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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Cadernos do CHDD, número especial do aniversário de 20 anos: contribuições de diplomatas historiadores

 O Centro de História e Documentação Diplomática acaba de lançar, por empreendimento editorial da sua casa-mãe, a Fundação Alexandre de Gusmão, este número especial comemorativo dos 20 anos de sua revista, os Cadernos do CHDD, criados pelo embaixador Álvaro da Costa Franco, diretor do CHDD durante os primeiros anos deste século.


Abaixo transcrevo o Sumário e a Apresentação feita pelo seu atual diretor, o embaixador Gelson Fonseca Jr., também responsável indireto, quando foi presidente da Funag, pela criação do IPRI, cuja ideia saiu de sua tese do Curso de Altos Estudos sobre as relações entre a diplomacia e a academia.

Por fim, informo que foi convidado pelo embaixador Gelson a colaborar nesse número especial, com vários outros colegas da Casa de Rio Branco que também se dedicam a percorrer a história. Como estávamos (ainda estamos) no ano do bicentenário, escolhi fazer uma contribuição sobre a historiografia da independência, como informado nesta ficha de publicação: 

1476. “Historiografia da independência: síntese bibliográfica comentada”, Brasília, 9 setembro 2022, 19 p. Seleção de obras sobre o processo da independência. Publicado nos Cadernos do CHDD (ano 21, número especial, segundo semestre de 2022, p. 127-150; ISSN: 1678-586X; revista completa disponível neste link: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200); artigo PRA neste link da plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/91952768/4234_Historiografia_da_independencia_s%C3%ADntese_bibliografica_comentada_Cadernos_CHDD_2022_). Relação de Originais n. 4234. 


Cadernos do CHDD

 

(ano 21, número especial, segundo semestre de 2022, 625 p.; ISSN: 1678-586X; disponível:https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200).

 

Sumário

PREFÁCIO 9 

Márcia Loureiro 

 

APRESENTAÇÃO 11 

20 anos dos Cadernos do CHDD 

Gelson Fonseca Jr. 

 

CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA (CHDD) 29 

1. Prolegômenos, 31 

Maria do Carmo Strozzi Coutinho 

 

O ITAMARATY E A PESQUISA HISTÓRICA 39 

2. O Itamaraty como instituição produtora de conhecimento, 41 

Rubens Ricupero

 

TEMAS DA HISTÓRIA DIPLOMÁTICA 61 

A. Fronteiras 

3. Territórios e fronteiras ou porque o Brasil ficou tão grande, 63 

Synesio Sampaio Goes Filho 

 

4. Diplomacia e história territorial, 103 

Luís Cláudio Villafañe G. Santos 

 

B. Império

5. Historiografia da independência: síntese bibliográfica comentada, 127 

Paulo Roberto de Almeida 

 

6. Revisitando 1825: o reconhecimento do Império brasileiro e a lenda de um mau negócio, 151 

Hélio Franchini Neto 

 

7. Cartas de um embaixador de Onim, 179 

Alberto da Costa e Silva 

 

8. A abolição da escravidão no Brasil no contexto internacional, 189 

Fernando de Mello Barreto 

 

9. O Império e a construção da rede de postos brasileira no exterior. 221 

Cesar de Oliveira Lima Barrio 

 

C. República 

10. O significado do panamericanismo na política externa brasileira (1889-1961), 257

Eugênio V. Garcia 

 

11. Ainda a Política Externa Independente, 269 

José Humberto de Brito Cruz 

 

12. Conferência de Chapultepec: breve análise da atuação brasileira, 289 

Sarah de Andrade Ribeiro Venites 

 

13. A participação do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas entre 1946 e 1964, 319 

Gustavo Ziemath 

 

14. A Trajetória histórica do Brasil em missões de paz das Nações Unidas e seu papel na política externa brasileira, 341 

Eduardo Uziel 

 

PERSONALIDADES 363

15. José Bonifácio de Andrada e Silva, o chanceler revolucionário-conservador, 365 

João Alfredo dos Anjos

 

16. Paulino José Soares de Souza, 393 

Miguel Gustavo de Paiva Torres 

 

17. O Barão visto pelo mestre de Apipucos, 399 

André́ Heráclio do Rêgo 

 

18. O senador e o Barão, 419 

Paulo Fernando Pinheiro Machado 

 

