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domingo, 13 de janeiro de 2019

Saida do Brasil do Pacto Global da Migracao da ONU - Amauri Eugênio Jr. (VICE)


Sair do pacto da ONU é uma fantasia de extrema-direita
Antes de ser fascista, é necessário parecer fascista.
VICE, 11 janeiro 2019

Além do socialismo, do politicamente correto, de jornalistas e de qualquer pessoa que pense diferente do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o governo recentemente empossado parece ter encontrado mais um inimigo público: os imigrantes. Na quarta-feira (9), Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter uma mensagem em tom de crítica ao Pacto Global para Migração, acordo da ONU (Organização das Nações Unidas) assinado por 164 países, inclusive o Brasil, em dezembro de 2018.
No documento, voltado ao reforço da cooperação internacional para processos seguros, ordenados e regulares de migração e para eliminar qualquer modalidade de discriminação, o presidente afirmou que o país é soberano para decidir se os aceita ou não, além de que quem vier deverá estar sujeito às leis, regras, costumes e cultura daqui. Ainda, de acordo com o presidente, “não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros.” De acordo com reportagem publicada pela BBC Brasil, o Ministério das Relações Exteriores solicitou aos diplomatas brasileiros para comunicarem a saída do pacto à ONU.
Quem ouve Bolsonaro falar pode imaginar que o país está tomado por imigrantes e que eles podem fazer o que bem entenderem por aqui. Todavia, a história está longe de ser essa: eles devem respeitar a legislação local. Ainda, a quantidade de pessoas nativas de outros países está muito longe do que a vã filosofia do WhatsApp nos induz a pensar: há cerca de 750 mil imigrantes na terra brasilis, o que totaliza a impressionante marca composta por quatro imigrantes a cada mil brasileiros – para efeito de comparação, a Alemanha tem 148 estrangeiros a cada mil nativos. OK, a situação na fronteira com a Venezuela é delicada demais, mas a medida tomada está muito longe de proteger a soberania dos brasileiros e de combater o moinho de vento do globalismo.
De acordo com Carolina de Abreu Batista Claro, pós-doutoranda em relações internacionais da UnB e professora universitária do IREL (Instituto de Relações Internacionais), da mesma instituição, a medida adotada pelo governo federal não se justifica, pois o pacto consiste em norma de soft law do direito internacional – ou seja, traduz regras de valor normativo limitado e que não são obrigatórias em âmbito jurídico.
Logo, o documento consiste em compromisso de ações com base no contexto atual e em demais tratados internacionais já existentes, aos quais o Brasil está vinculado. “A saída consiste em retórica política de extrema-direita, não corresponde com a realidade sobre as presenças de estrangeiros e de imigrantes no Brasil”, pontua, ao ressaltar como o vacilo cometido pela diplomacia brasileira é significativo: “além disso, [a saída] demonstra profundo desconhecimento sobre direito internacional e como internalizamos essas normas”.
Geopolítica fascista
Os demais países que anunciaram a saída do Pacto Global para Migração, como EUA, Austrália, Itália e Hungria têm fluxos migratórios muito maiores do que o Brasil, pois são locais de destino – EUA e Austrália, respectivamente – ou estão em rotas de trânsito, como nos casos de Itália e de Hungria.
Coincidência ou não, boa parte dos países que não assinou o documento está numa vibe que, sem meias palavras, cheira a fascismo, se parece com fascismo e (olha só) é bem fascista. Matteo Salvini, primeiro-ministro italiano, é abertamente de extrema-direita e conhecido por dar declarações que completam o bingo da xenofobia e da discriminação irrestrita – basta dizer que, há apenas alguns dias, ele se referiu às manifestações racistas contra o zagueiro senegalês Kalidou Koulibaly, do Napoli, como “brincadeira saudável entre torcidas”.
Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, não tem o menor pudor para bostejar com sucesso quando o assunto é racismo, islamofobia e qualquer modalidade de preconceito – e quem ousar pensar diferente dele, bom, é boicotado até perder a capacidade de falar. Ele não está sozinho: ainda que a direita populista tenha sofrido uma derrota importante nas eleições municipais na Polônia, o presidente Andrzej Duda conta com o apoio de uns feras de extrema-direita. Soma-se a isso tudo a falta de sensibilidade com qualquer causa humanitária de Donald Trump e a vontade insana de Steve Bannon dominar as mentes de geral. É com essa galerinha que apronta altas confusões com quem Bolsonaro quer se sentar no recreio. E quem anda com fascista, sabe como é, fascista é.
Todavia, a caminhada do Brasil é, histórica e geopoliticamente diferente das desses países quando o assunto é imigração. Não há nada que respalde a decisão do governo Bolsonaro. “Não temos número muito grande de imigrantes e o fato de o Brasil dizer que sairá do pacto está em discordância com quem o país já faz e com os tratados internacionais dos quais já faz parte”, pontua Carolina Claro.
