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segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

682) Um propósito, várias resoluções

(meu conceito de planejamento estratégico para 2007)

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Um dos conceitos modernos de eficiência no trabalho ou de administração por resultados é o de “planejamento estratégico”. A crer em alguns gurus da arte da administração, até os mais modestos empórios de secos e molhados da esquina estão adotando agora o tal de planejamento estratégico. Que seja! Também vou adotar o meu.
Consoante meu espírito racionalista crítico, mas modestamente consciente de meus limites e possibilidades, vou dividir estas primeiras reflexões do ano (que podem ser um substituto ao tal de planejamento estratégico) em duas partes distintas: um reposicionamento quanto ao sentido geral de minha ação intelectual, e uma pequena lista de objetivos que gostaria de cumprir no ano que começa hoje. A tomada de posição tem objetivos meramente “filosóficos” e se destina mais a reafirmar meu compromisso com a honestidade no trabalho intelectual do que em se apresentar como um tratado epistemológico sobre ciência e racionalidade. Já as resoluções podem ser vistas como cumprindo finalidades táticas, isto é, estabelecendo algumas metas que procurarei atingir ao longo do ano, ou pelo menos nos próximos seis meses.

O propósito
Meu propósito mais geral – independentemente de minhas obrigações profissionais ou acadêmicas nos compromissos oficiais hoje desempenhados – é o de realizar uma obra analítica e interpretativa, no campo das relações internacionais e da política externa do Brasil, que possa ser considerada como de qualidade, podendo até servir de referência nessas áreas. Trata-se de um propósito ambicioso, uma vez que minhas atividades principais, enquanto burocrata em tempo integral da administração pública direta (funcionário de carreira do serviço exterior brasileiro) e professor em regime de tempo parcial de um centro universitário privado de Brasília, não se ocupam diretamente dessa faceta intelectual que implica em pesquisas amplas e um esforço de redação cuidadosa que resulta normalmente em artigos de caráter científico e em livros de cunho didático. Mas, para atender a uma vertente que vem se constituindo em uma espécie de segunda natureza nos últimos anos, vou tentar dar um caráter mais sistemático a esse propósito geral.
Não se trata apenas de um enunciado vago de um segundo objetivo na vida – ainda que eu não saiba exatamente qual seja o meu primeiro objetivo de vida – mas de um compromisso com o trabalho sério, suscetível de guardar uma certa permanência na literatura desse campo de conhecimento especializado. Acredito que a responsabilidade primeira de um cientista social – que ao que parece eu pretendo ser – é o de fazer o seu trabalho da melhor forma possível, num terreno, o das relações humanas, inevitavelmente permeado por grandes doses de subjetivismo e altos componentes de impressionismo. Quero dizer que o pretendido cientista social deve encarar o seu trabalho com toda a seriedade que se espera de alguém trabalhando com os melhores métodos da ciência moderna: o alinhamento dos fatos, uma explicação tentativa para eles, daí derivando alguma generalização possível que possa conformar um padrão de comportamento, o que resulta numa exposição analítica desses fatos segundo alguma linha de racionalidade (sim, ainda que não acreditemos muito nisso, devemos presumir que os homens agem racionalmente, ainda que movidos por paixões e desejos que nem sempre são racionalmente explicáveis).
