Filipe G. Martins, o ‘jacobino’ que
chegou ao Planalto
José Fucs
O Estado de S. Paulo, 12/01/2019
Quem é o novo conselheiro pessoal de Jair Bolsonaro na área
externa e o que pensa sobre a diplomacia do País e o novo governo
“Está decretada a nova
Cruzada. Deus vult!” Foi assim, referindo-se ao movimento de libertação de
Jerusalém dos infiéis e ao grito em latim dado pelo povo quando o papa Urbano
II anunciou a Primeira Cruzada, em 1095, que o ativista, professor e analista
político Filipe Garcia
Martins Pereira, recém-nomeado assessor especial para assuntos
internacionais do presidente Jair Bolsonaro e
cotado para ser porta-voz do governo, comemorou nas redes sociais a vitória no
segundo turno das eleições, em 28 de outubro.
“A nova era chegou. É tudo
nosso! Deus vult!”, acrescentou, no dia da posse, em 1.º de janeiro, recorrendo
mais uma vez à saudação dos devotos medievais, que, em português, significa
“Deus quer”.
Ao ser questionado sobre as
publicações, Martins, de 30 anos, afirmou que tudo não passou de uma
brincadeira. Segundo ele, os posts não significavam que ele encara a missão do
novo governo e a sua, em particular, como uma “guerra santa” do século
21, cujo objetivo seria libertar a República dos gentios da esquerda, que
assumiram o poder após a redemocratização, nos anos 1980. Mas quem o conhece
bem afirma que os posts estão em linha com o seu pensamento político e com o
que costuma falar por aí. Bastaria, de qualquer forma, dar uma checada em suas
páginas e perfis nas redes sociais para chegar à mesma conclusão.
As duas publicações revelam
não só as suas motivações e a sua visão pessoal sobre a chegada de Bolsonaro ao
poder. Traduzem, de forma emblemática, o estado de espírito e a ambição dos
vencedores, que ele sabe captar e expressar como poucos e que deverão nortear
também a sua atuação no governo. “O que está acontecendo no Brasil é uma
revolução – a fucking revolution– e não há meios de pará-la”, disse
Martins pouco antes do segundo turno.
Pupilo aplicado. Recentemente, ele se
aproximou do vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), um dos filhos do presidente,
responsável pela bem-sucedida campanha do pai nas redes. No clã dos Bolsonaro,
porém, seu padrinho é Eduardo, outro filho do presidente, que acabou de se reeleger
deputado federal (PSL-SP). Martins conta que conheceu Eduardo pela internet em
2014, quando o movimento que chama de “liberal-conservador” ainda ganhava
força, e há alguns anos mantém uma relação muito próxima com ele.
Pupilo aplicado do pensador e
escritor Olavo de Carvalho, o grande mentor intelectual de Bolsonaro e
especialmente de Eduardo, Martins é hoje, talvez, seu principal “trombone” no
País. Na campanha eleitoral, com o apoio de Olavo e de Eduardo, desempenhou um
papel relevante no núcleo ideológico que cercou Bolsonaro e que agora exibiu
suas garras, ao dividir com os liberais, os militares e o grupo do ministro da
Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, o protagonismo no novo governo,
arrematando os ministérios da Educação e das Relações Exteriores, além de seu
próprio cargo e outros postos de segundo e terceiro escalões.
Mundinho da direita. Apesar de ser bem articulado
e ter as “costas quentes”, sua ascensão meteórica ao poder surpreendeu muitos
analistas, mesmo os que acompanham de perto a turma de Bolsonaro. Como é
relativamente jovem e desconhecido fora do mundinho da direita na internet,
questiona-se se tem estatura para ser conselheiro pessoal do presidente na área
internacional, cargo ocupado nos governos Lula e Dilma pelo petista Marco
Aurélio Garcia, morto em 2017.
Por estar dentro do Palácio
do Planalto, perto de Bolsonaro, questiona-se também como será sua convivência
com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e em que medida a ação
de Martins poderá embolar a política externa do País. Mas ele diz que não terá
o mesmo papel exercido por Garcia, que era o grande formulador da política
internacional dos governos do PT e deixava para o Itamaraty o papel de executor
de suas diretrizes – algo que Martins considera “uma aberração”.
Em princípio, sua função
deverá ser mais a de auxiliar o presidente em sua agenda no exterior, na
recepção a chefes de Estado e em mantê-lo informado sobre os fatos
internacionais relevantes. Se isso se confirmar, a formulação da política
externa caberá mesmo a Araújo, com quem ele parece compartilhar a mesma visão
geopolítica.
