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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Os amores de Stefan Zweig - N. Marsh

Ele escreveu para ela, contando como estava feliz com outra pessoa. Fici estava prestes a gritar de dor, mas então se controlou. Era um típico jogo de amor, e Stefan Zweig o conduzia magistralmente. Se ela agisse como uma burguesa, ele teria rompido com ela. Borrifando perfume nos pulsos para deixar um rastro de aroma no papel, Fici começou a escrever sua resposta. Decepcionar o escritor não era uma opção.


Carta de uma desconhecida

Os vestidos de Fici ocupavam dois enormes armários, mas ela queria ser mais do que apenas esposa e mãe. Nos círculos burgueses de Viena, isso era algo raro, mas a família não se opôs quando ela decidiu entrar na universidade. Em toda a turma, havia apenas duas garotas! Naturalmente, Fici era vista com surpresa... No entanto, logo a surpresa deu lugar à admiração – a filha do banqueiro Emanuel Burger se destacou em literatura e francês. E logo começou a publicar seus próprios trabalhos.

No entanto, escapar do "destino feminino" era impossível. Com dezoito anos, pouco antes da morte de seu pai, Fici foi apresentada a um bem-sucedido inspetor fiscal, von Winternitz. Depois veio o casamento... Em 1902, quando chegou a hora de publicar seu primeiro romance, ela assinou como Friederike von Winternitz. O talento da jovem escritora de vinte anos foi notado pelos críticos, e várias revistas logo quiseram colaborar com ela.

Fici se esforçava para manter o equilíbrio – era uma esposa e mãe dedicada (ela teve duas filhas, Alice e Susanne), mas continuava a escrever. Sua vida bem organizada começou a rachar em um sombrio dia de setembro, quando Fici entrou em um café vienense com uma amiga. Na mesa ao lado, havia um homem interessante, absorto na leitura. E Fici quase deu um pulo de surpresa, como uma garotinha: ele estava lendo seu romance, "Pequeno Pássaro"!

Ela hesitou em se aproximar e oferecer um autógrafo, mas por um breve momento cruzou olhares com o estranho. Suas bochechas coraram, e quando trouxeram a conta, Fici pagou rapidamente e saiu imediatamente.

- Eu não deveria ter saído naquela hora, - ela dizia mais tarde, - teríamos nos encontrado antes!

Todo o seu mundo anterior de repente pareceu desbotar. À noite, quando o marido contou sobre o trabalho, Fici quase gritou – pela primeira vez, ela percebeu o quanto aquilo era entediante! A empregada relatava as despesas, e ela distraidamente assentia: "Sim, sim!". Sua alma ansiava por aquele pequeno café... Mas na próxima vez, o estranho não estava lá.

Eles se encontraram novamente alguns meses depois. E Fici, apontando para o jovem, comentou: este é Stefan Zweig. O nome ficou gravado em sua memória. Logo ela descobriu seu endereço. E o surpreso Zweig recebeu uma carta:

"Ontem no café, estávamos sentados perto um do outro... Eu tenho um livro de poemas de Verhaeren traduzido por você. E antes disso, li sua novela... Não peço que me responda, mas se tiver vontade, escreva para ser retirado pessoalmente..."


Jogo de amor

Era algo novo e curioso. Zweig sempre gostou de reviravoltas inesperadas e brilhantes – mas tudo estava realmente acontecendo. Ele não se lembrava da mulher que estava no café, mas ela conseguiu despertar seu interesse.

Por isso ele respondeu. Depois, recebeu o número de telefone de Fici e enviou o seu. Duas pessoas completamente diferentes começaram a conversar por longos períodos, descobrindo a cada vez mais uma simples verdade: eles eram feitos um para o outro!

Fici e Stefan não conseguiam parar de conversar. Parecia que nunca ficavam sem assunto, e quando descreviam seus sentimentos, sentiam uma resposta imediata e muito precisa. No entanto, não ousaram concordar com um encontro pessoal de imediato. E quando isso aconteceu... parar os sentimentos era impossível.

Tudo aconteceu em Lübeck, onde Fici foi sob um pretexto inventado, e Stefan comemorava seu aniversário. Como ela poderia, depois disso, cheia de emoção, voltar para o marido? A volta para casa foi um tormento. No entanto, em casa, Fici fez uma descoberta: seu marido já estava há muito tempo dividindo seu tempo com outra mulher... Como ela não percebeu isso? Talvez ela simplesmente não se importasse...

- Eu não posso me prender, - dizia Fici a Stefan, - me tornar um burguês calvo, que passa as noites ao lado da lareira com um jornal? Oh, não! Para confirmar essas palavras, Zweig foi para Paris. E enviava cartas para sua amada, nas quais contava detalhadamente como estava feliz com outra pessoa.