19. O pote de barro e o pote de ferro: a utopia de Nabuco para as duas Américas, 445

João Almino 

 

CULTURA E ARTES 465

20. O bicentenário da lusofonia, 467 

Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão 

 

21. Machado de Assis e a política internacional, 479 

Sérgio Paulo Rouanet 

 

22. Os descobridores (1899), de Belmiro de Almeida: repensando o mito de origem da nação, 487 

Guilherme Frazão Conduru 

 

23. A história e a estória, 527 

Heloisa Vilhena

 

24. Quando o Itamaraty tinha bossa: formação e auge da diplomacia cultural brasileira, 553 

Bruno Miranda Zétola 

 

25. Palácio Itamaraty de Brasília: cultura diplomática e diplomacia cultural, 579 

André́ Correa do Lago 

 

GÊNERO 593 

26. Lugar de mulher é mesmo onde ela quiser? 595 

Guilherme José Roeder Friaça e Viviane Rios Balbino 

 

 Cadernos do CHDD

 

(ano 21, número especial, segundo semestre de 2022, 625 p.; ISSN: 1678-586X; disponível:https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200).

 

 

APRESENTAÇÃO 11 

20 anos dos Cadernos do CHDp. 11-27

Gelson Fonseca Jr.[1]  

Ao longo de 20 anos foram publicadas, sem interrupções, as edições semestrais dos Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) da Fundação Alexandre de Gusmão. Este número celebra a data e a fidelidade da revista a seus objetivos de estimular estudos sobre a história diplomática brasileira e de divulgar documentos originais do Arquivo Histórico do Itamaraty. A comemoração deve começar por um tributo ao embaixador Álvaro da Costa Franco. Foi ele quem criou o Centro, projetou suas atividades e dirigiu-o entre 2002 e 2010. Os Cadernos, uma de suas muitas iniciativas, têm relevância especial: tornaram-se a marca do Centro pela importância do material publicado, pelo interesse que desperta entre os pesquisadores e, virtude não menor, pela qualidade impecável que tem seguido nas transcrições de documentos, especialmente as paleográficas. Ele teve, ao longo de sua gestão, a assistência valiosa de Maria do Carmo Strozzi Coutinho que, no artigo que abre esta edição, conta o que ela chamou os “prolegômenos” do CHDD. Serviu ao Centro, como coordenadora de pesquisa e editora até 2016. Álvaro foi sucedido pelo embaixador Maurício Cortes que, entre 2011 e 2016, manteve com rigor, competência e criatividade, o seu legado. 

O aniversário dos Cadernos é também a ocasião para evocar a longa e rica tradição dos diplomatas que se dedicaram à pesquisa histórica. Começa com Varnhagen, continua com Oliveira Lima e chega, para citar dois notáveis, a Alberto Costa Silva e Evaldo Cabral de Mello. Cada um, a sua maneira, inventou caminhos para compreender a história brasileira. Rubens Ricupero[2] faz parte deste time quando reinterpreta, de perspectiva realmente inovadora, o lugar da diplomacia na “construção do Brasil”. Para este número, Ricupero, em síntese perfeita, mostra, no artigo “O Itamaraty como produtor de conhecimento”como nasce aquela tradição, quais são os principais personagens que a compõe, quais os seus marcos e realizações, de que uma das expressões é o CHDD. Assim, Ricupero estabelece a moldura histórico-conceitual que situa esta edição especial. De fato, não haveria melhor maneira de honrar a tradição de pesquisa histórica do Itamaraty do que mostrar como ela continua vigorosa e criativa. 

Os autores selecionados representam um panorama significativo de como anda a produção de nossos diplomatas-historiadores. Vale esclarecer que o projeto desta edição não foi elaborado a partir de uma pauta pré-definida de temas com base em critérios acadêmicos. Foi, sim, construído a partir de convite para que alguns de nossos historiadores revisitassem objetos de suas reflexões, com plena liberdade para escolher a matéria e o formato de seus artigos. No grupo, como se verá, há autores consagrados, cuja obra já́ se tornou fonte obrigatória para o estudo de certos temas de nossa história; outros começam a publicar. Há doutores, há mestres, titulares de cadeiras da Academia Brasileira de Letras e de institutos históricos; há vocações firmadas, outras que despontam. O resultado é notável, pela abrangência e pela qualidade. A eles, o agradecimento do CHDD e reconhecimento de que a eles pertencem os méritos desta edição. 

