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sábado, 26 de janeiro de 2019

As Leis Fundamentais da Estupidez Humana, 2 (2006) - Paulo R. de Almeida sobre Carlo M. Cipolla


Todas as leis da estupidez humana (suite et fin...)

27 de abril de 2006


Em meu artigo anterior, eu havia transcrito apenas duas das cinco leis (geniosas e geniais) da estupidez humana, tal como formuladas quase duas décadas atrás pelo famoso historiador italiano Carlo Maria Cipolla (infelizmente já falecido). Fiquei, então, devendo aos leitores, a transcrição da série completa, de molde a poder compartilhar com todos os interessados o deleite de conhecer, e apreciar, os fundamentos históricos da velha “bêtise humaine”, tal como ele, um medievista reputado, a compreendia.
Transcrevo, pois, em sua exposição mais sintética possível – a partir do original italiano, uma vez que não consegui mesmo achar o pequeno volume em minhas estantes abarrotadas de livros –, essas cinco leis, agregando depois comentários do próprio Cipolla sobre seu contexto histórico-estrutural. Como diriam os americanos, quote:
1. Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação.
2. A probabilidade de que uma certa pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica dessa pessoa.
3. Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas, sem que ela obtenha qualquer vantagem para si mesma, ou até sofrendo, ela mesma, algum dano.
4. As pessoas não estúpidas sempre subestimam o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em especial, os não estúpidos esquecem constantemente que, a qualquer momento, em qualquer lugar e em qualquer circunstância, tratar e/ou associar-se a indivíduos estúpidos se revela, infalivelmente, um erro custosíssimo.
5. A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que possa existir.
Unquote. Cipolla acrescenta logo em seguida: “Não é difícil compreender como o poder político, econômico ou burocrático acrescenta ao potencial nocivo de uma pessoa estúpida. Mas devemos ainda explicar e compreender o que é que torna essencialmente perigosa uma pessoa estúpida; em outras palavras, em que consiste o poder da estupidez”.
 Talvez Cipolla estivesse pensando, quando escreveu estas linhas, em sua Itália natal, um país que consegue ostentar políticos tão corruptos e safados quanto o... Japão, por exemplo. Ahah!, peguei vocês: pensando que eu fosse tirar do meu bolso algum exemplo tupiniquim, não é? Mas é que vocês não conhecem a inacreditável capacidade dos políticos japoneses em se reproduzir continuamente, sua insaciedade pelo dinheiro corporativo e estatal, sua estabilidade notória, graças ao conservadorismo de uma população que ainda aprecia samurais e senhores da guerra. De minha parte, sempre achei que, mais do que uma Belíndia, ou seja, uma país meio Bélgica, meio Índia – como queria o economista Edmar Lisboa Bacha –, o Brasil era, bem mais, uma espécie de “Argentália”, ou seja, um país tão ciclotímico economicamente quanto a nossa vizinha competidora futebolística, e tão prolífico em políticos corruptos quanto a Itália, uma de nossas inspirações gastronômicas e histriônicas mais conhecidas no último século.
Bem, deixando japoneses e italianos de lado, acho que a rationale explicativa de Cipolla se encaixa como uma luva em nossa situação política atual, estes tempos de mensalão oficialmente patrocinado pelo Estado e implementado de modo absolutamente amador pelo partido no poder. Como explicar, de outro modo, que os “homens” do poder tenham roubado de forma tão canhestra, improvisada e desorganizada, e como nós, que pagamos tudo isso, suportamos passivamente a continuidade de tanta desfaçatez e tanta desonra republicana? Só pode ser por estupidez, de uns e de outros. Se não, vejamos...
Cipolla dá os motivos para tanta estupidez disseminada impunemente, durante tanto tempo, aqui como lá (supostamente): “Essencialmente, os estúpidos são perigosos e funestos porque as pessoas racionais não conseguem imaginar e compreender um comportamento estúpido. Uma pessoa inteligente pode compreender a lógica de um bandido. As ações do bandido seguem um modelo de racionalidade. O bandido quer alguma coisa ‘mais’ na sua conta. Dado que ele não é suficientemente inteligente para conceber métodos com os quais obter o seu ‘mais’ procurando ao mesmo tempo um ‘mais’ para os outros também, ele caba obtendo o seu ‘mais’ causando um ‘menos’ ao seu próximo”.
Tudo isso não é justo, mas é racional, como lembra Cipolla, e se é racional pode ser previsto. É possível, em suma, prever as ações de um bandido, as suas manobras sujas e as suas deploráveis aspirações e, talvez, se pudesse antepor algumas oportunas medidas de defesa (embora eu acrescente que, no Brasil, alguns poucos conseguiram enganar a muitos durante muito tempo). Mas, com uma pessoa estúpida, isto é absolutamente impossível. Como está implícito na terceira lei fundamental, uma pessoa estúpida pode persistir sem qualquer motivo em suas ações, sem um plano preciso, nos momentos e nos lugares mais improváveis e impensáveis. Não existe nenhuma maneira racional de prever quando uma pessoa estúpida se lançará ao ataque. Pelo que constato, acho que o Brasil está sofrendo um ataque especulativo de estupidez galopante. Vocês não acham?
Finalmente, é preciso também levar em conta uma outra característica desse tipo de situação. Como argumenta Cipolla, a pessoa inteligente sabe que ela é inteligente. O bandido está plenamente consciente de ser um bandido (ainda que eu duvide que essa regra se aplique plenamente a alguns dos nossos personagens políticos plus en vue). Em outra vertente, os ingênuos – ou néscios, diríamos nós – estão plenamente convencidos de sua própria credulidade. Mas, ao contrário de todos esses personagens, o estúpido não tem a menor idéia de que ele é um estúpido. Eis justamente o que contribui para dar maior força, incidência e eficácia à sua ação devastadora.
Com efeito, o estúpido não é sequer inquietado por aquele espírito que os ingleses chamam de self-consciousness. “Com um sorriso nos lábios, como se estivesse fazendo a coisa mais natural do mundo, o estúpido acaba tranquilamente por destruir todos os nossos planos, aniquila a nossa paz, complica a nossa vida e o nosso trabalho, nos faz perder dinheiro, tempo, bom-humor, apetite, produtividade - e tudo isso sem qualquer malícia, sem remorso e sem razão. Apenas estupidamente”.
Não tenho certeza de que o brilhante esquema teórico-histórico de Cipolla se encaixa perfeitamente neste nosso país algo surrealista, mas por vezes eu também tenho a impressão de que estamos entregues a uma tribo de néscios e de estúpidos – ou talvez até a uma quadrilha de bandidos –, que nos está fazendo perder o nosso bom humor, aquela non-chalance típica dos brasileiros, que alguns traduziriam por “jeitinho”, nosso espírito tolerante e gozador, enfim, todas aquelas qualidades e más-qualidades pelas quais somos conhecidos em várias latitudes e longitudes ao longo dos séculos.
Talvez isso já existisse de modo subreptício e subterrâneo há muito tempo, mas minha impressão é a de que todas essas más-qualidades emergiram com maior ímpeto nos últimos anos, ou estarei imaginando? A rigor, o Brasil nunca teve perigos mais “hollywoodianos”, como a máfia e o complexo industrial-militar, por exemplo. A nossa contribuição genial para o progresso da estupidez humana talvez seja mesmo essa combinação perfeita de credulidade, de estupidez e banditismo que, à diferença do outro produto bruto, faz crescer continuamente a nossa Produção Interna de Bobagens.





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