Quem sai perdendo?
OK, os imigrantes ficam em situação delicada, o que é inegável, mas o Brasil tende a ter mais problemas com a saída do Pacto Global de Migração. De acordo com dados do Itamaraty, mais de três milhões de brasileiros vivem em outros países – não é necessário ser um jedi em matemática para sacar que muito mais brasileiros estão fora em comparação com quem vem para cá. E esses caras poderão ter problemas, mesmo que tenham direitos humanitários assegurados por meio de outros tratados mais antigos dos quais o Brasil é signatário.
Para o defensor público federal João Chaves, a saída do Brasil do pacto trará prejuízo político muito grande ao país. “Se o Brasil não participa do Pacto Global, ele fica em posição política de extrema fraqueza para negociar ou pedir qualquer coisa à comunidade internacional a favor da nossa comunidade”, destaca.
Além disso, um dos objetivos do pacto é assegurar que o processo de imigração aconteça de modo seguro, ordenado e regular, garantindo a segurança dos imigrantes e evitando a ação de coyotes –contrabandistas de imigrantes – o tráfico de pessoas. “Com essa medida, o governo Bolsonaro poderá estimular o crime organizado transnacional para o contrabando de migrantes e para o tráfico de pessoas para fins sexual e de exploração laboral, principalmente”, ressalta a pós-doutoranda em relações internacionais da UnB, que reforça os benefícios que a imigração segura e regular provenientes do pacto poderiam proporcionar para o indivíduo e para o país. “Ele não só fará parte do trabalho formal, mas poderá também buscar por educação e demais serviços públicos, e contribuir para a economia brasileira.”
Outro ponto a ser considerado é a mudança da imagem do Brasil perante a comunidade internacional. Sim, a luta contra a lenda urbana do globalismo nos fará sermos vistos na gringa como um povo que um dia defendeu a mediação de conflitos e os direitos humanos, mas que se tornou um (adivinhe?) país de extrema-direita. Em resumo: o nosso filme estará queimado. “O afastamento dos ideais de paz, dos direitos humanos e de proteção ao meio ambiente é extremamente negativo para o país, pois poucas nações irão querer chegar ao Brasil. O país só tem a perder nas conjunturas atual e futura”, pondera Carolina.
As imigrações irão parar?
A resposta para esta pergunta é não. Cidadãos em estado de desespero e em fuga de crises humanitárias em seus países continuarão a dar andamento ao fluxo migratório, como acontece nos EUA e em diversos países da Europa – França e Alemanha, por exemplo – e já ocorre no Brasil, inclusive. O que muda é o fato de eles virem para cá em condições inseguras e submetidos à escalada criminosa em âmbito internacional.
Pode-se dizer que o Brasil está perdendo uma grande oportunidade de ajudar a tornar o processo migratório mais humano e seguro para dar mais poder à ilegalidade. “O pacto busca cooperação internacional, reafirma princípios de direitos humanos e de política internacional, que farão o país ter benefícios com a migração e apoio de organismos internacionais para coordenar esses movimentos migratórios”, conta a professora do IREL, da UnB. Ela aproveita para reforçar o caráter contraditório da saída do país como signatário do documento. “Os imigrantes só virão por meios escusos e não protegidos, justamente o contrário do que prega o Pacto Global.”
Fluxo de desinformação
Qualquer pessoa minimamente informada (exceto pelo WhatsApp) estava ligada na coletânea interminável de fake news disseminadas durante as eleições sobre diversos aspectos – o firehosing rolou solto à época. A lógica das mentiras irrestritas continua a dar o tom dentro do panorama da imigração.
De acordo com João Chaves, o grande problema dentro desse cenário é a desinformação – que, sejamos francos, é visto desde o alto escalão do governo. “Existe muita mistificação dentro do tema migração e as pessoas não sabem que o Brasil recebe, proporcionalmente, quantidade muito pequena de imigrantes.”
Na prática, a saída do Brasil do Pacto Global de Migração não tem impacto imediato, pois a proteção dada aos imigrantes é baseada na Lei de Imigração e de Refúgio. “Espero a manutenção do cenário atual, que é bastante favorável, já que venezuelanos têm autorização temporária de permanência, conversível em permanente, por causa de portaria interministerial”, completa o defensor público federal. Ainda, os sírios podem solicitar refúgio e os haitianos são beneficiados com a acolhida humanitária, forma especial de residência.
Por fim, mesmo que a decisão governamental seja simbólica, os resultados poderão ser concretos e preocupantes. “Trata-se de uma situação bastante ruim. Os casos de xenofobia e de discriminação contra a população imigrante podem, sim, piorar, assim como contra as minorias por meio das ações que já têm sido apregoadas desde antes da posse pelo governo”, finaliza Carolina.

