Na última sexta-feira (06/11/2009) tivemos o prazer de contar com a presença na Sala da Congregação da
Faculdade de Direito da USP, do diplomata e professor
Paulo Roberto de Almeida, que a convite do
Prof. Dr. Wagner Menezes proferiu uma palestra intitulada “PENSAMENTO E AÇÃO DA ATUAL DIPLOMACIA BRASILEIRA: QUESTÕES PARA UM DEBATE ACADÊMICO” sobre a política externa brasileira (“PEB”) dirigida pelo presidente Lula.
PERCEPÇÕES INICIAIS
O evento teve início com o
Prof. Titular Paulo Borba Casella cobrindo veementemente o palestrante de elogios, afirmando ser ele, nos dias de hoje, um dos únicos diplomatas críticos existentes no Itamaraty, e com o próprio diplomata dizendo que faria uma “análise puramente sociológica” da atual PEB.
Diante das tendências levemente anti-petistas de muitos professores da Nossa Academia e da afirmação de que seria feita uma análise puramente sociológica (quando afirmam isso, fico sempre cauteloso) de algo que é essencialmente político, confesso que fiquei temeroso pela palestra, pensando que ela poderia vir a se tornar um comício anti-Lula e anti-Celso Amorim. Conforme minhas expectativas, Paulo Roberto de Almeida se mostrou exageradamente crítico quanto à política externa lulista, mas o brilhantismo pessoal do palestrante e a abrangência dos temas tratados na exposição do diplomata tornaram quase que irrelevante certa ausência de imparcialidade, me levando a refletir sobre diversos assuntos.
Em pouco menos de uma hora e meia de exposição, passamos por todos os temas de maior relevo da atual PEB (desde logo afirmo que não conseguirei abordar tudo nesse artigo), e isso me surpreendeu positivamente, pois hoje em dia é raro o dom da concisão e clareza (imagino que nos meios diplomáticos seja mais raro ainda). Não obstante ter sido uma passagem um tanto quanto superficial – estilo bullet points – sobre esses assuntos (talvez devido ao escasso tempo), o evento foi bastante interessante, permitindo aos espectadores que tivessem uma noção ampla do que foi a PEB guiada pelo grande timoneiro tupiniquim, Luís Inácio “Lula” da Silva.
ELABORAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
No início da palestra, Paulo Roberto de Almeida expôs quais são os fatores que concorrem para a elaboração da atual política externa e qual a ordem de importância de cada fator.
O diplomata afirma que o vetor número 1 que concorre para a elaboração da PEB são as posições históricas do Partido dos Trabalhadores, sendo, portanto, um vetor fortemente ideologizado. Em seguida, afirma o diplomata que outro vetor que possui bastante influência são as preferências políticas pessoais dos dirigentes da chancelaria, citando, nesse momento, o ex-Secretário-Geral do Itamaraty e atual Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos,
Samuel Pinheiro Guimarães, afirmando ser ele um “ideólogo”. Por último, e na visão do diplomata, possuindo um papel mínimo nos rumos da política externa, estariam as posturas e tradições diplomáticas do corpo profissional formado no Itamaraty.
Não entrando no mérito da hierarquia estabelecida pelo diplomata, principalmente no que tange à afirmação de que o Itamaraty foi colocado em último plano, com uma “menor importância” na condução da PEB, o fato é que na política externa petista nós encontramos um aspecto inovador, que é a diminuição do papel histórico do Itamaraty na condução dos negócios do Estado brasileiro no exterior, o que, não é, em essência, maléfico ao Brasil, a despeito do que muitos analistas afirmam – análise mais elaborada sobre esse assunto, ver item A abaixo “INFLUÊNCIA DE MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE O ITAMARATY”.
CRÍTICAS À ATUAL PEB
A exposição expôs uma visão crítica quanto a praticamente todos os aspectos da política externa lulista e devido a isso, concentrarei uma parte considerável do presente artigo nessas críticas e ao que, nas palavras do Prof. Titular Paulo Borba Casella, significa ser uma coragem rara a um diplomata ter uma visão crítica e “não se calar”.
