Dois editoriais que destacam a importância deste estudo do Banco Mundial para o processo de ajuste macroeconômico no Brasil, com ênfase na política fiscal, demonstrando, cabalmente, a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, significativas e impactantes de corte de gastos no país.
O trabalho do Banco Mundial é este aqui:
O estudo está disponível, em português, no seguinte link:
http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf
Paulo Roberto de Almeida
Estudo do Banco Mundial contém material de alta qualidade para discussão
na campanha eleitoral. Falta saber se haverá candidatos bastante sérios para
tratar desses assuntos.
O governo pode fazer mais com menos dinheiro, produzindo serviços com
mais eficiência e tratando os cidadãos com mais equidade, segundo um estudo
recém-divulgado em Brasília pelo Banco Mundial. O trabalho contém material
farto e de alta qualidade para discussão na campanha eleitoral do próximo ano.
Falta conferir se haverá candidatos bastante sérios para tratar de assuntos
como a melhora da administração, a reforma do Orçamento, a distribuição mais
equilibrada e mais justa de encargos e benefícios e a definição mais pragmática
e realista de metas e programas. As propostas são dirigidas a quem estiver
disposto a enfrentar com seriedade e honestidade algumas questões tão simples
quanto importantes. Exemplos: por que os pobres devem financiar ensino
universitário gratuito aos jovens das classes mais abonadas? Por que o Tesouro
deve conceder benefícios custosos e ineficientes a grupos empresariais mais
interessados no conforto do que na busca de competitividade?
O governo brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal:
essa “é a principal conclusão do estudo”. Nenhum remédio será satisfatório,
portanto, se o problema do gasto mal executado ficar sem tratamento. Nesse
caso, mais dinheiro à disposição do poder público será mais dinheiro
desperdiçado. Não é uma questão ideológica, mas aritmética e pragmática.
As mudanças propostas no estudo podem servir a governos de várias
orientações – se forem razoavelmente sérios. Afinal, o uso mais eficiente do
dinheiro pode servir à execução de diferentes tipos de política. Mas a
eficiência dependerá de algumas condições.
Uma delas é a reforma da Previdência, apontada como a fonte mais
importante de economia no longo prazo. Não há como contornar os desafios
impostos pelas mudanças demográficas, argumentam os autores do estudo,
repetindo um argumento realista e bem conhecido. Além disso, a reforma poderá
tornar mais equitativo um sistema caracterizado por distribuição desigual de
benefícios entre ricos e pobres e entre servidores públicos e trabalhadores do
setor privado.
Sem essa e outras mudanças, o teto de gastos ficará na lembrança como
mais uma iniciativa bem-intencionada e de curtíssima utilidade. O limite
constitucional dos gastos só terá um sentido prático se for invertida a
tendência dominante nos últimos anos. Será necessário executar nos próximos dez
anos um corte acumulado de quase 25% nas despesas primárias (isto é, sem juros)
da administração federal. A contenção do gasto exigirá várias medidas além do
combate ao déficit previdenciário.
As propostas incluem, entre os primeiros itens, a redução da massa de
salários do funcionalismo público, medida tanto de eficiência como de equidade.
A redução pode ser obtida pela diminuição do quadro de pessoal e pelo corte
gradativo das vantagens. A remuneração do funcionário federal, segundo o
relatório, é em média 67% superior à dos trabalhadores do setor privado (mesmo
levando-se em conta diferenças de nível educacional).
O governo também poderá economizar melhorando seu sistema de compras e
assim reduzindo desperdícios. Poderá abandonar políticas muito caras e
ineficientes de estímulo às empresas, com custos equivalentes a 4,5% do Produto
Interno Bruto (PIB) em 2015. A ineficiência dessas políticas, com escasso ou
nenhum resultado em termos de crescimento, foi apontada várias vezes por
analistas brasileiros. O governo apenas mexeu em alguns de seus componentes.
Algumas inovações são politicamente complicadas, caso da unificação dos
programas de proteção social. A eliminação da gratuidade como padrão geral da
universidade pública seria certamente recebida com muitas críticas, embora dois
terços dos beneficiários pertençam aos 40% mais aquinhoados. A mudança seria
compatível com programas de financiamento e de bolsas.
Racionalidade e eficiência são raramente populares. É muito mais fácil
defender políticas populistas, mesmo quando inflacionárias e injustas, como tem
sido no Brasil. Enfrentar o populismo, no entanto, é hoje indispensável para
garantir o futuro do País.
