Absolutamente inédito na história econômica mundial: o país que inagurou o moderno sistema mundial de comércio, baseado no multilateralismo aberto, está agora, por iniciativa de um presidente absolutamente idiota, desmantelando o sistema, destruindo suas bases, retirando as condições de funcionamento do sistema baseado na OMC.
Paulo Roberto de Almeida
Países-membros denunciam tentativa da Casa Branca de esvaziar entidade e
de bloquear funcionamento dos tribunais da organização
Jamil Chade CORRESPONDENTE / GENEBRA
O governo dos EUA se recusou ontem a apoiar texto da Organização Mundial
do Comércio (OMC) que tratava da importância em manter o sistema multilateral
de comércio e da abertura dos mercados. A ação foi interpretada como um ato
deliberado para minar a entidade.
O governo dos Estados Unidos se recusou ontem a apoiar o texto de
declaração ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), levando as
negociações para um acordo na entidade, que se reúne em dezembro em Buenos
Aires, a um impasse. A Casa Branca ainda anunciou no mesmo dia que vetaria a
nomeação de novos juízes para os tribunais da
OMC, abalando o sistema de solução de controvérsias.
Num texto que falaria da importância em se manter o sistema multilateral
do comércio, da abertura dos mercados e de se buscar formas de encontrar
acordos para agricultura, pesca e outros setores, o comportamento dos EUA foi
interpretado como um ato deliberado para minar a entidade.
A Casa Branca alegou que o texto não atendia a suas expectativas,
acusando-o de dar atenção excessiva a questões de desenvolvimento e que não
aceitaria a declaração sobre a “centralidade” do sistema multilateral do
comércio.
Durante a reunião do G-20, Trump já havia se recusado a aceitar uma
linguagem parecida. Um processo semelhante foi registrado na Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e mesmo na Cooperação Econômica
Ásia-Pacífico (Apec). Desta vez, não seria diferente no caso da OMC.
A partir de agora, o processo apenas pode ser resgatado por uma decisão
política, num acordo entre ministros. O governo argentino, anfitrião do
encontro, garantiu ontem que não vai desistir do processo. Para o porta-voz da
OMC, Keith Rockwell, governos fizeram avanços importantes nos últimos dias.
“Mas não atingiram a meta”, disse. “O bastão agora será passado aos ministros”,
explicou.
Mas, entre as delegações, o gesto dos EUA foi interpretado como um sinal
claro de que a administração de Donald Trump não está interessada em fortalecer
a OMC. Durante sua campanha eleitoral, o americano chegou a ameaçar uma
retirada da entidade e, por meses, o esforço do brasileiro Roberto Azêvedo,
diretor-geral da OMC, foi a de garantir que os canais com a Casa Branca
estivessem abertos.
A interpretação, agora, é de que Washington poderá privilegiar apenas
acordos bilaterais ou mecanismos pelos quais ele possa manter o controle.
O golpe, se consumado, pode ter um sério impacto para os países
emergentes, entre eles o Brasil, que dependem das regras internacionais para
ter alguma chance de evitar medidas protecionistas e corrigir distorções. O
fracasso desta semana, depois de dez dias de negociações, deixou vários
governos em alerta.
Esvaziar. Mas o golpe contra a entidade não ocorreu apenas na declaração
de Buenos Aires. Governos ainda denunciam a tentativa da administração de
Donald Trump de esvaziar a OMC, impedindo que seu órgão máximo de solução de
disputas possa nomear juízes para avaliar os casos. Ontem, a entidade realizou
a última reunião do ano para debater a situação do funcionamento de seus
tribunais. O governo americano, uma vez mais, rejeitou qualquer iniciativa para
preencher as vagas abertas entre os juízes.
O resultado da posição americana é que, a partir de dezembro, a OMC
contará com apenas quatro membros do órgão de solução de disputas, instância
que serve como uma espécie de Supremo Tribunal do comércio e que
tradicionalmente dispõe de sete juízes. Hoje, o órgão conta com cinco membros.
Mas o mandato de um deles termina no dia 11 de dezembro e não há substituto
designado.
Com praticamente metade de seus delegados, o tribunal máximo do comércio
está ameaçado, justamente num momento em que as disputas tiveram um salto
importante.