Depois dos textos iniciais, de Ricupero e de Maria do Carmo, sobre o Itamaraty e a pesquisa histórica, as contribuições foram agrupadas em quatro seções: “Questões Diplomáticas” (Fronteiras, império e República), “Personalidades”, “Cultura e Artes”, e “Gênero”. Uma palavra sobre cada um deles. 

Fronteiras 

Com título sugestivo, “Porque o Brasil se tornou tão grande”, Synesio Goes retoma, com atualizações, o seu livro, hoje clássico, Navegantes, bandeirantes e diplomatas. Compreender o processo de definição das fronteiras é fundamental para se definir, na expressão de Demétrio Magnoli, o “corpo da pátria”, o espaço físico que ocupamos. Synesio examina as diversas etapas da expansão territorial e os desafios diplomáticos que colocou. De forma concisa, mas completa, são descritas as negociações sobre os limites com os vizinhos, sublinhando as razões para que o resultado alcançado ocorresse de forma pacífica. Luis Cláudio Villafañe, um dos mais completos historiadores diplomáticos brasileiros, biógrafo de Rio Branco e Euclides da Cunha, em “Diplomacia e história territorial”, reflete sobre a mesma realidade com que Synesio trabalha, mas de outra perspectiva. Está interessado em retomar a formação da “ideologia geográfica” e estudar de que maneira o território se torna fundamento da legitimação do poder dinástico que começara a se desenhar ainda no Reino Unido e persiste depois da Independência. É um dos elementos que diz aos brasileiros (ainda longe de formar uma nação no sentido pleno) o que é o Brasil. O diálogo entre os dois textos oferece privilegiada porta de entrada para compreensão da base geográfica da presença do Brasil no mundo. Vale chamar atenção para as menções que Synesio e Luis Cláudio fazem, ao princípio do uti possidetis, referência jurídica fundamental para as negociações de fronteiras. São muito esclarecedoras sobre o alcance do uso do princípio e como foi aplicado. 

Império 

A série sobre a diplomacia imperial começa com artigo de Paulo Roberto de Almeida sobre a historiografia da Independência. Paulo é dos mais completos e conhecidos pensadores brasileiros de relações internacionais. Sua vasta obra voltada, sobretudo, à história diplomática e à análise da política externa contemporânea, guiada por agudo espírito crítico, é sempre estimulante. Seus escritos sobre a formação da diplomacia econômica do Brasil, de consulta obrigatória. Para esta edição, ofereceu uma análise da historiografia da Independência em que lembra os autores, clássicos e contemporâneos que a estudaram, as fontes e as intepretações. O panorama é completo e bem- -articulado. Vale como mais um texto de alta qualidade de Paulo Roberto. 

O reconhecimento da Independência foi o primeiro desafio que enfrentou a diplomacia brasileira. Dois artigos abordam diretamente o tema. O primeiro é de Hélio Franchini, que publicou recentemente um dos mais notáveis livros que surgiram na esteira das reflexões sobre o bicentenário, “Independência e morte”, importante revisão das guerras da Independência. Em “Revisitando 1825: o reconhecimento do Império Brasileiro e a lenda do mau negócio”Franchini retoma a questão do reconhecimento e se volta, com novo olhar, para a questão do preço pago para obtê-la. Afinal, poderia ter sido diferente? Vale conhecer a equilibrada resposta de Franchini. Alberto Costa e Silva, um dos nossos maiores historiadores, em artigo, republicação do original que saiu nos Cadernos do CHDD[3], desafiou o consenso em torno da primazia americana e lembrou a passagem, logo após a Independência, de dignatários africanos que se correspondem com D. Pedro. As cartas se aproximariam formalmente do reconhecimento, embora de maior valor simbólico do que político. Ao divulgá-las fica demonstrada, mais uma vez, a sensibilidade de Alberto para as relações entre o Brasil e a África. Ele foi responsável por encontrar e estudar muitos dos elos que exprimiam a densidade de nossas relações com o continente africano. Abriu caminhos para que entendêssemos melhor o que somos. 