As políticas do Estado brasileiro produzem déficits crescentes, frutos
de gastos ruins, que concentram renda, beneficiam os mais ricos e tolhem a
economia. Sem profundas reformas, ele caminha para a insolvência. O estudo do
Banco Mundial, "O ajuste justo", aprofunda o diagnóstico das causas
do grande endividamento público, feito por vários economistas do país, e
aponta, com mais diversidade do que de costume, linhas de soluções para o
problema. À sombra dos números, há a inquietante percepção de que o país anda
já há um bom tempo na trilha errada e da dificuldade de corrigir a rota.
A reforma da previdência é o pilar das mudanças e o item que poderia
proporcionar a maior economia de despesas, de 1,8% do PIB até 2026, se a
proposta aprovada por comissão da Câmara fosse integralmente executada. Não
será, e a conta de redução de despesas em relação a uma trajetória sem mudanças
cairá de R$ 600 bilhões para algo em torno de R$ 360 bilhões em 10 anos, em
cálculos aproximados. É vital, porém, desvincular o piso da previdência do
salário mínimo, diz o banco.
A reforma da previdência, porém, é insuficiente, e é necessário uma
rearrumação e redução geral dos gastos. O Banco Mundial analisou 8 áreas, que
somam 80% dos gastos públicos, e sugeriu medidas que podem melhorar em 7% do
PIB as contas públicas federais em uma década. As sugestões, a maior parte
corretas, são um pesadelo para políticos acostumados a expedientes de ocasião
para compor interesses díspares dos grupos de pressão. É possível, aponta o
documento, encontrar soluções alternativas, mas é difícil fugir dos alvos
propostos.
O governo federal precisará fazer uma correção de gastos da ordem de 5%
do PIB no médio prazo para deter primeiro, e reduzir depois, o endividamento,
hoje em 74% do PIB. O teto de gastos é importante para isso e pode encolher as
despesas em 25% em uma década, jogando-as de volta ao nível de 2000. O teto não
para em pé sem a reforma da previdência, o que é sabido, mas será também
praticamente inexequível sem mudanças nos gastos obrigatórios. Com o limite
aplicado apenas a "despesas primárias agregadas (e não a componentes e
programas específicos) ele não oferece orientação sobre onde reduzir os
gastos", conclui o estudo. A reação automática, diante das vinculações e
amarras, como em outras situações de aperto dos cintos, foi cortar investimentos,
o que não é sustentável.
O banco afirma, após análise ampla de subsídios e programas, que a
política fiscal brasileira é regressiva e não beneficia, como poderia, as
camadas mais pobres. Para corrigi-la, é imprescindível reduzir a massa salarial
dos servidores públicos, 77% dos quais se situam entre os 40% mais ricos do
país. Como porcentagem do PIB, ela excede a média dos países de renda alta.
Segundo o estudo, o total da folha de pagamentos do setor público subiu de
11,6% do PIB em 2006 para 13,1% do PIB em 2015 e superou Portugal e até a
França, a pátria por excelência da burocracia de Estado.
Os servidores federais recebem, em média, 70% mais que os trabalhadores
do setor privado. Ajustando-se a comparação por idade, experiência, educação
etc, ganham um prêmio salarial de 67% em média - o mais alto da amostra de 53
países. Por esse motivo o banco recomenda que se reduzam as vantagens desse
grupo na reforma previdenciária e que ele contribua com parcela do ajuste, via
maior tributação. Sugere também, ao contrário do que fez o presidente Temer,
que não se conceda aumentos reais para o funcionalismo até que esse prêmio
caia. Se ele fosse reduzido à metade, alinhando os salários federais aos
estaduais (mantendo prêmio de 31%), "a economia anual resultante seria de
0,9% do PIB (R$ 53 bilhões). A equiparação do prêmio à média internacional de
16% reduziria a massa salarial em 1,3% do PIB ao ano (R$ 79 bilhões).
As demais recomendações trazem ganhos menores, mas ainda assim
significativos. Uma ideia é unificar salário-família, Bolsa Família, benefício
de prestação continuada e aposentadoria rural, para evitar sobreposições, o que
pouparia gastos de 0,7% do PIB. O seguro-desemprego apenas seria concedido após
o uso do FGTS, sobre cujo saldo deveriam incidir juros de mercado. Uma economia
de até 1,2% do PIB seria obtida com reforma do Simples, mais 0,4% com o fim da
desoneração da folha e outros 0,4% com reforma dos benefícios da Zona Franca de
Manaus. O conjunto compõe uma plataforma ousada à espera de políticos que a
defendam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário