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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Por que escrevo (1) - Paulo Roberto de Almeida

Recentemente fui requisitado por um pesquisador da UnB que mantém um site interessante, Como Eu Escrevo (https://comoeuescrevo.com/), a preencher um questionário muito amplo (neste link), que se aplica bem mais a escritores literários, do que a escrevinhadores de ciências humanas, como é o meu caso. Respondi dizendo que não tinha tempo para responder neste momento, mas lembrei-me de um antigo trabalho que corresponde a uma parte, apenas, das demandas efetuadas.
Transcrevo nesta postagem, e na próxima, esse trabalho de três anos atrás, sobre as razões de minha produção "literária".
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de novembro de 2017


Paulo Roberto de Almeida

A pergunta do título poderia, hipoteticamente, sugerir aos leitores deste texto que eu estaria me considerando um escritor, o que não é absolutamente verdade, nem pela suposição implícita, nem, muito menos, pela condição efetiva. Escritor é aquele que faz do ofício da escrita sua atividade principal e que, portanto, vive disso (a menos que seja um milionário despreocupado, ou um proustiano que vive de ar e madeleines). Eu não ganho minha vida escrevendo, muito pelo contrário: até devo perder algum dinheiro (às vezes muito, pela compra de livros), e provavelmente também porque meus textos publicados não constituem exatamente ativos em minha vida profissional (eles podem até ter contribuído para alguns dissabores ao longo da carreira, pelo fato de não aderir às doutrinas oficiais, e possivelmente também na vida acadêmica, onde o desfilar de vaidades é uma constante e as lutas tribais inevitáveis).
Então, retomando a pergunta do título, por que escrevo? Poderia dizer, muito diretamente, assim: por necessidade interior. Ou então, simplesmente, porque me dá prazer. Com efeito, faço da escrita uma segunda natureza (talvez a primeira, junto com a leitura, e não imagino nenhuma outra tão absorvente quanto essas duas; sim tem outras, mas não é o caso aqui de entrar em detalhes). Mas confesso que estou escrevendo este pequeno ensaio por sugestão indireta, em todo caso póstuma, de uma terceira pessoa, ela sim um escritor consumado, deliberado, definitivo, um dos meus preferidos, desde muitos anos, desde quando, ainda na adolescência, li Animal Farm (A Revolução dos Bichos). Sim, Eric Blair, aliás mais conhecido pelo seu nom de plume, George Orwell.
Acabo de receber um livrinho usado, que comprei por pouco mais de quatro dólares (frete incluído) da Thriftbooks (via Abebooks), chamado simplesmente de A Collection of Essays (Harbrace, copyright de 1946 pelo próprio George Orwell e, em vários outros anos, por Sonia Brownell Orwell). A despeito de conter ensaios altamente convidativos – vários dos quais eu já conhecia por outras edições de suas obras – como, por exemplo Shooting an Elephant, Politics and the English Language, Looking Back on the Spanish Civil War – fui direto ao último texto, de 1946, que exibe exatamente o título deste meu pequeno ensaio: Why I write (sem ponto de interrogação). Devo um pequeno copyright ao estate de George Orwell, portanto, ou se não para pagar seus legal rights, pelo menos registro aqui seu moral right quanto ao título e a inspiração.
Volto à questão da escrita por necessidade, pois ela é real e verdadeira, se me permitem a redundância. E isso não tem nada a ver com as características de escritor de George Orwell, que informa, nesse seu ensaio, que já sabia que queria ser escritor na tenra idade de cinco ou seis anos, quando recitou um poema para que sua mãe escrevesse, provavelmente inspirado – ou plagiado, como ele escreve – num poema de Blake, “Tiger, Tiger”. Em todo caso, já aos onze anos, quando começou a Grande Guerra, ele escreveu um poema patriótico publicado num jornal local. Ele começou assim, escrevendo vers d’occasion, ascendendo numa carreira que enveredou pelo jornalismo, pelo ensaísmo e que chegou até o famoso romance distópico que ainda hoje é referência, tanto na literatura dessa área, quanto para o pensamento político dirigido para a condição humana e a organização das sociedades, naquele tom pessimista que sabemos lhe ter sido precocemente inspirado pelo conhecimento direto do stalinismo, primeiro na Espanha, depois ao tomar conhecimento dos processos de Moscou.
No meu caso, não foi nada disso, nem versos de ocasião, nem experiência traumática em alguma guerra, embora possa reconhecer que o golpe militar de 1964 me despertou também precocemente para a política e para o estudo sistemáticos dos problemas sociais e econômicos do Brasil. Mas, a essa altura, eu já era um escritor não confirmado, mas provavelmente improvisado, mas já totalmente dedicado às artes altamente suspeitas da leitura obsessiva e da escrita compulsiva, talvez um pouco como Orwell. Não que eu pretenda me igualar ao grande escritor, longe disso, mas é que, como no seu caso – e suspeito que isso eu possa compartilhar com ele – eu nunca escrevi nada, absolutamente nada, que não tivesse vontade de escrever, e nunca escrevi qualquer coisa que violasse minha própria consciência quanto ao conteúdo mesmo que estava sendo transposto para o papel, mais tarde para as telas de computador. Jamais. Como Orwell, possivelmente, só escrevi aquilo que motivava minha vontade, que atiçava meu cérebro, que correspondia a algum impulso interior, e que brotava naturalmente da pluma, ou do teclado, segundo alguma reflexão própria, jamais ditada por alguma força externa.
Obviamente, ao longo da carreira profissional fui levado a escrever textos para terceiros, geralmente chefes na hierarquia vaticana do Itamaraty, mas não me lembro de jamais ter recorrido ao diplomatês insosso, no estilo bullshit habitual nesse meio, àquela langue-de-bois (ou chapa branca) que sempre me horrorizou sobremaneira. Sempre escrevi o que queria, e se algum chefe, ou gabinete, quisesse mudar depois, isso não mais me interessava. Nenhum desses escritos entrou na minha lista de trabalhos (só um ou outro cuja estrutura, conteúdo e forma foram preservados, mas de toda forma apenas para fins de registro, não como trabalhos que eu pudesse considerar como sendo meus).
À diferença de Orwell, comecei a escrever tarde, mas talvez não muito mais tarde do que ele mesmo. As primeiras lembranças da fase de aprendizagem da leitura e da escrita, me remetem ao livro de alfabetização – estilo “Ivo viu a uva” – e ao caderno de caligrafia, com suas três linhas, a superior reservada às maiúsculas iniciais e aos nomes próprios, mas que jamais poderia ser ultrapassada. As ferramentas eram o lápis, o apontador, a borracha e a caneta de pluma de ferro, com o tinteiro de marca americana, creio que Parker, que também era o nome de uma famosa caneta tinteiro que nunca cheguei a possuir. Mais adiante, talvez no terceiro ano do primário, já se trocou a caneta de pluma de ferro – também cheguei a experimentar pluma de ganso, apontada – por uma caneta tinteiro, dessas de bomba de borracha, que costumam fazer a maior sujeira, se manejadas sem cuidado (quantos cadernos e livros estragados com uma ou outra vazão exagerada de tinta...).
Depois do bê-á-bá, os primeiros escritos foram apenas as respostas às perguntas da professora, copiadas da lousa, a mesma para os quatro anos do primário, e que dava todas as aulas das quatro ou cinco disciplinas obrigatórias (e aplicava os corretivos, quando fosse necessário). Havia também os corretivos em casa, quando o boletim ou o caderno vinha com notas vergonhosas, o que era raro, mas em todo caso servia para incutir um alto senso de responsabilidade nos deveres escolares de todo mundo (algo que aparentemente parece ter sido perdido atualmente, ainda mais com a tal de “lei da palmada”). Os casos mais graves de comportamento eram resolvidos no chinelo ou na cinta, mas jamais para deveres escolares, inclusive porque a escola era disciplinadora.
