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domingo, 12 de novembro de 2017

Da diplomacia dos modernos aloprados de volta à diplomacia dos antigos centrados - Paulo Roberto de Almeida

O texto abaixo, um dos últimos que produzi de críticas à chamada diplomacia lulopetistas, integra a série que tenho feito de recuperação de textos consagrados, sob essa rubrica de “Clássicos Revisitados”, e que consistiu numa palestra que fiz a estudantes na UnB, em uma de minhas visitas ao Brasil, em 2015, dessa vez inspirado em Benjamin Constant (“De la liberté chez les Anciens comparée à celle des Modernes “), falando da mistificação da diplomacia lulopetista dos companheiros e seus efeitos nefastos para a política externa do Brasil, quando ainda não eram evidentes os sinais de sua derrocada, um ano depois.
A palestra, que intitulei “Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos”, foi publicada, em seu formato de texto escrito, no boletim Mundorama, em 20/05/2015, e figura neste link:

http://www.mundorama.net/?p=15845

Em algum momento, vou retomar minhas considerações para fazer o balanço final do parêntese histórico do lulopetismo no poder, em sua vertente diplomática.

Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos, por Paulo Roberto de Almeida

Sob a inspiração e com o devido copyright moral corretamente atribuído a um antecessor bem mais antigo e famoso: Benjamin Constant (De la liberté des anciens comparée à celle des modernes, discurso em 1819; disponível: http://www.panarchy.org/constant/liberte.1819.html; acesso em 21/04/2015).
Messieurs,
Eu me proponho submeter-vos algumas distinções – ainda bastante novas chez nous – entre dois gêneros de diplomacia, cujas diferenças recíprocas podem ter, hélas, permanecido despercebidas até aqui, ou que, pelo menos, foram pouco ressaltadas pelos ensaístas. Uma é a diplomacia tradicional, tal como praticada pelos antigos, bastante apreciada por eles, tanto pelos profissionais do ramo, quanto pela sociedade em geral. A outra, é esta que estamos vendo implementada pelos modernos, e que lhes parece, a eles, perfeitamente adequada às necessidades do país, quando, na verdade, ela só contempla os interesses do pequeno grupo que a formulou e que a conduz. Tal exercício de comparação, se não me engano, me parece interessante por duas razões principais.
Primeiramente, a confusão entre as duas espécies de diplomacia constitui entre nós, sobretudo numa época revolucionária como esta, a causa de muitos males. O país parece ter cansado de tantos experimentos inúteis, cujos autores, irritados pelo pouco sucesso que tiveram nessas experiências amadoras, ainda tentam constrangê-lo a aceitar tudo aquilo que a sociedade manifestamente não quer. Em segundo lugar, porque o governo atual veicula uma noção de democracia e de participação popular que está nas antípodas do que se descobriu serem os desejos – talvez confusos – dos estratos mais esclarecidos da sociedade, que se redescobre um poder que, até aqui, ela acreditava não possuir. Abrem-se, portanto, perspectivas diferentes daquelas que tivemos até há pouco, desde a ruptura entre os tempos dos antigos e esta época dos modernos, chances talvez nunca antes percebidas pela opinião pública mais engajada na participação cidadã.
Eu sei que se tenta confundir a exata apreensão e a correta compreensão dessa realidade, apelando para falsos sinais de adequação entre a diplomacia moderna e a antiga, supostamente equivalentes, ou ainda, tomando a primeira como funcionalmente superior à segunda, o que é obviamente falso. A própria opinião pública hesita quanto aos caminhos e ações que devem ser tomados para realmente conciliar o que era forte e valioso, nos tempos antigos, e o que de novo lhe pretendem vender como sendo a sua vontade, mas que, aparentemente, nada mais é senão o chamado ouro dos tolos, a eterna mercadoria do populismo, envelopado na fantasia da mistificação. Vamos, portanto, neste exercício, efetuar as distinções que se impõem entre os dois tipos de diplomacia.
