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sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Estadão e a ONU defendem a civilização - Editorial

Que tempos! Um grande jornal e o SG da ONU lembram coisas elementares...
Paulo Roberto de Almeida

Uma defesa da civilização

Os problemas globais são cada vez mais integrados, mas as respostas se tornam mais fragmentadas, e, por isso, insuficientes

Editorial O Estado de S. Paulo, 25/01/2019

Os problemas globais são cada vez mais integrados, mas as respostas se tornam mais fragmentadas e, por isso, insuficientes. Este foi o ponto de partida do secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, para a mais forte defesa do multilateralismo apresentada nesta semana, em Davos, na reunião do Fórum Econômico Mundial. O maior adversário do multilateralismo é também o governante da maior potência global, o presidente americano, Donald Trump, modelo e inspiração de Jair Bolsonaro, presidente da maior economia latino-americana. Sem polemizar ou distribuir acusações, Guterres se dedicou a mostrar os grandes desafios e a explicar por que as ações dos governos são muito menos eficientes do que poderiam ser. 
É fácil ver na economia como os desafios são interconectados. Problemas como tensões comerciais e riscos associados ao Brexit, por exemplo, minam a confiança de empresários, investidores e financiadores, afetam os preços de ativos de vários tipos e ainda se refletem no crédito e nas decisões de negócios. Mas as questões são em geral tratadas separadamente e com insuficiente articulação internacional. 
O mesmo apelo em favor da cooperação, da articulação e da ação sistêmica havia sido formulado em Davos pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, e pela economista-chefe da instituição, Gita Gopinath. Esta foi especialmente clara e didática ao mostrar, numa entrevista coletiva, a interconexão dos vários tipos de riscos no caminho da economia global. Guterres empregou o mesmo arsenal de exemplos e de argumentos, mas desenhando um quadro muito mais dramático. 
São claras as conexões entre a multiplicação de conflitos políticos e o agravamento de riscos econômicos e de seus piores efeitos, como a miséria. Além disso, o aumento dos conflitos num mundo multipolar pode levar a desastres extremos, quando inexiste qualquer tipo de coordenação. Havia multipolaridade na Europa, no começo do século passado, e sua consequência trágica mais próxima foi a 1.ª Guerra Mundial, lembrou Guterres. 
Um mundo mais coordenado e preparado para respostas mais articuladas teria controlado com maior eficiência, segundo o secretário-geral da ONU, os efeitos indesejáveis da globalização, como o aumento da desigualdade entre pessoas, países e regiões. Esses efeitos tiveram desdobramentos sociais e políticos. Ampliou-se a desconfiança em relação às instituições, aos governos e também os aspectos positivos da globalização passaram a ser rejeitados. Novos desafios foram impostos aos governos. Não haverá resposta eficiente, no entanto, sem cooperação e sem articulação multilateral, sustentou Guterres. É indispensável, avançou, criar um multilateralismo inclusivo e para isso será necessário ir além das ações isoladas dos próprios organismos multilaterais – FMI e Organização Mundial do Comércio (OMC) são exemplos – tais como hoje operam. 
Os apelos de Guterres, no entanto, chegam num momento de enormes desafios para qualquer tipo genuíno de multilateralismo. Fala-se de reforma da OMC, mas seria ingenuidade entender essa discussão como originária de uma real ambição de aperfeiçoamento. O debate deve-se em grande parte às pressões do governo americano contra o atual sistema de normas do comércio internacional. A posição americana tem-se traduzido em risco de paralisação de uma das atividades mais importantes da OMC, a solução de controvérsias por meio de um órgão especializado. Para impor sua vontade, o governo dos Estados Unidos chegou a entravar a nomeação de juízes para essa tarefa. Essa atitude reflete problemas muito especiais, como os conflitos com a China e a promessa eleitoral de cuidar de setores, como a siderurgia, pouco eficientes e sem competitividade. O governo brasileiro, embora moldando um discurso baseado em assuntos brasileiros, como a agricultura, tem sido um seguidor da doutrina Trump também nos debates sobre a OMC. 
Os ideais do multilateralismo defendidos por Guterres são importantes para um mundo eficiente, equitativo e civilizado. Não é fácil defendê-los num mundo assolado pelo nacionalismo, pelo populismo e pela indigência de visão política e diplomática.

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