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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Texto do discurso de Lula na 78a Assembleia-Geral da ONU (19/09/2023)


Leia a íntegra do discurso de Lula na Assembleia-Geral da ONU

Presidente retorna ao principal palco internacional após mais de dez anos com a promessa de recuperar imagem do Brasil

Folha de S. Paulo, 20/09/2023

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/09/leia-a-integra-do-discurso-de-lula-na-assembleia-geral-da-onu.shtml


Meus cumprimentos ao presidente da Assembleia-Geral, embaixador Dennis Francis, de Trinidad e Tobago. É uma satisfação ser antecedido pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Saúdo cada um dos chefes de Estado e de governo e delegadas e delegados presentes.

Presto minha homenagem ao nosso compatriota Sérgio Vieira de Mello e 21 outros funcionários desta organização, vítimas do brutal atentado em Bagdá, há 20 anos. Desejo igualmente expressar minhas condolências às vítimas do terremoto no Marrocos e das tempestades que atingiram a Líbia.

A exemplo do que ocorreu recentemente no estado do Rio Grande do Sul, no meu país, essas tragédias ceifam vidas e causam perdas irreparáveis. Nossos pensamentos e orações estão com todas as vítimas e seus familiares.

Senhoras e senhores, há vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez. E disse, naquele 23 de setembro de 2003: "Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento mundial sejam de confiança na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de convivência."

Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade. Naquela época, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática. Hoje, ela bate às nossas portas, destrói nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos a nossos irmãos, sobretudo os mais pobres.

A fome, tema central da minha fala neste Parlamento mundial 20 anos atrás, atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã. O mundo está cada vez mais desigual.

Os dez maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade. O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe.

A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida. Se irá fazer todas as refeições ou se terá negado o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar diariamente.

Se terá acesso à saúde, ou se irá sucumbir a doenças que já poderiam ter sido erradicadas. Se completará os estudos e conseguirá um emprego de qualidade, ou se fará parte da legião de desempregados, subempregados e desalentados que não para de crescer.

É preciso antes de tudo vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo.

Senhores e senhoras, se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país. A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão.

A esperança, mais uma vez, venceu o medo. Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre. O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo.

Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta. Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais.

Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos. A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas.

O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar. Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade.

A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los. A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento –a Agenda 2030– pode se transformar no seu maior fracasso.

Estamos na metade do período de implementação e ainda distantes das metas definidas. A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento. O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.

Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da Agenda 2030.

Reduzir as desigualdades dentro dos países requer incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio. No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível.

Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente. Lançamos o plano Brasil sem Fome, que vai reunir uma série de iniciativas para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar.

Entre elas, está o Bolsa Família, que se tornou referência mundial em programas de transferência de renda para famílias que mantêm suas crianças vacinadas e na escola.

Inspirados na brasileira Bertha Lutz, pioneira na defesa da igualdade de gênero na Carta da ONU, aprovamos a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função.

Combateremos o feminicídio e todas as formas de violência contra as mulheres. Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência. Resgatamos a participação social como ferramenta estratégica para a execução de políticas públicas.

Senhor presidente, agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima.

A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado. Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima. Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera.

Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo. No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível.

Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. 87% da nossa energia elétrica provém de fontes limpas e renováveis. A geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel cresce a cada ano. É enorme o potencial de produção de hidrogênio verde.

Com o Plano de Transformação Ecológica, apostaremos na industrialização e infraestrutura sustentáveis. Retomamos uma robusta e renovada agenda amazônica, com ações de fiscalização e combate a crimes ambientais. Ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%.

O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si. Sediamos, há um mês, a Cúpula de Belém, no coração da Amazônia, e lançamos nova agenda de colaboração entre os países que fazem parte daquele bioma.

Somos 50 milhões de sul-americanos amazônidas, cujo futuro depende da ação decisiva e coordenada dos países que detêm soberania sobre os territórios da região.

Também aprofundamos o diálogo com outros países detentores de florestas tropicais da África e da Ásia. Queremos chegar à COP 28 em Dubai com uma visão conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preservação das bacias Amazônica, do Congo e do Bornéu-Mekong a partir das nossas necessidades.

Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar 100 bilhões de dólares –anualmente– para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa. Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares.

Senhor presidente, o princípio sobre o qual se assenta o multilateralismo –o da igualdade soberana entre as nações– vem sendo corroído. Nas principais instâncias da governança global, negociações em que todos os países têm voz e voto perderam fôlego.

Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução. No ano passado, o FMI disponibilizou 160 bilhões de dólares em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas 34 bilhões para países africanos.

A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável. Não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo.

As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. O Brics surgiu na esteira desse imobilismo, e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes.

A ampliação recente do grupo na cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21.

Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo. O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias.

Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento de Doha. Nesse ínterim, o desemprego e a precarização do trabalho minaram a confiança das pessoas em tempos melhores, em especial os jovens.

Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a "voz dos mercados" e a "voz das ruas". O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias.

Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas.

Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário. Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores.

Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU. Políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital são essenciais para a promoção dos valores democráticos e da defesa do Estado de Direito.

É fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima.

Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos. Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos.

Ao assumir a presidência do G20 em dezembro próximo, não mediremos esforços para colocar no centro da agenda internacional o combate às desigualdades em todas as suas dimensões. Sob o lema "Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável", a presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome; desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global.

Senhor presidente, não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz. Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras. A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós. Construí-la requer persistência e vigilância.

É perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças. Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino.

A este caso se somam a persistência da crise humanitária no Haiti, o conflito no Iêmen, as ameaças à unidade nacional da Líbia e as rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão.

Na Guatemala, há o risco de um golpe, que impediria a posse do vencedor de eleições democráticas. A Guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU.

Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo.

Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações. Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento.

No ano passado, os gastos militares somaram mais de 2 trilhões de dólares. As despesas com armas nucleares chegaram a 83 bilhões de dólares, valor vinte vezes superior ao orçamento regular da ONU.

Estabilidade e segurança não serão alcançadas onde há exclusão social e desigualdade. A ONU nasceu para ser a casa do entendimento e do diálogo.A comunidade internacional precisa escolher:

De um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz.

As sanções unilaterais causam grandes prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos.

O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo.

Continuaremos críticos a toda tentativa de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria. O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade.

Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime. Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.

Senhoras e senhores, a desigualdade precisa inspirar indignação. Indignação com a fome, a pobreza, a guerra, o desrespeito ao ser humano. Somente movidos pela força da indignação poderemos agir com vontade e determinação para vencer a desigualdade e transformar efetivamente o mundo ao nosso redor.

A ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Mas só o fará se seus membros tiverem a coragem de proclamar sua indignação com a desigualdade e trabalhar incansavelmente para superá-la.

Muito obrigado.


terça-feira, 19 de setembro de 2023

O populismo faz mal à economia e faz mal às nações - Paper de economistas, capítulo de Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira: Markets, Populism

 O populismo é uma praga, e pode atrasar os países. Sabemos muito bem disso, mas ainda não sabemos como escapar desse mal.

Aqui, duas referências para os que se interessam pelo estudo desse fenômeno maligno: 


Populist Leaders and the Economy

Manuel Funke, Moritz Schularick, Christoph Trebesch

CEPR, October 23, 2020

Abstract

Populism at the country level is at an all-time high, with more than 25% of nations currently governed by populists. How do economies perform under populist leaders? We build a new cross-country database identifying 50 populist presidents and prime ministers 1900-2018. We find that the economic cost of populism is high. After 15 years, GDP per capita is more than 10% lower com- pared to a plausible non-populist counterfactual. Rising economic nationalism and protectionism, unsustainable macroeconomic policies, and institutional decay under populist rule do lasting damage to the economy.

Citation: Funke, M, M Schularick and C Trebesch (eds) (2022), “DP15405 Populist Leaders and the Economy”, CEPR Press Discussion Paper No. 15405.

Disponível no seguinte link: https://cepr.org/publications/dp15405 

Novo resumo no site, ligeiramente diferente:

Populism at the country level is at an all-time high, with more than 25% of nations currently governed by populists. How do economies perform under populist leaders? We build a new long-run cross-country database to study the macroeconomic history of populism. We identify 51 populist presidents and prime ministers from 1900 to 2020 and show that the economic cost of populism is high. After 15 years, GDP per capita is 10% lower compared to a plausible non-populist counterfactual. Economic disintegration, decreasing macroeconomic stability, and the erosion of institutions typically go hand in hand with populist rule.

Mas é preciso pagar 6 libras para o acesso.