A) INFLUÊNCIA DE MOVIMENTOS SOCIAIS SOBRE O ITAMARATY
Em diversos momentos da palestra senti um leve preconceito e ironia por parte do diplomata quanto a movimentos sociais (MST, Fórum Social Mundial, entre outros), fazendo críticas um pouco exageradas à PEB, como quando deu ironicamente a entender que o Itamaraty, na gestão do Chanceler Celso Amorim e do Secretário-Geral Samuel Pinheiro Guimarães, é mais aberto à Via Campesina do que ao empresariado nacional.
Para ilustrar uma possível mudança de foco do Itamaraty, foi citado que, na época do Chanceler Luís Felipe Lampreia (governo FHC), ocorriam almoços mensais de alto nível entre o empresariado nacional e funcionários do Itamaraty, o que possivelmente não mais ocorreria, sendo muito mais freqüente a interlocução do Itamaraty com MST, Fórum Social Mundial, Via Campesina, entre outros.
Acredito que sejam extremamente importantes críticas ao governo (principalmente ao governo de Lula, o qual se caracteriza por ser altamente personalista) sobre política externa, pois arejam e proporcionam um debate sobre questões que normalmente não ganham grande relevo, confirmando o “ditado popular” nos meios políticos de que foreign affairs não dá votos no Brasil.
Entretanto, quanto à crítica sobre influência de movimentos sociais no Itamaraty, tenho que discordar do diplomata, já que uma das faces não tão admiráveis do Itamaraty é o seu caráter fechado e às vezes arrogante na direção da política externa brasileira. Não concordo com a visão de que a existência de “interlocutores informais” influenciando o Itamaraty (denominação dada pelo próprio Paulo Roberto de Almeida); como “empresários, líderes da opinião pública, representantes de ONGs”; seja essencialmente ruim no que diz respeito aos rumos da política externa nacional.
Nos últimos tempos nós temos visto uma crescente e benéfica interação da sociedade civil (através de ONGs, movimentos sociais e outros sujeitos civis) no que tange a assuntos nacionais importantes (temos no meio ambiente e no Greenpeace um exemplo paradigmático dessa atuação). Entretanto, a política externa está atrasada nesse quesito, a interação permitida pelo Itamaraty sempre foi pequena, se limitando à interação com os empresários nacionais.
Sem dúvida alguma, é extremamente importante e natural; diria até imprescindível; que os “capitalistas nacionais” interajam com os diplomatas, de modo a promover os interesses econômicos tanto dos empresários quanto da própria nação. Entretanto, seria bastante útil se outros sujeitos da sociedade civil também tivessem certo poder de influência sobre a direção de nossa política externa, de modo a democratizá-la.
Isso, lido por um diplomata, pode ser interpretado como ingenuidade e romantismo inconseqüente, dado a complexidade das questões nas quais o Itamaraty se vê envolvido diariamente, mesmo assim, acredito que um envolvimento e um interesse maior da sociedade civil nesses assuntos seriam benéficos ao próprio Itamaraty, já que alimentaria retoricamente o debate, trazendo boas conseqüências, já que de um debate sempre podem surgir posições mais interessantes do que uma tomada de decisão unilateral. Perdoem-me, mas como graduando em Direito (sabemos quão enfadonha pode vir a ser uma conversa com algum adêvogado, juiz ou; a pior hipótese; com um aluno de Direito), não resisto, e irei usar um exemplo jurídico. No STF, quando o egrégio tribunal se vê diante de uma questão altamente controversa e de impacto nacional, podem os excelentíssimos Ministros convocar uma Audiência Pública na qual os mais diversos agrupamentos da sociedade poderão participar e compartilhar sua experiência, e a partir da dialética, da troca de informações e opiniões, do debate, da democracia, os Ministros poderão tomar decisões mais conscientes quanto aos anseios da população e aos impactos sobre ela.
