Diplomacia.
Uma política em disputa
Luana Barros
O Povo,
27/01/2019
Às vésperas de completar 30
dias na Presidência da República, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ainda não
estabeleceu os rumos para onde a diplomacia brasileira deve seguir nos próximos
quatro anos. Sem definições, atores políticos que circundam Jair Bolsonaro
iniciam uma "queda de braço", como caracteriza o professor da FGV/SP
e cientista político, Guilherme Casarões, para guiar a política externa
brasileira.
O desencontro entre
diferentes grupos do governo Bolsonaro ganha destaque dentro das falas do próprio
presidente, que recuou mais de uma vez em decisões quanto a temas
internacionais. Na última semana, ficaram evidentes as contradições entre o
alto escalão do governo quando declarações do vice-presidente Hamilton Mourão,
que assumiu interinamente a presidência durante a viagem de Jair Bolsonaro para
o Fórum Econômico Mundial, em Davos, divergiram de afirmativas tanto do próprio
presidente como de outros políticos que estão próximos a Bolsonaro.
Entre as discordâncias, está
o posicionamento quanto a crise na Venezuela. O Brasil reconheceu o opositor de
Nicolás Maduro, Juan Guaidó, como presidente interino do país, na última
quarta-feira, 23. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, deu indicativos de
que o Brasil poderia apoiar uma intervenção militar na Venezuela, enquanto
Mourão foi contundente ao dizer que "o Brasil não participa de
intervenção". O presidente Bolsonaro acabou seguindo o vice.
Temas anteriores também
causaram impasses dentro de setores do governo.
A transferência da embaixada
brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, uma das promessas de campanha, foi
contestada por setores da agropecuária após ameaças de retaliação dos países
árabes, apoiadores da Palestina e grandes exportadores de carnes bovina e de
frango brasileiras. Desde a posse, não houve anúncio oficial sobre o tema.
A possibilidade de saída do
Brasil do Acordo de Paris também ocasionou idas e vindas. Enquanto o chanceler
Ernesto Araújo e aliados pretendem que o país abandone o tratado que rege
medidas de redução da emissão de gases que aumentam a temperatura do planeta,
outros grupos se preocupam com os impactos nas relações comerciais brasileiras
que essa saída pode ocasionar.
Em Davos, Jair Bolsonaro
afirmou que o Brasil, "por ora", não sairá do acordo.
"(Há o problema do)
Excesso de agentes 'credenciados' a dar opiniões sobre a política exterior de
Bolsonaro. Além do chanceler, vários ministros (Moro, Guedes, Heleno), o
vice-presidente, o assessor para assuntos internacionais, o filho do
presidente, dentre outros, têm opinado sobre as pautas", avalia Dawisson
Belém Lopes.
Professor de Política
Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lopes estabelece
hipótese na qual a decisão sobre a política externa brasileira partiria de três
núcleos: o nacionalista-religioso, representado pelo chanceler Ernesto Araújo;
o neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes; e o militar, comandado pelo
vice-presidente, general Mourão. "Se avaliarmos com cuidado as credenciais
e alavancas de poder dos agentes em questão, logo notamos uma assimetria
considerável. Os grupos capitaneados por Araújo e Guedes não têm coesão interna
e coerência nos seus movimentos, ao contrário do núcleo militar, mais orgânico
e institucionalizado", argumenta Lopes.
Guilherme Casarões explica a
disputa por esse domínio nos temas internacionais também pela divisão interna
em grupos. O cientista político elenca cinco: os ruralistas, os evangélicos, os
militares, os liberais e os olavistas - pautados principalmente pelo chamado
"antiglobalismo". Segundo Casarões, os grupos mais pragmáticos seriam
os liberais, capitaneados por Guedes, e os militares. Contudo, os olavistas,
onde se incluem Araújo e os filhos de Jair Bolsonaro - principalmente Eduardo
Bolsonaro - teriam como vantagem a proximidade com o presidente.
Ele aponta que os ruralistas
ainda estão como coadjuvantes, embora já tenham demonstrado que não irão se
omitir caso seus interesses sejam prejudicados. Já os evangélicos teriam,
dentro da pauta internacional, objetivos específicos. "Cada um falando uma
coisa e não conseguem se acertar como parte de um projeto comum", resume
Casarões.
Os dois pesquisadores,
contudo, concordam na importância dos militares nessas decisões e do lugar
central que Mourão assume neste contexto. "Enquanto está a meninada no
playground falando um monte de bobagem, os militares são aqueles que estão
segurando a narrativa e atuando de maneira mais pé no chão", ilustra
Casarões. Lopes acrescenta que não há dúvida de que "essa turma entrará
para 'desequilibrar o jogo', sob a liderança de Hamilton Mourão".
Professor de Relações
Internacionais e presidente do Instituto Brasil África, Bosco Monte, critica a
atuação de Mourão nessa área. "É perigoso quando o presidente em exercício
diz que o Estado não fará isso, (porque) ele não representa o Estado, quem
representa o Estado é o titular", defende. Para ele, é necessário um maior
controle do Bolsonaro sobre esse número de interferências na política externa.
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