Da diplomacia dos antigos (sem qualquer demérito pela antiguidade)
Os tempos antigos, do Ancien Régime, não eram perfeitos, como todos sabem. Depois de convulsões políticas e sobressaltos econômicos, a nação parecia finalmente ter encontrado o caminho da estabilização, da previsibilidade, de um futuro um pouco menos confuso e incerto, do que aqueles que prevaleciam nos tempos da tirania, ou mesmo durante a fase de reconstrução do regime de liberdades, época assaz agitada pela demagogia política, pela exacerbação das vontades, muito perturbada pelo rebaixamento excepcional das moedas em circulação (foram várias). Ainda se teve de fazer ajustes de meio de percurso, mas, ao fim e ao cabo dos tempos antigos, tudo parecia ter entrado nos eixos para a retomada de um processo sustentado de crescimento e de prosperidade. As dores da transição foram rapidamente sanadas, tanto porque os modernos prometiam respeitar velhos acordos e convenções já formalizadas pelos antigos, e se propunham elevar ainda mais o novo respeito alcançado pelo país nos cenáculos externos.
No que se refere especificamente à diplomacia, a dos antigos sabia preservar o legado de tradições profissionais ainda mais antigas, e estava, senão codificada, pelo menos sistematizada num conjunto de práticas e de posturas que contemplavam os grandes interesses da nação na frente externa, sem constituir necessariamente uma alavanca poderosa para o seu desenvolvimento. Mas isto se devia a que ela era efetivamente tradicional, e se apegava ainda a velhas doutrinas que, se tinham tido sucesso em determinadas épocas, talvez não se prestassem mais aos novos tempos de abertura econômica e de liberalização comercial. Os diplomatas do Ancien Régime tinham sido treinados em escolas que valorizavam antigas noções de independência nacional e de autonomia tecnológica, de tempos nos quais se justificava o mercantilismo e se promovia, até com orgulho, a autarquia. No geral, contudo, eles sabiam distinguir, de modo bastante claro, entre os interesses do Estado (e da nação) e os dos grupos políticos que a dividiam em correntes contraditórias, passavelmente opostas entre si.
Mais importante, talvez, não tanto quanto aos temas e posturas, mas quanto aos procedimentos e formas de trabalho, a diplomacia dos antigos se desenvolvia mediante processos e métodos formalizados e rotineiros, que constituíam uma cadeia previsível de decisões, transparente, eficiente. Seu formato era o de uma perfeita pirâmide: na sua base estavam os trabalhadores manuais, aparentemente assimilados aos antigos ilotas, mas perfeitamente treinados nas técnicas e inseridos numa organização que sabia valorizar a competência primária e a responsabilidade individual sobre dossiês adrede distribuídos pelas áreas de competência específica. Cada uma destas era chamada a se manifestar sobre um determinado assunto, congregando opiniões e argumentos – todos eles rigorosamente apoiados em dados empíricos e simulações de efeitos – que depois eram assemblados e levados à consideração do nível superior para sua ultimação sob a forma de instrução, prontamente transmitida a um dos muitos agentes da instituição no exterior. Os tribunos eleitos reconheciam o valor da organização e vários chefes do Ancien Régime se valiam dessas competências, trazendo para trabalhar junto de si um determinado número desses profissionais, que podiam assim se exercer diretamente no centro de comando de decisões políticas. Aparentemente funcionou a contento de todos.
