sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

693) Um editorial sobre a política comercial externa

Editorial
Cenários de política externa e comercial do segundo governo Lula: haverá espaço para o pragmatismo?
Pedro da Motta Veiga
Editor
Revista Brasileira de Comércio Exterior, nr. 89 (Rio de Janeiro, Funcex, janeiro de 2007, p. 2-3)

O cenário mais provável, para a política externa e comercial, é a continuidade. Afinal, ela é parte importante da estratégia de legitimação do governo junto ao eleitorado de esquerda.

A reeleição de Lula suscita, na imprensa e entre especialistas, especulações acerca dos rumos da política externa e comercial durante o segundo mandato. Três cenários apresentam algum grau de plausibilidade.
O primeiro – e claramente o mais provável – é o de continuidade. A política externa e comercial é parte da estratégia de legitimação do governo junto ao eleitorado de esquerda, órfão de políticas macroeconômicas “ousadas”. Desse ponto de vista – que não considera resultados econômicos e ignora objetivos comerciais – ela é um sucesso. Há pois fortes incentivos (políticos) para a continuidade da política e poucos constrangimentos econômicos impelindo à mudança. O cenário externo continua muito favorável e o desempenho espetacular das exportações nos últimos anos reduz a margem de ação dos críticos da estratégia brasileira, embora esse desempenho nada deva à política externa e comercial. Vale observar que esse cenário não exclui a assinatura de um acordo de livre comércio com a União Européia, motivada menos por razões econômicas do que pelo objetivo político de demonstrar que o governo brasileiro é capaz de concluir alguma negociação com um parceiro relevante.
Em um segundo cenário, a política externa e comercial refletiria opções domésticas de corte populista, na área de política econômica e de política tout court. Uma política dos pobres contra os ricos no plano doméstico teria sua contrapartida externa, acentuando o viés terceiro-mundista da atual política e aproximando ainda mais o Brasil dos países sul-americanos campeões do nacionalismo econômico e do populismo político. Em termos de iniciativas externas, o Brasil acentuaria sua preferência por acordos Sul-Sul e apoiaria a consolidação de um Mercosul tripartite (com Argentina e Venezuela) com um acentuado viés defensivo. Negociações com países desenvolvidos, só na OMC e olhe lá.
No terceiro cenário, o governo reconheceria implicitamente a escassez de resultados econômicos de sua política externa e comercial e imprimiria a esta doses significativas de pragmatismo, especialmente no que se refere às relações do Brasil
com os países desenvolvidos. Algumas matérias publicadas na imprensa nas últimas semanas sugeriram haver disposição governamental para imprimir esse tipo de ajuste na política, o que se faria sentir sobretudo na postura brasileira frente às relações bilaterais com os Estados Unidos.
Essa orientação responderia a demandas e pressões originárias do setor empresarial, que criticam a politização ou a “ideologização” da estratégia comercial do Brasil. Há sólidas razões para por em dúvida a existência de tal disposição em um segundo governo Lula: o anti-americanismo é uma das molas mestras da “visão de esquerda” das relações internacionais e componente da estratégia de legitimação doméstica da política externa do governo atual.
Mas a solidez do anti-americanismo brasileiro não decorre desse seu vínculo com uma visão de esquerda. Ao contrário, ele se ancora no fato de que o “olhar anti-americano” flertou durante um longo período da história com a visão dominante em política externa, inclusive nos períodos em que a esquerda era perseguida e presa pelos governos militares.
À exceção de alguns curtos períodos, o Brasil adotou, a partir de meados do século XX, modelo de política externa profundamente influenciado pela percepção de que as relações bilaterais com o “vizinho do Norte” são essencialmente assimétricas. Nesse sentido, a estratégia externa do Brasil buscou alianças regionais e extra-regionais como mecanismos “reequilibradores” de poder ou capazes de reduzir os efeitos da assimetria entre Brasil e Estados Unidos.
O exercício desta opção produz “naturalmente” um distanciamento brasileiro em relação aos Estados Unidos e aos regimes internacionais patrocinados por este país, percebidos como fontes de desigualdades entre países ricos e pobres e como fatores que reforçam as assimetrias nas relações bilaterais do Brasil com os Estados Unidos.
Nesta visão, o fato do Brasil se situar, em termos geopolíticos e econômicos, na esfera de influência internacional dos Estados Unidos, é um sério problema. A localização do Brasil é uma incômoda proximidade com elevado potencial para restringir as margens de liberdade do País na implementação de seu projeto nacional de desenvolvimento e de projeção regional na América do Sul.
Dito de outra forma, as percepções dominantes no Brasil acerca das relações bilaterais com os Estados Unidos pautam-se por visão em que esta relação é percebida como restrição à realização das aspirações do Brasil, nos planos doméstico, regional e mundial.
Em seu primeiro mandato, a política externa do governo Lula sentiu-se muito confortável dentro desse modelo de relacionamento, que pouco exige do Brasil e gera dividendos políticos internos não desprezíveis. Apesar das reiteradas declara-
ções de altos funcionários brasileiros, saudando a excelência das relações bilaterais e a fluidez de contatos com autoridades dos Estados Unidos, esse “clima” não parece suficiente para gerar iniciativas que efetivamente contribuam para colocar
a interlocução entre os dois países no patamar requerido pela complexidade e pelo potencial das relações econômicas e políticas bilaterais.

Pedro da Motta Veiga
Editor

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