O trabalho que segue abaixo resultou de minha leitura do livro de Niall Ferguson, The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die (New York: Penguin Press, 2013), quando eu ainda me encontrava nos EUA, e o livro tinha acabado de ser publicado.
O livro do grande historiador trata, como explicitado, exclusivamente dos países desenvolvidos, mas eu aproveitei para abordar o caso brasileira, um tema que eu já havia abordado várias vezes anos, e alguns anos antes, especialmente nestes trabalhos referidos nesta postagem:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/e-por-falar-em-declinio-paulo-roberto.html
Espero que possamos nos recuperar, sair do declínio, ou decadência, e enveredar pela via do desenvolvimento novamente, depois dos 13 anos da Grande Destruição trazida pela organização criminosa que dominou o Brasil entre 2003 e 2016, e dos dois anos de transição do governo que a sucedeu.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de janeiro de 2019
Paulo Roberto
de Almeida
Hartford, 14 de Dezembro de 2013
Degeneração é um outro nome
para a decadência, processos que podem atingir indivíduos, empresas,
instituições públicas e privadas, sociedades ou comunidades nacionais, enfim,
países inteiros, nações antigas e modernas, emergentes ou avançadas. Todos
sabemos o que esses conceitos significam, mediante uma simples consulta aos
dicionários ou à literatura da área: os registros disponíveis falam da erosão gradual
dos costumes, da inoperância dos poderes constituídos, da corrosão progressiva das
relações entre pessoas e grupos inteiros, da perda de dinamismo da base econômica,
enfim da descrença generalizada das pessoas na validade e legitimidades dos
valores e princípios que anteriormente davam sentido a uma determinada formação
social.
Não é difícil reconhecer
sinais de decadência, de retrocesso, ou mesmo de simples estagnação, na vida do
país: baixo crescimento econômico, inovação declinante, dívidas crescendo,
desigualdades persistentes ou em expansão, população em processo de
envelhecimento, comportamentos desviantes ou antissociais. O que pode ter
acontecido de errado? O mais provável é que as instituições nacionais estejam
enfrentando um processo de degeneração contínua, o que se traduz em retrocesso
no seu funcionamento e em nítido recuo na sua capacidade de organizar a vida do
país.
E quais são as instituições que
podem estar atravessando esse declínio? Elas são: o governo representativo, os
mercados livres, o Estado de direito e a própria sociedade civil. Estas são as
instituições fundamentais que construíram a prosperidade e o bem-estar da nação
e que podem agora caminhar para um itinerário de estagnação ou até mesmo de
retrocesso.
Estou falando do Brasil,
certo? Não exatamente...
Estou simplesmente
transcrevendo a orelha de um livro que leio agora (dentre vários outros), de
Niall Ferguson, The Great
Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die (New York: Penguin Press,
2013), que trata exclusivamente das sociedades avançadas do Ocidente
capitalista: Estados Unidos e Europa ocidental, basicamente. Para o conhecido
historiador econômico, é a degeneração institucional que está por trás da
estagnação econômica e do declínio geopolítico que dela decorrem. O livro
analisa as causas dessa degeneração e suas profundas consequências para o modo
de vida, o bem-estar e o futuro das populações dessas nações avançadas
econômica e tecnologicamente e dispondo, ainda, de níveis de vida invejáveis
para todos os demais povos do planeta. Mas os sinais se acumulam de negligência
e de complacência com o lento declínio, observável a olhos vistos em alguns
países, e detectável em diversos estudos de especialistas econômicos. O
Ocidente, para Ferguson, está desperdiçando a herança institucional que erigiu
durante séculos e que foi responsável pela sua preeminência mundial no último
meio milênio. Para reverter a ruptura dos seus padrões civilizatórios, Ferguson
recomenda reformas radicais e lideranças à altura dos desafios.