Mas eu me perco no roteiro deste ensaio: por que escrevo? Bem, comecei com trabalhos escolares, mas jamais respondendo apenas o estritamente necessário, de forma lacônica: sempre passeando pelo Egito antigo, pela Grécia clássica, pela Roma dos tribunos e dos imperadores aloprados, inclusive porque era isso o que eu aprendia nos livros, nas versões infantis das histórias de Monteiro Lobato, dos clássicos de Swift, Cervantes, Hans Staden, Defoe, nos romances de Karl May, Emilio Salgari e muitos outros. O gosto pela história veio muito cedo, na adaptação feita por Lobato da História do Mundo para as Crianças, cujo autor me escapa completamente agora.
Tudo isso eu tinha à minha disposição na fabulosa Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, no bairro do Itaim-Bibi, que eu frequentava antes mesmo de aprender a ler, o que só fiz na tardia idade de sete anos. No ano seguinte, já me debrucei sobre coisas mais “complicadas”. Cheguei a decorar os nomes de faraós de várias dinastias egípcias, e sabia perfeitamente distinguir quem foram e o que fizeram os gregos mais famosos, filósofos, dirigentes políticos ou líderes militares. Não sei se foi isso que me levou à incontinência da pena, provavelmente não: esse foi apenas o caminho para a loucura gentil da leitura obsessiva, embora a escrita caminhasse junto, pois era dessa forma que eu realmente absorvia cada livro lido, pelos resumos efetuados a cada vez, e que infelizmente se perderam na passagem da infância para a adolescência.
Chegada essa fase, minhas preocupações eram outras, não mais puramente históricas, e muito menos literárias, o que nunca foi o meu forte, até hoje (o que, aliás, explica inúmeros defeitos de escrita, inclusive porque nunca cuidei da forma, muito menos da gramática ou do estilo). Elas se tornaram sociais e políticas, sobretudo porque eu procurava entender porque eu e minha família éramos tão pobres, tão desprovidos de coisas básicas (telefone, televisão, carro, ou livros, em casa), em face de tantos colegas da escola, de roupas vistosas e hábitos “burgueses” (sim, aprendi muito cedo o significado desse conceito essencialmente marxista).
A percepção, real, cruel, dolorosa, da pobreza, da desigualdade social, da carência de meios me impactou desde cedo, e isso porque desde muito cedo fui levado a trabalhar para suplementar o magérrimo orçamento familiar: meu pai era motorista, minha mãe lavava roupas para fora, ambos com primário incompleto, e meu destino, desde o primário, e provavelmente mesmo antes, foi suprir a falta de dinheiro com todos os expedientes aceitáveis então podendo ser desempenhados por um garoto pobre: recolhimento de sucata metálica nos fundos de uma fábrica, pegador de bolas de tênis no clube da vizinhança e empacotador não registrado de supermercado, ganhando apenas gorjetas, portanto. Mais adiante fui ser “office-boy”, que era como se chamavam os contínuos antigamente. Fiz um pouco de tudo, inclusive e principalmente refletir sobre a miséria material da nossa existência.
Daí que, salvo alguns pequenos textos de juventude, para os jornais escolares, meus primeiros escritos tenham sido precocemente impregnados de revolta, logo impulsionada pela leitura de obras como Germinal, de Émile Zola e outros livros dessa mesma feitura. Da revolta instintiva para a “consciência social” foi um passo muito curto, que devo ter ultrapassado antes mesmo do golpe militar de 1964, aos 14 anos, portanto. Antes disso eu já vinha me politizando, com a leitura de jornais, de Seleções (versão brasileira do Reader’s Digest), e de quaisquer outros materiais que viessem às mãos. Depois do Quarto Centenário da cidade de São Paulo, em 1954, e da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o que provavelmente mais marcou minha infância foi a campanha vitoriosa de Jânio Quadros, em 1960, sua renúncia, a seis meses do exercício do cargo (quando minha mãe foi me buscar na escola, talvez temendo uma guerra civil, ou pelo menos distúrbios nas ruas, como quando do suicídio de Getúlio), e a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, no ano seguinte. Foram episódios momentosos na vida do país e do mundo, que me levaram às páginas dos jornais, quando eu então passei a usar do meu pouco dinheiro para comprar o grosso Estadão de domingo, onde se podia aprender de tudo, naquela linguagem complicada para um garoto de doze anos.
Nessa altura eu já estava fazendo resenhas de livros para jornais escolares, e produzindo alguns textos “góticos” sobre o Brasil e o mundo, que se perderam todos, com uma ou outra exceção. No ginásio (Vocacional Oswaldo Aranha, entre 1962 e 1965) eu colaborar com “A Pequena Nação”, que tinha como dístico a seguinte frase, altamente pretensiosa: “um jornal que diz bem porque pensa no que diz” (sic). Sobraram como colaborações minhas um elogio pela vitoriosa conquista num torneio feminino de handball, e um poema chamado A Jangada, provavelmente inspirado nas leituras obrigatórias que tínhamos de fazer (nesse caso, José de Alencar, talvez). Mas o golpe militar, logo em seguida, me levou diretamente às leituras políticas, aos escritos na linha do marxismo e ao meu engajamento na “luta contra a ditadura”. A partir daí nunca mais deixei de escrever, compulsivamente, intensamente, aliás muita coisa sob algum nom-de-plume, que no caso era mais exatamente um nom-de-guerre. Mas esta já é outra história que pretendo contar um outro dia...
Termino respondendo à pergunta inicial: escrevo por necessidade. Em primeiro lugar para tentar explicar a mim mesmo as razões da desigualdade, e do nosso estatuto social inferior, e para os outros tentando convencê-lo de que é preciso mudar o país e mudar o mundo, para torná-lo mais justo para aqueles, como eu, que vieram de uma condição inferior e queriam ter acesso às bondades da sociedade de consumo. Quando comecei, a intenção era mais bem a destruir a sociedade capitalista e o mundo burguês, como ocorria com muitos jovens em minha época, e provavelmente de condição social bem superior: líamos Marx e Engels, obviamente, mas também Lênin, Marcuse, e toda a literatura especializada nos problemas sociais brasileiros, inclusive clássicos da teoria social, da história e do desenvolvimento econômico que só seriam recomendados vários anos mais tarde, já na Faculdade.
Depois de muitas aventuras, viagens, leituras e um itinerário de aprendizados constantes eu aprendi que era preciso transformar o mundo, não necessariamente no sentido pretendido na juventude, mas de uma forma mais racional, mais ponderada, menos radical, e certamente mais democrática e tolerante em relação às diversas orientações doutrinárias, políticas e econômicas. Mas, tudo isso foi sendo absorvido ao longo da vida, aos poucos, como acontece com todo mundo aliás.
O que nunca deixei de fazer, sempre, foi ler e escrever, escrever e ler, e pensar, naturalmente. Ainda tenho cadernos e mais cadernos de notas de leituras e de trabalhos esquematizados. Continuo fazendo isso, agora guardando em pastas no computador.
Por que eu escrevo? Por isso mesmo, por absoluta necessidade. Não creio que venha a mudar significativamente esse meu estilo de vida daqui para a frente, mas seria bom um pouco mais de organização: tenho dezenas de trabalhos e muitos livros para terminar. Paro por aqui, pois tenho outras coisas para escrever, no meu caos habitual...

