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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A Grande Degeneração, no Brasil? Nos países desenvolvidos - Niall Ferguson, Paulo R. Almeida

O trabalho que segue abaixo resultou de minha leitura do livro de Niall Ferguson, The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die (New York: Penguin Press, 2013), quando eu ainda me encontrava nos EUA, e o livro tinha acabado de ser publicado.
O livro do grande historiador trata, como explicitado, exclusivamente dos países desenvolvidos, mas eu aproveitei para abordar o caso brasileira, um tema que eu já havia abordado várias vezes anos, e alguns anos antes, especialmente nestes trabalhos referidos nesta postagem: 
       https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/e-por-falar-em-declinio-paulo-roberto.html
Espero que possamos nos recuperar, sair do declínio, ou decadência, e enveredar pela via do desenvolvimento novamente, depois dos 13 anos da Grande Destruição trazida pela organização criminosa que dominou o Brasil entre 2003 e 2016, e dos dois anos de transição do governo que a sucedeu.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de janeiro de 2019




Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 14 de Dezembro de 2013

Degeneração é um outro nome para a decadência, processos que podem atingir indivíduos, empresas, instituições públicas e privadas, sociedades ou comunidades nacionais, enfim, países inteiros, nações antigas e modernas, emergentes ou avançadas. Todos sabemos o que esses conceitos significam, mediante uma simples consulta aos dicionários ou à literatura da área: os registros disponíveis falam da erosão gradual dos costumes, da inoperância dos poderes constituídos, da corrosão progressiva das relações entre pessoas e grupos inteiros, da perda de dinamismo da base econômica, enfim da descrença generalizada das pessoas na validade e legitimidades dos valores e princípios que anteriormente davam sentido a uma determinada formação social.
Não é difícil reconhecer sinais de decadência, de retrocesso, ou mesmo de simples estagnação, na vida do país: baixo crescimento econômico, inovação declinante, dívidas crescendo, desigualdades persistentes ou em expansão, população em processo de envelhecimento, comportamentos desviantes ou antissociais. O que pode ter acontecido de errado? O mais provável é que as instituições nacionais estejam enfrentando um processo de degeneração contínua, o que se traduz em retrocesso no seu funcionamento e em nítido recuo na sua capacidade de organizar a vida do país.
E quais são as instituições que podem estar atravessando esse declínio? Elas são: o governo representativo, os mercados livres, o Estado de direito e a própria sociedade civil. Estas são as instituições fundamentais que construíram a prosperidade e o bem-estar da nação e que podem agora caminhar para um itinerário de estagnação ou até mesmo de retrocesso.
Estou falando do Brasil, certo? Não exatamente...
Estou simplesmente transcrevendo a orelha de um livro que leio agora (dentre vários outros), de Niall Ferguson, The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die (New York: Penguin Press, 2013), que trata exclusivamente das sociedades avançadas do Ocidente capitalista: Estados Unidos e Europa ocidental, basicamente. Para o conhecido historiador econômico, é a degeneração institucional que está por trás da estagnação econômica e do declínio geopolítico que dela decorrem. O livro analisa as causas dessa degeneração e suas profundas consequências para o modo de vida, o bem-estar e o futuro das populações dessas nações avançadas econômica e tecnologicamente e dispondo, ainda, de níveis de vida invejáveis para todos os demais povos do planeta. Mas os sinais se acumulam de negligência e de complacência com o lento declínio, observável a olhos vistos em alguns países, e detectável em diversos estudos de especialistas econômicos. O Ocidente, para Ferguson, está desperdiçando a herança institucional que erigiu durante séculos e que foi responsável pela sua preeminência mundial no último meio milênio. Para reverter a ruptura dos seus padrões civilizatórios, Ferguson recomenda reformas radicais e lideranças à altura dos desafios.