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Imagem externa do Brasil mudou para pior no novo governo - Benjamin Moser


Imagem externa do Brasil mudou para pior no novo governo, diz Benjamin Moser
Para autor americano, chefe do Itamaraty tem discurso de 'ufanista magoado' e usa termos de teor antissemita
FSP, 11.jan.2019 às 6h00

[RESUMO] Em carta aberta ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, autor norte-americano comenta repercussão internacional das ideias enunciadas pelo novo chanceler em artigo recente.

Prezado ministro,
Há pouco mais de dois anos, o ministério que o senhor hoje encabeça me outorgou o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural. Foi um reconhecimento do meu trabalhoe trouxe consigo uma obrigação de continuar trabalhando em prol do Brasil —de ser algo como um amigo oficial do Brasil. E é nesta capacidade que lhe escrevo.
Recentemente, o senhor publicou uma matéria no meu idioma, o inglês, e no meu país, os Estados Unidos (“Bolsonaro was not elected to take Brazil as he found it”, ou “Bolsonaro não foi eleito para deixar o Brasil como o encontrou”, na Bloomberg, em 7/1). Se respondo em português, é por dois motivos. 
Primeiro, porque sua matéria ilustra muito bem que saber a gramática ou o vocabulário de outra língua não implica compreender suas sutilezas: como soa. Se tivesse maior noção do meu idioma, seria de esperar que não houvesse publicado uma coisa que —digo francamente— expõe o Brasil ao ridículo.
E essa é a segunda razão pela qual lhe respondo em português. Apesar de não ser de nacionalidade brasileira, o Brasil não me é de maneira nenhuma alheio. Desagrada-me profundamente vê-lo alvo de risadas internacionais. Gostaria, pois, que esta conversa ficasse entre nós —em português.
Em inglês, a sua vinculação da política externa com Ludwig Wittgenstein soa bizarra. Suspeito que não seja sua intenção —que é, se estou lendo bem, de deslumbrar o leitor com frases como “desconstrução pós-moderna avant la lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento”.
Sabe aquele estudante de pós-graduação que encurrala a menina na festa falando de Derrida ou Baudrillard?
Pois é.
Aliás, em inglês, proclamar “não gosto de Wittgenstein” soa pretensioso, arrogante. Sabe aquele homem que, diante de um Picasso, diz que sua filha de quatro anos poderia ter feito melhor?
Pois é.
Mas, além do tom, qual é mesmo seu problema com Wittgenstein? Vejo que não é sequer uma frase inteira, mas uma parte de uma frase: “O mundo tal como o encontramos.”
O senhor lê isso como um pedido —uma ordem, até— de aceitar tudo no mundo tal como é, de não tentar mudar nada, de se comportar como se não tivesse vontade própria. Se acompanho a sua lógica, é assim que o Brasil tem se comportado durante todos os governos, de esquerda como de direita, que precederam o atual.
Para quem conhece a obra de Wittgenstein —assim como para quem tem noções da história diplomática brasileira—, isso pode soar inexato. Mas o senhor pretende romper um padrão que tem impedido o surgimento da verdadeira grandeza do Brasil. O país, segundo o senhor, antes disse: “Eu não acho nada. Eu não tenho ideias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um ‘eu’.”
Eu não caracterizaria o trabalho de gerações de diplomatas brasileiros assim. Imagino que, em português, possa soar desdenhoso. Mas estamos falando de como soa em inglês, e, se muito ficou incerto na sua matéria, uma coisa ficou clara: sua vontade de mudar a imagem do Brasil no mundo.
De fato, em poucos meses, essa imagem já mudou bastante. Temo que não seja na direção que o senhor pretende. Pois, em todos os meus anos de brasiliófilo, nunca vi tantas matérias ruins sobre o Brasil surgirem na imprensa europeia e americana. Isso deve ser motivo de preocupação para um chanceler. Porque o Brasil, apesar de seus problemas, sempre desfrutou de um nome positivo no mundo.
