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sexta-feira, 9 de junho de 2017

Propostas de reformas feitas em abril de 2016 - Paulo Roberto de Almeida

Em abril de 2016, ou seja, antes da queda do governo podre anterior, do corrupto regime lulopetista, e antes que se tivesse certeza de que haveria realmente impeachment contra a dirigente altamente inepta que consolidou o que eu chamei de A Grande Destruição, eu tinha sido convidado por um grupo de estudantes liberais para fazer uma preleção.
Depois da minha fala, razoavelmente aplaudida -- OK, estávamos em face de um público já propenso à adoção de reformas liberais -- eu ainda respondi a diversas perguntas da audiência. Mas como sempre ocorre nesse tipo de evento, nunca se tem tempo de discorrer adequadamente sobre cada uma das questões. Como sempre faço, também, eu peço que me enviem perguntas por escrito, com nome e e-mail, para que eu possa responder depois. Foi o que fiz nesse encontro de mais de quatorze meses atrás. Reproduzo abaixo o teor das perguntas e de meus comentários, agregando ao final minhas propostas de reformas de que o Brasil necessita, urgentemente, para avançar na elaboração das bases fundamentais para a consecução de um processo de crescimento econômico sustentado, com mudanças estruturais no sistema produtivo e distribuição social dos benefícios desse processo.
Como sempre, respondo e assumo responsabilidade pelo que escrevo e publico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de junho de 2017



Paulo Roberto de Almeida
[Respostas a perguntas colocadas por ocasião do encontro [de estudantes xxx, em Xxxxx, em 2/04/2016]


Formulo abaixo respostas tentativas a questionamentos de um pequeno grupo de estudantes que me encaminharam perguntas por escrito ao término de uma palestra-debate que mantive na tarde do sábado 2 de abril de 2016, nas dependências da UFXX, no quadro de encontro organizado [por xxxx], seção Xxxxx. Nem todas as perguntas foram acompanhadas de e-mail, e nem sempre foi possível identificar corretamente o endereço manuscrito, por isso permito-me veicular publicamente todas as perguntas e minhas respostas, embora não correlacionando autores das primeiras, e não podendo, previsivelmente satisfazer todas as curiosidades.

1) A sociologia pode ser um ramo de estudos isento de ideologia?
Paulo Roberto de Almeida (PRA): Dificilmente. Todas as ciências humanas, ou sociais, são o fruto da chamada teoria social, que é o lento acumular de “explicações”, mais ou menos “científicas”, sobre a organização social, o comportamento humano, a psicologia coletiva, as formas de associativismo, o reflexo de crenças ancestrais (geralmente religiosas), a construção progressiva de um conjunto de “respostas” a problemas inevitavelmente colocados pela ação humana, individual ou coletiva: estrutura familiar, organização social da produção, divisão do trabalho, formas de exploração do trabalho, de dominação política, de padrões de ordenamento político, enfim, um conjunto de interações sociais que estão sendo esmiuçadas por filósofos e pensadores sociais desde a mais remota antiguidade. A sociologia enquanto tal é construída no contexto do Iluminismo, da revolução industrial, da revolução francesa e de todos os progressos feitos pelo engenho humano nos terrenos da própria filosofia, do direito, da economia, da política, e mesmo da religião. Seus primeiros “sistematizadores” foram justamente “engenheiros sociais” – ou seja, pessoas interessadas em como melhor organizar o mundo e a sociedade – que, na época da revolução francesa, passaram a ser chamados de ideólogos, ou seja, pensadores de gabinete, reformadores sociais, ou assessores dos líderes políticos que estavam à frente de Estados soberanos na passagem da era moderna para a contemporânea. Geralmente se parte de Saint Simon, para Tocqueville, Marx, Auguste Comte, Max Weber, e vários outros, que escreveram obras de referência no terreno da “teoria social”. Quero crer que, inevitavelmente, esse trabalho de explicação social – em vários casos de propostas de grandes reformas sociais – estará contaminado pelas “teorias” e preconceitos próprios a cada época, pois ninguém consegue ser totalmente isento de seu contexto social, e das ideias-força que marcam cada época: industrialismo, pobreza, conflitos sociais (ou de classe), guerras, sistemas políticos autoritários ou democráticos, preconceitos raciais e concepções sobre a superioridade de certas raças sobre outras, ou qualquer outro problema que se coloque a cada época: descobrimentos, colonialismo, revolução científica, revolução industrial, grande indústria, imperialismo, teorias racistas, liberalismo, fascismo, comunismo, democracia, liberdades, todos esses processos, eventos, ideias são refletidos no pensamento e nas obras de “sociólogos”, que portanto expressam suas próprias ideias e propostas no meio desse caldeirão de concepções teóricas e práticas sobre o mundo que os cerca.
Eu, por exemplo, como sociólogo, mais do que como diplomata, sou um perfeito ideólogo, ou seja, estou sempre lendo, refletindo, expressando minhas opiniões, sobre os problemas de minha época, de meu país. Posso até fazer pesquisas tendencialmente, ou alegadamente, “científicas”, ou seja, dotadas de alguma base empírica, mas também é certo que dificilmente vou escapar das ideias de meus predecessores nessa área: tanto Marx, quanto Weber e vários outros influenciaram meu pensamento, e isso é, de certa forma, inevitável. Melhor ser honesto e reconhecer a validade relativa de nossas ideias e opiniões. Sociólogos são sempre ideólogos, mesmo quando não o reconhecem.

PRA: Não sou do ramo do Direito, mas da sociologia econômica, e minha tendência é a de considerar que o Direito é uma consolidação de certo consenso social, que se expressa contratualmente: Constituição, leis, códigos, normas, etc. Como tal, ele pode, em determinadas circunstâncias, mudar a economia de um país, pela “imposição”, ou pela livre aceitação, de um conjunto de regras e normas para guiar ou enquadrar as relações econômicas que se estabelecem livremente ou naturalmente no quadro da sociedade civil: leis de limitação do trabalho a 8 horas diárias, por exemplo, lei do salario mínimo, de compensações extra (ou seja impostas pela autoridade, não derivadas de contratos livres) por algum tipo de atividade especial, etc. Não quero com isso dizer que tudo isso seja benéfico à economia, à produtividade, ao bem-estar ou acumulação de riqueza por indivíduos ou pela sociedade. Leis que buscam redistribuir renda de forma compulsória podem até ser interessantes do ponto de vista da maioria, mas elas também podem ser poderosas indutoras de baixo crescimento, de evasão fiscal, de informalidade e de economia clandestina. Em economia não existe a “positividade” do direito, ou seja, a norma vale para todos, ela é impessoal e supostamente reguladora de “boas” relações sociais. Economia é uma relação social que tem a ver com a escassez relativa de bens e serviços, em face de necessidades “infinitas” por parte de indivíduos: não se pode obter NENHUM bem econômico sem antes um ato de produção, ou seja, de investimento próprio nos fatores de produção: recursos naturais, trabalho humano, capital (em suas diferentes formas). O Direito não pode, simplesmente, decretar uma forma ou outra de uso ou interação desses fatores, pois isso depende da ação humana voluntária, não coercitiva. Pode até haver formas de coerção, mas elas jamais serão superiores às formas livremente escolhidas pelos indivíduos, que normalmente buscam sua satisfação no atendimento de suas próprias necessidades (não apenas em bens materiais, mas também em poder, prestígio social, reconhecimento coletivo, etc.).
Resumindo meu pensamento: o Direito pode, sim, ajudar a transformar, para melhor, a economia do Brasil, mas ele não pode pretender se substituir à livre interação dos indivíduos buscando sua satisfação pessoal por meio de atividades econômicas. O Brasil, justamente, é um exemplo de leis pessimamente concebidas para distribuir felicidade a todos e a cada um, sem uma adequação dessas normas às realidades imanentes no terreno da economia: distribuir sem produzir é uma delas, e é justamente o que se tentou fazer nos últimos 13 ou 14 anos, com péssimos resultados.

