O Mercosul é o mais importante problema diplomático do Brasil, mas também
econômico-comercial. Estas notas de 2014 pretendiam oferecer algumas sugestões para revitaliza-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de janeiro de 2019
O problema do Mercosul
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 27/07/2014
O Mercosul, desde 2003,
deixou de ser uma ferramenta para a inserção internacional do Brasil, tal como
tinha sido concebido no início dos anos 1990, e tornou-se um problema triplo:
diplomático, econômico e de política comercial. Os desvios quanto aos objetivos
do TA, detectados ainda na fase 1995-1999, foram ampliados depois da crise
argentina, e tremendamente potencializados pelo curso errático das políticas
adotadas pelas administrações Kirchner e Lula desde 2003. O tripé essencial
para a continuidade do bloco – liberalização comercial para dentro, política
comercial unificada para fora e coordenação de políticas macro e setoriais – foi
totalmente desvirtuado a partir de então, em favor de uma politização indevida
das instituições próprias ao bloco, seguindo-se uma verdadeira anarquia
institucional.
No campo das negociações
externas, ocorreu um desastre incomensurável, ao se adotar uma postura
defensiva baseada no mínimo denominador comum, que passou a ser o protecionismo
ordinário argentino. A implosão ideológica da Alca e a crença ingênua num
acordo com a UE foram dois passos irrefletidos no caminho da insensatez. Nada
avançou a partir de então, a não ser acordos ridículos na dimensão Sul-Sul, e
um com Israel, apenas para compensação visual. Não estranha, assim, que vizinhos
mais sensatos tenham procurado suas próprias soluções para comércio e
investimentos, ao negociar acordos com os EUA, com a UE e outros parceiros, e
ao adotar seus próprios esquemas de liberalização real dos fluxos comerciais
(Aliança do Pacífico), já pensando na grande integração produtiva que terá seu
centro na bacia do Pacífico e até no Índico, reunindo todos os grandes atores
do comércio internacional (dos EUA à Austrália e NZ, e toda a Ásia Pacífico
integrada na globalização). Brasil e Mercosul estão totalmente ausentes desse novo
universo absolutamente central da atual e futura economia mundial.
Pior ainda foi a expansão
indevida, totalmente política, do Mercosul em direção de vizinhos pouco
propensos a adotar os mecanismos básicos da união aduaneira tal como definida
em 1991 e supostamente implementada (com defeitos) em 1995. O ingresso
desastroso da Venezuela, a suspensão ilegal do Paraguai, a abertura apressada e
injustificada a parceiros incapazes de cumprir os requisitos básicos do TA e do
POP (como Bolívia, Equador, talvez Suriname) não apenas não retificam o que foi
feito de errado no Mercosul, como acrescentam novos problemas ao edifício
instável do bloco.
2. Diagnóstico
Existem diferentes
problemas no e do Mercosul, nenhum deles derivado de mecanismos e instituições
do próprio bloco, todos eles derivados de políticas, atitudes e comportamentos
das administrações nacionais, com destaque para a Argentina, mas contando ela
com a conivência, complacência e cumplicidade dos governos petistas. Os
problemas se situam na zona de livre comércio – e aqui o diálogo único a ser
travado é com a Argentina – mas também na união aduaneira, o que envolve todos
os parceiros, mas em especial a Argentina e o Paraguai. Nem se considera o
problema da Venezuela, que deriva de seu próprio caos econômico: ela deveria
ser, simplesmente, colocada em quarentena e isolada das negociações que
precisam ser feitas com os sócios originais do bloco, para que se possa iniciar
o processo de renegociação diplomática. Uma decisão preliminar é quanto ao
sentido desse processo, o que será visto na seção das propostas.