Este era o universo dos antigos, no campo da diplomacia; suas tarefas não eram unicamente compostas de missões informativas ou representativas, mas também de um papel formulador e executor da própria substância da política exterior que o soberano pretendia implementar, sempre sob estreito aconselhamento e consultas constantes entre os técnicos e os responsáveis últimos pelas decisões. Plebeus e aristocratas conviviam nessa atmosfera ainda um pouco patrimonialista, pois as regras eram conhecidas de todos, e mesmo servos de gleba podiam aspirar, um dia, alcançar pelos seus próprios méritos uma posição de maior realce na hierarquia disciplinada que constituía o edifício diplomático dos antigos. Alguns membros da casta compareciam à ágora, em algumas ocasiões, para explicar aos cidadãos as razões de tais e tais escolhas; no mais das vezes, contudo, se tratava de um clã bastante discreto e reservado, mesmo se alguns ousavam, por vezes, assinar escritos explicativos ou mesmo panfletos interpretativos. Os meios não eram especialmente abundantes, mas eram suficientes para o correto desempenho das missões que lhes eram atribuídas, de modo claro, direto, devidamente registradas nos anais e expedientes cuidadosamente preservados e regularmente arquivados. 
Messieurs, estou sendo, par hasard, condescendente com a diplomacia dos antigos? Não creio, tanto porque frequentei muito esses meios e sei do que vos falo, tanto pela minha experiência pessoal de terreno, quanto por delongados estudos e as muitas missões empreendidas a serviço dos barões daqueles tempos. Não pretendo que ela fosse perfeita, longe disso, mas parece ter sido bastante respeitada, na região e fora dela, chegando mesmo alguns vizinhos a inventar esse provável exagero ao dizer que essa diplomacia nunca improvisava. Não estou muito seguro disso, e creio mesmo que ela devia improvisar de tempos em tempos, uma vez que algumas decisões tinham de ser tomadas mesmo com escassa informação disponível, inclusive porque o pessoal era limitado em número – a despeito de ser de qualidade notoriamente superior à de outros serviços – e também porque a agenda de negociações não esperava que estivéssemos totalmente prontos para nos impor toda a sua urgência e sua grande complexidade.
Muitas vezes suávamos frios em conferências multilaterais, quando decisões relevantes para a economia nacional tinham de ser tomadas, mesmo na ausência de instruções precisas da capital, ou em face de orientações lacunares e insuficientes para adotar uma das opções sobre a mesa; nessas horas valia a experiência do negociador, seu conhecimento dos dossiês, e algum tirocínio do que fosse o interesse nacional, em toda a sua complexidade, livre de qualquer amarra da política vulgar. À falta de instruções seguras da capital, podíamos ser conservadores, mas sempre animados de propósitos legítimos: preservar os ganhos já alcançados pelo país na economia mundial, avaliar eventuais ganhos oferecidos pelas novas regras que se cogitava implementar, e decidir, apoiados no melhor conhecimento de que se dispunha, as opções apresentando as melhores vantagens comparativas, ainda que relativas, como ensinou mestre David Ricardo. Havendo cláusulas de exceção, ou reservas quanto a dispositivos intrusivos, se podia fazer recurso a esse tipo de expediente de escape, ou de socorro. Opções abertas sempre são de melhor alvitre do que obrigações muito rígidas ou regras inderrogáveis.
Em resumo, a antiga diplomacia, ou a diplomacia dos antigos, era um mélange de conservação e de renovação, de cautela e de ousadia, de passos bem medidos, com poucas rupturas de continuidade, tudo meticulosamente registrado, documentado, para iluminar a memória dos contemporâneos com os registros do passado, e para instruir os futuros cronistas sobre os motivos de terem sido conduzidos os assuntos em tal ou tal sentido, num serviço tão tradicional quanto circunspecto em sua maneira de ser. Mais importante: éramos respeitados em função do nosso saber (feito, na verdade, bem mais de experiência adquirida) e da dedicação ao estudo dos dossiês. Até se dizia, vejam só, que representávamos o consenso possível em matérias sempre tão complexas quanto são os assuntos exteriores, envolvendo soberania e, mais que tudo, a credibilidade nacional.
