A "primeira-ministra" do Brasil – enfim, hoje o Brasil é um país quase parlamentarista –, desembarcou em Moscou seis dias antes da visita oficial do "príncipe consorte":
"A primeira-dama Janja Lula da Silva, desembarcou em Moscou, na Rússia, na manhã do último sábado (3) e compartilhou fotos da viagem em suas redes sociais.Em postagem, Janja mostra fotos dos lugares históricos que visitou, como o Kremlin, complexo histórico que abriga a sede do Executivo local e onde se situa a residência oficial do presidente Vladimir Putin." (CNN, 3/05/2025)
Assim, a despeito de todas as inconveniências diplomáticas de o governo Lula apoiar OBJETIVAMENTE o lado do agressor na guerra de Putin contra a Ucrânia, teremos em poucos dias a INDIGNIDADE de ver o chefe de Estado do Brasil e da Diplomacia de um país democrático, supostamente respeitador da Carta da ONU e do Direito Internacional, apertar a mão de um CRIMINOSO DE GUERRA E CONTRA A HUMANIDADE.
Por isso mesmo renovo aqui minha nota já circulada anteriormente:
A inaceitável viagem de Lula a Moscou, a convite de Putin
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre a projetada viagem de Lula a Moscou em 9 de maio de 2025
O Presidente Lula aceitou, desde o primeiro minuto, o convite do presidente russo Vladimir Putin para participar em Moscou, no próximo dia 9 de maio das comemorações pelos 80 anos da vitória da antiga União Soviética na chamada “Grande Guerra Patriótica” – nome dado por Stalin – contra as forças da Alemanha nazista, no dia seguinte à assinatura da rendição da Wehrmacht em Berlim (as forças ocidentais o fizeram na cidade francesa de Reims, no mesmo dia 8 de maio).
Tanto a comemoração quanto a sinalização desse dia como marcando o final da Segunda Guerra Mundial no teatro europeu passam por cima de um outro fato histórico muito significativo. A guerra deslanchada por Hitler em setembro de 1939, ao invadir a Polônia, não teria sido possível sem a assinatura prévia, em Moscou, no dia 26 de agosto daquele ano, do Pacto Ribbentrop-Molotov, de não agressão entre a Alemanha nazista e a União Soviética stalinista, sem o qual Hitler não teria iniciado a sua guerra de agressão. Relembre-se ainda que, um protocolo secreto anexo ao Pacto, dividia a Polônia entre os dois poderes totalitários, tendo a URSS invadido a Polônia pela sua fronteira oriental poucas semanas depois.
Durante dois anos, de setembro de 1939 a junho de 1941, a União Soviética forneceu à Alemanha nazista alimentos, minerais, combustíveis e equipamentos, os quais foram usados por Hitler para subjugar as democracias da Europa ocidental, em novas guerras de agressão devastadoras. A União Soviética já abastecia amplamente a Alemanha da República de Weimar desde os anos 1920, dois países à margem dos sistemas de segurança da Liga das Nações, e continuou o fazendo sob a Alemanha dominada por Hitler, mesmo quando a doutrina oficial da nação comunista era a luta antifascista. A cooperação mútua, bem mais proveitosa à Alemanha nazista do que à URSS, teria continuado, se Hitler não tivesse traído o Pacto de Não Agressão e lançasse a Operação Barbarossa, em junho de 1941.
A “pátria do socialismo” não teria sobrevivido aos terríveis ataques da Wehrmacht se não fosse pela maciça ajuda das duas grandes democracias unidas nas Nações Aliadas, Estados Unidos e Reino Unido, que vieram em socorro da URSS nos momentos de maior perigo e durante toda a contraofensiva a partir de 1943. Em outros termos, não se pode esquecer que foram as democracias ocidentais que permitiram à União Soviética fazer frente ao poderio da Alemanha nazista em sua “Grande Guerra Patriótica”.