Hartford, 6 de Junho de 2014

domingo, 26 de novembro de 2017

Brasil: protecionista e com orgulho de ser - Marcos S. Jank

A 'mão do gato' ameaça as exportações brasileiras

Marcos Sawaya Jank (*)
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 25/11/2017

Geopolítica e interesses protecionistas afetam a nossa expansão global.

Não me lembro de um período com tantas turbulências e incertezas no mundo como o atual. As questões geopolíticas voltaram à ordem do dia: grandes levas de refugiados, novas formas de terrorismo, conflitos no Oriente Médio, disputas no entorno da China e o jeito Trump de governar.

O multilateralismo consensual do pós-guerra dá lugar às ameaças via Twitter e porrete. E, como era de esperar, já começa a afetar as correntes de comércio e investimentos no mundo.

No início do mês, Trump passou pela Ásia para discutir a questão da Coreia do Norte e reequilibrar o deficit comercial dos EUA com países-chave da região, incluindo, se necessário, a oportuna venda de armas americanas.

No total, os EUA importam quase US$ 1 trilhão da Ásia, acumulando o gigantesco deficit comercial de US$ 533 bilhões com o continente. O deficit americano varia de US$ 13 bilhões a US$ 33 bilhões com países como Indonésia, Taiwan, Tailândia, Índia, Malásia, Coreia do Sul e Vietnã. Chega a US$ 70 bilhões com o Japão e a incríveis US$ 347 bilhões com a China. Trump está obcecado com isso e ameaça: abram-se para os EUA ou haverá retaliações.

Na mesma linha, multiplicam-se os contenciosos comerciais. Novas regulações desenhadas "ad hoc" e contenciosos de impacto começam a atingir as exportações brasileiras nos setores em que somos mais competitivos. No agronegócio, estamos enfrentando conflitos no acesso do açúcar e da carne de frango à China, etanol para o Japão e questões complexas com Rússia, Hong Kong, Indonésia, União Europeia e EUA.