Acredito também que a segunda responsabilidade do cientista social é a da honestidade intelectual, o que implica na consideração de todos os elementos em jogo, não apenas aqueles que respondem às suas preferências políticas ou filosóficas. Considero este critério o mais relevante no trabalho científico, aliás o único relevante no campo das ciências humanas ou sociais, e é em torno dele que eu gostaria de desenvolver minha obra de leitor, de pensador, de sistematizador de argumentos e de expositor de fatos históricos. Não me preocupo tanto, ou talvez nada, com a teoria, pois não creio que ela seja indispensável no desenvolvimento desse tipo de trabalho. Claro, todos nós “partimos” de algum teoria, mesmo de forma inconsciente, mas isso não tem nada a ver com a “necessidade” de expor sua teoria previamente ao trabalho com os fatos. Prefiro deixar que os fatos falem por si, e se alguém quiser depois aplicar alguma teoria a eles, que o faça por sua própria conta e risco, mas eu não vou me preocupar em desenvolver nenhuma nova teoria para tentar encaixar, ou amoldar, os fatos dentro dessa nova camisa de força conceitual. (Parênteses: essa também é uma das razões pelas quais eu praticamente passo por cima dos capítulos teóricos nas muitas dissertações e teses para cuja avaliação eu sou convidado. Acho que os professores “torturam” os seus alunos, obrigando-os a encontrar o famoso “quadro teórico” da sua pesquisa, quando os pobres alunos mal dão conta do emaranhado de fatos brutos que devem processar. Mas isso é uma outra discussão que farei em outra oportunidade. Fecha parênteses.)
Retomando meu propósito mais geral, tentarei resumi-lo da seguinte maneira. Gostaria de produzir uma obra séria no campo das ciências sociais aplicadas às relações internacionais e à diplomacia brasileira, trabalhando os fatos históricos com a maior honestidade possível, tentando oferecer uma síntese razoável “do que efetivamente se passou”, enquadrando os fatos em seu devido contexto mais geral, seu embasamento econômico, suas limitações geopolíticas e levando em conta os famosos fatores “contingentes”, que resultam da ação dos homens (imprevisíveis, como sempre). Não tenho certeza de poder libertar-me de meus próprios “preconceitos”, ou seja, aquilo que nuestros hermanos hispânicos chamam de prejuicios, ou seja, verdades préconcebidas. Esses pré-juizos são os elementos de valor que toda pessoa carrega consigo, como resultado da sua experiência de vida, de suas leituras, de suas preferências momentâneas ou “estruturais”, e que influenciam poderosamente o seu trabalho analítico (e mesmo expositivo, dada a seleção de fatos que somos obrigados a fazer). Mas, posso pelo menos comprometer-me, publicamente, em ser o menos “preconceituoso” possível, guardando respeito aos fatos e levando em consideração argumentos já adiantados por outros cientistas sociais trabalhando no mesmo terreno.
No plano metodológico, porém, devo dizer que tendo fortemente a concordar com as posições e premissas de Karl Popper, quanto ao racionalismo crítico que ele recomendava no terreno da investigação e ao espírito de questionamento constante das “teorias” disponíveis. Não se trata sequer de aderir aos seus princíos da “refutabilidade” ou da “falsificabilidade”, uma vez que no campo das ciências sociais pouco há o que contestar em termos de provas ou testes. Há, sim, argumentos que podem ser questionáveis no plano de seu embasamento empírico, assim como existem afirmações que não se sustentam no plano de sua lógica intrínseca. Quero crer que os que incorrem nesses “pecados” intelectuais o fazem por inconsciência ou despreparo para o trabalho acadêmico de qualidade. Espero não incorrer nos mesmos pecados.
Este o meu propósito geral.