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Livro de: 

Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira

SHAPING NATIONS AND MARKETS: IDENTITY CAPITAL, TRADE, AND THE POPULIST RAGE

Routledge Studies in Nationalism and Ethnicity


Contents: 

  1. 1  Introduction: Beyond Ideas, Interests, and Institutions 1

  2. 2  Identity Capital and Fields: Framing Markets and Political Power 19

  3. 3  Applying Identity Capital to Trade Negotiations 56

  4. 4  Globalization Meets National Identity during the Doha Round 87

  5. 5  Race and Structural Power Asymmetries in Liberalizing Brazil 124

  6. 6  Religion as an Instrument for Trade Policy in India 158

  7. 7  Whiteness and the Rise of Protectionism in the United States 193

  8. 8  Identity Capital and the Rise of Far-Right Populism after 2008 225

  9. 9  Generalizing Identity Capital for Explaining Trade and Populism 262

  10. 10  Conclusion: Fields of Power, Identity, and Intermestic Phenomena 293


Uma referência bibliográfica deste última obra me chamou a atenção, por razões provavelmente diversas da temática da obra: 

Goldstein, Judith, and Robert O. Keohane. 1993. Ideas and Foreign Policy: An Analytical Framework. In Ideas and Foreign Policy: Beliefs, Institutions, and Political Change, edited by Judith Goldstein, and Robert O. Keohane, 3–30. Ithaca: Cornell University Press. https://doi.org/10.7591/9781501724992-003

Infelizmente, só posso ter acesso a esse capítulo por uma instituição credenciada ou pagando 42 dólares....



Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, pede punição para a Rússia na ONU e diz que não se pode 'confiar no mal' (G1)

O presidente Volodymyr Zelensky discursou na Assembleia da ONU nesta terça-feira (19).

Essa é a primeira vez desde o começo da guerra no país dele que Zelensky foi presencialmente a Nova York para participar do encontro. Em 2022, ele participou remotamente.

A Ucrânia foi invadida militarmente pela Rússia em fevereiro do ano passado.

Ele se apresentou com uma camisa verde-musgo no plenário, diferentemente dos outros líderes de Estado de países do Ocidente, que foram de terno.

Guerra final

O ucraniano reclamou do fato da Rússia ainda ter armas nucleares. A Ucrânia se desfez do arsenal durante os anos 1990. "A Ucrânia abriu mão de seu arsenal nuclear, e o mundo decidiu que a Rússia deveria manter o seu. Terroristas não têm direito de ter armas nuclear", afirmou. 

Ele afirmou que, por causa do armamento nuclear, cada guerra pode ser "a última guerra", ou seja, pode haver uma destruição muito grande.

Ele então começou a criticar a Rússia por usar a falta de comida como arma de guerra: "Os portos ucranianos foram bloqueados e são alvos de mísseis e drones. É uma tentativa da Rússia de usar a falta de comida no mercado global como arma".

Ele disse que os russos também usam a energia como arma: "O mundo testemunhou a Rússia usar óleo e gás para enfraquecer líderes de outros países. E agora essa ameaça é ainda maior. A Rússia está usando energia nuclear como arma, está tornando usinas de energia de outros países como bombas. Veja o que eles fizeram com a nossa usina de Zapozhizhia", afirmou. A região da usina foi ocupada por forças russas.

Mandado de prisão Putin no TPI

Ele ainda reclamou da deportação de crianças da Ucrânia para a Rússia –centenas de milhares de crianças foram raptadas pela Rússia nos territórios ocupados, disse ele.

"O Tribunal Penal Internacional deu uma ordem de prisão para Vladirmir Putin, o presidente da Rússia, por causa desses crimes. Tentamos trazer as crianças de volta, mas o tempo está passando. O que acontecerá com elas? Essas crianças aprendem a odiar a Ucrânia. Isso é um genocídio, quando usam ódio contra uma nação, sempre tem continuação", afirmou.


Nesta terça-feira (19), a mídia estatal de Belarus informou que 48 crianças ucranianas chegaram ao país vindos de regiões ucranianas que Moscou afirma ter anexado.

Pergunte a Prigozhin

Ele citou conflitos da Rússia com outros países e disse que muitos assentos na Assembleia da ONU podem ficar vazios se depender da Rússia.

Zelensky criticou as possiveis negociatas com a Rússia: "Não se pode confiar no mal. Perguntem a Prigozhin se dá para contar com as promessas de Putin", disse ele, fazendo uma referência a Yevgeny Prigozhin, um ex-aliado de Putin que morreu em uma queda de avião na Rússia.

"Precisamos nos unir para derrotar o agressor e canalizarmos a energia para responder a esse desafio. Se as armas nucleares precisam ser restringidas, toda a guerra pode ser a guerra final, mas temos que nos garantir que agressão não acontecerá novamente."