B) “INSTINTOS BÁSICOS” DA ESQUERDA GRAMSCIANA
Um dos pontos inicias da palestra foi a presença de certos instintos básicos da esquerda gramsciana permeando a atual política externa, o que é coerente com a já referida hierarquia apontada pelo diplomata, que coloca as idéias petistas como o principal apoio da política externa atual. Ele indica quais são esses instintos: a) anti-capitalismo; b) rejeição de wallstreet; c) anti-imperialismo; d) anti-americanismo; e) estatismo exacerbado.
Eles se revelariam na política externa na forma de um “terceiro-mundismo instintivo”, através de uma “união dos pobres oprimidos”; um “soberanismo retórico”; “nacionalismo superficial”; “desenvolvimentismo ingênuo do passado”; “limitação da cooperação bilateral basicamente a países do sul”.
Especificamente sobre o último ponto, Paulo Roberto de Almeida se mostrou bastante cético quanto à eficácia da diplomacia SUL-SUL, citando como exemplo a completa ausência de convergência dos países integrantes do BRIC.
Nesse ponto da palestra, tive a sensação de estar escutando aquele discurso pré-montado de algum senador do DEM ou PSDB discursando na Comissão de Relações Exteriores do Senado, não obstante eu concorde que após Lula assumir o governo, a política externa brasileira aparentemente se identifique com ideais esquerdistas.
O problema de tal análise do diplomata, na minha humilde visão, é dar importância demasiada à influência dos ideais esquerdistas do PT (I-D-E-A-I-S, pois sabemos que na prática o PT está bem longe do que se poderia chamar de esquerda) na direção da política externa. A atual PEB é descaradamente pautada por um pragmatismo exacerbado, a influência do petismo fica apenas na retórica, pois na prática, o que normalmente temos visto é tal pragmatismo.
Discordo também do diplomata quando ele afirma que existe um forte anti-americanismo na atual diplomacia brasileira. A crítica que normalmente se faz é que o Brasil não concentrou os devidos esforços em conversações comerciais com a maior economia do mundo, preterindo os EUA a outras economias menores como a Européia e a China. De fato, o comércio internacional brasileiro que sempre teve como grande parceiro o EUA, começou a ver essa parceria diminuir, mas isso não significa prejuízo para o Brasil, pois sabemos (e atualmente o México é PhD nesse quesito) que ter apenas um grande parceiro comercial torna a economia de um país extremamente vulnerável.
C) AGENDA AMBIENTAL
Outro ponto interessante abordado na palestra foi sobre a questão da agenda ambiental , sendo esse, inclusive, um dos aspectos do Itamaraty mais criticados nos últimos dias.
Quem tem acompanhado a questão da
COP-15 sabe que o pessoal do Itamaraty sobe pelas paredes quando alguém diz algo que rime com ‘metas’ – e digo isso sobre rimas pois acredito que ninguém no governo é imprudente o bastante para falar essa palavra para algum diplomata, temendo uma reação histérica.
Tal comportamento poderia ser explicado como uma forma de jogo diplomático, ou seja, agindo assim, os diplomatas brasileiros conseguiriam barganhar mais, garantindo um acordo melhor para o Brasil. O problema é que negociações sobre o Clima não são um acordo internacional qualquer e me parece que o pessoal de Brasília não conseguiu perceber isso ainda. O que está sendo discutido é o futuro do planeta, e um futuro não tão distante assim.
Sobre isso, Paulo Roberto de Almeida afirma que essa posição do Brasil, por meio da tese das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” beneficiaria basicamente países como a China e a Índia. Faz todo sentido tal afirmação, já que a maior parte das emissões de gás carbono do Brasil poderia ser evitada de uma forma extremamente mais fácil do que a maioria dos países do globo: redução do desmatamento. Ou seja, a despeito de uma maior facilidade do Brasil assumir metas quanto à redução de gás carbono, até o momento o Itamaraty tem recusado tal compromisso.