Voilà Messieurs, creio ter traçado um retrato peut-être trop flatteur, mas assaz realista da diplomacia do Ancien Régime, sem sequer precisar abordar algum tema de substância, apenas me limitando ao seu espírito, ao seu modo de ser, vale dizer, à sua natureza profunda. Não é preciso, aliás, penetrar nas querelas políticas, ou nas disputas dos políticos – sempre mutáveis e inconstantes –, para refletir sobre as características dessa diplomacia que criou escola e deixou saudades em espíritos mais sentimentais. Ela constituía, acima de várias outras qualidades, um modo de ser, o resultado natural de uma longa evolução, um estilo muito peculiar entre todos os demais serviços do Estado. E, se me permitem uma referência literária, retirada do nosso caro Buffon, em seu discours de réception na Academia, ousaria dizer que, nessa diplomacia dos antigos, le style c’est l’homme même, ou seja, ela era fundamentalmente uma maneira de ser, ou então, de navegar, entre um porto e outro de todas as representações abertas ao engenho e arte dos nossos nômades profissionais.
Messieurs, essa era a diplomacia dos antigos, como penosamente me vem agora à mente umas poucas lembranças, fugidias, de uma época que não parece muito perto de voltar, uma vez que estamos reduzidos à diplomacia dos modernos, nestes tempos não convencionais, nunca antes vistos num país tão contraditório e tão cheio de surpresas.
Da diplomacia dos modernos (e das surpresas que ela trouxe)
O que traz a diplomacia dos modernos a esse ambiente já vetusto, mas jamais empoeirado, que constituía a diplomacia dos antigos num país em transformação? O que poderia ela representar de novo para um serviço talvez enclausurado na sua suficiência, infenso às reviravoltas do poder, mas jamais distante das preocupações fundamentais da nação? Do que seria feita a modernidade numa área tão sensível da ação estatal?
Aos olhos de alguns, parecia que, finalmente, se instalava o republicanismo por entre as colunas um tantinho aristocráticas, quase monárquicas, do Ancien Régime. A chegada dos modernos foi cantada em prosa e verso como sendo o reencontro da nação com suas raízes profundas, certamente mais rústicas do que os trejeitos das elites nos ambientes acarpetados dos palácios de função. A nação parecia prestes a resgatar certas dívidas antigas, tão antigas quanto as oligarquias carcomidas que rapidamente foram se aliando aos novos representantes da modernidade ensaiada, estes ainda incertos sobre como controlar aquela máquina imensa, quase uma imensa caverna regurgitando de tesouros insuspeitos. Lampedusa, provavelmente, saberia encontrar as palavras certas para fazer a descrição fiel da nova situação, e poderia escolher as boas imagens para representar os cristãos-novos da modernidade anunciada em tons algo triunfalistas.
Não se tinha percebido ainda qual era o espírito dessa república de fachada, à la Potemkin, com muita figuração e pouco conteúdo, muito discurso e pouca substância, com excesso de publicidade e grau extremamente baixo de realizações. Na verdade, se manteve, no começo pelo menos, muitas das orientações gerais que tinham sido legadas pelo Ancien Régime, mesmo se este era denunciado desonestamente por alguma herança que se pretendia malfadada. Eram arroubos de aprendizes, em meio à preservação das anteriores linhas de conduta no tocante ao que importava: o emprego, a moeda, o valor das pequenas coisas, a credibilidade das regras estáveis. As coisas só começaram a se complicar, realmente, do meio para o fim, mas na diplomacia a coisa se precipitou.
A diplomacia dos antigos foi mudada desde o início, em nome de uma suposta modernidade que hoje se considera ser uma mera volta atrás na roda da História, um retorno a velhas concepções que acreditávamos terem sido superadas por experiências já testadas e desacreditadas pelos fracassos acumulados em anos e décadas de ensaios e erros, inclusive em tentativas frustradas dos antigos. As concepções que comandaram as mudanças já estavam sedimentadas desde longas décadas nas mentes dos soi-disant modernos; alguns deles, aliás, conseguiam ser ainda mais coerentemente anacrônicos: eles mantinham as mesmas ideias desde os tempos em que o Império distribuía as cartas um pouco em todas as partes do universo, sobretudo no hemisfério, e pretendiam aplicá-las aos novos tempos, como se o mundo tivesse se mantido tal qual, como se o Império fosse o mesmo, depois de quatro ou cinco décadas de mudanças não controladas.