O racismo, a homofobia e a saudade da ditadura da nova administração têm sido fartamente comentados na imprensa mundial. Em inglês, o tom dessa cobertura tem sido extremamente negativo. Um chanceler deve poder responder num inglês sereno e compreensível e explicar as razões que levam o novo governo a adotar tal e tal medida.
Quando se dirige a um público internacional, uma coisa a evitar a todo preço é o emprego de termos —“globalistas,” “marxistas,” “anticosmopolitas,” “valores cristãos”— que, em inglês, têm fortes conotações antissemitas. 
São extraídos do léxico de conspiração global judaica, e, dada a história deste léxico, pessoas civilizadas, tanto de direita como de esquerda, aprenderam a evitá-lo.
Quando se fala inglês, é preferível, em geral, evitar falar de conspirações. Dá a impressão de ter passado a noite em claro na internet decifrando os segredos das pirâmides. Talvez seja por isso que suas descrições sobre o aquecimento global como trama marxista tenham sido tão amplamente ridicularizadas na imprensa mundial.
Quem, em língua inglesa, quer ser levado a sério evita tais caracterizações. E não é mesmo este o maior desejo do senhor, o de ser levado a sério? É a única coisa que fica clara debaixo da linguagem um tanto acalorada. 
A novidade que o senhor anuncia não é outra coisa senão a mais antiga emoção do conservador brasileiro: o ufanismo magoado. 
Este é o sentimento de quem quer uma nação que esteja à altura da imagem —muitas vezes exagerada— que tem de si próprio.
Se o senhor imagina que o Brasil não é suficientemente respeitado, seria bom nos brindar com pelo menos um exemplo; na minha experiência, vasta, do Brasil no âmbito internacional, confesso que nunca percebi a falta de respeito.
Mas, mesmo que ela existisse, seria bom lembrar que, em qualquer país, o respeito não se exige. Com paciência e trabalho, se ganha.
Ninguém sabe melhor do que eu os lados positivos que tem o Brasil. Mas, sabemos, brasileiros e estrangeiros, que o Brasil também tem uma cara feia. E é essa cara que seu tom me traz à mente. É o tom daquele patrão que grita “faça que tô mandando!” para a empregada. Asseguro-lhe que não fica mais elegante em tradução inglesa.
Infelizmente, não é apenas uma questão de tom. Desde o primeiro dia, este governo deu a impressão de querer abusar das pessoas mais vulneráveis da sociedade. Todos os jornais do mundo têm noticiado os ataques aos índios e à população LGBT, além da redução do salário mínimo para os trabalhadores mais pobres.
É possível que haja explicações razoáveis para tais medidas, mas confesso que até agora não as vi. De novo, seria mais eficaz explicá-las com calma do que andar pelo mundo proclamando que os brasileiros não são mais “robôs pós-modernos” e que não suportarão mais “a opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito.”
Porque, ironicamente, é seu medo de ver as pessoas zombarem do Brasil que fará... as pessoas zombarem do Brasil. Deve ter visto a ministra Damares gritando que “menino veste azul e menina veste rosa!” e notado como isso repercutiu pelo mundo. As suas declarações também não ajudam a que as pessoas levem o Brasil a sério.
Se há um ponto em que estamos em total acordo é que também não gosto de ver o Brasil ridicularizado. Por isso, lhe encorajo a lembrar em nome de quem está falando. E de escolher com mais tato, em português como em inglês, as suas palavras.
O senhor se descreve, no seu Instagram, como “ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro”. Não é.
É ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Seria bom que se comportasse com a dignidade que tal posição exige.
E se, no futuro, tiver uma dúvida de inglês, pode sempre entrar em contato comigo.