Pois bem, o que isso tem a ver com o Brasil? Em 2002, em plena campanha eleitoral que se traduziu na mais importante mudança política já ocorrida na história republicana do Brasil em condições de pleno funcionamento democrático – ou seja, fora de golpes militares ou de revoltas civis – e que se traduziu pela vitória do principal partido de oposição ao regime em vigor, eu redigia os parágrafos finais de um livro que seria publicado no início de 2003, logo em seguida à posse do novo governo: A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex, 2003). Nele, escrito antes mesmo dos dois turnos das eleições de outubro daquele ano, eu já previa com segurança a vitória do candidato opositor e traçava um roteiro do que iria acontecer e do que se esperava que ocorresse a partir de 2003. Eu tinha certeza, por exemplo, da ruptura “neoliberal” no terreno econômico, obviamente em relação ao que recomendavam os economistas “aloprados” do PT, a maior parte ainda imbuídos daquela rústica esquizofrenia econômica que ainda caracteriza boa parte da esquerda acadêmica no Brasil, Eu também achava que os novos donos do poder – aqui sem qualquer ilusão – iriam realmente introduzir um novo estilo de fazer política no Brasil, não basicamente ético, como proclamava sua propaganda mistificadora, mas em todo caso diferente, e que tudo isso poderia ser um sinal promissor de uma grande transformação na vida da nação.
Como vários outros observadores, fui confirmado, para melhor, nas minhas antecipações econômicas e, como a maior parte dos analistas honestos, fiquei chocado, num cenário bem pior do que se poderia imaginar, com as fraudes políticas, o reino de mentiras e todos os crimes comuns logo cometidos pela nomenklatura que se apossou do poder naquela conjuntura. Não que eu tenha ficado absolutamente surpreendido com a possibilidade dessas transgressões, mas todos fomos surpreendidos pela extensão, amplitude e profundidade das falcatruas cometidas pelo grupo que pretendia reintroduzir a ética na vida política do Brasil. Ou seja, não foi uma surpresa total – pelo menos para os que acompanharam a vida política, sindical e a trajetória da esquerda no país, desde os anos 1960 – mas foi chocante descobrir quão baixo era possível descer na degeneração moral e nas patifarias políticas em tão pouco tempo.
Paradoxalmente, esse livro, que foi o que me deu maior prazer na redação e na reorganização de alguns materiais que já tinham sido preparados nos meses anteriores ao ano eleitoral, foi, no entanto, o que menor sucesso de público teve, provavelmente porque eu me encontrava no exterior no momento de sua publicação; depois, já de volta ao Brasil, e trabalhando no coração do Estado, não podia defender abertamente certas teses que foram sendo confirmadas ao longo dos meses e anos seguintes.
Estruturado em três partes, A Grande Mudança tratava, em primeiro lugar, de uma nova forma de fazer política no Brasil – mas eu estava apenas imaginando, e sugerindo medidas de correção de nossos principais defeitos, se eu mesmo fosse presidente – e, numa segunda parte, se ocupava da economia: nela eu já previa, em quatro capítulos revisionistas, a orientação abertamente “neoliberal” da gestão econômica, tese que me rendeu muitos apupos em seminários acadêmicos de que participei, para desgosto de certa esquerda alienada (como, por exemplo, no encontro de ciências sociais da Anpocs, em outubro de 2003). Numa terceira parte, eu tratava de temas internacionais, num sentido amplo: o fim do socialismo e suas consequências para o Brasil, a globalização e as negociações econômicas internacionais e regionais, com algum destaque para o projeto americano de acordo hemisférico de livre comércio, a malfadada Alca (que pronto seria implodida pelos novos governantes).