Os modernos pretendiam rejeitar qualquer aliança com os representantes do Império e estabelecer uma parceria dita estratégica com os representantes do Império do Meio, que eles acreditavam ser os novos aliados preferenciais. Sequer se lembravam de uma velha frase do mais famoso imperador do Oriente, segundo quem o imperialismo era apenas um “tigre de papel”, e como tal deveria ser tratado. Esses companheiros orientais, por falar nisso, abandonaram antigas diatribes anti-imperialistas e trataram de usar a seu proveito, na máxima extensão possível, as benesses do velho Império – que continuava novo, na verdade – para negócios dos mais diversos tipos: troca de saberes, comércio ampliado, investimentos, pirataria, contrafação, possibilidades no campo das capacitações humanas em ciência e tecnologia, enfim, tudo aquilo em que o Império imperialista (se nos perdoam a redundância) continua primando pela excelência.
Totalmente ignaros quanto a essas mudanças certamente dialéticas, os modernos inventaram uma tal de “mudança no eixo das relações de força no mundo”, para a qual pretendiam contar com o apoio e a ação conjunta dos companheiros orientais, mas nisso se viram frustrados pelo pouco companheirismo e reduzida coordenação da parte dos novos companheiros. Eles até queriam inaugurar essa trouvaille bizarre que seria uma “nova geografia do comércio internacional”, feita essencialmente de relações Sul-Sul, como se esses intercâmbios tivessem de ser feitos à exclusão de todos os demais, com os velhos parceiros do Norte, aliás bem mais providos de mercados e de créditos do que os novos, os do Sul, recorrendo, por vezes, a insolvências e outras práticas heterodoxas, digamos assim. Os modernos nem se deram conta que os companheiros orientais já tinham inaugurado, bem antes, a tal de “nova geografia do comércio internacional”, que era feita, justamente, de suas exportações de todos os tipos de produtos para todos os parceiros possíveis, com ênfase especial nos mercados dos velhos imperialistas, os mais atrativos a que podem aspirar os emergentes dinâmicos da economia mundial.
Em outra iniciativa infeliz, os modernos se empenharam em implodir propostas dos velhos imperialistas de liberalizar o comércio no âmbito regional, alegando que o que eles pretendiam não era bem integração, e sim um projeto de anexação, perverso portanto, e como tal devendo ser devidamente sabotado pelos novos anti-imperialistas no poder. Tal foi feito, com sucesso surpreendentemente rápido, tendo os modernos encontrado aliados complacentes (ainda mais anti-imperialistas) no próprio continente, o que permitiu uma implosão rápida, definitiva, sem apelo, desse projeto imperialista. Menos feliz foi constatar que os demais possíveis parceiros na luta anti-imperialista logo apelaram ao império para que este negociasse tratados bilaterais de adesão, que lhes permitisse acesso privilegiado ao mercado dos velhacos imperialistas. Ah, ces lâches, ces traîtres! Eles não percebem que estão se metendo na jaula do leão.
Inabalados por essas surpresas desagradáveis, os modernos buscaram expulsar o império de todas as instâncias de coordenação e consulta da região, e assim também foi feito, com a constituição de novas entidades, exclusivamente regionais, numa mostra de orgulho e de afirmação identitários que certamente contaria com a plena aprovação dos próceres da independência, esses antigos heróis da pátria continental, enfim liberta da tutela imperial e de influências nefastas vindas de parceiros não desejados. Mais um sucesso, igualmente, nessa nova empreitada, e assim passamos a dispor, graças aos modernos, de entidades dedicadas exclusivamente aos interesses regionais, mesmo se esses interesses estavam difusamente representados nas novas estruturas para poder cumprir adequadamente o que supostamente eram os seus objetivos: integrar todos num impulso vital em direção de um novo tipo de desenvolvimento, autônomo, integral, justo, igualitário, inclusivo, progressista, soberano, ativo e altivo, bref, moderno.
