Crônicas de uma Viagem Ordinária (ou quase...)
3) De vuelta a la patria chica, malgré moi...
Paulo Roberto de Almeida
Punta del Este, Uruguai, 12 de janeiro de 2008
Sem que eu pretendesse, ou desejasse realmente fazê-lo, tive de render-me às evidências mais fortes da economia política argentina: fui mais uma vez “expulso” do país, em função das incertezas geradas por uma política absolutamente esquizofrênica de abastecimento e de organização de determinados mercados, tal como em vigor atualmente na pátria dos dois Kirchner.
A mesma política em vigor anteriormente sob o marido, de controle de preços e de “retenciones” – isto é, de impedimentos à exportação –, continua a ser operada agora pela esposa, que se faz chamar de “presidenta”. Essa política já provocou falta de produtos, mercados paralelos, aumentos preventivos de preços, desinvestimentos setoriais em atividades produtivas, mas tudo isso não deveria normalmente interessar um simples turista acidental, como eu, cabendo aos economistas argentinos fazer esse tipo de análise macroeconômica. Minha intenção inicial era apenas a de viajar de carro até o Chile, um país que não visito há cerca de 16 anos e que me parecia o mais “normal”, em termos de política econômica que possa existir numa América Latina que insiste em fazer experimentos já fracassados no passado.
Pois bem, parafraseando (mal) Pablo Neruda, confieso que he desistido...
Em lugar de atravessar o país a caminho da cordilheira, em um ou dois dias de viagem, desde Buenos Aires até Mendoza, de onde pretendia atravessa para o Chile, tive miseravelmente de fazer marche arrière, a caminho do Uruguai, país que conheço bem, por ter nele vivido no início dos anos 1990. Não pretendia voltar a ele agora, mas o destino nos prega peças inesperadas.
A razão, como todos podem adivinhar, foi falta de gasolina, não absoluta, mas potencial. Ainda na noite do dia 10 eu pretendia viajar direto a Mendoza, mas um relato de “terror turístico” me fez desistir. Um turista brasileiro, viajando de carro como eu, relatou as desventuras de um colega, retido durante três dias num vilarejo miserável qualquer bem no meio desse trajeto, impedido de seguir viagem por falta de gasolina (e, onde havia, não tinha eletricidade para impulsionar a bomba). Isso sem falar do desconforto da falta de paradas decentes – e de banheiros limpos, como já relatei em outra crônica – que tornam qualquer viagem de lazer um calvário federal (a expressão se aplica, neste país federalista).
Foi assim que decidi comprar uma passagem de primeira (não tenho certeza se o carro também “pagou” primeira), no chamado Buquebus, e atravessei o Rio de la Plata, em direção a Colonia del Sacramento, uma simpática cidadezinha fundada pelos portugueses no século XVII e várias vezes trocada de mãos, até ficar com os também simpáticos orientales. Dormimos lá mesmo, visitamos os museus e a cidade velha esta manhã, e viajamos a Punta del Este, depois de uma parada rememorativa em Montevidéu, visitando meu antigo edificio, a escuela Grecia, onde estudou meu filho (e que fez questão de se fazer fotografar frente a ela quase duas décadas depois).
Perto da Argentina, o Uruguai é um país assustadoramente “normal”. Enquanto escrevo, mais de 3hs da manha do domingo 13 de janeiro, está “todo mundo” passeando na Gorlero, a rua principal de Punta del Este, onde fica o meu hotel, um pequeno e despretensioso hotel médio em pleno centro da cidade (foi o que consegui achar, depois de peregrinar em dois ou três). A cidade tem muitos hotéis, dezenas de restaurantes, e quase nenhum parking ou estacionamento. Foi um sufoco achar lugar para o carro, concorrendo com centenas de veículos argentinos e brasileiros de todas as marcas e tamanhos (geralmente maiores e melhores do que o meu).
Para mim, está mais do que “normal”. Em qual outra cidade, eu disporia de livrarias abertas as 23hs? Comprei quatro livros, em questão de meia hora, antes de ir jantar no Garibaldi, um belo risotto ai frutti di mare. Não posso reclamar da decisão de entrar no que chamo, sem qualquer demérito, de “pátria pequena”, pois é isto o que o Uruguai representa, perto de um elefante e um cavalo, sem outros deméritos... Um pequeno país, mas bem organizado e preparado para o turismo, que constitui a sua segunda fonte de receitas, depois das vacas, ovelhas, cabras e outros animais de criação (inclusive os de passagem).
De um ponto de vista estritamente turístico, faz sentido este recuo, pois a “patria grande”, a Argentina, não me parece hoje um lugar muito saudável, ou normal. Lamento não ter chegado ao Chile, mas vou fazê-lo de avião, na primeira oportunidade, sem os inconvenientes de combustível, carnes, tangos démodés, e outros inconvenientes de um país que trata mal os seus próprios cidadãos. Eles talvez não tenham balas perdidas na Argentina, mas existem políticas “perdidas”, que por vezes causam tanto mal quanto...
Rio Grande, aqui me tens de regresso...
Punta del Este, 12-13 de janeiro de 2008.
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