Vale destacar ainda o impacto da proteção à indústria doméstica brasileira, o que inclui o próprio agronegócio. Continuamos sendo um dos países mais fechados do mundo ao comércio. Aço, trigo, café, bananas, camarão e pescados são exemplos de produtos nos quais a proteção contra importações de pequena monta já prejudica grandes volumes de exportações potenciais.

Falamos das nossas grandezas, queremos acessar o mundo, mas na hora de negociar não oferecemos quase nada em troca aos nossos parceiros. Estaremos perdendo cada vez mais oportunidades de exportação em razão disso.

Isso sem contar a crise de imagem que vivemos, gerada pela percepção de um país tomado pela corrupção, violência e instabilidade política, incapaz de se explicar de forma simples e didática. O mundo tem dificuldade de entender o que está acontecendo no Brasil.

Nesse contexto, noto que a "mão do gato" contra as nossas exportações se faz cada vez mais presente, dentro do próprio país ou escondida atrás da porta, na concorrência nos países-destino.

Já se foi o tempo em que exportávamos simplesmente porque havia demanda e éramos competitivos. Num mundo dominado pelo mercantilismo do "toma lá dá cá", com interesses geopolíticos exacerbados e arbitrariedades regulatórias se multiplicando, é fundamental manter um olho no peixe e o outro no gato.

A complexidade do mundo exige uma melhor definição do interesse público do país, tomando decisões com base no impacto socioeconômico das medidas, e não em favor de quem grita mais alto.

Exige estratégias bem montadas para lidar com a crescente agressividade geopolítica e comercial do mundo.

Exige maior coordenação dentro do governo e entre este e o setor privado, para não perder mercados e oportunidades. Precisamos também estar mais presentes no cenário internacional, muito além da representação oficial do governo, construindo relacionamentos estáveis e duradouros com nossos parceiros comerciais, que aumentem a confiança entre as partes.

Estratégia, representação e organização são a única receita de sucesso ante a imensa complexidade do mundo atual.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

Protecao da propriedade intelectual: citacao a trabalho de Paulo Roberto de Almeida

O Research Gate sempre me alerta quando existe um trabalho meu citado por outro scholar, como é o caso deste trabalho:
Paulo Roberto de Almeida:

“The Political Economy of Intellectual Property Protection: technological protectionism and transfer of revenue among nations”, International Journal of Technology Management (Cambridge: vol. 10, n°s 1/2, 1995, pp. 214-229). Relação de Trabalhos n° 205.

Ele foi citado no seguinte artigo publicado:




O link para ver o artigo inteiro é este aqui:
https://www.researchgate.net/publication/256804352_Protecting_intellectual_property_Strategies_and_recommendations_to_deter_counterfeiting_and_brand_piracy_in_global_markets

O Ajuste Justo: estudo do Banco Mundial sobre gastos publicos no Brasil - editoriais OESP, Valor

Dois editoriais que destacam a importância deste estudo do Banco Mundial para o processo de ajuste macroeconômico no Brasil, com ênfase na política fiscal, demonstrando, cabalmente, a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, significativas e impactantes de corte de gastos no país.
O trabalho do Banco Mundial é este aqui:
O estudo está disponível, em português, no seguinte link: 
http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf
Paulo Roberto de Almeida

EDITORIAIS de 23/11/2017

O Estado de S. Paulo – Gastar menos e fazer mais / Editorial

Estudo do Banco Mundial contém material de alta qualidade para discussão na campanha eleitoral. Falta saber se haverá candidatos bastante sérios para tratar desses assuntos.
O governo pode fazer mais com menos dinheiro, produzindo serviços com mais eficiência e tratando os cidadãos com mais equidade, segundo um estudo recém-divulgado em Brasília pelo Banco Mundial. O trabalho contém material farto e de alta qualidade para discussão na campanha eleitoral do próximo ano. Falta conferir se haverá candidatos bastante sérios para tratar de assuntos como a melhora da administração, a reforma do Orçamento, a distribuição mais equilibrada e mais justa de encargos e benefícios e a definição mais pragmática e realista de metas e programas. As propostas são dirigidas a quem estiver disposto a enfrentar com seriedade e honestidade algumas questões tão simples quanto importantes. Exemplos: por que os pobres devem financiar ensino universitário gratuito aos jovens das classes mais abonadas? Por que o Tesouro deve conceder benefícios custosos e ineficientes a grupos empresariais mais interessados no conforto do que na busca de competitividade?
O governo brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal: essa “é a principal conclusão do estudo”. Nenhum remédio será satisfatório, portanto, se o problema do gasto mal executado ficar sem tratamento. Nesse caso, mais dinheiro à disposição do poder público será mais dinheiro desperdiçado. Não é uma questão ideológica, mas aritmética e pragmática.
As mudanças propostas no estudo podem servir a governos de várias orientações – se forem razoavelmente sérios. Afinal, o uso mais eficiente do dinheiro pode servir à execução de diferentes tipos de política. Mas a eficiência dependerá de algumas condições.
Uma delas é a reforma da Previdência, apontada como a fonte mais importante de economia no longo prazo. Não há como contornar os desafios impostos pelas mudanças demográficas, argumentam os autores do estudo, repetindo um argumento realista e bem conhecido. Além disso, a reforma poderá tornar mais equitativo um sistema caracterizado por distribuição desigual de benefícios entre ricos e pobres e entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado.
Sem essa e outras mudanças, o teto de gastos ficará na lembrança como mais uma iniciativa bem-intencionada e de curtíssima utilidade. O limite constitucional dos gastos só terá um sentido prático se for invertida a tendência dominante nos últimos anos. Será necessário executar nos próximos dez anos um corte acumulado de quase 25% nas despesas primárias (isto é, sem juros) da administração federal. A contenção do gasto exigirá várias medidas além do combate ao déficit previdenciário.
As propostas incluem, entre os primeiros itens, a redução da massa de salários do funcionalismo público, medida tanto de eficiência como de equidade. A redução pode ser obtida pela diminuição do quadro de pessoal e pelo corte gradativo das vantagens. A remuneração do funcionário federal, segundo o relatório, é em média 67% superior à dos trabalhadores do setor privado (mesmo levando-se em conta diferenças de nível educacional).
O governo também poderá economizar melhorando seu sistema de compras e assim reduzindo desperdícios. Poderá abandonar políticas muito caras e ineficientes de estímulo às empresas, com custos equivalentes a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. A ineficiência dessas políticas, com escasso ou nenhum resultado em termos de crescimento, foi apontada várias vezes por analistas brasileiros. O governo apenas mexeu em alguns de seus componentes.
Algumas inovações são politicamente complicadas, caso da unificação dos programas de proteção social. A eliminação da gratuidade como padrão geral da universidade pública seria certamente recebida com muitas críticas, embora dois terços dos beneficiários pertençam aos 40% mais aquinhoados. A mudança seria compatível com programas de financiamento e de bolsas.
Racionalidade e eficiência são raramente populares. É muito mais fácil defender políticas populistas, mesmo quando inflacionárias e injustas, como tem sido no Brasil. Enfrentar o populismo, no entanto, é hoje indispensável para garantir o futuro do País.