Não importa muito se essa modernidade se fez em torno de velhas ideias, as tais defendidas pelos modernos, retiradas por eles de velhos alfarrábios de outras eras, feitas de muita intervenção estatal, de dirigismo, de protecionismo, de espaços para a implementação de políticas setoriais de desenvolvimento nacional. Tudo isso, ao fim e ao cabo, vai contra os objetivos da integração que se pretende impulsionar mediante projetos grandiosos traçados nas conferências de cúpula e nos encontros políticos. Enfim, não se pode pretender que tudo se faça ao mesmo tempo, e que tudo aconteça como num passe de mágica, inclusive, naquilo que funcionava antes. Existia, por exemplo, um pequeno espaço de livre comércio, que deveria evoluir para uma união aduaneira, e depois, de maneira otimista, para um mercado comum, como o daqueles velhos europeus imperialistas. O fato é que essas coisas meramente comerciais foram julgadas pouco condizentes com o novo espírito inclusivo, progressista, dos modernos. Não houve hesitação: o ânimo mesquinhamente comercialista que tinha presidido à assinatura dos velhos acordos foi substituído pela nova abertura de espírito, social, inclusivo, avançado e progressista, dos novos acordos rapidamente concluídos, todos eles destinados a melhor defender os direitos sociais dos trabalhadores, mesmo se o comércio – esse outro grande traidor das melhores esperanças – insistia em diminuir perigosamente de volume e enfrentar alguns sobressaltos imprevistos.
No terreno dos procedimentos, finalmente, as mudanças foram sensíveis, lato senso, e muito pouco sensíveis, estrito senso. A começar pela famosa pirâmide dos processos decisórios, rapidamente invertida pelo esprit partisan, dito de centralismo democrático (na verdade autoritário) dos modernos. Os ilotas responsáveis pelo trabalho duro em cada uma das áreas e células em que se tinha organizado a casa antiga, numa divisão social do trabalho dada pelas competências técnicas de cada um, passaram a ser mais orientados pela linha do comitê central, do que preferencialmente pela análise técnica de cada assunto do dossiê; assim, todo o processo começou a funcionar de modo estranhamente alterado, de cima para baixo, e não segundo o curso natural das coisas, como ocorria no Ancien Régime. De resto, como explicar decisões bizarras e tomadas de posição inéditas, que dificilmente teriam emergido a partir do fluxo normal de estudo dos temas, baseado na memória dos antigos e nos maços da memória coletiva? Aliás, pergunta-se até onde, e se, algumas delas estão devidamente registradas nos cartapácios onde antigamente se guardava todo o itinerário anotado das instruções adotadas?
Que reste-t-il de tout cela? Une photo, vieille photo, d’une ancienne demeure?
Messieurs, o quadro que estou traçando pode parecer exageradamente sombrio, e pouco condizente com as novas disposições dos modernos, mas o fato é que nenhum dos objetivos que eles mesmos se tinham fixado para sua diplomacia ativa e altiva – e soberana, cela va sans dire – foram alcançados, e não foi por falta de empenho: não só o representante le plus en vue dos modernos saiu pelo mundo em desabalada carreira de viagens, visitas, convescotes e outras conferências grandiosas, como também o assessor principal para essas coisas de soberania passou o tempo todo indo de um aeroporto a outro, de uma capital a outra. Era preciso proclamar os novos tempos e as intenções de mudança nas relações de força teimosamente presentes no mundo arrogante dos velhos senhores, e de reforma do comércio internacional, em prol da tal nova geografia.