Pois bem, o que isso tem a ver
com o Brasil? Em 2002, em plena campanha eleitoral que se traduziu na mais
importante mudança política já ocorrida na história republicana do Brasil em
condições de pleno funcionamento democrático – ou seja, fora de golpes
militares ou de revoltas civis – e que se traduziu pela vitória do principal
partido de oposição ao regime em vigor, eu redigia os parágrafos finais de um
livro que seria publicado no início de 2003, logo em seguida à posse do novo
governo: A Grande Mudança: consequências
econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex, 2003).
Nele, escrito antes mesmo dos dois turnos das eleições de outubro daquele ano,
eu já previa com segurança a vitória do candidato opositor e traçava um roteiro
do que iria acontecer e do que se esperava que ocorresse a partir de 2003. Eu
tinha certeza, por exemplo, da ruptura “neoliberal” no terreno econômico,
obviamente em relação ao que recomendavam os economistas “aloprados” do PT, a
maior parte ainda imbuídos daquela rústica esquizofrenia econômica que ainda
caracteriza boa parte da esquerda acadêmica no Brasil, Eu também achava que os
novos donos do poder – aqui sem qualquer ilusão – iriam realmente introduzir um
novo estilo de fazer política no Brasil, não basicamente ético, como proclamava
sua propaganda mistificadora, mas em todo caso diferente, e que tudo isso
poderia ser um sinal promissor de uma grande transformação na vida da nação.
Como
vários outros observadores, fui confirmado, para melhor, nas minhas
antecipações econômicas e, como a maior parte dos analistas honestos, fiquei
chocado, num cenário bem pior do que se poderia imaginar, com as fraudes
políticas, o reino de mentiras e todos os crimes comuns logo cometidos pela
nomenklatura que se apossou do poder naquela conjuntura. Não que eu tenha
ficado absolutamente surpreendido com a possibilidade dessas transgressões, mas
todos fomos surpreendidos pela extensão, amplitude e profundidade das
falcatruas cometidas pelo grupo que pretendia reintroduzir a ética na vida
política do Brasil. Ou seja, não foi uma surpresa total – pelo menos para os
que acompanharam a vida política, sindical e a trajetória da esquerda no país, desde
os anos 1960 – mas foi chocante descobrir quão baixo era possível descer na
degeneração moral e nas patifarias políticas em tão pouco tempo.
Paradoxalmente,
esse livro, que foi o que me deu maior prazer na redação e na reorganização de
alguns materiais que já tinham sido preparados nos meses anteriores ao ano
eleitoral, foi, no entanto, o que menor sucesso de público teve, provavelmente
porque eu me encontrava no exterior no momento de sua publicação; depois, já de
volta ao Brasil, e trabalhando no coração do Estado, não podia defender
abertamente certas teses que foram sendo confirmadas ao longo dos meses e anos
seguintes.
Estruturado
em três partes, A Grande Mudança
tratava, em primeiro lugar, de uma nova forma de fazer política no Brasil – mas
eu estava apenas imaginando, e sugerindo medidas de correção de nossos
principais defeitos, se eu mesmo fosse presidente – e, numa segunda parte, se
ocupava da economia: nela eu já previa, em quatro capítulos revisionistas, a
orientação abertamente “neoliberal” da gestão econômica, tese que me rendeu
muitos apupos em seminários acadêmicos de que participei, para desgosto de
certa esquerda alienada (como, por exemplo, no encontro de ciências sociais da
Anpocs, em outubro de 2003). Numa terceira parte, eu tratava de temas
internacionais, num sentido amplo: o fim do socialismo e suas consequências
para o Brasil, a globalização e as negociações econômicas internacionais e
regionais, com algum destaque para o projeto americano de acordo hemisférico de
livre comércio, a malfadada Alca (que pronto seria implodida pelos novos
governantes).
Não
pretendo, obviamente, mais de dez anos depois de redigido aquele livrinho
polêmico, retomar suas teses principais para confirmar ou corrigir meus
argumentos em torno da economia, da política ou das relações internacionais do
Brasil. Mas, na onda de euforia continuada – e bastante reforçada por doses
maciças de propaganda enganosa – com o “sucesso” do governo em vigor, minha
intenção agora é a de examinar, com minha lupa impiedosa e meu bisturi
iconoclasta, o que eu considero ser, de fato, um retrocesso institucional, um
dos mais profundos em nossa história republicana, e que não tem a ver, apenas,
com o baixo crescimento e a perda de dinamismo da economia nacional, e sim com
fatores políticos alimentados e reforçados pelo partido no poder.