Valor Econômico – A lição de casa do ajuste, segundo o Banco Mundial / Editorial

As políticas do Estado brasileiro produzem déficits crescentes, frutos de gastos ruins, que concentram renda, beneficiam os mais ricos e tolhem a economia. Sem profundas reformas, ele caminha para a insolvência. O estudo do Banco Mundial, "O ajuste justo", aprofunda o diagnóstico das causas do grande endividamento público, feito por vários economistas do país, e aponta, com mais diversidade do que de costume, linhas de soluções para o problema. À sombra dos números, há a inquietante percepção de que o país anda já há um bom tempo na trilha errada e da dificuldade de corrigir a rota.
A reforma da previdência é o pilar das mudanças e o item que poderia proporcionar a maior economia de despesas, de 1,8% do PIB até 2026, se a proposta aprovada por comissão da Câmara fosse integralmente executada. Não será, e a conta de redução de despesas em relação a uma trajetória sem mudanças cairá de R$ 600 bilhões para algo em torno de R$ 360 bilhões em 10 anos, em cálculos aproximados. É vital, porém, desvincular o piso da previdência do salário mínimo, diz o banco.
A reforma da previdência, porém, é insuficiente, e é necessário uma rearrumação e redução geral dos gastos. O Banco Mundial analisou 8 áreas, que somam 80% dos gastos públicos, e sugeriu medidas que podem melhorar em 7% do PIB as contas públicas federais em uma década. As sugestões, a maior parte corretas, são um pesadelo para políticos acostumados a expedientes de ocasião para compor interesses díspares dos grupos de pressão. É possível, aponta o documento, encontrar soluções alternativas, mas é difícil fugir dos alvos propostos.
O governo federal precisará fazer uma correção de gastos da ordem de 5% do PIB no médio prazo para deter primeiro, e reduzir depois, o endividamento, hoje em 74% do PIB. O teto de gastos é importante para isso e pode encolher as despesas em 25% em uma década, jogando-as de volta ao nível de 2000. O teto não para em pé sem a reforma da previdência, o que é sabido, mas será também praticamente inexequível sem mudanças nos gastos obrigatórios. Com o limite aplicado apenas a "despesas primárias agregadas (e não a componentes e programas específicos) ele não oferece orientação sobre onde reduzir os gastos", conclui o estudo. A reação automática, diante das vinculações e amarras, como em outras situações de aperto dos cintos, foi cortar investimentos, o que não é sustentável.
O banco afirma, após análise ampla de subsídios e programas, que a política fiscal brasileira é regressiva e não beneficia, como poderia, as camadas mais pobres. Para corrigi-la, é imprescindível reduzir a massa salarial dos servidores públicos, 77% dos quais se situam entre os 40% mais ricos do país. Como porcentagem do PIB, ela excede a média dos países de renda alta. Segundo o estudo, o total da folha de pagamentos do setor público subiu de 11,6% do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em 2015 e superou Portugal e até a França, a pátria por excelência da burocracia de Estado.
Os servidores federais recebem, em média, 70% mais que os trabalhadores do setor privado. Ajustando-se a comparação por idade, experiência, educação etc, ganham um prêmio salarial de 67% em média - o mais alto da amostra de 53 países. Por esse motivo o banco recomenda que se reduzam as vantagens desse grupo na reforma previdenciária e que ele contribua com parcela do ajuste, via maior tributação. Sugere também, ao contrário do que fez o presidente Temer, que não se conceda aumentos reais para o funcionalismo até que esse prêmio caia. Se ele fosse reduzido à metade, alinhando os salários federais aos estaduais (mantendo prêmio de 31%), "a economia anual resultante seria de 0,9% do PIB (R$ 53 bilhões). A equiparação do prêmio à média internacional de 16% reduziria a massa salarial em 1,3% do PIB ao ano (R$ 79 bilhões).
As demais recomendações trazem ganhos menores, mas ainda assim significativos. Uma ideia é unificar salário-família, Bolsa Família, benefício de prestação continuada e aposentadoria rural, para evitar sobreposições, o que pouparia gastos de 0,7% do PIB. O seguro-desemprego apenas seria concedido após o uso do FGTS, sobre cujo saldo deveriam incidir juros de mercado. Uma economia de até 1,2% do PIB seria obtida com reforma do Simples, mais 0,4% com o fim da desoneração da folha e outros 0,4% com reforma dos benefícios da Zona Franca de Manaus. O conjunto compõe uma plataforma ousada à espera de políticos que a defendam.