3) Comente o recente episódio de um diplomata alertando colegas sobre um “golpe” iminente no Brasil. Como a diplomacia brasileira é vista no mundo diante de episódios como esse?
PRA: Esse episódio não teria tido a menor importância, e não teria de forma nenhuma afetado a diplomacia brasileira ao redor do mundo, se tivesse sido circunscrito ao terreno que era o seu, originalmente: o de simples circulares internas (ou seja, não dirigidas a outros governos, como são as notas diplomáticas), expedidas a postos do Brasil no exterior, e destinadas a produzir efeitos internos; elas foram prontamente abafadas e anuladas por uma circular superior, que as eliminou da série oficial de circulares expedidas. O fato de que tenham sido “vazadas” para a imprensa ocasionou uma discussão que ultrapassa em muito sua importância real. Seu autor, um diplomata que pode ser classificado literalmente como “diplomata do MST”, foi aparentemente advertido pela chefia da Casa, e proibido de ter acesso ao sistema de expedição de expedientes da Secretaria de Estado. É um fato que ele solicitava, na circular, que os postos indicassem diplomatas para “dialogar” com “movimentos sociais” em cada país, para alertar sobre os perigos ou ameaças desse “golpe” imaginado (que aliás é o mesmo discurso do Executivo, do partido e dos movimentos ditos “sociais” que o sustentam). Mas, é de se imaginar, também, que nenhum chefe de posto sensato, de embaixada, delegação ou consulado brasileiro, fosse levar a sério circulares manifestamente desequilibradas, em total descompasso com as normas e práticas da diplomacia profissional brasileira. Ninguém faria nada: apenas consideraria aquilo algo ridículo, e deixariam passar, sem nenhuma atitude prática: no máximo, seria objeto de risos.
Com essa repercussão externa, é possível que o prestígio da diplomacia brasileira se veja abalado moderadamente, mas na verdade as chancelarias dos demais países iriam certamente considerar que, nos mais respeitáveis serviços diplomáticos, se escondem personalidades bizarras ou militantes fervorosos de uma causa qualquer. Em resumo: eu não daria a menor importância a um episódio como esse no plano externo, a não ser a constatação, lamentável, que mesmo um serviço altamente profissional como o Itamaraty se vê, por vezes, contaminado por essa diplomacia partidária que se apossou até de um órgão de Estado que deveria estar acima de esquizofrenias governamentais.

4) De que forma a próxima geração de líderes e de defensores do liberalismo no Brasil pode construir uma organização de Estado e de relação do público e privado de forma a combater a má gestão e a corrupção endêmica no país?
PRA:  Pergunta extremamente complexa, e difícil de responder em poucos parágrafos, pois ela abarca toda a estrutura da organização política e social, e os fundamentos da atividade econômica no país. Para que líderes “liberais” pudessem conduzir tal obra gigantesca em suas dimensões e complexidade seria preciso, em primeiro lugar, que eles ocupassem posições de mando, no mundo político, na esfera econômica, no mundo das ideias, no comando das universidades, das organizações sociais. Ora, essa possibilidade é para mim altamente questionável, senão impossível nas circunstâncias atuais do Brasil, um país fortemente marcado pelo centralismo estatizante de raiz luso-ibérica, pelo patrimonialismo disseminado desde séculos, pelo mandonismo das elites (geralmente identificadas com seus próprios interesses de “casta” ou de corporação), e minimamente identificadas com a construção daquelas condições mínimas que estabelecemos como necessárias para que tais objetivos se realizem: Estado de Direito e economia de mercado.
Por isso mesmo, eu diria que que o principal objetivo dos “liberais” no Brasil – e coloco entre aspas pois lhes falta tradição, aprofundamento doutrinário, um ambiente de debate de ideias tendente ao liberalismo, coisas extremamente raras no país – seria realizar um esforço didático de convencimento das elites, da opinião pública esclarecida (ou seja, universitários em geral), empresários ou simples cidadãos educados, de que uma economia de mercado, com menor peso do Estado é uma condição essencial para que o país disponha de condições para construir aquilo que desejamos, um Estado de Direito (que é aquele que reconhece que as leis e normas impessoais são o fundamento das relações sociais, e não os vínculos privilegiados com detentores de poder político).
Acredito, também, que a atual crise política e econômica, que é também uma crise moral, derivada da descoberta do maior caso de corrupção já ocorrido em nosso país, conduzido pelo próprio partido que ocupa o poder, pode desempenhar, ainda que parcialmente, esse papel didático de conscientizar cidadãos e elites (algumas sendo presas) de que a construção do Estado de Direito e de uma economia de mercado é uma exigência do momento presente e da organização futura do sistema político e da vida econômica em nosso país. Devemos ser especialmente gratos ao pequeno grupo de valentes batalhadores da “República de Curitiba”, que está resgatando o sentido de honradez e dignidade que deveria ser a norma básica do relacionamento social e, sobretudo, do exercício da governança política e econômica no Brasil. Vai ser difícil, mas precisamos vencer essa batalha, se quisermos viver num país “normal”.
Vejam que sequer falei em um país “liberal”, mas apenas em país normal. Apenas isso já seria um avanço. Depois disso vamos lutar por uma economia de livres mercados, de partidos políticos representativos, sem financiamento estatal, e também por um Estado verdadeiramente mínimo, que é a melhor garantia de não haver mais esses tristes episódios de corrupção no país. Eu disse exatamente Estado mínimo, ainda que tenha plena consciência de que se trata de um objetivo distante, quiçá inatingível. Mas, para mim, o Estado mínimo permanece na esfera dos valores e princípios, pois eu não sou um “ideólogo liberal” para acreditar ingenuamente que ele seja aplicável agora.

