Todas as leis da estupidez humana (suite et fin...)
27 de abril de 2006
Em meu artigo anterior,
eu havia transcrito apenas duas das cinco leis (geniosas e geniais) da
estupidez humana, tal como formuladas quase duas décadas atrás pelo famoso
historiador italiano Carlo Maria Cipolla (infelizmente já falecido). Fiquei,
então, devendo aos leitores, a transcrição da série completa, de molde a poder
compartilhar com todos os interessados o deleite de conhecer, e apreciar, os
fundamentos históricos da velha “bêtise humaine”, tal como ele, um medievista
reputado, a compreendia.
Transcrevo, pois, em sua
exposição mais sintética possível – a partir do original italiano, uma vez que
não consegui mesmo achar o pequeno volume em minhas estantes abarrotadas de
livros –, essas cinco leis, agregando depois comentários do próprio Cipolla
sobre seu contexto histórico-estrutural. Como diriam os americanos, quote:
1. Sempre e inevitavelmente, cada um de nós
subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação.
2. A probabilidade de que uma certa pessoa
seja estúpida é independente de qualquer outra característica dessa pessoa.
3. Uma pessoa estúpida é uma pessoa que
causa um dano a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas, sem que ela obtenha
qualquer vantagem para si mesma, ou até sofrendo, ela mesma, algum dano.
4. As pessoas não estúpidas sempre subestimam
o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em especial, os não estúpidos esquecem constantemente
que, a qualquer momento, em qualquer lugar e em qualquer circunstância, tratar
e/ou associar-se a indivíduos estúpidos se revela, infalivelmente, um erro
custosíssimo.
5. A pessoa estúpida é o
tipo de pessoa mais perigosa que possa existir.
Unquote. Cipolla acrescenta logo em seguida: “Não é difícil compreender como o poder político, econômico
ou burocrático acrescenta ao potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas
devemos ainda explicar e compreender o que é que torna essencialmente perigosa
uma pessoa estúpida; em outras palavras, em que consiste o poder da estupidez”.
Talvez Cipolla estivesse pensando, quando
escreveu estas linhas, em sua Itália natal, um país que consegue ostentar
políticos tão corruptos e safados quanto o... Japão, por exemplo. Ahah!, peguei
vocês: pensando que eu fosse tirar do meu bolso algum exemplo tupiniquim, não
é? Mas é que vocês não conhecem a inacreditável capacidade dos políticos
japoneses em se reproduzir continuamente, sua insaciedade pelo dinheiro
corporativo e estatal, sua estabilidade notória, graças ao conservadorismo de
uma população que ainda aprecia samurais e senhores da guerra. De minha parte,
sempre achei que, mais do que uma Belíndia, ou seja, uma país meio Bélgica,
meio Índia – como queria o economista Edmar Lisboa Bacha –, o Brasil era, bem mais,
uma espécie de “Argentália”, ou seja, um país tão ciclotímico economicamente
quanto a nossa vizinha competidora futebolística, e tão prolífico em políticos
corruptos quanto a Itália, uma de nossas inspirações gastronômicas e
histriônicas mais conhecidas no último século.
Bem, deixando japoneses
e italianos de lado, acho que a rationale
explicativa de Cipolla se encaixa como uma luva em nossa situação política
atual, estes tempos de mensalão oficialmente patrocinado pelo Estado e
implementado de modo absolutamente amador pelo partido no poder. Como explicar,
de outro modo, que os “homens” do poder tenham roubado de forma tão canhestra,
improvisada e desorganizada, e como nós, que pagamos tudo isso, suportamos
passivamente a continuidade de tanta desfaçatez e tanta desonra republicana? Só
pode ser por estupidez, de uns e de outros. Se não, vejamos...
Cipolla dá os motivos
para tanta estupidez disseminada impunemente, durante tanto tempo, aqui como lá
(supostamente): “Essencialmente, os estúpidos
são perigosos e funestos porque as pessoas racionais não conseguem imaginar e
compreender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode compreender
a lógica de um bandido. As ações do bandido seguem um modelo de racionalidade.
O bandido quer alguma coisa ‘mais’ na sua conta. Dado que ele não é
suficientemente inteligente para conceber métodos com os quais obter o seu
‘mais’ procurando ao mesmo tempo um ‘mais’ para os outros também, ele caba
obtendo o seu ‘mais’ causando um ‘menos’ ao seu próximo”.
Tudo isso não é justo,
mas é racional, como lembra Cipolla, e se é racional pode ser previsto. É
possível, em suma, prever as ações de um bandido, as suas manobras sujas e as
suas deploráveis aspirações e, talvez, se pudesse antepor algumas oportunas
medidas de defesa (embora eu acrescente que, no Brasil, alguns poucos
conseguiram enganar a muitos durante muito tempo). Mas, com uma pessoa
estúpida, isto é absolutamente impossível. Como está implícito na terceira lei
fundamental, uma pessoa estúpida pode persistir sem qualquer motivo em suas
ações, sem um plano preciso, nos momentos e nos lugares mais improváveis e
impensáveis. Não existe nenhuma maneira racional de prever quando uma pessoa
estúpida se lançará ao ataque. Pelo que constato, acho que o Brasil está sofrendo
um ataque especulativo de estupidez galopante. Vocês não acham?
Finalmente, é preciso
também levar em conta uma outra característica desse tipo de situação. Como
argumenta Cipolla, a pessoa inteligente sabe que ela é inteligente. O bandido
está plenamente consciente de ser um bandido (ainda que eu duvide que essa
regra se aplique plenamente a alguns dos nossos personagens políticos plus en vue). Em outra vertente, os
ingênuos – ou néscios, diríamos nós – estão plenamente convencidos de sua
própria credulidade. Mas, ao contrário de todos esses personagens, o estúpido
não tem a menor idéia de que ele é um estúpido. Eis justamente o que contribui
para dar maior força, incidência e eficácia à sua ação devastadora.
Com efeito, o estúpido
não é sequer inquietado por aquele espírito que os ingleses chamam de self-consciousness. “Com um sorriso nos lábios, como se estivesse fazendo a
coisa mais natural do mundo, o estúpido acaba tranquilamente por destruir todos
os nossos planos, aniquila a nossa paz, complica a nossa vida e o nosso
trabalho, nos faz perder dinheiro, tempo, bom-humor, apetite, produtividade - e
tudo isso sem qualquer malícia, sem remorso e sem razão. Apenas estupidamente”.
Não tenho certeza de que
o brilhante esquema teórico-histórico de Cipolla se encaixa perfeitamente neste
nosso país algo surrealista, mas por vezes eu também tenho a impressão de que
estamos entregues a uma tribo de néscios e de estúpidos – ou talvez até a uma
quadrilha de bandidos –, que nos está fazendo perder o nosso bom humor, aquela non-chalance típica dos brasileiros, que
alguns traduziriam por “jeitinho”, nosso espírito tolerante e gozador, enfim,
todas aquelas qualidades e más-qualidades pelas quais somos conhecidos em
várias latitudes e longitudes ao longo dos séculos.
Talvez isso já existisse
de modo subreptício e subterrâneo há muito tempo, mas minha impressão é a de
que todas essas más-qualidades emergiram com maior ímpeto nos últimos anos, ou
estarei imaginando? A rigor, o Brasil nunca teve perigos mais “hollywoodianos”,
como a máfia e o complexo industrial-militar, por exemplo. A nossa contribuição
genial para o progresso da estupidez humana talvez seja mesmo essa combinação
perfeita de credulidade, de estupidez e banditismo que, à diferença do outro
produto bruto, faz crescer continuamente a nossa Produção Interna de Bobagens.
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