Mil desculpas aos que, atraídos pelo título, se deram ao trabalho de abrir esta postagem para ler o que eu teria a dizer, em nome do presidente, aos capitalistas de Davos.
Mas, estando na abertura do WEF de 2019, eu fui verificar o que eu já tinha escrito a este respeito. Escrevi muito, pois conheço o WEF desde 1981, numa de suas primeiras edições, acompanhando aqui o então ministro da Fazenda Ernane Galveas e o assessor de assuntos internacionais da pasta, um então jovem economista chamado Mailson da Nóbrega.
Mas, o texto que vai abaixo não é para este ano de 2019, e sim foi escrito em 2014, para a presidente de plantão, pois ela ia, como foi, a Davos. Não tenho a menor ideia do que disse lá, mas isso não tem a menor importância, pois todos os presidentes falam a mesma coisa: venham, capitalistas, venham investir no Brasil, pois o ambiente de negócios é ótimo, estamos fazendo mais reformas para torná-lo excepcionalmente bom, excelente, e vocês vão encontrar amplas oportunidades de investimento direto, com lucro garantido, e o governo será um sócio dessa prosperidade.
É isso mais ou menos o que todos dizem.
No caso da Dona Dilma, ela tinha aquele passado guerrilheiro, anti-capitalista, e vivia cercada dos economistas da UniCamp (os mais perigosos), e ainda tinha os chatos dos companheiros com suas receitas alopradas de economia.
Pois bem, eu apresentei uma sugestão de discurso diferente, como vocês podem perceber, se tiverem a paciência de ler o texto abaixo.
Desculpando-me mais uma vez pelo título enganoso, vamos ao que interessa.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de janeiro de 2019
Meus caros capitalistas de
Davos...
Rascunho de um (possível) discurso no
Fórum Econômico Mundial de 2014
Permitam-me que eu os
chame desse modo: capitalistas de Davos. Afinal de contas, vocês viajam para cá
todos os anos para melhor administrar os seus negócios, não é mesmo? Pelo que
me disseram, aqui é o lugar onde a concentração de capitalistas por centímetros
quadrados é a maior do mundo. Dizem até que, se houver uma catástrofe, um
ataque terrorista – eu, obviamente, rezo para Nossa Senhora para que nada disso
aconteça – desaparecerá com vocês mais ou menos 20 por cento do PIB do planeta.
Será verdade? Não sei. Vocês, que dispõem de excelentes economistas, que
calculem isso; os meus economistas estão muito ocupados neste momento, fazendo cálculos
para eu começar uma nova política econômica.
Pois bem, é sobre isto que
eu vim lhes falar neste dia. Desculpem se eu não apareci antes, mas é que o
pessoal do Fórum Social Mundial vivia me torrando a paciência para ir falar
para eles as coisas que eles gostam. Cansei! Os antiglobalizadores não têm nada
de útil a propor, nem para o mundo, muito menos para o meu governo. Então, eu
disse para mim: vamos lá, debater com aqueles capitalistas, ouvir o que eles
têm a dizer e dizer-lhes umas coisas novas.
As minhas são estas: durante
certo tempo – eu colocaria aí uns 20 ou 30 anos – acreditei num conjunto de
receitas de crescimento propostas pelos keynesianos de botequim de lá onde eu fiz
o meu curso de economia. Saí de lá convencida que tudo estava resolvido, e que
o ponto essencial era sustentar a demanda agregada, estimular o consumo das
massas, enfim, inverter a tal de lei de Say, como receitava o nosso guru maior,
não o Marx, mas o Keynes. A gente sabe que o Marx não serve muito para
administrar uma economia complexa, não é mesmo? Assistimos os países marxistas
dando dois suspiros e depois, pluf!, sumiram. Eu também tive essas ilusões, mas
já passou. Depois, passei a apostar nas receitas daquele inglês. E assim foi
feito, nos últimos três anos. Só que na hora de comer a omelete, só tinha ovos
quebrados; não tivemos nem mesmo um modesto crescimento de 3%. Dá para
continuar assim? Não dá!