5) Com o acesso crescente da imprensa internacional aos fatos do Brasil, e vice-versa, nosso acesso à imprensa de fora, qual seria a visão dos estrangeiros sobre a situação do governo no Brasil e de um eventual governo Temer?
PRA: Impossível comentar esses aspectos: a chamada imprensa internacional é extremamente variada, em cobertura e na diversidade de opiniões, assim como na presença, ou não, de correspondentes dos principais órgãos – Economist, New York Times, Financial Times, BBC, agências de notícias, etc. – em nosso país. Todos eles seguem muito profissionalmente o que se passa aqui, e apenas veículos a serviço de certos governos distorcem os fatos que assistimos todos os dias pela televisão. Ou seja, é impossível esconder o que se passa no Brasil. Governos responsáveis, em geral, se abstêm de se imiscuir nos assuntos internos de outros países, mas também assistimos a episódios ridículos de líderes estrangeiros se pronunciando nos mesmos termos que são empregados pelo Executivo e seu partido: direita, golpe, ilegalidade, e outras bobagens.
Grandes órgãos de imprensa – Economist, Washington Post, por exemplo – já se pronunciaram pela saída da presidente (renúncia ou impeachment), mas não depende deles essa saída, ainda que isso possa reforçar as correntes coincidentes com esse tipo de posição no país: quando grandes veículos como esses chegam a esse tipo de “intrusão” nos assuntos internos de um país, é porque a situação realmente chegou a um ponto de ruptura, e a uma percepção de que não existe outra saída. Assim, mesmo aqueles veículos neutros, ou até favoráveis ao governo atual, vão passar a julgar que o final está próximo, e isso pode ser positivo, tanto interna quanto externamente. Todos reconhecem que o Brasil precisa de uma nova direção, um novo governo, para superar a presente crise econômica e a situação de total anomia política, com a virtual paralisia do governo, e a uma grave divisão do país (mas claramente a favor do final do governo, numa proporção aproximada de 80 a favor e 10 contra esse final).
Não creio que esses veículos se pronunciarão agora sobre um eventual governo Temer, pois a especulação seria demasiada nas circunstâncias presentes. A maioria desses órgãos desejam uma saída constitucional e pacífica da atual situação de caos. Consumada a transição, seus correspondentes e as agências de imprensa começaram a enviar informes analíticos sobre as chances de um governo concreto no Brasil, que pode ser Temer, ou qualquer outro arranjo derivado de um entendimento político no país. No momento a situação é a de que uma solução pacífica, ou seja, não venezuelana, seja encontrada para a presente crise econômica e política no Brasil.

6) Quão responsável foi o governo petista por prejudicar a atividade diplomática brasileira?
PRA: Minha posição é “suspeita”, pois eu mesmo sou diplomata, da ativa, ainda que não exercendo atividades vinculadas à atual diplomacia, e isso desde o início do governo petista, uma vez que fui imediatamente percebido como “opositor” do regime lulopetista (com imenso orgulho, aliás, por não ter sido obrigado a defender posições de um governo ao qual sou oposto, e cuja política externa considero equivocada em suas grandes linhas). Levando isso em consideração, devo dizer que essa diplomacia partidária gozou de ampla e imensa aceitação na academia brasileira, e em largos extratos da opinião pública, influenciada por correntes identificadas com o nacionalismo primário, o anti-imperialismo infantil, um terceiro-mundismo ingênuo, que são posturas com as quais o governo lulopetista está claramente identificado.
Na própria diplomacia profissional, o acolhimento dessas posturas ingênuas e claramente equivocadas foi muito discreto, embora muitos tenham saudado, no início, a renovação de algumas posições diplomáticas (supostamente mais independentes, ou “autonômas”, e não “submissas” a um fantasmagórico “Consenso de Washington”, ou às “potências hegemônicas”). Muitos o fizeram por carreirismo, oportunismo, por mero interesse pessoal, pois estar alinhado e servir fielmente a um determinado governo pode sempre render promoções, boas posições de chefia e bons postos no exterior. De modo geral, a diplomacia brasileira se identifica em grande medida com algumas ideias defendidas pelos companheiros no poder: o desenvolvimentismo à la Cepal, o forte papel do Estado na promoção do crescimento, a seleção de investimentos estrangeiros que se “coadunem” com um suposto “projeto nacional” de desenvolvimento, a autonomia na definição de políticas nacionais (os chamados “policy spaces”, pelos quais se deveria lutar, em lugar de liberalizar amplamente, ou abrir-se economicamente) ou quaisquer outras ideias que sempre tiveram o favor de acadêmicos e mesmo de líderes de nossa indústria (geralmente protecionista e demandante de subsídios estatais).
Considero tudo isso profundamente equivocado, mas sou provavelmente parte de uma minoria extremamente reduzida (com perdão pela redundância) que se pauta por ideias liberais, a favor da globalização sem restrições, e amplamente defensor de valores e princípios democráticos, sem qualquer concessão a regimes autoritários e despóticos, como são exatamente aqueles privilegiados atualmente pelo governo companheiro. Por isso mesmo, considero que os governos petistas fizeram muito mal à diplomacia profissional brasileira, à nossa política externa e aos interesses nacionais do Brasil como um todo. Trata-se de uma fase sombria de nosso itinerário político, e não apenas na diplomacia e na política externa, mas sobretudo e principalmente na vida política nacional, com episódios lamentáveis de corrupção e de inépcia comprovada na condução dos negócios públicos. Todos esses episódios lamentáveis foram direta e expressamente provocados por um governo dominado por um partido que se identifica mais com uma organização criminosa do que com um movimento político normal.

7) Qual seria a solução para esse governo mal administrado?
PRA: De fato, não apenas mal administrado, ou seja, incompetente, mas também profundamente corrupto e corruptor, de uma forma como nunca tínhamos visto antes no Brasil. Infelizmente não possuímos o instrumento do “recall”, ou seja, um referendo popular que visa destituir um governo desse tipo. Com mais de 80% de desaprovação, os ineptos e corruptos no poder já teriam sido expulsos do poder, independentemente de também serem julgados e condenados pelos crimes que cometeram. Tampouco possuímos um dispositivo como o existente na Constituição do Paraguai, que simplesmente permite o impeachment de um presidente por simples incompetência, justamente, pelo julgamento político de uma maioria qualificada do Senado, sem necessidade de se comprovar qualquer crime de responsabilidade. Se esses dois expedientes existissem, na institucionalidade brasileira, o governo petista teria provavelmente acabado nos primeiros meses de 2015, mesmo que o Senado pudesse resistir (por motivos que adivinhamos) a um tal “julgamento” expedito (o que não ocorreria no caso do “recall” popular, mas que ainda assim precisaria ser aprovado pelo parlamento para que fosse realizado).
No caso do Brasil, onde existe uma nítida e constante tensão entre a maioria presidencial (o voto direto dos eleitores) e a maioria congressual (necessariamente dispersa e sujeita ainda, no caso brasileira, a essa formidável fragmentação partidária), o que sempre foi fonte de instabilidade política, uma saída sem crise é muito difícil, e as rupturas tendem a ser dolorosas, como já experimentamos em diversas ocasiões de nossa história: 1954, 1955, 1961, 1964, 1992 e agora.
Respondendo objetivamente à questão: a resposta para um governo mal administrado é eleição e substituição de lideranças, mas isso em circunstâncias normais. No caso da profunda, extremamente grave crise tripla que enfrentamos – política, econômica e moral – não temos solução a não ser pressão pela renúncia ou condução de um processo de impeachment, na devida forma constitucional. Não será fácil, pois o governo inepto e corrupto dos lulopetistas foi extremamente eficiente no total aparelhamento de toda a máquina estatal (inclusive nos tribunais superiores) e domina amplamente os espectros sindical e dito “social” de organizações de massa, dispondo ainda de vastos recursos “não contabilizados”, para literalmente comprar apoios nessas esferas, como geralmente fazem organizações criminosas (quando não pela ameaça de violência ou de distúrbios sociais). Eles ainda contam com muita simpatia até em altas esferas das elites, por razões ideológicas ou por interesses pecuniários.
Estamos em face, portanto, de um processo extremamente difícil, que pode custar muito ao país para encontrar uma via ulterior de normalização e de estabilidade, e que pode inclusive levar a grandes divisões na sociedade, dada a capacidade de mobilização e de “convencimento” (em suas variadas formas) dessa organização criminosa que passa por ser um partido político.