Cordialmente,
Benjamin Moser
Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, 2016  

Benjamin Moser, escritor norte-americano, é autor da biografia ‘Clarice’ (Companhia das Letras) e de ‘Susan Sontag: Sua Vida e Obra’, que sai no final do ano também pela Companhia das Letras.

O jacobinismo em alta, no Palacio do Planalto - Jose Fucs (OESP)


Filipe G. Martins, o ‘jacobino’ que chegou ao Planalto
José Fucs
O Estado de S. Paulo, 12/01/2019
Quem é o novo conselheiro pessoal de Jair Bolsonaro na área externa e o que pensa sobre a diplomacia do País e o novo governo

“Está decretada a nova Cruzada. Deus vult!” Foi assim, referindo-se ao movimento de libertação de Jerusalém dos infiéis e ao grito em latim dado pelo povo quando o papa Urbano II anunciou a Primeira Cruzada, em 1095, que o ativista, professor e analista político Filipe Garcia Martins Pereira, recém-nomeado assessor especial para assuntos internacionais do presidente Jair Bolsonaro e cotado para ser porta-voz do governo, comemorou nas redes sociais a vitória no segundo turno das eleições, em 28 de outubro. 
“A nova era chegou. É tudo nosso! Deus vult!”, acrescentou, no dia da posse, em 1.º de janeiro, recorrendo mais uma vez à saudação dos devotos medievais, que, em português, significa “Deus quer”. 
Ao ser questionado sobre as publicações, Martins, de 30 anos, afirmou que tudo não passou de uma brincadeira. Segundo ele, os posts não significavam que ele encara a missão do novo governo e a sua, em particular, como uma “guerra santa” do século 21, cujo objetivo seria libertar a República dos gentios da esquerda, que assumiram o poder após a redemocratização, nos anos 1980. Mas quem o conhece bem afirma que os posts estão em linha com o seu pensamento político e com o que costuma falar por aí. Bastaria, de qualquer forma, dar uma checada em suas páginas e perfis nas redes sociais para chegar à mesma conclusão. 
As duas publicações revelam não só as suas motivações e a sua visão pessoal sobre a chegada de Bolsonaro ao poder. Traduzem, de forma emblemática, o estado de espírito e a ambição dos vencedores, que ele sabe captar e expressar como poucos e que deverão nortear também a sua atuação no governo. “O que está acontecendo no Brasil é uma revolução – a fucking revolution– e não há meios de pará-la”, disse Martins pouco antes do segundo turno. 
Pupilo aplicado. Recentemente, ele se aproximou do vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), um dos filhos do presidente, responsável pela bem-sucedida campanha do pai nas redes. No clã dos Bolsonaro, porém, seu padrinho é Eduardo, outro filho do presidente, que acabou de se reeleger deputado federal (PSL-SP). Martins conta que conheceu Eduardo pela internet em 2014, quando o movimento que chama de “liberal-conservador” ainda ganhava força, e há alguns anos mantém uma relação muito próxima com ele. 
Pupilo aplicado do pensador e escritor Olavo de Carvalho, o grande mentor intelectual de Bolsonaro e especialmente de Eduardo, Martins é hoje, talvez, seu principal “trombone” no País. Na campanha eleitoral, com o apoio de Olavo e de Eduardo, desempenhou um papel relevante no núcleo ideológico que cercou Bolsonaro e que agora exibiu suas garras, ao dividir com os liberais, os militares e o grupo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o protagonismo no novo governo, arrematando os ministérios da Educação e das Relações Exteriores, além de seu próprio cargo e outros postos de segundo e terceiro escalões. 
Mundinho da direita. Apesar de ser bem articulado e ter as “costas quentes”, sua ascensão meteórica ao poder surpreendeu muitos analistas, mesmo os que acompanham de perto a turma de Bolsonaro. Como é relativamente jovem e desconhecido fora do mundinho da direita na internet, questiona-se se tem estatura para ser conselheiro pessoal do presidente na área internacional, cargo ocupado nos governos Lula e Dilma pelo petista Marco Aurélio Garcia, morto em 2017.  
Por estar dentro do Palácio do Planalto, perto de Bolsonaro, questiona-se também como será sua convivência com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e em que medida a ação de Martins poderá embolar a política externa do País. Mas ele diz que não terá o mesmo papel exercido por Garcia, que era o grande formulador da política internacional dos governos do PT e deixava para o Itamaraty o papel de executor de suas diretrizes – algo que Martins considera “uma aberração”. 
Em princípio, sua função deverá ser mais a de auxiliar o presidente em sua agenda no exterior, na recepção a chefes de Estado e em mantê-lo informado sobre os fatos internacionais relevantes. Se isso se confirmar, a formulação da política externa caberá mesmo a Araújo, com quem ele parece compartilhar a mesma visão geopolítica. 
