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sexta-feira, 22 de julho de 2022

Zelenski critica neutralidade de Bolsonaro frente à invasão russa (O Povo)

 Zelenski critica neutralidade de Bolsonaro frente à invasão russa

O Povo, Jul. 22, 2022

 

Presidente ucraniano compara atitude do governante brasileiro à de líderes que permaneceram neutros no início da Segunda Guerra Mundial. "Preciso de uma posição do Brasil", diz ter cobrado durante telefonema.O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, criticou a "neutralidade" do presidente Jair Bolsonaro diante da invasão de seu país pela Rússia, cobrando uma posição brasileira e comparando a atitude do governante brasileiro com a de líderes que permaneceram neutros durante o início da Segunda Guerra Mundial.  Zelenski deu detalhes da conversa telefônica que teve com o colega brasileiro.

"Ontem eu falei com o presidente Bolsonaro e sou grato a ele por essa conversa. Não foi a minha primeira conversa com o presidente do Brasil. Eu não apoio a posição dele de neutralidade. Eu não acredito que alguém possa se manter neutro quando há uma guerra no mundo", afirmou Zelenski durante entrevista à TV Globo divulgada nesta terça-feira (19/07). 

"Na Segunda Guerra Mundial, muitos líderes ficaram neutros num primeiro momento. Isso permitiu que os fascistas engolissem metade da Europa e se expandissem mais e mais, capturando toda a Europa. Isso aconteceu por causa da neutralidade. Ninguém pode ficar no meio do caminho, ninguém pode dizer ‘vou ser um mediador'. Mediador de quê? Um mediador na guerra? Entre quem?", argumentou o presidente ucraniano. 

"Preciso de uma posição do Brasil"  "A guerra não é entre a Ucrânia e a Rússia, é a guerra da Rússia contra o povo ucraniano. Porque, mais uma vez, eles estão no nosso território. Nós não chegaremos a um meio-termo porque um país declarou guerra contra o outro. Não. Um país capturou uma parte do nosso território há oito anos", disse Zelenski, fazendo referência à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. 

"E nessa época havia muitas pessoas que queriam ser mediadoras e permanecer neutras. Por causa disso, permitiram, desde 2014, que a Rússia lançasse essa segunda onda de invasão, e eles estão invadindo outras partes. Esse é o significado de ‘neutralidade'", criticou. "Portanto, eu não apoio essa posição. Eu disse isso para o presidente: ‘Preciso de uma posição do Brasil'", acrescentou. 

Zelenski afirmou que a Ucrânia não ficaria neutra e apoiaria a soberania brasileira caso uma situação semelhante acontecesse no Brasil.  "Precisamos do apoio que mencionei ontem ao presidente. Eu disse para ele: ‘Queremos o apoio do Brasil'. Eu disse: ‘Se amanhã alguém atacar vocês, não ficaremos neutros, independentemente do histórico da nossa relação com esse país que venha a violar a sua soberania. Se alguém capturar a sua terra, matar o seu povo, estuprar as suas mulheres, torturar as suas crianças, como poderei dizer que sou neutro? Eu não tenho esse direito, esse é o mundo moderno'. Escolhendo a neutralidade, permitimos ao senhor Putin pensar que não está sozinho neste mundo, só isso. E as outras coisas, relações comerciais, são secundárias", afirmou Zelenski. 

Respondendo a uma pergunta sobre a conversa com Bolsonaro, o ucraniano disse que o brasileiro afirmou apoiar "a soberania e a integridade territorial da Ucrânia".  "Eu quero acreditar nisso. Ele me falou assim: 'o Brasil realmente compreende a dor do que está acontecendo com vocês, mas a nossa posição é neutra'", relatou Zelenski. 

Relação amistosa com Putin 

Na segunda-feira, Bolsonaro conversou pelo telefone com Zelenski, na primeira conversa entre os dois desde o começo da guerra, em 24 de fevereiro. O governo brasileiro não divulgou detalhes sobre a chamada.  O presidente ucraniano afirmou no Twitter que ambos falaram sobre medidas para desbloquear as exportações de trigo da Ucrânia, cujo escoamento está prejudicado pela invasão russa. Zelenski também frisou a importância de mais países aderirem às sanções do Ocidente contra a Rússia.  Desde o início da guerra na Ucrânia, Bolsonaro vem tentando manter uma posição não alinhada aos interesses de Moscou ou de Kiev. O presidente brasileiro tem uma relação amistosa com o presidente russo, Vladimir Putin, com quem se reuniu em Moscou poucos dias antes do início da guerra, e não chegou a condenar a invasão russa do país vizinho como os países ocidentais – mas tampouco faz críticas duras às sanções do Ocidente aplicadas contra Moscou, como a China.  

Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, disseram que o Brasil quer comprar diesel da Rússia, e que um acordo estaria sendo negociado com o país para adquirir o combustível a um preço mais baixo, em dois meses. No último domingo, Bolsonaro afirmou que essas negociações estavam bastante avançadas, sem dar maiores detalhes.  md/lf (EFE, ots)

https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2022/07/22/zelenski-critica-neutralidade-de-bolsonaro-frente-a-invasao-russa.html

domingo, 24 de março de 2019

As rupturas da nova Diplomacia - jornal O Povo (CE)

As rupturas da nova Diplomacia 

|Sem Rumo| Prestes a completar três meses na presidência, Jair Bolsonaro ainda não conseguiu afinar a política externa, que se distancia do pragmatismo característico e se aproxima de decisões ideológicas

O Povo (CE), domingo, 24 de março de 2019

A dúvida continua sendo o principal sentimento de quem tenta responder para qual direção o governo de Jair Bolsonaro deve conduzir a política externa brasileira. Há uma única certeza entre pesquisadores da área e diplomatas de carreira: o rumo será o oposto do que vinha sendo traçado, pelo menos, durante os últimos 40 anos.

"Pela primeira vez na história, temos um chanceler (Ernesto Araújo) que propõe uma ruptura completa com o que eram os princípios diplomáticos anteriores. Ele vem chamando isso de dar alma à política externa. Isso é retórica, mas tem implicações importantes", aponta Guilherme Casarões, professor da FGV São Paulo.
Mudança quanto ao posicionamento sobre a questão palestina, possibilidade de se envolver em intervenção militar na Venezuela, rusgas no tratamento com a China, principal parceiro comercial brasileiro, e, principalmente, alinhamento com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dão sinais de como o Brasil deve se portar nos próximos anos, o que não é visto de modo otimista. "Não estamos falando de um ruptura em relação ao governo Lula, não é uma ruptura meramente esquerda e direita. É uma ruptura que tem a ver com a tradição diplomática do Brasil", argumenta Casarões.
Professora da Universidade Estadual do Ceará e coordenadora do Observatório de Nacionalidade, Mônica Martins elenca que existem graves consequências dessa ruptura provocada pela nova gestão do Itamaraty. "São eles a perda do papel de liderança regional e o de ser um ator soberano junto à comunidade internacional, que a gente vinha mantendo a duras penas. O presidente jogou na lata do lixo essas duas importantes conquistas da diplomacia brasileira", critica.
O discurso repetido sobre a diplomacia promete a retirada de ideologia da política externa brasileira. "Ele é o presidente que nós já convivemos desde a redemocratização que demonstra uma ideologia mais explícita", rebate Mônica Martins. O diplomata de carreira Paulo Roberto de Almeida concorda que são as questões ideológicas que vêm guiando as
decisões na área.
Esse tipo de tratamento não seria novidade na atuação de governos na área internacional, segundo ele. "(Agora) Você está vendo uma diplomacia não mais partidária como a dos presidentes petistas, mas
familiar", completa.
"Os filhos do presidente já mostraram do que são capazes. Eles possuem força e influência no Planalto e no próprio governo", afirma o presidente do instituto Brasil África, Bosco Monte. "(Se ventila) que o senhor Eduardo Bolsonaro seria uma espécie de chanceler paralelo. Eu até diria que ele é o chanceler de fato e tem afirmado coisas sobre política internacional que causam apreensão quanto à sua capacidade de compreender o que seja a realidade internacional", concorda Paulo Roberto.
Os diversos grupos querendo controlar os rumos das relações internacionais brasileiras e uma indefinição por parte do governo de qual deve ser a direção escolhida pode gerar receio nos governantes mundiais, inclusive quanto às relações econômicas e a possibilidade de investimentos de outros países no Brasil.
"Historicamente, o Brasil foi previsível. Hoje é difícil identificar qual o interlocutor e qual posição que o Brasil vai tomar. Você tem o filho do presidente e o próprio ministro que tentam dialogar mais com a base de eleitores e ignora os impactos que declarações e medidas anunciadas e recuos podem ter nas nossas relações", critica a pesquisadora em relações internacionais Maiara Folly.
A projeção do futuro próximo da diplomacia brasileira não é mais fácil de ser feita do que a análise do presente Quando indagado, Bosco Monte vislumbra poucas alterações nesse roteiro de indefinição, com "expectativa de que não teremos outra narrativa do que estou falando agora nos próximos anos".
"Isso é ruim, tanto para o governo, para os diversos ministérios, mas também para uma conversa com os de fora, os governos que esperam ainda uma sinalização de Brasília gostariam de ter uma definição de como o Brasil vai conversar com esses países. É necessário que haja uma definição", finaliza Monte.

Leia mais nas páginas 12 a 15

[PRA: Vou solicitar a matéria completa ao jornal O Povo]

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Cacofonia na política externa: militares devem arbitrar

Diplomacia. Uma política em disputa
Luana Barros
O Povo, 27/01/2019 

Às vésperas de completar 30 dias na Presidência da República, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ainda não estabeleceu os rumos para onde a diplomacia brasileira deve seguir nos próximos quatro anos. Sem definições, atores políticos que circundam Jair Bolsonaro iniciam uma "queda de braço", como caracteriza o professor da FGV/SP e cientista político, Guilherme Casarões, para guiar a política externa brasileira. 
O desencontro entre diferentes grupos do governo Bolsonaro ganha destaque dentro das falas do próprio presidente, que recuou mais de uma vez em decisões quanto a temas internacionais. Na última semana, ficaram evidentes as contradições entre o alto escalão do governo quando declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, que assumiu interinamente a presidência durante a viagem de Jair Bolsonaro para o Fórum Econômico Mundial, em Davos, divergiram de afirmativas tanto do próprio presidente como de outros políticos que estão próximos a Bolsonaro.
Entre as discordâncias, está o posicionamento quanto a crise na Venezuela. O Brasil reconheceu o opositor de Nicolás Maduro, Juan Guaidó, como presidente interino do país, na última quarta-feira, 23. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, deu indicativos de que o Brasil poderia apoiar uma intervenção militar na Venezuela, enquanto Mourão foi contundente ao dizer que "o Brasil não participa de intervenção". O presidente Bolsonaro acabou seguindo o vice.

Temas anteriores também causaram impasses dentro de setores do governo.  
A transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, uma das promessas de campanha, foi contestada por setores da agropecuária após ameaças de retaliação dos países árabes, apoiadores da Palestina e grandes exportadores de carnes bovina e de frango brasileiras. Desde a posse, não houve anúncio oficial sobre o tema.

A possibilidade de saída do Brasil do Acordo de Paris também ocasionou idas e vindas. Enquanto o chanceler Ernesto Araújo e aliados pretendem que o país abandone o tratado que rege medidas de redução da emissão de gases que aumentam a temperatura do planeta, outros grupos se preocupam com os impactos nas relações comerciais brasileiras que essa saída pode ocasionar.  
Em Davos, Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil, "por ora", não sairá do acordo.
"(Há o problema do) Excesso de agentes 'credenciados' a dar opiniões sobre a política exterior de Bolsonaro. Além do chanceler, vários ministros (Moro, Guedes, Heleno), o vice-presidente, o assessor para assuntos internacionais, o filho do presidente, dentre outros, têm opinado sobre as pautas", avalia Dawisson Belém Lopes.
Professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lopes estabelece hipótese na qual a decisão sobre a política externa brasileira partiria de três núcleos: o nacionalista-religioso, representado pelo chanceler Ernesto Araújo; o neoliberal, liderado pelo ministro Paulo Guedes; e o militar, comandado pelo vice-presidente, general Mourão. "Se avaliarmos com cuidado as credenciais e alavancas de poder dos agentes em questão, logo notamos uma assimetria considerável. Os grupos capitaneados por Araújo e Guedes não têm coesão interna e coerência nos seus movimentos, ao contrário do núcleo militar, mais orgânico e institucionalizado", argumenta Lopes.
Guilherme Casarões explica a disputa por esse domínio nos temas internacionais também pela divisão interna em grupos. O cientista político elenca cinco: os ruralistas, os evangélicos, os militares, os liberais e os olavistas - pautados principalmente pelo chamado "antiglobalismo". Segundo Casarões, os grupos mais pragmáticos seriam os liberais, capitaneados por Guedes, e os militares. Contudo, os olavistas, onde se incluem Araújo e os filhos de Jair Bolsonaro - principalmente Eduardo Bolsonaro - teriam como vantagem a proximidade com o presidente.
Ele aponta que os ruralistas ainda estão como coadjuvantes, embora já tenham demonstrado que não irão se omitir caso seus interesses sejam prejudicados. Já os evangélicos teriam, dentro da pauta internacional, objetivos específicos. "Cada um falando uma coisa e não conseguem se acertar como parte de um projeto comum", resume Casarões.
Os dois pesquisadores, contudo, concordam na importância dos militares nessas decisões e do lugar central que Mourão assume neste contexto. "Enquanto está a meninada no playground falando um monte de bobagem, os militares são aqueles que estão segurando a narrativa e atuando de maneira mais pé no chão", ilustra Casarões. Lopes acrescenta que não há dúvida de que "essa turma entrará para 'desequilibrar o jogo', sob a liderança de Hamilton Mourão". 
Professor de Relações Internacionais e presidente do Instituto Brasil África, Bosco Monte, critica a atuação de Mourão nessa área. "É perigoso quando o presidente em exercício diz que o Estado não fará isso, (porque) ele não representa o Estado, quem representa o Estado é o titular", defende. Para ele, é necessário um maior controle do Bolsonaro sobre esse número de interferências na política externa.