8) Tendo em vista que o sistema democrático brasileiro ter sido destruído pela plutocracia cleptocrática atual, o que recomenda para o Brasil e para os brasileiros no que tange a reconstrução do sistema democrático-republicano?
PRA: Sempre considerei, e afirmo isso, que nossa democracia é de muito baixa qualidade, por diferentes motivos que não cabe aqui explicar, mas que são facilmente constatáveis quando se observa o funcionamento dos três poderes (eu disse dos três poderes). Reconstruir algo profundamente deformado é muito difícil, inclusive porque o tipo de representação política proporcional no Congresso – inventado, e deformado, pelo “pacote de abril” de 1977, no regime militar, portanto – torna extremamente complicado obter-se maiorias para quase tudo de relevante, sobretudo no plano da própria representação política, da organização partidária, da estrutura tributária, da redistribuição de competências e recursos nos três níveis da federação, das próprias emendas constitucionais que devem regular matérias que NUNCA deveriam estar numa carta constitucional (literalmente esquizofrênica, em especial no capítulo econômico).
Ou seja, os problemas não derivam apenas de termos uma máfia dirigindo o país atualmente, ou de que algumas elites econômicas se tenham prostituído no apoio a essa organização criminosa em troca de vantagens financeiras, mas sim derivam de uma longa acumulação de desacertos construídos nas últimas décadas, desde praticamente a era Vargas (a legislação laboral, por exemplo), o regime militar (extrema centralização e peso excessivo do Estado na economia e em toda a vida da nação), até chegar na fase da redemocratização, quando a esquizofrenia do redistributivismo ingênuo e ignorante se impôs previamente às simples evidências de que era preciso primeiro ficar rico antes de pensar em distribuir benesses estatais (que só poderiam existir com base numa extração crescente de recursos da sociedade).
Os problemas do Brasil são, portanto, estruturais, embora eles tenham sido exacerbados, agravados, levados ao ponto de ruptura pela citada cleptocracia que se apossou do poder e começou a fazer exercícios de “engenharia social” na mais profunda ignorância das boas regras da vida econômica, mas também começou a assaltar o Estado, toda a nação, as empresas públicas e privadas com uma voracidade poucas vezes antes vista na história MUNDIAL. O grau de corrupção existente no Brasil atualmente, aceito e praticado pelo poder central, e rapidamente disseminado em TODAS as esferas da administração pública, encontra poucos paralelos na história do mundo, só existente em outros estados cleptocratas menos importantes ou menos conhecidos. Impossível, na verdade, dimensionar a extensão do assalto ao país conduzido pela horda de bárbaros que tomou conta do Brasil a partir de um certo momento, mas os números já revelados impressionam pela desfaçatez dos atores.
O ideal seria que se conseguisse fazer uma limpeza completa do sistema cleptocrático: de um lado pela expulsão dos bandidos do poder, e numa próxima eleição pelo banimento de todos os corruptos já identificados da vida pública; de outro lado, pela ação eficiente de alguns setores do judiciário (MPF e PF basicamente) que podem e devem julgar e condenar bandidos políticos e empresários promíscuos, assim como todos os personagens envolvidos na gigantesca rede de corrupção atualmente sob investigação. Esse seria o ideal. Não creio, porém, que consigamos atingir uma limpeza completa.
Mas, independentemente dessas tarefas punitivas, o mais importante é justamente o esforço didático para convencer a maioria dos cidadãos de que o Brasil precisa funcionar em outras bases, completamente diferentes das que vêm servindo de base, atualmente e nas últimas décadas, para a governança política e para a organização da vida econômica em nosso país. Se ouso sugerir minha própria lista de reformas INDISPENSÁVEIS para essas tarefas, alinho aqui algumas propostas nesse sentido.

1) Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de uma série de outras agências públicas, na linha do que já propus nesta “mensagem” ao Congresso Nacional: http://domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4955;
2) Fim do Fundo Partidário e financiamento exclusivamente privado dos partidos políticos, como entidades de direito privado que são;
3) Redução e simplificação da carga tributária, com seu início mediante uma redução linear, mas geral, de todos os impostos atualmente cobrados nos três níveis da federação, à razão de 0,5% de suas alíquotas anualmente, até que um esquema geral, e racional de redução ponderada seja acordado no Congresso envolvendo as agências pertinentes das unidades da federação dotadas de capacidade arrecadatória;
4) Eliminação da figura inconstitucional do contingenciamento orçamentário pelo Executivo; a lei orçamentária deve ser aplicada tal como foi aprovada pelo Parlamento, e toda e qualquer mudança novamente discutida em nível congressual; fica também eliminadas as emendas individuais ou dotações pessoais apresentadas pelos representantes políticos da nação; todo orçamento é institucional, não pessoal;
5) Extinção imediata de 50% de todos os cargos em comissão, em todos os níveis e em todas as esferas da administração pública, e designação imediata de uma comissão parlamentar, com participação dos órgãos de controle e de planejamento, para a extinção do maior volume possível dos restantes cargos, reduzindo-se ao mínimo necessário o provimento de cargos de livre nomeação; extinção do nepotismo cruzado;
6) Eliminação total de qualquer publicidade governamental que não motivada a fins imediatos de utilidade pública; extinção de órgãos públicos de comunicação com verba própria: a comunicação de temas de interesse público se fará pela própria estrutura da agência no âmbito das atividades-fim, sem qualquer possibilidade de existência de canais de comunicação oficiais;
7) Criação de uma comissão de âmbito nacional para estudar a extinção da estabilidade no setor público, com a preservação de alguns poucos setores em que tal condição funcional seja indispensável ao exercício de determinadas atribuições de interesse público relevante;
8) Início imediato de um processo de reforma profunda dos sistemas previdenciários (geral e do setor público), para a eliminação de privilégios e adequação do pagamento de benefícios a critérios autuarias de sustentabilidade intergeracional do sistema único;
9) Reforma radical dos sistemas públicos de educação, nos três níveis, segundo critérios meritocráticos e de resultados;
10) Reforma do Sistema Único de Saúde, de forma a eliminar gradualmente a ficção da gratuidade universal, com um sistema básico de atendimento coletivo e diferentes mecanismos de seguros de saúde baseados em critérios de mercado;
11) Revisão dos sistemas de segurança pública, incluindo o prisional-penitenciário, por meio de uma Comissão Nacional de especialistas do setor;
12) Eliminação de todas as isenções fiscais e tributárias, ou privilégios exorbitantes, associados a entidades religiosas;
13) Reforma da Consolidação da Legislação do Trabalho, no sentido contratualista, e extinção imediata do Imposto Sindical e da unicidade sindical, conferindo liberdade às entidades associativas, sem quaisquer privilégios estatais para centrais sindicais; no limite, extinção da Justiça do Trabalho, que é, ela mesma, criadora de conflitos e de extrema litigiosidade, impondo um custo enorme à sociedade;
14) Revisão geral dos contratos e associações do setor público, nos três níveis da federação, com organizações não governamentais, que em princípio devem poder se sustentar com recursos próprios, não com repasses orçamentários oficiais;
15) Privatização de todas as entidades públicas não vinculadas diretamente a uma prestação de serviço público sob responsabilidade exclusiva do setor público.