Não pretendo, obviamente, mais de dez anos depois de redigido aquele livrinho polêmico, retomar suas teses principais para confirmar ou corrigir meus argumentos em torno da economia, da política ou das relações internacionais do Brasil. Mas, na onda de euforia continuada – e bastante reforçada por doses maciças de propaganda enganosa – com o “sucesso” do governo em vigor, minha intenção agora é a de examinar, com minha lupa impiedosa e meu bisturi iconoclasta, o que eu considero ser, de fato, um retrocesso institucional, um dos mais profundos em nossa história republicana, e que não tem a ver, apenas, com o baixo crescimento e a perda de dinamismo da economia nacional, e sim com fatores políticos alimentados e reforçados pelo partido no poder.
Meu objetivo é puramente analítico, uma vez que não pertenço, nem nunca pertencerei, a qualquer partido ou agrupamento político, incapaz que sou de me submeter à disciplina de qualquer programa que possa ser elaborado por algum movimento determinado, de qualquer orientação política ou ideológica que seja. Sou por demais libertário para me dobrar às conveniências eleitorais de qualquer liderança política, pretendendo, ao contrário, manter minha independência de pensamento seja qual for o partido ou a coalizão que ocupar o poder, agora em 2014 ou mais adiante.
O que tenciono fazer, nos meses de campanha eleitoral, é justamente me libertar da ditadura dos eventos correntes e das pesquisas de opinião para refletir sobre o que é o Brasil atualmente, como ele chegou ao estado atual de retrocesso institucional, e como ele poderia avançar, no terreno econômico, político e educacional, com base em análises totalmente descompromissadas com as plataformas eleitorais e resolutamente orientadas para uma crítica radical da atual situação de erosão moral e decadência política em nosso país. Para isso, não necessito do modelo analítico de Niall Ferguson para poder examinar o caso do Brasil; mas acredito, sim, que a clara decadência do governo representativo, o retrocesso visível em relação às reformas econômicas que vínhamos experimentando desde os anos 1990, a perda do sentido do respeito à lei e a deformação completa da noção de sociedade civil, sob a nova hegemonia dos “companheiros”, são elementos importantes do que chamei de grande retrocesso no Brasil.
A esses quatro grandes fatores podemos acrescentar diversos outros, entre eles aquilo que eu também já chamei de “mediocrização” do estabelecimento universitário no Brasil, que na verdade percorre toda a cadeia do ensino, do primário ao pós-doutorado, em especial nas ciências sociais e humanidades (mas a que não estão imunes outras vertentes da pesquisa especializada. Ela é obra, em grande medida, das “saúvas freireanas”, ou seja aquela classe de pedagogos deformados, inspirados na obra de um dos nossos grandes idiotas, Paulo Freire, e que o elevaram à condição de “patrono da educação brasileira”.
O Brasil tem, por certo, muitas outras causas que explicam sua atual decadência institucional e seu renitente retrocesso econômico, que poderão ser examinadas com maior ou menor grau de detalhe. O importante seria destacar, neste momento, meu compromisso com uma análise empiricamente embasada, meu engajamento com um trabalho intelectual voltado para a busca de soluções factíveis, não utópicas (como em geral a esquerda costuma fazer), para os problemas do Brasil, e a irrenunciável postura de independência em relação a quaisquer forças ou movimentos voltados para a luta político-partidária e a conquista do poder. Sequer aspiro à condição de “conselheiro do príncipe”, pois sou um péssimo conselheiro – devido a minha brutal sinceridade – e não pretendo servir a nenhuma liderança política. Minha vocação está unicamente voltada para o estudo e a compreensão dos problemas brasileiros e a aplicação das soluções mais racionais, do ponto de vista da eficiência econômica e da justiça social, para os desafios detectados. Não tenho nenhuma ilusão de que quaisquer propostas que eu possa ter venham a ser implementadas, não que elas sejam exatamente utópicas, mas porque o Brasil carece de estadistas que possam liderar um processo de reformas que julgo necessário e até indispensável se quisermos inverter a nossa trajetória atual de decadência e de retrocesso.
Os dados estão lançados em face de um cenário ainda altamente incerto em seus desdobramentos eleitorais, e o meu roteiro de navegação ainda está sendo traçado. Em mais alguns meses veremos se o diário de bordo traz algumas propostas inteligentes. Ao trabalho, daqui para a frente.