Pericles: "Oracao aos Mortos", um discurso sobre a democracia ateniense - Tucidedes


Tucídides (c. 460 – c. 400 a.C)
História da Guerra do Peloponeso
(Prefácio de Hélio Jaguaribe; tradução do grego e notas de Mário da Gama Kury; 4a. edição: Brasília: Editora Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001, xlvii + 584 p.; Clássicos IPRI; ISBN: 85-230-0204-9)

Extratos da oração fúnebre pronunciada por Péricles, capítulos 35 a 46 do livro segundo de Tucídedes, p. 107-114:


35. “Muitos dos que me precederam neste lugar fizeram elogios ao legislador que acrescentou um discurso à cerimônia usual nestas circunstâncias, considerando justo celebrar também com palavras os mortos na guerra em seus funerais. A mim, todavia, ter-me-ia parecido suficiente, tratando-se de homens que se mostravam valorosos em atos, manifestar apenas com atos as honras que lhes prestamos – honras como as que hoje presenciastes nesta cerimônia fúnebre oficial – em vez de deixar o reconhecimento do valor de tantos homens na dependência do maior ou menor talento oratório de um só homem. É realmente difícil falar com propriedade numa ocasião em que não é possível aquilatar a credibilidade das palavras do orador. O ouvinte bem informado e disposto favoravelmente pensará talvez que não foi feita a devida justiça em face de seus próprios desejos e de seu conhecimento dos fatos, enquanto outro menos informado, ouvindo falar de um feito além de sua própria capacidade, será levado pela inveja a pensar em algum exagero. De fato, elogios a outras pessoas são toleráveis somente até onde cada um se julga capaz de realizar qualquer dos atos cuja menção está ouvindo; quando vão além disto, provocam a inveja, e com ela a incredulidade. Seja como for, já que nossos antepassados julgaram boa esta prática também devo obedecer à lei, e farei o possível para corresponder à expectativa e às opiniões de cada um de vós.

36. “Falarei primeiro de nossos antepassados, pois é justo e ao mesmo tempo conveniente, numa ocasião como esta, dar-lhes este lugar de honra rememorando os seus feitos. Na verdade, perpetuando-se em nossa terra através de gerações sucessivas, eles, por seus méritos, no-la transmitiram livre até hoje. Se eles são dignos de elogios, nossos pais o são ainda mais, pois aumentando a herança recebida, constituíram o império que agora possuímos e a duras penas nos deixaram este legado, a nós que estamos aqui e o temos. Nós mesmos aqui presentes, muitos ainda na plenitude de nossas forças, contribuímos para fortalecer o império sob vários aspectos, e demos à nossa cidade todos os recursos, tornando-a auto suficiente na paz e na guerra. Quanto a isto, quer se trate de feitos militares que nos proporcionaram esta série de conquistas, ou das ocasiões em que nós ou nossos pais nos empenhamos em repelir as investidas guerreiras tanto bárbaras quanto helênicas, pretendo silenciar, para não me tornar repetitivo aqui diante de pessoas às quais nada teria a ensinar. Mencionarei inicialmente os princípios de conduta, o regime de governo e os traços de caráter graças aos quais conseguimos chegar à nossa posição atual, e depois farei o elogio destes homens, pois penso que no momento presente esta exposição não será imprópria e que todos vós aqui reunidos, cidadãos e estrangeiros, podereis ouvi-la com proveito.

37. ‘‘Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos[1]; ao contrário, servimos de modelo a alguns[2] ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos pontos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. Conduzimo-nos liberalmente em nossa vida pública, e não observamos com uma curiosidade suspicaz a vida privada de nossos concidadãos, pois não nos ressentimos com nosso vizinho se ele age como lhe apraz, nem o olhamos com ares de reprovação que, embora inócuos, lhes causariam desgosto. Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.

38. ‘‘Instituímos muito entretenimento para o alívio da mente fatigada; temos concursos, temos festas religiosas regulares ao longo de todo o ano, e nossas casas são arranjadas com bom gosto e elegância, e o deleite que isto nos traz todos os dias afasta de nós a tristeza. Nossa cidade é tão importante que os produtos de todas as terras fluem para nós, e ainda temos a sorte de colher os bons frutos de nossa própria terra com certeza de prazer não menor que o sentido em relação aos produtos de outras.

39. ‘‘Somos também superiores aos nossos adversários em nosso sistema de preparação para a guerra nos seguintes aspectos: em primeiro lugar, mantemos nossa cidade aberta a todo mundo e nunca, por atos discriminatórios, impedimos alguém de conhecer e ver qualquer coisa que, não estando oculta, possa ser vista por um inimigo e ser-lhe útil. Nossa confiança se baseia menos em preparativos e estratagemas que em nossa bravura no momento de agir. Na educação, ao contrário de outros que impõem desde a adolescência exercícios penosos para estimular a coragem, nós, com nossa maneira liberal de viver, enfrentamos pelo menos tão bem quanto eles perigos comparáveis. Eis a prova disto: os lacedemônios não vêm sós quando invadem nosso território, mas trazem com eles todos os seus aliados, enquanto nós, quando atacamos o território de nossos vizinhos, não temos maiores dificuldades, embora combatendo em terra estrangeira, em levar frequentemente a melhor. Jamais nossas forças se engajaram todas juntas contra um inimigo, pois aos cuidados com a frota se soma em terra o envio de contingentes nossos contra numerosos objetivos; se os lacedemônios por acaso travam combate com uma parte de nossas tropas e derrotam uns poucos soldados nossos, vangloriam-se de haver repelido todas as nossas forças; se todavia, a vitória é nossa, queixam-se de ter sido vencidos por todos nós. Se, portanto, levando nossa vida amena ao invés de recorrer a exercícios extenuantes, e confiantes em uma coragem que resulta mais de nossa maneira de viver que da compulsão das leis, estamos sempre dispostos a enfrentar perigos, a vantagem é toda nossa, porque não nos perturbamos antecipando desgraças ainda não existentes e, chegando o momento da provação, demonstramos tanta bravura quanto aqueles que estão sempre sofrendo; nossa cidade, portanto, é digna de admiração sob esses aspectos e muitos outros.