Eu teria muitas outras propostas de reformas a fazer – como por exemplo a extinção do salário mínimo para permitir pleno emprego no Brasil, a abertura ampla ao comércio e aos investimentos internacionais –, mas me contento no momento com estas quinze reivindicações para a melhoria do Brasil.
Como se pode verificar, nada disso é muito fácil, ou será conduzido de maneira exitosa nos próximos anos, ou décadas. Mas estas me parecem ser ideias mais ou menos condizentes com um Brasil liberal, ou seja, um país totalmente diferente do que tem sido historicamente e até hoje.
Ilusão, utopia da minha parte. Não creio. Nenhuma dessas propostas apresenta dificuldades técnicas, são socialmente prejudiciais ao desenvolvimento do país (ao contrário, elas permitiriam o crescimento e o desenvolvimento) ou apresentam efeitos nefastos do ponto de vista social. Elas são apenas politicamente difíceis, não porque sejam impossíveis de serem conduzidas pela via legislativa, mas porque ainda não nasceram (ou apareceram) estadistas capazes de conduzi-las, ou porque nossa classe política, nossas elites, de forma geral, estão despreparadas para enfrentar esse rol de reformas modernizadoras.
Cada vez me convenço mais que não temos propriamente um problema de atraso material a vencer, mas sobretudo alguns bloqueios mentais a serem superados. O trabalho dos liberais, nos anos e décadas à frente deve contudo orientar-se nessa direção: menos Estado, mais liberdades econômicas, mais responsabilização da classe política, maior participação e consciência cidadã.
O caminho está dado, vamos empreende-lo.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 5 de abril de 2016

Brasil, mega-corrupcao vista por um academico frances - Olivier Dabene

Comparado ao Brasil, mundo é amador em corrupção, diz cientista político francês

Olivier Dabène, da universidade Sciences Po de Paris, diz que 'pilhagem' do país 'dá vertigem' e que crise política deve levar a surgimento de 'grande partido de direita' pela 1ª vez desde retorno à democracia.

8 jun 201706h29

Quando o assunto é desvio de dinheiro público e corrupção, o mundo inteiro é amador se comparado ao que ocorre no Brasil, na opinião do cientista político francês Olivier Dabène, diretor do Observatório Político da América Latina e Caribe (Opalc) da universidade Sciences Po de Paris.
Foto: Inap/Univ. Chile
Em entrevista à BBC Brasil, Dabène diz que o mais recente capítulo da crise política no país, deflagrado após as delações de executivos da JBS - e que atingiram o presidente, Michel Temer -, mostram que "os políticos brasileiros não aprendem".
"Eles veem a política como algo que permite o enriquecimento pessoal. Não há uma visão da política como atividade que deva servir aos interesses gerais."
O professor da Sciences Po, que já lecionou na Universidade de Brasília e em outros países da América Latina, identifica no Brasil uma "pilhagem sistemática dos recursos e de estatais", algo que vê como "inacreditável" e digno de "dar vertigem."
Dabène prevê que dessa crise surgirá um "grande partido de direita" para defender os interesses das classes altas, que não se viam representadas desde o retorno à democracia. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Qual é a sua avaliação da crise política no Brasil, após as denúncias recentes envolvendo o presidente Temer?
Olivier Dabène - Temos a impressão de que as revelações de corrupção não irão acabar nunca. As delações premiadas levam a acusações em série. Há um agravamento progressivo porque os elementos se tornam mais precisos e o número de políticos envolvidos é impressionante, e inclui os mais populares, como Lula.
Isso leva a pensar que era praticamente impossível fazer política no país sem recorrer a financiamentos privados ilegais. O modo de funcionamento da vida política brasileira foi exposto e hoje atravessa um momento crítico.
O caso envolvendo o presidente Michel Temer (investigação após delações da JBS) é o cúmulo do cinismo. Temos a impressão de que os políticos brasileiros não aprendem. Eles continuam fazendo a mesma coisa. É uma maneira instintiva de fazer política. É muito difícil mudar o comportamento e as mentalidades.
Joesley e Wesley Batista
Foto: BBCBrasil.com
BBC Brasil - O que explica a dimensão da corrupção no Brasil? 
Dabène - É difícil explicar tamanhos absurdos. Há uma visão da política no Brasil como atividade que permite o enriquecimento pessoal, da mesma forma que outras atividades.
Não há uma visão da política como atividade que deva servir aos interesses gerais. Quando dizem que não há consciência cívica no Brasil, penso que isso não está errado.
A corrupção não é particularidade do Brasil, mas é exagerada no país. Talvez porque o Brasil seja um país grande, rico, com muitos recursos naturais e que por muito tempo foi alvo de exploração fácil. Há comportamentos que se enraizaram na história. Essas pessoas estão comprometendo o crescimento econômico do Brasil e o desenvolvimento futuro.
BBC Brasil - Na França, por exemplo, também há revelação de suspeitas de desvio de dinheiro público, como ocorreu durante a campanha presidencial com o candidato conservador, François Fillon, até então favorito na disputa. 
Dabène - Os franceses são amadores se comparados ao que ocorre no Brasil. O mundo inteiro, aliás. Imagine o que teria sido o crescimento econômico do Brasil nos últimos 30 ou 40 anos se não tivesse havido essa pilhagem sistemática de seus recursos e empresas. Isso dá vertigem. É totalmente inacreditável.
Quando digo que os políticos brasileiros não aprendem, me refiro também ao fato de que não conhecem a história do Brasil. Esse tipo de situação no país hoje é tipicamente o clima de um golpe de Estado.
Não estamos mais, claro, na época de golpes militares, há pouquíssimas chances de que isso ocorra. Mas há todos os elementos para que um militar queira virar a situação.
Cientista político vê deputado Jair Bolsonaro como exemplo de outsider que pode se beneficiar com vácuo de líderes causado por crise política
Foto: EBC
Quando a democracia chega a esse tipo de absurdo, de comportamentos imorais, pode sempre surgir um militar para dizer basta a tudo isso.
As coisas, claro, mudaram. A grande maioria dos militares no Brasil tem um espírito republicano. E hoje as Forças Armadas têm menos necessidade de intervir na política porque há homens políticos, como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), com linguagem dura e comportamento autoritário.
BBC Brasil - O senhor diz que para mudar o comportamento dos políticos no Brasil é necessário que haja uma nova geração ou candidatos outsiders .
Dabène - Tenho receio de que a eliminação de uma classe política, como ocorre atualmente com os escândalos de corrupção, resulte em um outsider que queira colocar ordem e seja autoritário. Uma personalidade forte, que não hesitará em agir com dureza.
É um cenário catastrófico para o Brasil que não pode ser descartado. Os brasileiros estão muito descontentes. É uma situação inédita que torna possível o surgimento de um outsider linha-dura ou de pessoas que nunca tenham atuado na política.
O deputado Bolsonaro é preocupante e já se beneficia de certo apoio, segundo pesquisas. Vai sair dessa crise política um grande partido abertamente de direita, que defenderá as classes mais altas. Elas hoje não sentem representadas. Não houve, após a volta da democracia no Brasil, com um grande número de pequenos partidos atualmente, um grande partido de direita clássica, dura. Há um vazio sendo preenchido.
BBC Brasil - O senhor acredita que o presidente Temer conseguirá terminar o mandato ou isso se tornou inviável?
Dabène - Já faz tempo que é inviável. A cada nova revelação, se estende o limite do que é suportável. Mas acho que apenas a eventual decisão do Tribunal Superior Eleitoral de cassar seu mandato o impediria de continuar na Presidência.
O que é fascinante no caso de Temer é que ele um presidente sem nenhuma legitimidade e impopular e, ao mesmo tempo, que lança reformas radicais. É paradoxal. Ele aposta que fará algumas reformas.
 