Formado em relações internacionais na Universidade de Brasília, em 2015, Martins trabalhou por dois anos no departamento econômico da embaixada dos Estados Unidos em Brasília, acompanhando os trabalhos do Congresso e produzindo pesquisas, análises e relatórios sobre a conjuntura política e econômica do País. Trabalhou também na assessoria internacional do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e em consultorias privadas, além de dar aulas em cursos preparatórios para a carreira diplomática e a de oficial da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).  
Pregação conservadora. Mais recentemente, ocupou a secretaria de Assuntos Internacionais do PSL e fez a sua pregação conservadora pelo Brasil afora, em debates, seminários e palestras. Foi editor-adjunto do site Senso Incomum, do também bolsonarista e olavista radical Flavio Azambuja Martins, mais conhecido pelo pseudônimo de Flavio Morgenstern, que defendeu, numa publicação polêmica no Twitter, a queima de livros do educador Paulo Freire em praça pública, para resolver o problema da educação no País. Depois, diante da repercussão negativa do comentário, disse que se tratava de uma ironia, que não deveria ser levada ao pé da letra. 
Foram, porém, os seus propalados acertos em previsões eleitorais no exterior que fizeram a fama de Martins, em especial a da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016. Contra a opinião da quase totalidade dos analistas que apostava em Hillary Clinton, ele cravou que Trump ganharia a eleição e acertou o vencedor em 48 dos 50 Estados americanos. Desde então, vem surfando nessa onda, apesar de ter errado outras previsões, segundo seus críticos, como na antecipação das eleições na Inglaterra, em 2017, quando apostou na vitória dos conservadores, que acabaram perdendo espaço para os trabalhistas. 
“Revolucionário de Facebook”. Como o novo chanceler brasileiro, Martins é avesso ao globalismo, que, em sua visão, submete o País a decisões de organizações multilaterais que muitas vezes não atendem ao interesse nacional. Além de defender uma reaproximação do Brasil com os Estados Unidos, Martins afirma ter “grande admiração” pelos governos de direita da Itália, Hungria, Polônia, Áustria, Grã-Bretanha, República Checa, Suíça e Israel. Ele apoia a participação do País na nova aliança conservadora global articulada pelo estrategista Steve Bannon, ex-assessor do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. 
Por sua atuação agressiva nas redes sociais e suas ideias muitas vezes messiânicas, baseadas nos ensinamentos do “professor Olavo”, Martins foi chamado de “Robespirralho”, “revolucionário de Facebook” e “líder da direita jacobina”. Também foi chamado de “Sorocabannon”, por ter nascido em Sorocaba, no interior paulista, e pontificar sobre a estratégia política e eleitoral de Bolsonaro, como Bannon fazia com Trump. 
Apesar do antipetismo e da oposição que exerce contra o socialismo e o comunismo, é nas fileiras da própria direita que ele costuma “causar”. Na campanha, Martins foi protagonista de embates antológicos contra o que chama de “direita limpinha” e “conservadores de almanaque”. “Os conservadores de ‘boa estirpe’ talvez sejam ótimos para conquistar afagos dos colegas esquerdistas, mas só a direita xucra tem o desprendimento para ver sua imagem destruída em nome do que é certo”, disse na véspera do segundo turno. 
Com 58 mil seguidores no Facebook e 108 mil no Twitter, ele não hesita em lançar contra seus adversários na arena digital uma espécie de “fatwa” o decreto emitido por líderes religiosos do Islã para os fiéis. “Faça piada com o que quiser”, afirmou nas redes, diante da repercussão da fala da ministra Damares Alves contra a chamada “ideologia de gênero”, usando como metáfora as cores que meninos e meninas deveriam vestir. “Só entenda, aí do alto de sua religiãozinha civil, que o esquisito é você e que há um exército de tias do zap e de tios do pavê com piadas o suficiente para lhe fazer chorar para o resto da vida, mesmo que você peça arrego e alegue ‘discurso de ódio’.”  
Tea Party. Durante a greve dos caminhoneiros, em 2018, Martins abraçou o movimento com armas virtuais e furor revolucionário, como o mestre Olavo. Encampou também o “Fora, Temer”, reforçando a narrativa da esquerda à qual tanto se opõe. Ele enxergou na paralisação a chance de “mobilizar a massa”, derrubar o governo, acabar com a corrupção e os privilégios dos políticos e promover o corte de gastos públicos e de impostos.  
Numa tentativa bizarra de unir o espírito revolucionário às ideias conservadoras, Martins acreditou que a greve representava para o País uma espécie de Boston Tea Party, o movimento deflagrado em 1773 pelos colonos americanos contra o monopólio da Inglaterra na venda de chá, que acabou levando à independência dos Estados Unidos. 
Só que, ao final, como já era previsível, o Tea Party de Martins, incensado por Olavo de Carvalho, deu ruim. Com a decisão do governo de subsidiar o diesel, a conta sobrou para os contribuintes, e com o tabelamento do frete, houve mais intervenção estatal na economia. O fracasso de sua aventura tresloucada deixou duras lições. Agora, elas poderão contribuir para Martins ser mais equilibrado em sua passagem pelo governo.