Dois temas centrais da diplomacia imperial, as pressões internacionais para o fim do tráfico de escravizados e a distribuição da rede de missões diplomáticas completam a seção. Autor de importante estudo sobre os “sucessores de Rio Branco” e a política externa após a redemocratização, Fernando Mello Barreto faz uma análise abrangente a respeito da abolição da escravatura. Combina a perspectiva das relações internacionais, examinando do Brasil as pressões britânicas, as consequências da Guerra do Paraguai e a solução da emigração, com a análise dos movimentos internos, as revoltas de escravizados e o abolicionismo. Escreveu, assim, uma introdução segura ao que foi o nosso mais trágico legado. Cesar Barrio, autor de uma reflexão exemplar e marcante sobre o “intervencionismo civilizador” do Brasil no Prata, volta-se nesse artigo a estudar, com base em levantamento rigoroso, a expansão da rede de postos diplomáticos no Império. O levantamento é valioso em si mesmo, inclusive pela maneira como utiliza as fontes documentais. Mas vai além disto. Barrio discerne, no processo de criar missões diplomáticas, inclinações centrais das opções diplomáticas da política externa do Império. 

República 

A seção sobre a diplomacia republicana se concentra em temas multilaterais, assim sublinhando o traço que mais claramente a distingue da imperial. Não será o único traço. Novas modalidades de aproximação com os vizinhos e a “aliança não escrita” com os EUA também coincidem com os novos tempos. 

Porém, é nas instituições multilaterais, que começam a se consolidar no fim do século XIX, que o Brasil encontra o caminho para a projeção internacional. O primeiro palco para a atuação multilateral foi o sistema regional, sobre o qual Eugênio Vargas Garcia escreve, que tem importantes contribuições à história diplomática. Lembro, de seus muitos textos, dois notáveis: os estudos sobre a presença do Brasil na Conferência de São Francisco e sobre a diplomacia brasileira nos anos 1930. Para esta edição, Eugênio Vargas faz uma interpretação abrangente do significado do panamericanismo para o Brasil e mostra como as opções diplomáticas foram marcadas pelas referências e constrangimentos do sistema regional e o encerramento do ciclo quando se desenha a alternativa universalista com a Política Externa Independente (PEI). A importância do que se chamou o “paradigma americanista” é um dos momentos decisivos para a evolução da ação externa do Brasil. Tem sido objeto de inúmeros estudos, e um deles, que se tornou referência obrigatória para a análise do período, é aqui retomado. Seu autor, José Humberto Brito Cruz, que, em 1986, escreveu um ensaio, Alguns aspectos da evolução da política externa brasileira no período da política externa independente (1961-1964), que estudava, com percepções originais, a PEI e de que maneira as mudanças na política externa poderiam ser explicadas pela evolução da situação interna. Agora, volta ao tema, “Ainda a Política Externa Independente”, e, mais uma vez, inova. O objetivo é outro, entender a lógica das posições que San Tiago Dantas defendeu. Como Brito demonstra, o princípio da não intervenção, base da atitude brasileira, era o melhor argumento, o mais racional, para superar os dilemas postos pelo regime cubano. Era, contudo, repelido pelo sistema bipolar que, pela própria natureza do conflito, repelia também o que parecia racional. 

O estudo de Sarah Venites sobre Chapultepec é o perfeito elo entre o regional e o universal. A reunião panamericana convocada para o México em 1945 visava justamente definir pautas comuns para a Conferência de São Francisco, que negociaria a Carta das Nações Unidas. O desenvolvimento, o papel da diplomacia brasileira e os resultados do encontro estão descritos com rigor no ensaio de Sarah. A leitura mostra de que maneira alguns temas, especialmente na área econômica, mas não só, apontavam para as divergências estruturais entre os Estados Unidos e a América Latina. 