Formado em relações
internacionais na Universidade de Brasília, em 2015, Martins trabalhou por dois
anos no departamento econômico da embaixada dos Estados Unidos em Brasília,
acompanhando os trabalhos do Congresso e produzindo pesquisas, análises e
relatórios sobre a conjuntura política e econômica do País. Trabalhou também na
assessoria internacional do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e em consultorias
privadas, além de dar aulas em cursos preparatórios para a carreira diplomática
e a de oficial da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Pregação conservadora. Mais recentemente,
ocupou a secretaria de Assuntos Internacionais do PSL e fez a sua pregação
conservadora pelo Brasil afora, em debates, seminários e palestras. Foi
editor-adjunto do site Senso Incomum, do também bolsonarista e
olavista radical Flavio Azambuja Martins, mais conhecido pelo pseudônimo de
Flavio Morgenstern, que defendeu, numa publicação polêmica no Twitter, a queima
de livros do educador Paulo Freire em praça pública, para resolver o problema
da educação no País. Depois, diante da repercussão negativa do comentário,
disse que se tratava de uma ironia, que não deveria ser levada ao pé da letra.
Foram, porém, os seus
propalados acertos em previsões eleitorais no exterior que fizeram a fama de
Martins, em especial a da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016.
Contra a opinião da quase totalidade dos analistas que apostava em Hillary
Clinton, ele cravou que Trump ganharia a eleição e acertou o vencedor em
48 dos 50 Estados americanos. Desde então, vem surfando nessa onda, apesar de
ter errado outras previsões, segundo seus críticos, como na antecipação das eleições
na Inglaterra, em 2017, quando apostou na vitória dos conservadores, que
acabaram perdendo espaço para os trabalhistas.
“Revolucionário de Facebook”. Como o novo chanceler
brasileiro, Martins é avesso ao globalismo, que, em sua visão, submete o País a
decisões de organizações multilaterais que muitas vezes não atendem ao
interesse nacional. Além de defender uma reaproximação do Brasil com os Estados
Unidos, Martins afirma ter “grande admiração” pelos governos de direita da
Itália, Hungria, Polônia, Áustria, Grã-Bretanha, República Checa, Suíça e
Israel. Ele apoia a participação do País na nova aliança conservadora global
articulada pelo estrategista Steve Bannon, ex-assessor do presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump.
Por sua atuação agressiva nas
redes sociais e suas ideias muitas vezes messiânicas, baseadas nos ensinamentos
do “professor Olavo”, Martins foi chamado de “Robespirralho”, “revolucionário
de Facebook” e “líder da direita jacobina”. Também foi chamado de
“Sorocabannon”, por ter nascido em Sorocaba, no interior paulista, e pontificar
sobre a estratégia política e eleitoral de Bolsonaro, como Bannon fazia com
Trump.
Apesar do antipetismo e da
oposição que exerce contra o socialismo e o comunismo, é nas fileiras da
própria direita que ele costuma “causar”. Na campanha, Martins foi protagonista
de embates antológicos contra o que chama de “direita limpinha” e
“conservadores de almanaque”. “Os conservadores de ‘boa estirpe’ talvez sejam
ótimos para conquistar afagos dos colegas esquerdistas, mas só a direita xucra
tem o desprendimento para ver sua imagem destruída em nome do que é certo”,
disse na véspera do segundo turno.
Com 58 mil seguidores no
Facebook e 108 mil no Twitter, ele não hesita em lançar contra seus adversários
na arena digital uma espécie de “fatwa” o decreto emitido por líderes
religiosos do Islã para os fiéis. “Faça piada com o que quiser”, afirmou nas
redes, diante da repercussão da fala da ministra Damares Alves contra a chamada
“ideologia de gênero”, usando como metáfora as cores que meninos e meninas
deveriam vestir. “Só entenda, aí do alto de sua religiãozinha civil, que o
esquisito é você e que há um exército de tias do zap e de tios do pavê com
piadas o suficiente para lhe fazer chorar para o resto da vida, mesmo que você
peça arrego e alegue ‘discurso de ódio’.”
Tea Party. Durante a greve dos
caminhoneiros, em 2018, Martins abraçou o movimento com armas virtuais e furor
revolucionário, como o mestre Olavo. Encampou também o “Fora, Temer”,
reforçando a narrativa da esquerda à qual tanto se opõe. Ele enxergou na
paralisação a chance de “mobilizar a massa”, derrubar o governo, acabar com a
corrupção e os privilégios dos políticos e promover o corte de gastos públicos
e de impostos.
Numa tentativa bizarra de
unir o espírito revolucionário às ideias conservadoras, Martins acreditou que a
greve representava para o País uma espécie de Boston Tea Party, o movimento
deflagrado em 1773 pelos colonos americanos contra o monopólio da Inglaterra na
venda de chá, que acabou levando à independência dos Estados Unidos.
Só que, ao final, como já era
previsível, o Tea Party de Martins, incensado por Olavo de Carvalho, deu ruim.
Com a decisão do governo de subsidiar o diesel, a conta sobrou para os
contribuintes, e com o tabelamento do frete, houve mais intervenção estatal na
economia. O fracasso de sua aventura tresloucada deixou duras lições. Agora,
elas poderão contribuir para Martins ser mais equilibrado em sua passagem pelo
governo.
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