"Você está se divertindo muito, - respondia Fici, - e estou infinitamente feliz por você. Mas você escreve para mim com muita frequência, me distraindo dos meus afazeres. Escreva menos."

Agora, era Zweig quem estava profundamente magoado.

Dois

Fici pensou em se divorciar do marido por vários anos. No final, os cônjuges reconheceram que não conseguiram formar uma verdadeira família. Assim que os papéis foram assinados, Zweig fez a proposta... Radiante, ofegante, ela correu para a amiga para contar a incrível notícia. Mas a amiga reagiu friamente:

- Não acha, querida, que isso é exagero?

Em 1920, ela se tornou Friederike Zweig e se estabeleceu na casa do marido em Salzburgo. As filhas foram com ela. Na villa de Stefan, prevalecia uma atmosfera boêmia – havia sempre convidados, longas discussões sobre literatura... A estilosa e marcante Fici se esforçava para agradar a todos: cuidava das filhas, começou a ensinar francês para se sentir um pouco mais independente, ajudava o marido a editar suas obras e organizava recepções.

Stefan devia muito a Fici – ela criou para ele um mundo incrivelmente acolhedor, onde cada detalhe era cuidadosamente pensado. Ela conseguia dar-lhe conselhos valiosos e frequentemente o tirava de crises de melancolia. Imagine só! Com a proximidade dos quarenta anos, era Stefan quem se preocupava com a idade, não Fici!

- Você se preocupa demais com isso, - comentou certa vez a esposa, e Zweig se irritou.

"Tenho medo de doença e velhice", - escreveu Stefan a um amigo. Ele era absolutamente sincero.

As meninas estavam crescendo e aos poucos saindo do ninho. Na villa restaram apenas dois, e esses dois se conheciam muito bem. Mas por que Fici sentia cada vez mais que Stefan não estava realmente com ela?

- Precisamos nos mudar, - disse Zweig à esposa em meados dos anos 1930, - a situação na Áustria está saindo do controle.

Assim, eles foram para Londres.

Lotte

As filhas ficaram na Áustria, e Fici as visitava frequentemente. Para que o trabalho de Stefan não parasse, decidiram contratar uma secretária. A refugiada alemã Charlotte Altmann – ou simplesmente Lotte – era uma filha de banqueiro quieta e modesta. Observando-a com rigor, Fici pensou: uma garota tão sem graça, seu marido dificilmente notaria. Candidata ideal.

No entanto, aconteceu algo que Fici nem poderia imaginar. Zweig – envelhecendo e, portanto, necessitando de um impulso de energia – se envolveu com Lotte durante a ausência de Fici. Por um tempo, Fici tentou se recompor e se convencer de que era um mal-entendido! Ela estava com Stefan há tantos anos! Ela o conhecia melhor do que ninguém! Mas o escritor insistiu no divórcio. Agora eles deveriam seguir caminhos diferentes... Fici juntou suas coisas e se mudou para a França. Stefan e a jovem esposa foram para a América Latina.

Eles continuaram a se corresponder durante todo esse tempo. Zweig nunca se estabeleceu por muito tempo em lugar nenhum – ele foi para os EUA e depois se fixou na cidade brasileira de Petrópolis, nomeada em homenagem ao imperador Pedro II. Stefan não encontrava paz e estava sempre angustiado. As cartas se tornavam cada vez mais sombrias, e Fici estava seriamente preocupada com o ex-marido. Em 1940, ela também foi para os Estados Unidos, levando as filhas. Em Nova York, trabalhou como agente literária e tradutora, o que lhe permitiu se sustentar.

Fici soube de tudo pelos jornais. Em 22 de fevereiro de 1942, Stefan e Lotte tomaram voluntariamente uma dose excessiva de soníferos. Em sua última carta, o escritor revelou o que o atormentava há muito tempo – ele temia a velhice e a impotência. Lotte também deixou uma carta, afirmando que tomou a decisão porque não poderia viver sem Zweig. O jogo de amor terminou para sempre.

Fici fez muito para preservar o legado de Zweig, pelo que foi muitas vezes criticada pela família de Lotte. Eles acreditavam que a última esposa do escritor teve um papel muito mais significativo em sua vida... E em 1971, Fici também faleceu.

Aquela carta de Friederike se tornou uma fonte de inspiração para Zweig escrever uma de suas obras mais emocionantes – "Carta de uma Desconhecida". E se por acaso você ainda não a conhece, desejo sinceramente que preencha essa pequena lacuna.

Autor: N. Marsh


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