Os estudos de Eduardo Uziel e de Gustavo Ziemath abordam a conduta brasileira no Conselho de Segurança. Em estudo pioneiro, apresentado como tese de mestrado à UnB, Ziemath analisou as posições brasileiras no Conselho de Segurança entre 1945 e 2011. Em seu artigo para esta edição, faz um recorte e cobre o período de 1945 a 1964, quando cumprimos quatro mandados como membro não permanente. O ensaio de Ziemath é uma descrição cuidadosa de nossas posições e abre questões que são permanentes para a ação diplomática; uma delas é a coerência na fidelidade a princípios. Como ele sugere, vale examinar de que maneira as conveniências políticas do alinhamento ocidental modularam o uso ou o olvido de princípios proclamados. Eduardo Uziel tem publicado extensamente sobre a presença do Brasil na ONU e escreveu ensaios que renovam a pesquisa sobre o papel dos “não permanentes” no Conselho. Para esta edição, refaz a Trajetória histórica do Brasil em missões de paz das Nações Unidas e seu papel na política externa brasileira”Relembra a história da participação das primeiras missões, desde os anos 1940, e chama atenção para o primeiro engajamento maior quando enviamos tropas para a Força de Emergência das Nações Unidas em Suez e chega até a presença brasileira no Haiti, com a MINUSTAH. A trajetória ilustra, inicialmente, a complexidade das decisões sobre as missões de paz no Conselho de Segurança e serve de base para discutir, com rigor, as razões que nos condicionaram as escolhas para nos engajarmos (ou não) e as modalidades de participação. 

Personalidades 

O capítulo começa com José Bonifácio, apresentado por João Alfredo dos Anjos que, em livro recente, estudara o Patriarca da Independência como o primeiro chanceler do Brasil. O artigo está voltado para caracterizar a natureza de seu pensamento, que qualifica de “revolucionário-conservador”. Revê e critica a historiografia a respeito do Andrada e mostra como foram ousadas as suas ideias, certamente adiantadas para o tempo em que viveu, como suas inclinações abolicionistas. É especialmente interessante a análise de João Alfredo sobre o processo de reconhecimento e que faz contraponto com a do artigo de Franchini. Miguel Gustavo de Paiva Torres resume seu livro sobre Paulino Soares de Souza e chama atenção para a importância que teve como formulador da política externa do Império, atividade talvez menos conhecida do que sua atuação como político e como pensador das instituições imperiais. 

Rio Branco merece dois ensaios inéditos. O primeiro é de André Heráclio do Rego, que tem escrito sobre história diplomática, entre os quais textos importantes sobre a obra de Oliveira Lima, sobre a sociologia do coronelismo. O artigo “O Barão visto pelo mestre de Apicucos” reelabora as percepções de Gilberto Freyre sobre Rio Branco e, como tudo que vem do mestre pernambucano, é original e revelador. E, claro, sem que falte ironia. O outro, de Paulo Fernando Pinheiro Machado, explora os laços entre o senador Pinheiro Machado e o Barão e explica de que forma o gaúcho, naquele momento, o político mais influente na política interna, serve como um personagem decisivo para o sucesso diplomático de Rio Branco. A seção termina com um ensaio sobre Nabuco, elaborado por João Almino, diplomata, membro da Academia Brasileira de Letras, e conhecido como ficcionista, filósofo, e também historiador. Almino revisita as conferências que proferiu como embaixador em Washington e refaz, com argúcia, a visão de Nabuco sobre o que seria a “civilização americana”, qual a sua contribuição para a história da humanidade e, ainda, qual o alcance do panamericanismo e das relações com a América Latina. As posições de Nabuco poderiam ser discutidas, mas o seu brilho intelectual e sua criatividade ficam mais uma vez demonstrados por Almino. 

Cultura e Artes

Nesta seção os artigos são de escopo variado. No primeiro, Gonçalo Mourão, estudioso da dimensão internacional da Revolução Republicana de 1817 em Pernambuco propõe uma perspectiva original para um problema central para o Brasil independente: como se constitui o sentimento de nacionalidade. Gonçalo vê uma manifestação desse sentimento em um jovem escritor pernambucano, José da Natividade Saldanha. Em livro de poesias, publicado em Coimbra em 1822, “se expressava – e em português literário – a certeza inequívoca de não ser português”. Assim, o batismo poético valia, portanto, como sinal do nascimento do país e ao mesmo tempo da lusofonia, “a fonia de vários povos”. 