Hartford, 14 de Dezembro de 2013.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Robert Skidelsky e o retorno de Oswald Spengler sobre o declinio do Ocidente

Sociólogos em geral, e Skidelsky pode ser considerado um, amam essas analogias históricas e esse retorno de interpretações passadas. Independentemente das falsas analogias históricas, sempre se aprende alguma coisa com gente inteligente.
Paulo Roberto de Almeida

The Decline Of The West Revisited

Robert Skidelsky
Robert Skidelsky
The terrorist slaughter in Paris has once again brought into sharp relief the storm clouds gathering over the twenty-first century, dimming the bright promise for Europe and the West that the fall of communism opened up. Given dangers that seemingly grow by the day, it is worth pondering what we may be in for.
Though prophecy is delusive, an agreed point of departure should be falling expectations. As Ipsos MORI’s Social Research Institute reports: “The assumption of an automatically better future for the next generation is gone in much of the West.”
In 1918, Oswald Spengler published The Decline of the West. Today the word “decline” is taboo. Our politicians shun it in favor of “challenges,” while our economists talk of “secular stagnation.” The language changes, but the belief that Western civilization is living on borrowed time (and money) is the same.
Why should this be? Conventional wisdom regards it simply as a reaction to stagnant living standards. But a more compelling reason, which has seeped into the public’s understanding, is the West’s failure, following the fall of the Soviet Union, to establish a secure international environment for the perpetuation of its values and way of life.
The most urgent example of this failure is the eruption of Islamist terrorism. On its own, terrorism is hardly an existential threat. What is catastrophic is the collapse of state structures in many of the countries from which the terrorists come.
The Islamic world contains 1.6 billion people, or 23% of the world’s population. A hundred years ago it was one of the world’s most peaceful regions; today it is the most violent. This is not the “peripheral” trouble that Francis Fukuyama envisioned in his 1989 manifesto “The End of History.” Through the massive influx of refugees, the disorder in the Middle East strikes at the heart of Europe.
This movement of peoples has little to do with the “clash of civilizations” foreseen by Samuel Huntington. The more mundane truth is that there have never been any stable successors to the defunct Ottoman, British, and French empires that used to keep the peace in the Islamic world. This is largely, though not entirely, the fault of the European colonialists who, in the death throes of their own empires, created artificial states ripening for dissolution.
Their American successors have hardly done better. I recently watched the film “Charlie Wilson’s War,” which relates how the United States came to arm the Mujahideen fighting the Soviets in Afghanistan. At the end of the film, as America’s erstwhile clients turn into the Taliban, Wilson, the American politician who got them the money, is quoted as saying “We won a great victory, but fouled up the end game.”
This “fouling up” is a continuous thread running through American military interventions since the Vietnam War. The US deploys overwhelming firepower, either directly or by arming opposition groups, shatters local governmental structures, and then pulls out, leaving the country in shambles.
It is unlikely that US policymaking reflects the grip of some ideal view of the world, in which getting rid of dictators is the same thing as creating democracies. Rather, the belief in ideal outcomes is a necessary myth to cover an unwillingness to use force persistently and intelligently enough to achieve a desired result.
However much military hardware a superpower owns, decay of the will to use it is the same thing as a decay of effective power. After a time, it ceases to overawe.
That’s why Robert Kagan’s 2003 neo-conservative proposition, “Americans are from Mars, Europeans from Venus,” offered such a misleading guide. True enough, the European Union has gone farther down the pacifist road than the US. It is the weak nerve center of a flabby semi-state, with almost defenseless frontiers, where humanitarian rhetoric masks spinelessness. But America’s sporadic, erratic, and largely ineffective deployment of power is hardly of Martian quality.
The decline of the West is juxtaposed with the rise of the East, notably China. (It is hard to tell whether Russia is rising or falling; either way, it is disturbing.) Fitting a rising power into a decaying international system has rarely occurred peacefully. Perhaps superior Western and Chinese statesmanship will avert a major war; but this, in historical terms, would be a bonus.
The increasing fragility of the international political order is diminishing the global economy’s prospects. This is the slowest recovery from a major slump on record. The reasons for this are complex, but part of the explanation must be the weakness of the rebound in international trade. In the past, trade expansion has been the world’s main growth engine. But it now lags behind the recovery of output (which is itself modest), because the kind of global political order hospitable to globalization is disappearing.
One symptom of this has been the failure after 14 years to conclude the Doha Round of trade negotiations. Trade and monetary agreements are still reached, but they increasingly take the form of regional and bilateral deals, rather than multilateral arrangements, thereby serving broader geopolitical goals. The US-led Trans-Pacific Partnership, for example, is directed against China; and China’s New Silk Road initiative is a reaction to its exclusion from the 12-country TPP.
Perhaps these regional bargains will prove to be a step toward wider free trade. But I doubt it. A world divided into political blocs will become a world of trade blocs, sustained by protectionism and currency manipulation.
And yet, even as trade relations become increasingly politicized, our leaders continue to urge us to gear up to meet the “challenges of globalization,” and few question the benefits of cost-cutting through automation. In both cases, politicians are trying to force adaptation on reluctant populations who crave security. This strategy is not only desperate; it is also delusive, for it seems obvious that, if the planet is to remain habitable, competition in economic growth must give way to competition in quality of life.
In short, we are far from having developed a reliable set of precepts and policies to guide us toward a safer future. Small wonder, then, that Western populations look ahead with foreboding.
© Project Syndicate