Ele também citou diversas vezes a proposta de paz da própria Ucrânia, que prevê a manutenção territorial e soberania de todos os territórios do país.

Encontro com Lula

Zelensky e Lula devem ter o primeiro encontro bilateral na quarta-feira. O encontro está marcado para a parte da tarde, após o brasileiro se encontrar com o americano Joe Biden.


A ditadura equivocada na China - Carlos Alberto Sardenberg

A ditadura equivocada na China

Carlos Alberto Sardenberg

O Globo, 16/09/2023


Como não há debate sobre a falência de certas políticas, não há base para a procura das mais corretas

O governo da China enfrenta sérias dificuldades naquilo que parecia ser sua especialidade: botar o país para crescer. Há problemas econômicos específicos — como o endividamento das administrações regionais e o esgotamento de grandes projetos de infraestrutura —, mas a questão básica é mais profunda. Trata-se da perda de eficiência do sistema político, aquele que se poderia chamar de ditadura esclarecida.

Ditadura, pelo óbvio. A sociedade vigiada e controlada pelo Partido Comunista. Na economia, ampla abertura para o investidor privado nacional e estrangeiro. Por trás disso, o comando de uma burocracia formada nas melhores universidades ocidentais e treinada em grandes companhias.

Um pequeno exemplo: a política monetária é aplicada pelo Banco do Povo da China. O povo não manda nada. Mandam economistas que trabalham exatamente como os mais eficientes banqueiros centrais do mundo.

Há uma ideologia por trás disso. Sustenta que a democracia política, estilo ocidental, não funciona e, pior, atrapalha o crescimento econômico. Muito debate, parlamentos atrasando a aplicação dos programas, imprensa incomodando, sociedade reclamando e resistindo a medidas do governo — não há como ter eficiência, diz essa doutrina. Mas, para que isso seja verdade, é preciso admitir que a tecnocracia é eficiente e sabe claramente os interesses atuais e futuros dos cidadãos e do país. Logo, não erra.

Pois o governo do presidente Xi Jinping vem cometendo erros sucessivos. O mais desastroso foi o programa Covid Zero. A ideia era bloquear a transmissão do vírus. Um teste positivo numa fábrica — e se fechava toda a fábrica, trabalhadores e funcionários lá dentro, por quantos dias fosse necessário para testar todo mundo e isolar os doentes. Um caso num bairro, e todos os moradores eram simplesmente trancados em suas casas, com barricadas à frente dos prédios. Se o vírus escapava do bairro mesmo assim, regiões inteiras eram isoladas. Um caso num porto, e se fechavam todas as operações ali.

Sendo essa a política, o governo se descuidou da vacinação — e deu tudo errado. A Covid Zero paralisou seguidamente a economia e não impediu a transmissão. Quando, finalmente, se abandonou a política, a economia estava desorganizada, a sociedade cansada e não vacinada. Depois o governo se equivocou em várias tentativas de recuperação, e o resultado aí está: a China crescendo muito pouco, os ganhos de renda bloqueados.

Como se chegou a esse ponto? Pela natureza do regime. Sem democracia, sem livre debate, os médicos e cientistas que alertavam sobre os erros da Covid Zero eram simplesmente presos ou trancados em casa. Incipientes debates em alguma imprensa regional, reportando reclamações de moradores, foram rapidamente abafados.

O mesmo acontece nas decisões de política econômica. Quando o presidente e a administração central erram, a burocracia mantém esse erro, insiste, até que as próprias instâncias superiores, o presidente e a cúpula do partido percebam a besteira. De novo, como não há debate sobre a falência de certas políticas, não há base para a procura das mais corretas. Erro atrai erro.

E quer saber? É bom que isso esteja acontecendo. O povo chinês paga um preço e também muitos países cujas economias se ligaram mais fortemente à China. Mas era preciso desmistificar o sistema e derrubar a ideia de que a democracia atrapalha. É notável também a perda de prestígio da China como parceiro econômico e geopolítico. Se o governo lá muda suas políticas sem consultar seu próprio povo, por que consultaria outros governos?

Assim é que os países ocidentais no sentido amplo, democráticos e desenvolvidos — incluindo Japão, Austrália e Coreia do Sul —, buscam parceiros confiáveis. Países emergentes democráticos são candidatos. Alguns pularam na frente. O México ultrapassou a China como maior fornecedor dos Estados Unidos. Canadá também. A União Europeia, outro exemplo, procura fontes de energia fora da Rússia.

Enquanto isso, o Brasil de Lula, antiamericano, se alinha com China e Rússia.