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quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

688) Já não se fazem mais marxistas como antigamente...

Percorrendo o mundo dos blogs (e que mundo...), fui levado a um que transcrevia uma frase do inesquecível Nelson Rodrigues, o que me levou ao meu tempo de juventude (e da primeira maturidade também), relativo ao marxismo no Brasil. Reproduzo-a aqui:
“No Brasil, o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada, atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever, apenas respirando.” Nelson Rodrigues (não havia menção de data ou fonte originais).
Pois bem, o que de interessante revela essa frase do jornalista policial, dramaturgo, cronista regular (sobretudo futebolístico) da imprensa escrita e provocador profissional (nessa ordem) Nelson Rodrigues? Provavelmente a ascensão irresistível da ignorância no Brasil, mesmo em assuntos de marxismo, o que talvez não deva surpreender, tendo em vista a deterioração progressiva do ensino público de modo geral, de todos os níveis e em todas as vertentes.
Não sei exatamente quando Nelson Rodrigues pronunciou essa frase (estou assuntando), mas de fato esta é uma constatação que posso fazer por experiência própria.
Ela deve ter sido elaborada em meados dos anos 1960, quando a crème de la crème de la soi-disante intelligentzia tupiniquim era toda marxista. Ou se pretendia tal. Era em todo caso formada por pessoas qe liam e debatiam, o tempo todo.
Stalinistas, trotsquistas e independentes liam e se informavam, ao contário do que vemos hoje. Naqueles tempos da brilhantina, jovens interessados em marxismo liam furiosamente tudo o que podiam encontrar do velho barbudo e toda a literatura disponível no mercado (não era muita, infelizmente). Mas eu me lembro de, muito jovem, ter lido uma análise honesta (por um cônego, Heraldo Barbuy) sobre o marxismo (publicada pela Agir) e vários livros editados pela Calvino, pela Vitória e outras editoras de afiliação comunista. Uma tradução, a partir do francês, de uma edição abreviada do Capital, se não me engano por J. Duret, me consumiu várias semanas de leitura paciente e anotada, tentando entender os segredos da mais valia e da tendência à baixa da taxa do lucro.
Já uma ou duas décadas depois – em torno dos anos 1970 e 80, portanto –, as únicas coisas que eu via os jovens “esquerdistas” lerem eram a vulgata ordinária de Marta Harnecker, que nem merece o nome de literatura marxista, e o arremedo de “explicação histórica” sobre a “exploração” da América Latina pelo mais perfeito idiota latino-americano que jamais existiu, Eduardo Galeano, o tal de “Veias Abertas”, que ainda passa por livro sério em certos setores, apenas porque coloca todas as razões do nosso atraso no imperialismo americano.
Mas isso era ainda nos anos 1980, quando ainda se lia alguma coisa no Brasil. Hoje, pelo que posso constatar pelos cursos universitários que conheço – e freqüento – pouco se lê, em geral, e quase nada se lê de marxismo, em particular. E no entanto, a chamada esquerda – que aparentemente ainda se considera marxista – nunca foi tão dominante nas universidades e nos aparelhos dos ditos “movimentos sociais”. As pessoas se consideram de esquerda, talvez socialistas, mas do marxismo mesmo, elas entendem pouco, muito pouco.
Acho que seria preciso corrigir Nelson Rodrigues, hoje: não se é mais marxista, apenas se pensa que se é marxista. Mas não consigo encontrar alguém que tenha, de verdade, lido Marx. Ou seja, não há sequer condições para um debate em torno da idéia marxista, o que inviabiliza, ipso facto, qualquer debate inteligente sobre o que significa ser de esquerda, no Brasil de hoje.
A deterioração do marxismo culto no Brasil é de fato irremediável, e já não se consegue mais encontrar alguém que tenha lido alguma coisa do filósofo de Trier. Tenho a impressão de que a revolução vai ter de esperar mais um pouco. Enquanto isso, as pessoas simplesmente se acomodam à nova situação, quando se é de esquerda de maneira totalmente inconsciente...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1708: 18 janeiro 2007

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