O ensaio seguinte vale como uma homenagem a um dos mais completos intelectuais brasileiros contemporâneos, Sergio Paulo Rouanet. A história diplomática não foi o foco de sua reflexão, voltada para a filosofia, a literatura e a história da cultura. Para os Cadernos do CHDD escreveu um texto notável, “Machado de Assis e a política internacional”, publicado originalmente no volume 12. Com a agudeza do crítico literário e a sensibilidade diplomática, Rouanet produziu um ensaio original e revelador sobre as ideias de Machado de Assis a respeito de episódios como a frustrada tentativa francesa de instalar um governo monárquico no México e a guerra da Tríplice Aliança contra Solano López. A conclusão de Rouanet é lapidar: 

A política externa de Machado de Assis maduro não era nem revolucionária, como a dos jacobinos, nem reacionária, como a de Metternich, e talvez se aproximasse da que seria defendida pelo conselheiro Aires – uma política externa cética, atenta ao substrato de interesse pessoal e de amor-próprio subjacente a todos os grandes ideais, e, como decorrência dessa visão desencantada do mundo, inteiramente desprovida de entusiasmo, mas também alheia a qualquer forma de fanatismo. 

O artigo de Guilherme Frazão Conduru sobre os “Descobridores” se inicia com uma síntese da “pintura de história” no Brasil que introduz um ensaio notável de erudição e sensibilidade estética sobre a vida e a arte de Belmiro de Almeida. Conduru analisa um quadro que propicia uma reflexão que toca no problema de saber que história a representação pictórica revela. Os “Descobridores” são dois personagens que mais parecem degredados do que heróis. Porquê da escolha de Belmiro e como a passa para a tela são objeto do arguto ensaio de Conduru. Não faltam também notas sobre a relação de Rio Branco com Belmiro. 

Heloisa Vilhena é uma das mais completas conhecedoras da obra de Guimarães Rosa e de sua carreira no Itamaraty. Em livro que é referência sobre o tema, Guimarães Rosa, diplomata, reeditado em 2020, ela explora as convergências entre a obra literária e a trajetória diplomática. Agora, volta ao mesmo movimento comparativo e examina-o da perspectiva da linguagem. Olhando para as narrativas que a estória e a história propiciam, observa como Rosa frequenta as duas naturezas do relato. Heloisa acentua que o que diferencia a estória da história é “a proporção de utilização de lógica e de metáfora. O relato histórico, sem a intuição poética, torna-se mecânico, vazio. O relato poético, sem interpretação lógica, é obscuro”. E conclui com citação de Rosa: “Por esta razão, a poesia é algo mais científico e sério do que a história”. O texto de Heloisa, que encanta pela qualidade literária, explicará porquê... 

Bruno Zétola não trata diretamente de criadores culturais, mas como o Itamaraty, a partir dos anos 1930, começa a desenvolver mecanismos institucionais de diplomacia cultural. Com a formação acadêmica de historiador, que lidava com a Alta Idade Média, Bruno faz um ensaio rigoroso sobre história institucional e analisa um tempo em que “o Itamaraty tinha bossa”, pelos anos 1950 e 1960, quando florescia a criatividade artística brasileira, com o cinema novo, a arquitetura de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, os jardins de Burle Marx e a bossa-nova, mas não só. Um dos interesses do estudo é que vai às raízes da identidade brasileira, que se abrem do momento em que o país se torna independente e precisa definir quem somos, qual a nossa identidade cultural. O artigo de Zétola é uma contribuição para situar o problema. 

E o artigo seguinte, de André Correa do Lago, “Palácio do Itamaraty: cultura diplomática e diplomacia cultural”, é ilustração e complemento perfeito para as ideias apresentadas por Zétola. André é um respeitado especialista em história da arquitetura, primeiro brasileiro a integrar o júri do Prêmio Pritzker, e usa o seu conhecimento para traçar, com segurança, o significado do Palácio do Itamaraty e seu efeito de representação da realidade brasileira e, consequentemente, o seu valor de soft power. Por tudo isto, o texto já valeria a leitura. Mas André oferece mais, como a esplêndida e precisa promenade architecturale que conduz pelo Palácio de Brasília. 

Gênero 

A questão de gênero é central no debate contemporâneo em vários aspectos, um deles é o lugar das mulheres nas instituições do Estado. José Roeder Friaça escreveu uma tese pioneira sobre o assunto e, agora, em coautoria com Viviane Balbino dos Reis, volta ao tema. Na primeira parte, descrevem as dificuldades que foram enfrentadas para que as normas da carreira fossem iguais para homens e mulheres. O processo foi lento, difícil, nada linear. É recente a admissão de mulheres na carreira, que só é aceita nos anos 1950. Lembrar a história dos preconceitos é a base a partir da qual se entende porque ainda falta muito para a plena realização de oportunidades iguais para a mulheres, como mostram os quadros estatísticos levantados na segunda parte do estudo. Não por acaso, o título do artigo, “Lugar de mulher é mesmo onde ela quiser?”, termina com uma interrogação. 