Registre-se que a doutrina jurídica da diplomacia brasileira, mesmo durante a vigência do Estado Novo, de notórias simpatias pelos fascismos europeus (até pelo menos 1942), repudiou a invasão armada da Alemanha nazista contra a Polônia em 1939, e instruiu seu ministro (embaixador) na legação em Varsóvia a seguir o governo polonês no exílio. Da mesma forma, o Estado Novo, e depois a República de 1946, nunca aceitou a usurpação territorial soviética contra os três estados bálticos, Estônia, Lituânia e Letônia (com os quais mantínhamos relações diplomáticas desde 1921), e continuou não aceitando a usurpação de suas soberanias até 1961, quando o Presidente Jânio Quadros restabelece relações diplomáticas com a URSS.
O Brasil votou na ONU contra a usurpação territorial do Kuwait, invadido pelo ditador Saddam Hussein em 1990, e sua diplomacia sempre acatou os princípios fundamentais do Direito Internacional durante toda a vigência do sistema da ONU desde 1945. O primeiro distanciamento dessa doutrina jurídica da diplomacia brasileira ocorreu sob o governo Dilma Rousseff, quando forças não identificadas, mas distintamente russas, invadiram e anexaram ilegalmente a península ucraniana da Crimeia, em fevereiro de 2014; vários países membros, de acordo a dispositivos da Carta da ONU, condenaram a usurpação russa do território de um país soberano, mas o governo Dilma Rousseff mostrou-se totalmente indiferente ao assunto. Até o governo Donald Trump, no seu primeiro mandato, repudiou a invasão e confirmou, pela voz do seu Secretário de Estado, que os Estados Unidos não reconheciam a Crimeia como sendo pertencente à Federação Russa.
Em 2022, pouco antes da invasão da Ucrânia por tropas das Forças Armadas da Rússia, o Presidente Jair Bolsonaro, contra as recomendações do Itamaraty, efetuou uma visita a Putin, durante a qual se declarou “solidário” ao país, tendo ao mesmo tempo mantido e aumentado as importações brasileiras de fertilizantes e de combustíveis russos, a despeito de depois condenar, mas apenas formalmente, a guerra de agressão iniciada em 24 de fevereiro daquele ano, por meio do acatamento a uma resolução da Assembleia Geral, na qual não discriminava o país agressor e apenas recomendava uma solução pacífico ao conflito “entre as partes”, como se elas fossem equivalentes. O governo Lula agravou o desrespeito pelo Brasil das normas mais elementares do Direito Internacional, e da própria Carta da ONU, e não vir em socorro a parte agredida, tendo, ao contrário, elevado extraordinariamente as importações brasileiras de fornecimentos russos, demonstrando objetivamente o seu apoio ao agressor.
Durante os três anos de guerra, o governo Lula não demonstrou qualquer solidariedade à parte agredida, tendo acatado diversas das teses russas sobre as origens do conflito e possíveis soluções propostas a um cessar fogo, todas elas contrariando disposições da Carta da ONU e diferentes instrumentos do direito internacional humanitário. Ao contrário, tendo já sido expedido mandado de busca e apreensão contra o presidente Vladimir Putin, pelo Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é membro fundador, o presidente Lula manifestou abertamente sua contrariedade pelo fato de não poder acolher o presidente russo na reunião de cúpula do G20 realizada no Brasil em novembro de 2024, tendo mesmo efetuado tentativas de acolhê-lo no Brasil sem ter de acatar as obrigações estabelecidas no Estatuto de Roma.
Uma eventual viagem do presidente a Lula a Moscou, num dos momentos mais cruéis da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, confirmaria, para vergonha da doutrina jurídica da diplomacia brasileira, um apoio confirmadamente objetivo à potência agressora, contrariando até mesmo as cláusulas de relações internacionais constantes do artigo 4º da Constituição brasileira de 1988.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4904, 24 abril 2025, 3 p.
Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/04/a-inaceitavel-viagem-de-lula-moscou.html
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