Presidente Temer durante evento em Brasília
Foto: BBCBrasil.com
BBC Brasil - Mas há pressão popular para que ele renuncie e por eleições diretas. 
Dabène - É difícil medir hoje a força de mobilização nas ruas porque há o fator da mobilização online, nas redes sociais. É diferente do movimento Diretas-Já nos anos 80. A mobilização nas redes sociais não fará o presidente Temer renunciar. Isso é certo. No entanto, se o movimento Diretas-Já com 10 milhões de curtidas na internet se transformar em 10 milhões de pessoas nas ruas de Brasília, será outra coisa.
Tenho certeza de que muitos brasileiros estão descontentes e querem que Temer renuncie. Mas será que isso se resume a curtir páginas Fora Temer ou Diretas-Já nas redes sociais ou pessoas de todo o país irão protestar em Brasília? Ou seja, se o movimento crescer e houver milhões de pessoas nas ruas, pode ser que Temer seja obrigado a renunciar. Não descarto essa possibilidade.
Mas não é fácil fazer com que as pessoas marchem nas ruas, o que me leva a pensar que Temer continuará no cargo, caso seu mandato não seja cassado pela Justiça.
BBC Brasil - Com boa parte do Congresso investigada pela operação Lava Jato, não haveria, no caso de eleição indireta, um problema de legitimidade para designar o eventual novo presidente?
Dabène - Eleições indiretas representariam um problema de legitimidade, claro. Mas seria um presidente de transição até as eleições de 2018. Se for uma personalidade moderada, com um discurso de reconciliação e de paciência, no sentido de respeitar o calendário eleitoral, poderá dar certo.
Acho notável, nestes dois últimos anos no Brasil, o desejo de respeitar a Constituição em meio a toda essa crise. A classe política vai querer respeitar o que diz a Constituição nesse caso.
BBC Brasil - Com a rejeição da classe política tradicional, o senhor acha possível que o Brasil possa eleger um presidente como o da França, Emmanuel Macron, que jamais havia disputado uma eleição e era totalmente desconhecido no país há apenas três anos?
Dabène - Sim. A opinião pública brasileira está tão decepcionada que devemos nos preparar para enormes surpresas. Talvez o próximo presidente do Brasil possa até ser um artista. É possível que os candidatos que disputarão o segundo turno presidencial em 2018 não sejam hoje pessoas conhecidas.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

3° Simposio sobre Seguranca Regional Europa-America do Sul, 12/06 - Comando Militar do Planalto

 Simpósio sobre Segurança Regional Europa-América do Sul, a se realizar no dia 12 de junho de 2017, a partir das 8h30, no Auditório do Comando Militar do Planalto (Av. do Exército, Setor Militar Urbano, Brasília). O Simpósio será conduzido nos idiomas Português, Espanhol e Inglês, e haverá tradução simultânea nestas línguas.

Abaixo o programa e mapa de acesso ao local.

R.S.V.P. | Inscrições devem ser efetuadas pelo email ou telefone:
Tel: +55 61 3443-1133 (206)

Traje: Passeio completo

Encontra-se no site do Comando Militar do Planalto o relatório da edição 2016.

Certificados de participação serão encaminhados, a pedido, após o simpósio.





Diplomacia: a antiga, a atual e a futura - Francisco Seixas da Costa

Do seu blog "...ou quatro coisas":
Genial, como sempre.
Paulo Roberto de Almeida 
Diplomacia - os próximos 100 anos

Como Twain disse um dia a propósito de um anúncio prematuro sobre a sua morte, parecem muito exageradas as notícias sobre a iminente desaparição da diplomacia. 

Deixando embora os créditos da mais velha profissão do mundo para outras artes, essa vetusta gestão dos “rituais de entendimento” à escala internacional, como lhe chamou Paulouro das Neves, tem-se constituído, ao longo dos séculos, como um eficaz instrumento na prevenção e resolução de conflitos, sendo que, quando em absoluto os não consegue evitar, é da sua natureza e missão conseguir manter abertos, por cima de todas as dificuldades, os canais possíveis de contacto e diálogo. 

Nunca se saberá quantas guerras a diplomacia evitou, mas é uma evidência que ajudou a pôr termo a muitas e, de um modo ainda hoje bem visível, ajudou a que algumas fortes tensões internacionais se mantivessem a níveis de intensidade capazes de poupar muitas vidas.

O século XX testemunhou, não apenas a exponencial multiplicação da rede diplomática bilateral à escala global, pela quase dupla centena de países que, em especial, o processo descolonizador fez emergir, mas igualmente consagrou o surgimento de uma diplomacia multilateral permanente, terreno de afirmação e representação, política e negocial por excelência, onde os pequenos e médios Estados ganharam um estatuto de equidade relativa que não deixa de ter consequências no equilíbrio da ordem internacional. 

Marcada por um “template” com clara origem europeia, a prática diplomática (e consular) internacional conseguiu aculturar, num modelo basicamente similar, todo o resto do mundo, graças, em especial, à adoção generalizada desse valioso referencial normativo que foram as Convenções de Viena – sobre relações diplomáticas e consulares. 

Não vale a pena inventariar as mudanças cumulativas que a prática diplomática foi sofrendo ao longo dos tempos, a começar pela diluição da exclusividade de representação da vontade do “soberano”, que os agentes diplomáticos contemporâneos praticamente deixaram de ter. A crescente facilidade nas comunicações, das pessoas e das mensagens, o progressivo estabelecimento de uma “comunidade” mediática e de análise dos fenómenos políticos, com projeção quase instantânea à escala global, a prática generalizada das relações diretas entre os setores especializados, públicos ou privados, dos vários países, que muitas vezes deixaram de passar pela coordenação da rede diplomática, tudo isso, e muito mais, contribuiu para desenhar um novo perfil para a atividade diplomática contemporânea – e, por maioria de razão, para os tempos que aí virão. 