Uma palavra Final 

Creio que, após a leitura dos 27 artigos, uma amostra incompleta dos nossos historiadores, está evidente que, como indicava Ricupero, o Itamaraty continua a produzir conhecimento. Aqui, ficamos com os historiadores. Mas a produção se estende por outros campos, outros temas. Talvez valesse sublinhar que a instituição tem estimulado a produção intelectual, sobretudo através do Curso de Altos Estudos (CAE), etapa necessária para a ascensão na carreira e que exige a redação de uma tese. Ora, praticamente todos os artigos dos diplomatas mais jovens, aqui colecionados, nasceram na preparação para o CAE. É auspicioso pensar que outras teses virão e que o CHDD e os Cadernos serão parte do processo.


Seleção Bibliográfica 

Ao longo da apresentação, foram mencionados livros e artigos dos autores que escreveram para esta edição especial. Em vista da natureza do texto, não foram feitas as referências bibliográficas específicas, a seguir listadas na ordem da edição. Além destas, foram incluídas as colaborações dos autores para publicações da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e outros de seus textos de interesse para a história diplomática. A seleção é meramente exemplificativa, em especial para aqueles de obra mais extensa. Ainda que limitada, confirmará o alcance da contribuição dos diplomatas para o estudo da história do Brasil. 

 

 

Maria do Carmo Strozzi Coutinho 

COUTINHO, Maria do Carmo Strozzi e LIMA; Sérgio Eduardo Moreira. (Orgs). Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri. 2o Edição ampliada. Brasília: FUNAG, 2016. 

 

Rubens Ricupero 

RICUPERO, Rubens. A diplomacia do desenvolvimento. In: Três Ensaios sobre diplomacia brasileira. Brasília: MRE, 1989.

_____. Os Estados Unidos da América e o reordenamento do sistema internacional. In: Temas de Política Externa Brasileira II. Brasília: IPRI-Paz e Terra, 1994. 

_____. Visões do Brasil. Record: Rio de Janeiro, 1995.

_____. Barão do Rio Branco. Brasília: FUNAG, 1995. Ed. ampliada. 2002; ed. argentina Nueva Mayoría, 2000.

_____. Rio Branco: o Brasil no Mundo. Rio de Janeiro. Ed. Contraponto, 2000. 

 

Synesio Sampaio Goes Filho 

FILHO, Synesio Sampaio Goes. As fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2013. _____. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Ed. rev. e atual. Brasília: FUNAG, 2015.

_____. Alexandre de Gusmão (1695-1753): o estadista que desenhou o mapa do Brasil. São Paulo: Record, 2021. 

_____. Alexandre de Gusmão, estadista e literato. São Paulo: IMESP, 2021. 

 

Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos 

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe Gomes. Um olhar brasileiro sobre as repúblicas do Pacífico. Memórias de Duarte da Ponte Ribeiro, 1832. Cadernos do CHDD, v. 1, n. 1, p. 135-160, 2002.

_____. O Império e as Repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia – 1822/1889. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2002. 

_____. Do estadista ao diplomata: as instruções da missão especial nas repúblicas do Pacífico e na Venezuela. Cadernos do CHDD, v. 3, n. 5, p. 429-453, 2004. 

_____. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). 1a ed. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

_____. O Barão do Rio Branco como historiador. Cadernos do CHDD, v. 11, n. especial, p. 307-335, 2012. 

_____. A América do Sul no discurso diplomático brasileiro. Brasília: FUNAG, 2014.

_____. Um documento, um comentário: tratado secreto do Barão do Rio Branco. A Aliança entre a República dos Estados Unidos do Brasil e a do Equador. Cadernos do CHDD, v. 14, n. 27, p. 439-450, 2015. 

_____. Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

_____. Euclides da Cunha: uma biografia. São Paulo: Todavia, 2021. 

 

Paulo Roberto de Almeida 

ALMEIDA, Paulo Roberto de. O estudo das relações internacionais no Brasil. São Paulo: UNIMARCO, 1999.