sábado, 12 de janeiro de 2019

O neomercantilismo EUA-China

Isso que o professor Graham Allison, do Belfer Center da Harvard University, descreve é, nada mais, nada menos, do que puro mercantilismo, e vai contra tudo o que os EUA construiram desde Bretton Woods.
Podem até dizer que é realismo, mas não é: é pura rendição à esquizofrenia trumpista.
Paulo Roberto de Almeida
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Before we reach the March 1 deadline, expect Trump to declare a “triumph” in a great trade deal that will feature China’s purchase of more than a trillion dollars of additional US products. 

US trade negotiators concluded a first round of negotiations in Beijing on Wednesday to attempt to hammer out a trade agreement that will prevent US tariffs increasing from 10 to 25% on $200 billion of Chinese imports. After spending 10 days in China just before Christmas listening to leaders from Chinese President Xi Jinping’s team, I registered my bet that Xi has decided to yield on enough of what Trump has been demanding for Trump to declare victory before the deadline.

More specifically: in addition to more purchases of US gas, oil, and agricultural products, expect the agreement to include targets for increases in American companies’ share of banking, insurance, and equity markets. Since American producers account for 6 percent of China’s current gas imports, 3 percent of its oil imports, and 14 percent of its agricultural imports, and Chinese companies control 98 percent of its banking market, 95 percent of the equity business, and 91 percent of insurance, all this should not be that hard. Phase two of the negotiations will then struggle with the more difficult issues of protection of intellectual property and industrial policy.

On the larger geopolitical chessboard, the tariff conflict is relatively small potatoes. The terms on which it is settled, or postponed, will not significantly affect the trajectory of the Thucydidean rivalry between a rising China and a ruling United States. Even if China were to concede on every item on the Trump team’s wish list, China’s economy will likely continue growing at more than twice the rate of the United States.

If you have reactions, I’ll be interested.

Graham Allison
Douglas Dillon Professor of Government, Harvard Kennedy School