O trabalho dos diplomatas profissionais é hoje escrutinado com muito maior rigor e exigência, porquanto estes estão, cada vez mais, sujeitos a modelos de “accountability”, na aplicação dos quais se joga a própria legitimidade da sua existência como classe professional autónoma. A diplomacia é hoje chamada a mostrar, de forma cada vez mais transparente, o valor acrescentado que a sua ação pode trazer à proteção dos interesses que lhe cabe proteger e promover.

Essa evolução da prática diplomática, como se tornou flagrante nas últimas décadas, acabou por simplificar muita da “coreografia” que, historicamente, envolvia a ação dos seus profissionais e marcava a imagem de “glamour” (mas também, por vezes, de alguma superficialidade generalista) que a diplomacia tinha aos olhos exteriores. Alguma dessa “liturgia” da profissão é ainda preservada, dado que isso constitui um relativo suporte para o mútuo respeito por procedimentos que, no fundo, padronizam e regulam o exercício da mesma atividade por cidadãos oriundos de culturas muito diversas. No entanto, a vida diplomática dos nossos dias tende a simplificar certos rituais protocolares, a dar mostras de alguma contenção na exibição dos faustos que fizeram a sua glória de outras eras, isto é, procura assumir-se, cada vez mais, como um terreno para a execução adequada e sóbria da dimensão externa das políticas públicas dos Estados. 

É neste contexto que uma nova visibilidade da ação diplomática, através da chamada diplomacia pública, se procura hoje crescentemente estabelecer, através de uma utilização das novas tecnologias e ferramentas mediáticas (blogs, Twitter, Facebook, etc), procurando tornar mais eficaz a mensagem política que intervem nos vários segmentos (especializados, etários, esferas culturais, etc) do espaço público externo. 

A nível pessoal, confrontado com uma observação mais atenta do seu trabalho e movimentação profissional, quer pela comunicação social quer pelos cidadãos e instituições, o diplomata contemporâneo tende, em especial nas sociedades com serviços públicos mais eficientes, a ser crescente avaliado em função de uma “performance” por objetivos, na sua tarefa de execução da política externa que lhe compete pôr em prática. Em particular, o seu papel de coadjuvação dos operadores económicos, bem como de um conjunto cada vez mais diversificado de interesses estatais e não-estatais com projeção na área externa (ONG, expressões diversas da sociedade civil, academia), obriga-o a uma constante atualização e a uma diversificada capacitação informativa que, muito frequentemente, parece poder conflituar com os ciclos da sua rotatividade entre postos e entre estes e a sua capital – modelo que a experiência consagrou até hoje como relevante, como forma de ser mantida a alguma “frescura” no olhar profissional sobre as realidades externas em que o diplomata opera.

O caso da integração continental, em que um país como o nosso está inserido, merece aqui uma palavra especial. O estabelecimento daquilo que é hoje a União Europeia veio criar uma realidade radicalmente nova, com que os seus Estados membros se vêm confrontados. Por um lado, as instituições comunitárias funcionam como uma estrutura multilateral de natureza regional, onde se processa a concertação de posições nacionais que define a linha coletiva, por consenso ou maioria. Porém, a própria União exerce hoje uma ação externa autónoma, em representação das suas instituições coletivas, em paralelo com as diplomacias nacionais dos Estados que a compõem, que naturalmente prosseguem os interesses próprios de cada um. A coerência entre todas estas dimensões é um desafio da maior importância.

O modelo funcional da União, por seu turno, acaba por ter efeitos na natureza do tecido das representações diplomáticas que esses Estados mantêm entre si, conduzindo a um crescente “downsizing” dessas estruturas. Isso é potenciado pela intensidade dos encontros e comunicações dos responsáveis políticos e técnicos de todos esses países, numa movimentação que passa frequentemente à margem das estruturas diplomáticas bilaterais, bem como pela circunstância do tecido legislativo e os procedimentos administrativos serem cada vez mais similares e transparentes em todos os Estados, dispensando a “leitura” especializada das embaixadas. 

Duas outras dimensões da diplomacia tradicional podem ser referidas como afetadas pela existência da União Europeia. No plano da sua proteção, o facto de um cidadão da União poder hoje recorrer aos serviços consulares de outros Estados membros desestimula, de certo modo, a multiplicação das redes consulares nacionais (muitas vezes integradas nas unidades diplomáticas), em especial no caso de Estados de menor dimensão. Também a tendência para posições conjuntas dos Estados da União em algumas estruturas multilaterais, cuja adoção é decidida na coordenação comunitária em Bruxelas, tende a desvalorizar o trabalho das missões nacionais nessas instâncias, com eventuais impactos na sua densidade em matéria de pessoal e estruturas.

Em conclusão, a continuar a ser aprofundada, ou mesmo apenas que preservada no seu modelo atual, a União Europeia vai apresentar um desafio interessante à criatividade transformadora das máquinas diplomáticas dos seus Estados membros.

Se me é permitida uma reflexão prospetiva, diria que tudo parece indicar para que as representações externas bilaterais venham, em geral, a perder algum sentido naquilo que era parte da sua vocação tradicional. 

Nas décadas passadas, já se tinha verificado a desaparição da sua função negociadora, avocado por missões ad hoc. Agora, e cada vez mais, parece evidente que as tarefas de observação e informação, em especial na área política, surgem grandemente afetadas na sua valia pela qualidade analítica da informação aberta disponível, ou mesmo pelos serviços de entidades privadas com canais de recolha de dados muito mais eficientes que muitas embaixadas (embora, a disponibilidade de serviços oficiais de “intelligence”, por parte de certos países, continue a ser muito valiosa).

Restam três dimensões onde a função dos diplomatas parece dificilmente substituível. 

Por um lado, a proteção e promoção de interesses, humanos ou patrimoniais, do Estado, dos cidadãos ou de entidades privadas. O aumento exponencial das viagens internacionais coloca desafios sérios em matéria de segurança e proteção dos cidadãos e, cada vez mais, a promoção dos interesses económicos (investimentos, comércio, turismo) e da imagem e prestígio dos Estados (cultura, diplomacia pública) se torna importante e, muitas vezes, só pode ser assumida a nível nacional.

Por outro, a função de representação ou presença política do seu Estado perante aquele em que está acreditado. A grande maioria dos países não está integrada nos circuitos de contactos regulares (pessoais ou por comunicações) entre os respetivos dirigentes politicos, pelo que o papel de representante pessoal do chefe do Estado ou da vontade do governo é, muitas vezes, indispensável para o tratamento de certo tipo de questões. A dimensão humana da atividade diplomática permanece um valor acrescentado insubstituível.