Vous savez, Messieurs, ce qui en est résulté de tous ces projetsEnfin, c’est le droit, pour chacun, d’influer sur l’administration du Gouvernement, soit par la nomination de tous ou de certains fonctionnaires, soit par des représentations, des pétitions, des demandes, que l’autorité est plus ou moins obligée de prendre en considération. Os modernos abusaram de todas essas prerrogativas até a exaustão, multiplicando cargos e novas agências estatais à outranceC’est probablement par un coup de malchanceque as aspirações não se materializaram; e não foi certamente por falta de presença no mundo: nenhum petit village ficou à margem da nova cartografia universal tão sabiamente desenhada pelo guia genial dos povos.
Mas, o que restou, finalmente, da diplomacia dos modernos, comparada à dos antigos? Vejamos antes, brevemente, em que consistia a diplomacia dos antigos, como nos recomendaria nosso velho amigo Benjamin Constant. Ela consistia em exercer coletivamente, mas diretamente, antigos princípios de soberania – sem precisar ficar proclamando a sua defesa a cada instância, a cada momento, en tout et pour tout – e a deliberar, no pleno respeito dos processos decisórios bem experimentados, sobre todos os acordos e os tratados de aliança e de cooperação, dos quais pleno e integral conhecimento era dado em seguida ao corpo parlamentar da nação, para seu debate e eventual aprovação; ela também se preocupava em dar a devida publicidade a esses atos internacionais pelos meios disponíveis, para que os citoyensdeles tivessem consciência, sem que qualquer secret d’office fosse subtraído aos representantes da nação.
Messieurs, s’il y a un souvenir qui me poursuit sans cesse, c’est celui-ci : ele pode até parecer une vieille chanson d’automne, mas ele se baseia nas boas qualidades da diplomacia dos antigos em comparação com essa, supostamente “moderna”, dos modernos. Em todos os pontos de substância, e mesmo nos de organização e métodos, em torno dos quais as duas foram exercidas, em suas respectivas plenitudes, não encontro modernidades efetivas na diplomacia dos modernos, só velharias, e muitos fracassos acumulados. Alors, que reste-t-il des beaux jours das parcerias estratégicas, escolhidas entre os anti-hegemônicos, que prometiam nos conduzir aux sommets des inner circles do poder mundial, a tal de democratização das relações internacionais? Que reste-t-il da fabulosa organização sem a tutela do império, que pretendia manter a democracia e inaugurar uma nova era de desenvolvimento inclusivo, com comércio ampliado entre os parceiros progressistas e novos direitos assegurados a todo o povo trabalhador? Que reste-t-il de tout cela? Une photo, vieille photo?
O fato é, Messieurs, que a diplomacia dos modernos falhou, miseravelmente, nas suas expectativas mais otimistas, e até nas mais prosaicas, aquelas que dependiam da concordância dos novos aliados e parceiros estratégicos para mudar irreversivelmente o velho mundo dos velhacos imperialistas. Existem, claro, novos e ambiciosos órgãos, como esses bancos de financiamento estatal, que proliferaram como champignons après la pluie, e que deveriam trazer novos negócios para nossos mais valentes capitalistas. Mas a realidade é que não falta dinheiro no mundo; o que falta, na verdade, são bons projetos para serem financiados com o dinheiro privado dos capitalistas, sempre ávidos para colocar seus recursos em coisas que lhes permitam retornos razoáveis.
Esta é, de fato, uma pergunta que je me fais, Messieurs: se existe tanto dinheiro privado pelo mundo, por que fazer arranjos financeiros oficiais em todos esses bancos estatais, por que dispersar o dinheiro público, quando ele deveria se dirigir às nossas necessidades realmente sociais e mais urgentes? E se uma análise de custo-benefício indicar que não caberia realizar investimentos que tiveram uma decisão puramente política em seu desenho e avaliação? O que fazer com tantos capitalistas promíscuos que se aproximam dos modernos apenas para arrancar os parcos recursos? E o que dizer dos impostos de todos os citoyens que são canalizados para projetos duvidosos no exterior, et qui plus est, tenus dans le plus grand secret ? C’est cela une marque de diplomatie, par hasard ? La diplomatie du secret, du cache-cache ?