Além do argumento de barganha diplomática no âmbito das negociações da COP-15, outro fato a impedir a assunção de metas é, conforme lembrou Marina Silva em artigo recente na Folha de S. Paulo (09/11/2009), o medo da diplomacia brasileira de criar constrangimentos a nossos parceiros em desenvolvimento, principalmente Índia e China, que adotam, até com mais veemência do que o Brasil, o discurso das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, gerando assim uma incoerência de posições dos países em desenvolvimento.
Esperamos que nas reuniões governamentais marcadas para essa semana em Brasília, o Itamaraty e o Presidente Lula consigam ser convencidos da importância da COP-15 e de assumir responsabilidades antecipadas como forma de impulsionar essa convenção que ao que tudo indica até o momento, está fadada ao fracasso.
OUTROS ASPECTOS DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Acho que me empolguei um pouco e escrevi muito, opinei demais, deixando de lado o objetivo do artigo que é relatar a presença do diplomata Paulo Roberto de Almeida na nossa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, portanto, nessa parte final do artigo vou tentar abordar as outras questões que nos foi exposta, evitando fazer comentários e análises sobre tais aspectos.
O professor e diplomata nos listou os principais objetivos perseguidos pela atual política externa: a) Reforço e expansão do Mercosul, ressaltando ele que o Brasil não auferiu resultados expressivos nessa empreitada; b) Busca de um assento permanente no Conselho de Segurança; c) Busca de acordos comerciais de modo a auxiliar no crescimento econômico nacional; d) Estímulo à integração regional; e) Aprimoramento da diplomacia Sul-Sul; f) Protagonismo Mundial; g) Reforma das instituições econômicas internacionais; h) Rodada Doha
Afirmou ele que os procedimentos adotados pela diplomacia para atingir tais objetivos foram principalmente:
a) Uma diplomacia hiperativa, ou seja, criação desenfreada de embaixadas (o que dá orgasmos em qualquer aspirante a terceiro-secretário do Itamaraty – palavras minhas);
b) Presença de interlocutores informais como ativistas partidários, empresários, líderes de opinião pública; representantes de ONGs;
c) Atuação de personagens não identificados próximos a Lula que teriam afinidades ideológicas com alguns líderes mundiais e que realizariam uma espécie de diplomacia paralela junto a tais líderes (cita nesse exemplo o José Dirceu);
d) Hiperativismo da presença presidencial (qualificou isso de “problemático”).
Também foi abordado na palestra a busca da diplomacia brasileira por uma maior presença na agenda mundial. Nesse âmbito, foi citado que o Brasil assumiu novas obrigações financeiras como forma de aumentar essa presença (questão do Haiti) e cumprimento das obrigações financeiras do Brasil perante órgãos internacionais, o que antes causava impossibilidade de votar em certos organismos.
Sobre um ativismo Sul-Sul e a liderança regional do Brasil, o diplomata citou as Cúpulas ocorridas com países da África e da Ásia, a multiplicação das viagens e visitas presidenciais, votações nos organismos multilaterais nas quais o Brasil buscou certa concertação com outros países do Sul pobre e também a diplomacia da generosidade regional (como exemplo, a recomendação de Lula para importarmos mais da América do Sul, a despeito de que isso significaria pagarmos mais pelos produtos).
E por fim, Paulo Roberto de Almeida alertou sobre alguns problemas do Brasil na área da política internacional, como a insuficiência de estudos especializados nessa área, a ausência de Think-Tanks, a baixa capacidade crítica da Academia e o despreparo dos jornalistas em questões internacionais.
CONCLUSÃO
O diplomata de carreira Paulo Roberto de Almeida realizou uma excelente palestra, extremamente abrangente e com uma visão crítica implacável. Como o próprio nome da palestra deixa claro, “Questões para um Debate Acadêmico”, não era de se esperar que os espectadores concordássemos com tudo o que ali foi dito, e sim que, a partir da exposição se gerassem discussões e reflexões a cerca da atual política externa brasileira. Aos que me leram até o final, muito obrigado pelo esforço.
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