Finalmente, alguma mudança se pressente na diplomacia multilateral, onde, ao que tudo parece indicar, residirá muita da decisão futura com impacto na vida corrente dos Estados – e, por maioria de razão, no plano da prevenção e resolução dos conflitos entre eles. Neste domínio, a tendência poderá não favorecer o modelo tradicional do diplomata generalista e, cada vez mais, a função poderá vir a ser exercida por quadros técnicos cada vez mais especializados, em novas “carreiras” diplomáticas a funcionarem em paralelo com a clássica “carreira”. Essa “nova” diplomacia já hoje tem grande expressão e caberá aos Estados saberem compatibilizar a sua existência com o modelo tradicional.

A diplomacia, nas suas variadas formas evolutivas, está aí para ficar. Durará 100 anos? Ninguém sabe, mas a História provou a resiliência dessa “espécie” vocacionada para a simpática tarefa de harmonizar a vida dos Estados e dos povos.

(Texto incluído na antologia "Olhar o Mundo", coordenada por António Mateus, ed. Marcador, 2017)

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Why West often overlooks China’s WWII effort - Shanghai Daily

Entrevista com o historiador inglês Rana Mitter, especializado na história da China (tenho um livro dele, em italiano), sobre o papel tremendamente subestimado da China na II Guerra Mundial. Isto  ocorreu, em parte, por culpa dos ocidentais, que consideram importantes apenas as frentes de batalha no Ocidente e no Pacífico (EUA vs Japão), mas também por culpa de chineses, que mantiveram seus arquivos fechados desde os anos 1950, até pelo menos os anos 1980. O historiador inglês publicou um livro sobre o tema.
Paulo Roberto de Almeida

Why West often overlooks China’s WWII effort

EDITOR’S Note: There is a wealth of literature documenting WWII from a Western perspective but less is known in the West about China’s epic struggles against Japanese invasion. One of the few books that does justice to China’s war effort is the bestseller “Forgotten Ally: China’s World War II, 1937-1945” published in 2013. Its author, Rana Mitter, Director of University China Center and Professor of the History and Politics of Modern China at the University of Oxford, spoke to Shanghai Daily reporter Ni Tao at this year’s Shanghai Forum about his research on China’s wartime history and how it taught him about the dangers of being doctrinaire while understanding the country’s political future.
SD: Early this year, the Chinese authorities updated the War of Resistance Against Japanese Aggression from eight years to 14 years. What is behind this change?
Mitter: I think a reason that there has been an official decision to change the length of the war from eight to 14 years is to change the historical understanding of the war itself.
If you look at the way in which Chinese scholars have been writing about the war in academic journals, they have been using the 14-year-long definition for quite a number of years.
The reason of course is because it dates the war from the invasion and occupation of Manchuria in 1931 as the starting point.
In a way, it also matches the definition of the war, which has been used in Japan, particularly by the Left, for many years. And I think that part of the reasoning has been to try and create an idea in the public mind of the different aspects of the build-up to the war.
Personally, I still think the eight-year definition is valuable, because it marks a particular time when the outbreak of the war, the Lugouqiao Incident of July 7, 1937, significantly changed the way in which the relationship between China and Japan operated.
After 1937, it would have been very dif­ficult to arrange any kind of compromise agreement between the two sides. People within the Nationalist government who had perhaps more sympathy toward Japan were no longer able to operate on the basis of getting closer to Japan.
SD: Why are China’s struggles during WWII largely forgotten in the West?
Mitter: I think there are two reasons: one to do with the West, one to do with China.
On the Western side, the major problem has been that the war in China was not taken very seriously.
Despite the fact that it caused millions of deaths and tens of millions of refugees, and despite (China’s) important role of holding down the Japanese army in China for many years, these achievements and suffering were regarded secondary to what was considered as the real war in Europe and then in the Pacific.
I would argue quite strongly that actually some of the decisions China made were really fundamental.
The best example of this was in 1938, a time when the Nationalist government under Chiang Kai-shek could have surrendered to the Japanese and in fact his former ally Wang Jingwei did form an alliance with the Japanese.
But by making the decision not to surrender to Japan, even when China was very weak and had little outside assistance, it actually set a very important turning point for the eventual victory in Asia many years later.
However, we also have to remember that it was very difficult, or actually impossible, for a long time for Western scholars to come to China and use archives for most of the period from the 1950s up until the 1980s and 1990s.
SD: How would you judge China’s contributions and sacrifices in WWII?
Mitter: I think that China’s contributions and sacrifices during WWII were immensely important and under-appreciated in the wider world.
The example I often give when asked where did China make a difference in World War II is to point to 1937.
You have to look at that year as it was seen then, not as what we know now.
Now we know that Japan and Germany were eventually defeated. The Americans would eventually come into the war.
But this was not at all clear in 1938. At that time China’s national government had retreated to Chongqing (the wartime capital); the Communists were restricted to some areas in northern and central China; a large part of China fell under Japanese occupation.
Many observers including some British diplomats thought that the most sensible thing to do would be for China’s government to compromise, surrender, or at least come to an agreement with the Japanese.
The decision both by the Kuomintang, and by the Chinese Communist Party, to continue resistance at a time when China had very little outside support or few alliances was not an obvious and easy one to make.
By deciding in 1938 that they would continue to fight against Japan, the Chinese managed to hold the situation for long enough for the situation to eventually change and for the eventual entry of the United States and Britain into the global war after 1941.
I f it weren’t for the Chinese contributions, it would have been much harder to achieve an allied victory in Asia.
But without the Allied contributions, China would not have been on the victorious side. So both sides needed each other.
SD: In researching the book, you rely on the diaries of personalities like Chiang Kai-shek. But could referencing these diaries come at the expense of more important archives?
Mitter: It is an important question to ask, because when writing history, we have to be aware of the danger of getting too trapped in personalities.
This is what the famous 19th century English historian Thomas Carlyle meant by the “Great Man” theory of history.
And we have to avoid that, partly because history is not just about men, and certainly not just about great men.
But the reason that I think these diaries are important is that they reveal not just the personality of the individuals, but also their particular mindset and viewpoints about much bigger questions, which is what was China going to achieve if it got through with the war with Japan.
For example, if you read Chiang’s diary, you’ll find he was constructing a different vision, not just of China, but also of Asia, one in which China would play a bigger role.
But understanding how he viewed China’s role in the post-war period tells you a lot about the relationship between America and China, as well as the emergence of new post-colonial and post-imperial nationalism in many Asian nations.
Moreover, one of the areas where I looked quite extensively was the way in which social change happened on the ground.
For instance, reforms in areas like health care, hygiene, and social welfare provision, refugee provision, in large parts of China during the war.
Most of that has nothing to do with specific individuals at all, but has to do with policies and social change in government as a whole.
And I think the important thing is to combine these materials with very personal views that you get from diaries.
SD: Have your perspectives changed over the course of researching China’s past?
Mitter: I think over maybe 16 or 20 years of writing about China, my views basically haven’t changed, but developed, and I hope deepened over that time.
Probably the single change is that it becomes much harder for me to argue that there is any fixed or definite political path for China during that time.
Sometimes if you look at the present day, you hear people from the West say China should be this way, while some say China definitely should be that way.
I think looking at 20th century Chinese history shows that actually there are a whole variety of different paths. And it’s not always possible to tell which one is the best at one time.
The one thing I learned from studying that period is that in the end it has to be up to the Chinese people to decide what their political path is going to be.