40. ‘‘Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da filosofia sem indolência. Usamos a riqueza mais como uma oportunidade para agir que como um motivo de vanglória; entre nós não há vergonha na pobreza, mas a maior vergonha é não fazer o possível para evitá-la. Ver-se-á em uma mesma pessoa ao mesmo tempo o interesse em atividades privadas e públicas, e em outros entre nós que dão atenção principalmente aos negócios não se verá falta de discernimento em assuntos políticos, pois olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. Consideramo-nos ainda superiores aos outros homens em outro ponto: somos ousados para agir, mas ao mesmo tempo gostamos de refletir sobre os riscos que pretendemos correr, para outros homens, ao contrário, ousadia significa ignorância e reflexão traz a hesitação. Deveriam ser justamente considerados mais corajosos aquele que, percebendo claramente tanto os sofrimentos quanto as satisfações inerentes a uma ação, nem por isso recuam diante do perigo. Mais ainda: em nobreza de espírito contrastamos com a maioria, pois não é por receber favores, mas por fazê-los, que adquirimos amigos. De fato, aquele que faz o favor é um amigo mais seguro, por estar disposto, através de constante benevolência para com o beneficiado, a manter vivo nele o sentimento de gratidão. Em contraste, aquele que deve é mais negligente em sua amizade, sabendo que a sua generosidade, em vez de lhe trazer reconhecimento, apenas quitará uma dívida. Enfim, somente nós ajudamos os outros sem temer as consequências, não por mero cálculo de vantagens que obteríamos, mas pela confiança inerente à liberdade.

41. ‘‘Em suma, digo que nossa cidade, em seu conjunto, é a escola de toda a Hélade e que, segundo me parece, cada homem entre nós poderia por sua personalidade própria, mostrar-se auto suficiente nas mais variadas formas de atividade, com a maior elegância e naturalidade. E isto não é mero ufanismo inspirado pela ocasião, mas a verdade real, atestada pela força mesma de nossa cidade, adquirida em consequência dessas qualidades. Com efeito, só Atenas entre as cidades contemporâneas se mostra superior à sua reputação quando posta à prova, e só ela jamais suscitou irritação nos inimigos que a atacavam, ao verem o autor de sua desgraça, ou o protesto de seus súditos porque um chefe indigno os comanda. Já demos muitas provas de nosso poder, e certamente não faltam testemunhos disto; seremos portanto admirados não somente pelos homens de hoje mas também do futuro. Não necessitamos de um Homero para cantar nossas glórias, nem de qualquer outro poeta cujos versos poderão talvez deleitar no momento, mais que verão a sua versão dos fatos desacreditada pela realidade. Compelimos todo o mar e toda terra a dar passagem à nossa audácia, e em toda parte plantamos monumentos imorredouros dos males e dos bens que fizemos[3]. Esta, então, é a cidade pela qual estes homens lutaram e morreram nobremente, considerando seu dever não permitir que ela lhes fosse tomada; é natural que todos os sobreviventes, portanto, aceitem de bom grado sofrer por ela.

42. ‘‘Falei detidamente sobre a cidade para mostrar-vos que estamos lutando por um prêmio maior que o daqueles cujo gozo de tais privilégios não é comparável ao nosso, e ao mesmo para provar cabalmente que os homens em cuja honra estou falando agora merecem os nossos elogios. Quanto a eles, muita coisa já foi dita, pois quando louvei a cidade estava de fato elogiando os feitos heroicos com que estes homens e outros iguais a eles a glorificavam; e não há muitos helenos cuja fama esteja como a deles tão exatamente adequada a seus feitos. Parece-me ainda que uma morte como a destes homens é prova total de máscula coragem, seja como seu primeiro indício, seja como sua confirmação final. Mesmo para alguns menos louváveis por outros motivos, a bravura comprovada na luta por sua pátria deve com justiça sobrepor-se ao resto; eles compensaram o mal com o bem e saldaram as falhas na vida privada com a dedicação ao bem comum. Ainda a propósito deles, os ricos não deixaram que o desejo de continuar a gozar da riqueza os acovardasse, e os pobres não permitiram que a esperança de mais tarde se tornarem ricos os levasse a fugir ao dia fatal; punir o adversário foi aos seus olhos mais desejável que essas coisas, e ao mesmo tempo o perigo a correr lhes pareceu mais belo que tudo; enfrentando-o, quiseram infligir esse castigo e atingir esse ideal, deixando por conta da esperança as possibilidades ainda obscuras de sucesso, mas na ação, diante do que estava em jogo à sua frente, confiaram altivamente em si mesmos. Quando chegou a hora do combate, achando melhor defender-se e morrer que ceder e salvar-se, fugiram da desonra, jogaram na ação as suas vidas e, no brevíssimo instante marcado pelo destino, morreram num momento de glória e não de medo.