Meu
objetivo é puramente analítico, uma vez que não pertenço, nem nunca
pertencerei, a qualquer partido ou agrupamento político, incapaz que sou de me
submeter à disciplina de qualquer programa que possa ser elaborado por algum
movimento determinado, de qualquer orientação política ou ideológica que seja.
Sou por demais libertário para me dobrar às conveniências eleitorais de
qualquer liderança política, pretendendo, ao contrário, manter minha
independência de pensamento seja qual for o partido ou a coalizão que ocupar o
poder, agora em 2014 ou mais adiante.
O
que tenciono fazer, nos meses de campanha eleitoral, é justamente me libertar
da ditadura dos eventos correntes e das pesquisas de opinião para refletir
sobre o que é o Brasil atualmente, como ele chegou ao estado atual de
retrocesso institucional, e como ele poderia avançar, no terreno econômico,
político e educacional, com base em análises totalmente descompromissadas com
as plataformas eleitorais e resolutamente orientadas para uma crítica radical
da atual situação de erosão moral e decadência política em nosso país. Para
isso, não necessito do modelo analítico de Niall Ferguson para poder examinar o
caso do Brasil; mas acredito, sim, que a clara decadência do governo
representativo, o retrocesso visível em relação às reformas econômicas que
vínhamos experimentando desde os anos 1990, a perda do sentido do respeito à
lei e a deformação completa da noção de sociedade civil, sob a nova hegemonia
dos “companheiros”, são elementos importantes do que chamei de grande
retrocesso no Brasil.
A
esses quatro grandes fatores podemos acrescentar diversos outros, entre eles
aquilo que eu também já chamei de “mediocrização” do estabelecimento
universitário no Brasil, que na verdade percorre toda a cadeia do ensino, do
primário ao pós-doutorado, em especial nas ciências sociais e humanidades (mas
a que não estão imunes outras vertentes da pesquisa especializada. Ela é obra,
em grande medida, das “saúvas freireanas”, ou seja aquela classe de pedagogos
deformados, inspirados na obra de um dos nossos grandes idiotas, Paulo Freire,
e que o elevaram à condição de “patrono da educação brasileira”.
O Brasil tem, por certo,
muitas outras causas que explicam sua atual decadência institucional e seu
renitente retrocesso econômico, que poderão ser examinadas com maior ou menor
grau de detalhe. O importante seria destacar, neste momento, meu compromisso
com uma análise empiricamente embasada, meu engajamento com um trabalho
intelectual voltado para a busca de soluções factíveis, não utópicas (como em
geral a esquerda costuma fazer), para os problemas do Brasil, e a irrenunciável
postura de independência em relação a quaisquer forças ou movimentos voltados
para a luta político-partidária e a conquista do poder. Sequer aspiro à
condição de “conselheiro do príncipe”, pois sou um péssimo conselheiro – devido
a minha brutal sinceridade – e não pretendo servir a nenhuma liderança
política. Minha vocação está unicamente voltada para o estudo e a compreensão
dos problemas brasileiros e a aplicação das soluções mais racionais, do ponto
de vista da eficiência econômica e da justiça social, para os desafios
detectados. Não tenho nenhuma ilusão de que quaisquer propostas que eu possa
ter venham a ser implementadas, não que elas sejam exatamente utópicas, mas
porque o Brasil carece de estadistas que possam liderar um processo de reformas
que julgo necessário e até indispensável se quisermos inverter a nossa
trajetória atual de decadência e de retrocesso.
Os dados estão lançados em
face de um cenário ainda altamente incerto em seus desdobramentos eleitorais, e
o meu roteiro de navegação ainda está sendo traçado. Em mais alguns meses
veremos se o diário de bordo traz algumas propostas inteligentes. Ao trabalho,
daqui para a frente.
Hartford,
14 de Dezembro de 2013.
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