No plano do livre
comércio, caberia fazer um mapeamento dos impedimentos práticos à sua total
consecução, e isolar esses setores numa espécie de “caixa amarela”, para então
começar a discussão sobre seu enquadramento ou dispensa semipermanente. No
campo da união aduaneira, caberia, igualmente, contabilizar e identificar os
fluxos que são levados ao abrigo e fora da TEC, para um diagnóstico mais
detalhado da situação. O mais importante, porém, seria um exercício de exame
das políticas comerciais dos quatro membros – uma espécie de TPRM-OMC, adaptado
às configurações do bloco – com vistas a ter um panorama real, e realista,
sobre todas as políticas nacionais compatíveis e incompatíveis com os objetivos
do bloco. Apenas a partir desse diagnóstico mais preciso se poderá partir para
o terreno das prescrições de políticas, algumas simplesmente diplomáticas, mas
a maior parte dependente de definições nas próprias políticas comerciais e
industriais do Brasil (e dos sócios).
3. Propostas
Impossível fazer qualquer
proposta realista sobre o maior problema diplomático do Brasil sem partir de
uma visão muito clara quanto às demais definições de políticas nacionais, no
campo econômico, certamente, mas também no das relações com a Argentina e com
os demais parceiros prioritários do Brasil (que não são os do Ibas, do Brics,
ou fantasias sulistas do gênero, mas), basicamente, EUA, UE, China, Argentina,
demais sul-americanos, e todos os demais, nessa ordem.
Imaginando-se que essa
macro-visão e macroplanejamento sejam impossíveis de serem feitos, por
dificuldades práticas, e por falta total de “policy planning” no Estado
brasileiro, caberia, simplesmente, começar com um grupo de trabalho no âmbito
do MRE, integrado por representantes da Fazenda, do MDIC, do BC e talvez Camex
(ou qualquer outra configuração restrita, segundo o perfil da nova
administração), cujo mandato deverá ser o de uma discussão aberta, extensa e
intensa, sobre o que fazer com o Mercosul, no sentido institucional e
operacional, o que envolve necessariamente vários exercícios de simulação
diplomática e econômica de dimensões variáveis.
A primeira grande
definição, porém, mais de caráter estratégico do que propriamente diplomática,
é a de saber se vale a pena prosseguir com o Mercosul, no seu formato e mandato
atuais (do TA e do POP, sem os penduricalhos petistas), ou se cabe propor uma
redefinição geral de seus pressupostos e fundamentos. É opinião deste que
subscreve estas linhas que o Brasil deveria recuperar totalmente sua liberdade
de estabelecer políticas econômicas e comerciais, e opções diplomáticas. Ou
seja, o Mercosul deve servir ao Brasil, não o contrário, embora isso não possa
ser dito.
Se não houver, contudo,
definição pela reconfiguração estratégica da nossa política diplomática para o
Mercosul e para a América do Sul, o grupo de trabalho deveria ser orientado a
propor, em três meses, a convocação de uma “comissão de trabalho do Mercosul”
para, no prazo de seis meses, definir, com os demais membros, as grandes linhas
de uma nova conferência diplomática destinada a dar um novo rumo ao Mercosul.
Seria uma espécie de refundação, ou um novo formato de convivência.
As definições a serem
alcançadas pelo grupo de trabalho do MRE serviriam de balizamento para as
posições brasileiras na comissão quadrilateral do Mercosul, e depois para a
conferência diplomática a ser convocada em no máximo um ano a partir da posse
do novo governo. Não é preciso dizer que essa conferência diplomática deverá
ter posicionamentos compatíveis com todas as demais definições que o Brasil
pretende ter nas suas políticas macro e setoriais nos âmbitos econômicos
interno e externo.
Em síntese, o Mercosul
precisaria voltar a ser um componente na estratégia brasileira de inserção
internacional na economia mundial, não o problema que ele é hoje. Se isso não
for possível, a nova administração precisaria estar disposta a aceitar o ônus
de o Brasil “ficar sozinho” na América do Sul. Ficar sozinho, nesse contexto,
significa deixar a Argentina entregue a seus próprios demônios, e seguir na
mesma trajetória que outros grandes atores da região e fora dela estão adotando
nesta conjuntura de reconfiguração geral – TPP, Tafta, etc. – da economia
mundial. O Brasil nunca ficaria sozinho adotando uma grande estratégia de
inserção internacional; ele pode, sim, virar anão diplomático se ficar amarrado
a um Mercosul moribundo como é hoje esse bloco outrora promissor.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 27/07/2014
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