Então, resolvi aposentar
essas ideias e vim dizer a vocês que, daqui para a frente, tudo vai ser
diferente. Chega de receitas do Chávez, da Cristina, dos meus amigos da
UniCamp; a palavra de ordem agora é produtividade, competitividade, essas
coisas que vocês estão sempre falando. Vou fazer uma nova política econômica, a
nossa NEP, com a diferença que não vai ser preciso nenhum Stalin para implantar
o novo modelo. Parte do pessoal vai reclamar um pouco, mas eu sei tratar com
eles, com jeito e persuasão.
Vou começar dizendo a eles
uma coisa muito simples: se o governo não precisar de mais dinheiro do que já arrecada,
o Banco Central não vai precisar aumentar os juros, certo? Mais ainda: se com esse
dinheiro ainda der para pagar todos os juros da dívida, melhor ainda. Vou
determinar que superávit primário não seja mais primário, mas sim final. O governo
agora só gasta o que tem, inclusive com os juros da dívida.
Outra coisa: eu também
acho um absurdo o preço dos carros no Brasil. As nossas montadoras têm de fazer
como as de vocês, espalhadas pelo mundo: comprar peças e acessórios onde for
mais barato, o que vale dizer que as nossas, que aliás são todas de vocês, vão
ter de se integrar às suas fábricas espalhadas pelo mundo. Acho que vai ser o
começo do fim dessa indústria infante que já tem mais de cinquenta anos e que nunca
quis deixar a mamadeira do governo. Pois para mim, chega!
Mais ainda: acho um
absurdo o preço das passagens aéreas, o pessoal da Copa está reclamando, e aí
descobri que nós vivemos em duopólio. A partir de agora vou declarar a política
de céus abertos no Brasil: aceitaremos todas as companhias, e já estou mandando
privatizar todos os nossos aeroportos. A Infraero nunca funcionou direito:
ainda há pouco uma menina se machucou no Rio, por falta de inspeção dessa geringonça
que só sabe cobrar e não investe quase nada.
Vocês estão cansados de
saber que nossas estradas são ruins, que as tarifas telefônicas são
absurdamente caras e que as comunicações são lentas. Vou determinar abertura
total, quanto mais concorrência melhor. Preparem-se, pois os mercados do Brasil
vão estar totalmente abertos em menos de um ano. Cansei de ouvir reclamações, e
isso não tem nada a ver com os 40% que cobramos de impostos, pois o pessoal nem
sabe disso, mas sim com o fato de que as companhias estão mal acostumadas. Vou
abrir outros setores cartelizados, vocês vão ver.
Sim, o Mercosul: parece
que até os capitalistas de São Paulo, que já ganharam muito com o Mercosul,
cansaram de vez, e acho que eles têm razão: vamos falar olho no olho com os
nossos hermanos e dizer o seguinte:
ou a gente abre, e se integra ao mundo, ou não tem mais sentido ficar fazendo
todas essas reuniões, só para ouvir mais reclamações a cada vez. Os colegas
uruguaios têm razão, mas não é por causa da maconha, e sim quando eles querem fazer
acordos com quem tem mercado para oferecer. Não dá mais para se esconder como o
avestruz. O Mercosul tem de voltar a ser o que ele já foi.
Vou mais longe: estou
saindo daqui para Havana e Caracas. Vou dizer ao Raul e ao Maduro que as coisas
que eles estão fazendo simplesmente não se sustentam: não tem lógica econômica
no que eles querem; eles precisam mudar, pois quem vai pagar a conta, mais uma
vez, é o povo.
Pois é isso, meus
capitalistas de Davos: eu quero dizer a vocês que o Brasil está aberto aos
negócios; eu sei que às vezes é difícil, para quem vem de fora. Vou mudar isso:
vou criar um ministério da desburocratização. Capitalistas do mundo: vocês não
têm nada a perder, venham ao Brasil, agora!
Pela digitação:
[Hartford, 18
Janeiro 2014]
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