43. ‘‘ Assim estes homens se comportaram de maneira condizente com nossa cidade; quanto aos sobreviventes, embora desejando melhor sorte deverão decidir-se a enfrentar o inimigo com bravura não menor. Cumpre-nos apreciar a vantagem de tal estado de espírito não apenas com palavras, pois a fala poderia alongar-se demais para dizer-vos que há razões para enfrentar o inimigo; em vez disso, contemplai diariamente a grandeza de Atenas, apaixonai-vos por ela e, quando sua glória vos houver inspirado, refleti em que tudo isto foi conquistado por homens de coragem cônscios de seu dever, impelidos na hora do combate por um forte sentimento de honra; tais homens, mesmo se alguma vez falharam em seus cometimentos, decidiram que pelo menos à pátria não faltaria o seu valor, e que lhe fariam livremente a mais nobre contribuição possível[4]. De fato, deram-lhe suas vidas para o bem comum e, assim fazendo, ganharam o louvor imperecível e o túmulo mais insigne, não aquele em que estão sepultados, mas aquele no qual sua glória sobrevive relembrada para sempre, celebrada em toda ocasião propícia à manifestação das palavras e dos atos[5]. Com efeito, a terra inteira é o túmulo dos homens valorosos, e não é somente o epitáfio nos mausoléus erigidos em suas cidades que lhes presta homenagem, mas há igualmente em terras além das suas, em cada pessoa, uma reminiscência não escrita, gravada no pensamento e não escrita, gravada no pensamento e não em coisas materiais. Fazei agora destes homens, portanto, o vosso exemplo, e tendo em vista que a felicidade é liberdade e a liberdade é coragem, não vos preocupeis exageradamente com os perigos da guerra. Não são aqueles que estão em situação difícil que têm o melhor pretexto para descuidar-se da preservação da vida, pois eles não têm esperança de melhores dias, mas sim os que correm o risco, se continuarem a viver, de uma reviravolta da fortuna para a pior, e aqueles para os quais faz mais diferença a ocorrência de uma desgraça; para o espírito dos homens, com efeito, a humilhação associada à covardia é mais amarga do que a morte quando chega despercebida em acirrada luta pelas esperanças de todos.

44. ‘‘Eis porque não lastimo os pais destes homens, muitos aqui presentes, mas prefiro confortá-los. Eles sabem que suas vidas transcorrem em meio a constantes vicissitudes, e que a boa sorte consiste em obter o que é mais nobre, seja quanto à morte – como estes homens – seja quanto à amargura – como vós, e em ter tido uma existência em que sei foi feliz quando chegou o fim. Sei que é difícil convencer-vos desta verdade, quando lembrais a cada instante a vossa perda ao ver os outros gozando a ventura em que também  já vos deleitastes; sei, também, que se sente tristeza não pela falta de coisas boas que nunca se teve, mas pelo que se perde depois de ter tido. Aqueles entre vós ainda em idade de procriar devem suavizar a tristeza com a esperança de ter outros filhos; assim, não somente para muitos de vós individualmente os filhos que nascerem serão um motivo de esquecimento dos que se foram, mas a cidade também colherá uma dupla vantagem: não ficará menos populosa e continuará segura; não é possível, com efeito, participar das deliberações na assembleia em pé de igualdade e ponderadamente quando não se arriscam filhos nas decisões a tomar. Quanto a vós, que já estais muito idosos para isso, contai como um ganho a maior porção de vossa vida durante a qual fostes felizes, lembrai-vos de que o porvir será curto, e sobretudo consolai-vos com a glória destes vossos filhos. Só o amor da glória não envelhece, e na idade avançada o principal não é o ganho, como alguns dizem, mas ser honrado.

45. ‘‘Para vós aqui presentes que sois filhos e irmãos destes homens antevejo a amplitude de vosso conflito íntimo; quem já não existe recebe elogios de todos; quanto a vós, seria muito bom se um mérito excepcional fizesse com que fosseis julgados não iguais a eles, mas pouco inferiores. De fato, há inveja entre os vivos por causa da rivalidade; os que já não estão em nosso caminho, todavia, recebem homenagens unânimes.
        ‘‘Se tenho de falar também das virtudes femininas, dirigindo-me às mulheres agora viúvas, resumirei todo num breve conselho: será grande a vossa glória se vos mantiverdes fiéis à vossa própria natureza, e grande também será a glória daquelas de quem menos se falar, seja pelas virtudes, seja pelos defeitos.

46. ‘‘Aqui termino o meu discurso, no qual, de acordo com o costume, falei o que me pareceu adequado; quanto aos fatos, os homens que viemos sepultar já receberam as nossas homenagens e seus filhos serão, de agora em diante, educados a expensas da cidade até a adolescência; assim ofereceremos aos mortos e a seus descendentes uma valiosa coroa como prêmio por seus feitos, pois onde as recompensas pela virtude são maiores, ali se encontram melhores cidadãos. Agora, depois de cada um haver chorado devidamente os seus mortos, ide embora’’[6].


[1] Alusão aos espartanos, cujas instituições teriam sido copiadas de Creta, veja-se Aristóteles, Politica, 1271 b 23.
[2] Possível alusão à embaixada vinda de Roma em 454 a.C. para examinar a constituição de Sólon; veja-se Tito Lívio, III, 31.
[3]Subentenda-se: ‘‘dos males aos inimigos e bens feitos aos amigos’’.
[4] ‘‘Contribuição’’ aqui traduz o êranos do original. Trata-se de uma ‘‘contribuição conjunta’’, feita para benefícios geral (por exemplo, para um banquete entre membros de uma mesma tribo, para fins beneficentes, etc.). Demóstenes, Contra Mídias, 27, apresenta o Estado como uma espécie de sociedade beneficente em que cada cidadão deve uma contribuição (êranos).

[5] Subentenda-se: ‘‘palavras de louvor e atos de emulação’’.
[6] Esta oração fúnebre de Péricles é considerada um modelo no gênero desde a antiguidade. Entre outras peças representativas do gênero merece menção a do orador Lísias (nº 2 da coleção de seus discursos, pronunciada em 386 a.C.).