J’avoue, Messieurs, que je n’ai pas de réponses à toutes ces questions. Começo a desconfiar – mas esta já era uma suposição de départ – que a diplomacia dos ditos modernos é feita, na verdade, de velharias, de ideias muito antigas, que se aposentaram em outras paragens e que acabaram aportando por aqui e aqui ficando, pois encontraram terreno fértil na cabeça de certos amadores da diplomacia, uma tribo de exóticos e de sonhadores que ainda não atinou, hélas, que o mundo mudou, e que eles, sem perceber, acabaram ficando anacrônicos. E se por acaso estivéssemos todos enganados, no sentido em que os antigos são os verdadeiros modernos, e que os tais modernos se revelaram surpreendentemente en arrière des faits et des choses ? Voyez bien, honnêtes gens!
Pode até ser que este meu relatório de minoria, Messieurs, não sirva para muita coisa, em nossos tempos não convencionais. Mas não hesito em apresentá-lo aos senhores, na esperança (peut-être illusoire) de que seu esprit de contradiction possa convencer de ce formidable bouleversement du monde alguns céticos dispersos dans cette ancienne demeure, riche de traditions, par trop respectable, mais devenue – comment le dire Messieurs? – dispensable, superflue, négligeable?
Como diriam em certas terras exóticas, talvez bizarras: não há bem que sempre dure, não há mal que nunca se acabe. Os anos de bonança, quando tudo parecia fácil e alcançável, parecem aujourd’hui révolus. É tempo de pensar em revisar certas ideias fora de lugar e fora de época; é hora de repensar os fundamentos dessa tal de diplomacia dos modernos. Mal parafraseando os epígonos, ela se parece com aquelas estruturas sociais desajustadas, perdidas na transição entre dois modos de produção, e que não conseguiram combinar muito bem as forças produtivas da nação, uma infraestrutura pujante ainda que contida por um Estado feudal, e a superestrutura das relações de produção, que carecem de que lhes quebrem os grilhões que as prendem a noções antiquadas, contaminadas pela poeira dos tempos, mesmo que pouco convencionais. L’édifice bien décoré proposé en tant que modèle et hautement chanté par les modernes ce serait-il, finalement, écroulé ?
Il est temps, Messieurs, de repartir, alors, pour de bon. J’ai confiance que les bonnes idées prévaudront, car ce sont elles qui sont les bonnes, même anciennes. En fait, Messieurs, les modernes, sommes nous. Ils sont les arriérés, les âmes candides, les décervelés. Défions-nous donc, Messieurs, de cette admiration béate, déplacée, qu’ils entretiennent pour certaines idées qui semblaient modernes, mais qui, en fait, ce sont des réminiscences antiques, d’une époque complètement révolue. Libérons-nous de tout cela, car nous ne sommes pas esclaves de concepts liés a des anciens despotismes. La diplomatie antique, Messieurs, voilà la véritable modernité! En plus, elle défend les libertés, contre les amis des dictatures et des tyrannies. 
Réjouissons-nous donc de sages conseils de la diplomatie des anciens, car c’est elle qui nous a amené les progrès que les civilisations réussies ont consenti à l’Humanité toute entière. C’est elle qui nous a mené à tout ce que l’ancienne maison de notre diplomatie a construit de bien et de durable. C’est elle qui va nous faire revenir sur le chemin de l’avenir, car c’est elle qui correspond le mieux à l’éducation morale des citoyens…
Nota final: o presente texto é alegórico, no sentido mais abstrato possível, e não pretende reproduzir nenhuma situação concreta; honni soit qui mal y pense

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