nenhuma democracia pode de fato se qualificar como consolidada até que as forças armadas daquele país estejam verdadeiramente sob um controle democrático.


As insinuações de ruptura institucional por parte do comandante em chefe têm que ter o repúdio não só da sociedade civil, mas especialmente das Forças Armadas. A Constituição que nos rege é uma só e todos devemos obediência a ela.


Não se trata apenas de um "controle civil" sobre as forças armadas. Afinal, os senhores e nós sabemos que uma ditadura pode muito bem ter, em seu posto de suposto comando, um fantoche civil para camuflar quem, de fato, mantém as rédeas de um país.


Senhores,


A democracia vai muito além do voto, da urna e das instituições. Na base, ela é um pacto pelo qual aceitamos a tolerância e a confiança como registros de uma convivência. Uma espécie de cultura que prevê a derrota, que considera a oposição como legítima e necessária.


Um sistema onde o vitorioso se compromete a defender aqueles que não votaram por ele e aplicar políticas que melhorem suas vidas, da forma que eles queiram vivê-las.


Um golpe, portanto, não é apenas uma manobra com impacto político. Mas um tsunami nas regras que regem hoje a sociedade brasileira. A abertura de um processo perigoso de retirada de direitos, de esperança e de sonhos. A instauração do medo permanente, da desconfiança e da vitória do ódio em nosso cotidiano.


Na realidade, qualquer golpe é contra a dignidade das Forças Armadas, que deve fazer cumprir a Constituição, mesmo e principalmente, contra quem detém o poder e ousa usurpá-lo.


Portanto, escrevemos essa carta para fazer um apelo direto: não ousem respaldar um golpe.


O país precisa dos senhores, mas justamente dentro do mandato que o pacto da sociedade estabeleceu. Assumam a democracia como a maior arma que a nação brasileira pode ter. Qualquer tentativa de ruptura constitucional deve unir a sociedade e as forças armadas no absoluto respeito à constituição da república.


A história será implacável e não poupará nenhum dos senhores caso optem por outro caminho.


Saudações democráticas,


Jamil Chade e Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Pequena reflexão sociológica sobre o Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Pequena reflexão sociológica sobre o Brasil

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre a escolha eleitoral que deveremos fazer nesta data.

 

 

Segundo Ludwig von Mises, o capitalismo é uma espécie de ditadura do consumidor: gostou do produto, pela qualidade-preço, continua comprando, do contrário simplesmente o rejeita.

Na democracia, é o eleitor que é o ditador circunstancial e momentâneo, e toma a mesma atitude do consumidor: aprova ou rejeita o “produto” oferecido. 

Temos essa oportunidade hoje, de exercer esse poder temporário.

O Brasil me parece ser um país ainda capitalista, mas há controvérsias. Eu, na verdade, o prefiro bem mais capitalista, ou seja, com ampla liberdade para escolher o que vou consumir.

Você está contente com o que lhe foi oferecido nos últimos quatro anos?

Acho que foi bom, está bem, pretende continuar assim? Acredita que o Brasil melhorou, ficou mais alegre e confiante?

Pretende renovar sua confiança no atual produto ou quer experimentar outra coisa?

Este é o seu dia consumidor-eleitor: pense, compare, exerça o se fugaz direito de ser um pequeno ditador de sua própria vida e do destino do país em que vive.

Eu já pensei, segui o itinerário do país nestes quatro anos e conclui que o “capitalista” de plantão é um total inepto, nada do que fez melhorou minha vida ou a do país: democracia, bem-estar, meio ambiente, civilidade, atenção aos mais pobres, respeito pela vida humana.

Olhando objetivamente constato que ficamos menos solidários, destruimos o meio ambiente, deixamos crianças passar fome, a educação se deteriorou, a civilidade diminuiu, a dignidade da vida humana deixou de ser respeitada.

O Brasil ficou mais dividido do que jamais o foi, e não creio que se possa construir uma nação com base em fraturas de tal magnitude.

Dotado desse poder que me é conferido momentaneamente pelo nosso ainda frágil capitalismo-democrático, pretendo trocar de produto e o faço conscientemente.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4261: 31 outubro 2022, 1 p.


 

 

Congresso Mundial de Ciência Politica: Hugo Supo, Os populismos

WC2023 Logo
IPSA / AISP Logo
27th World Congress of Political Science
27ième Congrès mondial de science politique
27o Congreso Mundial de Ciencia Política
15-19 JULY 2023  |  BUENOS AIRES, ARGENTINA

https://wc2023.ipsa.org/wc/congress-theme


Los populismos en el siglo XXI

Type
Open Panel
Language
Spanish
Format
In Person
Description

El siglo XXI será el siglo de los populismos según algunos autores. Fenómeno celebrado por unos y satanizado por otros, de difícil precisión conceptual, el populismo suscita interminables debates sobre su “esencia” y sus causas y, sobre todo, sus consecuencias para los sistemas democráticos. También suscita muchas preguntas: ¿es una estrategia política?, ¿es un instrumento de movilización?, ¿es una ideología?, ¿es una ética democrática?, ¿es un discurso?, ¿es un estilo de comunicación simple?
Con el tiempo, se desarrollaron múltiples enfoques teóricos y tipologías, principalmente a través de estudios de casos. Como resultado de esta falta de delimitación clara del populismo como concepto y fenómeno, existe un impasse teórico con profundas implicaciones políticas. Sin embargo, independientemente del enfoque interpretativo o normativo que se utilice, el populismo debe entenderse como una especie de respuesta a los problemas contemporáneos, particularmente por su alta capacidad de penetración en diversos ámbitos y temáticas: partidos políticos, movimientos sociales, nacionalismo, fascismo,  política, identidades, género, religión, medios y migraciones. Por tanto, el objetivo de este panel es ofrecer, desde una perspectiva multidisciplinar, una actualización de las reflexiones sobre el populismo en el siglo XXI – llamado, por algunos autores, neopopulismo para diferenciarlo del populismo "clásico".

Session

representation.

The 2023 IPSA World Congress will be an onsite event with a limited number of virtual-only panels.