“A entidade foi criada para o benefício de todos, menos o nosso.” Donald
Trump PRESIDENTE DOS EUA EM ENTREVISTA À FOX NEWS
Escolha de juízes
Em fevereiro, a OMC precisa dar início à seleção dos novos juízes,
porque os mandatos vão vencer. Mas o governo Trump tem usado diferentes
justificativas para frear o processo. No início do ano, Washington apontava que
a transição entre as administrações exigia um certo tempo da Casa Branca para
avaliar suas posições no comércio global.
Mas, em meados do ano, problemas técnicos foram alegados para impedir
que a nomeação de novos juízes fosse realizada. Documentos revelados na semana
passada pela imprensa americana, porém, revelam que o governo Trump já tratava
da questão das nomeações desde fevereiro, na surdina.
Roberto Azêvedo, diretorgeral da OMC, chegou a tratar do assunto em uma
viagem a Washington em setembro e a esperança era de que a crise pudesse ser
superada antes do fim do ano.
Ontem, porém, a administração Trump voltou a bloquear a escolha de novos
membros. Como resposta, 52 países se uniram para propor que a escolha dos novos
árbitros ocorra no início de 2018, evitando assim a paralisia da entidade. Para
a delegação brasileira, o que mais preocupa é que os americanos não estão dando
esclarecimentos sobre o que deve ser feito para que seu veto seja alterado.
Para o Itamaraty, o risco é de que o órgão passe a ser “disfuncional”.
Assis Moreira | De Estocolmo
Faltando menos de três semanas para a grande conferência
ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) na Argentina, um impasse
provocado na prática pela política de Donald Trump de "America
First", caracterizada pelo nacionalismo econômico, explodiu de vez ontem
na entidade.
O embaixador da África do Sul, Xavier Carim, presidente do Conselho
Geral, orgão máximo da OMC, decidiu suspender as negociações entre os mais de
160 países sobre a declaração ministerial na conferência na Argentina, na qual
teria destaque a defesa do sistema multilateral de comércio.
Isso porque a delegação dos EUA, que insiste que os países devem
discutir o futuro da OMC, deixou claro que não havia condições para declaração,
em meio à reação dos outros países que temem efeitos do isolacionismo
americano.
Se nem a declaração ministerial pode ser negociada, todo o resto corre o
risco de ficar paralisado. Temas que são discutidos, como a proibição de alguns
subsídios para o setor pesqueiro, sofrem freio brutal, com Washington
empurrando a conferência para o fiasco.
A presidente da conferência, Susana Malcorra, ex-ministra das Relações
Exteriores da Argentina, insiste que, face à "incerteza política e
econômica crescente", o que conta não são apenas os aspectos técnicos das
questões em discussão, mas princípios do comércio internacional fundado em
regras transparentes e comuns.
O que os negociadores do governo Trump deixaram claro na OMC foi a
posição predominante na Casa Branca. Trump reclama do sistema multilateral e
não hesita em acusar a OMC de fazer os EUA baixarem suas próprias barreiras
comerciais, enquanto outros países não fariam o mesmo, e de tratar os EUA de
maneira injusta.
Em recente viagem à Ásia, Trump fez forte defesa do nacionalismo
econômico, deixando claro o pouco interesse pelo sistema multilateral.
"Farei acordos comerciais bilaterais com qualquer nação do Indo-Pacífico
que queira ser nosso parceiro e respeite os princípios de comércio leal e
recíproco", afirmou ele no Vietnã.
Segundo Trump, os EUA sob sua liderança não mais entrarão em acordos
comerciais grandes, "que amarram, que prendem nossas mãos, entregam nossa
soberania e cuja execução significativa é praticamente impossível".
Na cúpula da Ásia-Pacífico, no Vietnã, com muito custo os países
chegaram a uma declaração reconhecendo "o trabalho da OMC em assegurar
comércio internacional baseado em regras, livre, aberto, justo e
transparente". Eles se comprometeram a cooperar para melhorar o funcionamento
do órgão xerife do comércio internacional.
O que pode acontecer em Buenos Aires é uma declaração pessoal da
presidente da conferência ilustrando o que ela ouviu dos países. Algum
entendimento global sobre qualquer tema, no entanto, por ora parece quase
impossível.
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