As resoluções
Quanto às resoluções, elas podem ser vistas como o “planejamento estratégico” para o ano de 2007, mas deixando de lado conceitos grandiosos, vamos considerá-las como uma mera “shopping list” de pretensões acadêmicas para o período que agora se inicia.
Disponho, em minha lista de “Working files” e na pasta dos “Books to work”, de dezenas de projetos de trabalho, de centenas de arquivos preliminares, de milhares de idéias, elementos e textos escritos que deveriam, normalmente, converter-se em trabalhos acabados algum dia. Num balanço preliminar da obra já realizada, posso contabilizar uma dúzia de livros, algumas dezenas de artigos publicados e outros tantos capítulos em obras coletivas. Todos esses materiais foram sendo acumulados por puro vício do ofício: assim como mantenho cadernos de notas desde meus tempos de leitor em bibliotecas universitárias, também mantenho arquivos eletrônicos desde o meu primeiro computador (um glorioso Macintosh Plus, daqueles sem hard drive interno e com pouca memória, cujo sistema operacional, processador de textos e arquivo produzido precisavam caber, todos eles, num único disquete de 720kb). Pois bem, o que fazer, este ano, com todos esses materiais?
Como não vou poder, obviamente, terminar todos os livros ou trabalhos que gostaria de fazer, por absoluta impossibilidade material, ou física, vou ter de selecionar algumas prioridades. Vejamos, portanto, uma lista razoável de objetivos limitados, a ser atendida nos próximos meses.
Gostaria, em primeiro lugar, de terminar a revisão de um longo artigo sobre o Brasil no contexto do sistema multilateral de comércio, que poderia constituir a base de um livro sobre esse tema, eventualmente em colaboração. Creio que se trata de um terreno no qual a insuficiência de informação histórica e de análise existem em detrimento da boa qualidade dos cursos de relações internacionais em funcionamento no Brasil. Seria a minha modesta contribuição para a melhoria da qualidade de debate nessa área pouco freqüentada pelos professores desses cursos.
Penso, em segundo lugar, levar adiante meu projeto de um “Dicionário brasileiro de relações internacionais”, ou seja, um dicionário nesse campo que se vincule à participação do Brasil no sistema internacional contemporâneo. Tenho muita coisa escrita, já, e se trata apenas de adquirir disciplina e ritmo para trabalhar de modo sistemático, regular e constante os inúmeros verbetes que devem constar de um instrumento desse gênero. Espero estabelecer essa rotina e cumpri-la religiosamente, se ouso dizer, ainda que eu seja meio anárquico, em meus métodos de trabalho.
Tenho, em terceiro lugar, de aproveitar minha estada no Brasil, que espero se estenda durante dois ou três anos mais, para fazer pesquisas em vista do segundo volume de minha história da diplomacia econômica no Brasil (e não apenas do Brasil). Ele viria na seqüência do primeiro volume, publicado em 2001 (segunda edição em 2005) sob o título de Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (Senac-Funag), cobrindo desta vez o período 1889-1945. Esquema e materiais estão organizados, mas ainda falta muita pesquisa para completar capítulos singulares, em especial em terrenos com pouca documentação consolidada disponível (patentes e investimentos, por exemplo).
Os principais desafios, ou obstáculos, a essa agenda “modesta” de trabalho, são meus próprios instintos dispersivos – o tempo comprometido com informação de atualidade, a redação de comentários sobre fatos e processos do momento – e as demandas externas que normalmente surgem para escrever um artigo aqui, outro acolá, colaborar com um determinado livro, prefaciar um outro, manter sites, blogs, sem falar na demanda “institucional” das aulas, orientações de monografias, dissertações e teses, além das reuniões de trabalho na faculdade, que também ocupam algumas noites e sábados. Sim, não esquecer as colaborações já habituais com alguns veículos acadêmicos, em termos de artigos e resenhas de livros em ritmo mensal (o que eu adoro fazer, de toda forma). Contando tudo isso, ainda me sobram os finais de noite – ou seja, a partir das 23hs – e as madrugadas e os fins de semana para trabalhar seriamente em meus próprios projetos, já que durante o dia eu supostamente estou engajado em atividades profissionais. Sim, devo contar ainda, sem falhar, com os encargos em família, as compras no supermercado e outras tarefas domésticas ou externas que sempre nos ocupam mais do que gostaríamos.
Bem, vou parar por aqui, uma vez que estas resoluções, e seu propósito maior, já estão ocupando um espaço maior ao pretendido. Estão colocados os princípios e os projetos. Resta saber se eu serei capaz de cumprí-los, minimamente que seja. Rendez-vous marcado em seis meses, para examinar o avanço das tarefas.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1704: 1º janeiro 2007.

Um comentário:

Unknown disse...

Isso sim são planos! Reduziram minha lista de pretensões a uma checklist de supermercado!

Brincadeiras à parte, e tendo em vista o que venho lendo por aqui, mal posso esperar a tão prometida obra de análise.

Quanto ao mais, resta-me imprimir o post e distribuir pelos cursos de Ciências Sociais como leitura obrigatória. Fantástico!

Parabéns e Feliz 2007!