_____. Oswaldo Aranha: na continuidade do estadismo de Rio Branco (com João Hermes Pereira de Araújo). In: PIMENTEL, José Vicente (org.), Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964). Volume 3. Brasília: FUNAG, 2013. 

_____. Pensamento diplomático brasileiro: introdução metodológica às ideias e ações de alguns dos seus representantes. Brasília: FUNAG, 2013.

_____. Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império. 3a ed. rev. Brasília: FUNAG, 2017. 2 vols.

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_____. Formação do constitucionalismo luso-brasileiro no contexto das revoluções ibero-americanas do início do século XIX. In: MENCK, José Theodoro Mascarenhas (org.). O constitucionalismo e o fim do absolutismo régio: obra comemorativa dos 200 anos da Revolução Constitucionalista do Porto de 1820. 1a ed. v. 1, Brasília: Câmara dos Deputados, 2020 

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Fernando de Mello Barreto 

BARRETO, Fernando de Mello. O tratamento nacional de investimentos estrangeiros. Brasília: Instituto Rio Branco-FUNAG-Centro de Estudos Estratégicos, 1999.

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Cesar de Oliveira Lima Barrio 

BARRIO, Cesar de Oliveira Lima. A missão Paranhos ao Prata (1864-1865): diplomacia e política na eclosão da Guerra do Paraguai. Brasília: FUNAG, 2010.

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Eugênio Vargas Garcia 

GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações: vencer ou não perder. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005. 

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Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão 

MOURÃO, Gonçalo de Barros Carvalho e Mello. A Revolução Haitiana e a história do Brasil. Revista Toth, v. 2, p. 171-178, 1997. 

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ROUANET, Sérgio Paulo; FREITAG, Bárbara. Habermas. São Paulo: Editora Ática, 1980.

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_____. Riso e melancolia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

_____. Correspondência de Machado de Assis (reunida, organizada e comentada por Irene Moutinho e Silvia Eleutério, coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet). Rio de Janeiro: ABL. Vol. I, 2008. Vol. II, 2009. Vol. III, 2010. 

 

Guilherme Frazão Conduru 

CONDURU, Guilherme Frazão. O subsistema americano e os tratados do ABC. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 41, p. 100-120, 1998. 

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Heloisa Vilhena de Araújo 

ARAÚJO, Heloisa Vilhena de. O roteiro de Deus. São Paulo: Mandarim, 1996. 

_____. As três graças: nova contribuição ao estudo de Guimarães Rosa. São Paulo: Mandarim, 2001.

_____ (org.) Os países da Comunidade Andina. Brasília: FUNAG: IPRI, 2004. 

_____ (org.) Diálogo América do Sul-Países Árabes. Brasília: FUNAG: IPRI, 2005. 

_____ (org.) O sistema político dos EUA e suas repercussões externas. Brasília: FUNAG/IPRI, 2005.

_____. Guimarães Rosa: diplomata. 3. ed. rev. Brasília: FUNAG, 2020. 

 

Bruno Miranda Zétola 

ZÉTOLA, Bruno Miranda. Política externa e relações diplomáticas na Antiguidade Tardia. 1. ed. Curitiba: Editora da UFPR, 2012.

_____. Diretrizes para a difusão da língua portuguesa pelo Brasil no exterior. Cadernos de Política Exterior, v. 5, n. 8, p. 19-48, 2015. 

 

André Correa do Lago 

LAGO, Andre Correa do. Oscar Niemeyer: uma arquitetura da sedução. São Paulo: Editora BEI, 2007.

_____. Estocolomo, Rio, Joanesburgo: o Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2007. 

 

Guilherme José Roeder Friaça 

FRIAÇA, Guilherme José Roeder. Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918- 2011): uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Brasília: FUNAG, 2018. 

 

Viviane Rios Balbino 

BALBINO, Viviane Rios. Diplomata: substantivo comum de dois gêneros: um estudo sobre a presença das mulheres na diplomacia brasileira. Brasília: FUNAG, 2011. 

 



[1] Quero agradecer a Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos e a Eugenio Vargas Garcia pelos conselhos e sugestões para elaborar o projeto desta edição. Também a Aline Rizzo pelo trabalho de revisão e organização dos originais.

[2] Os títulos da hierarquia da carreira foram omitidos nas referências aos autores dos artigos que, aqui, comparecem mais como historiadores do que como diplomatas. 

 

[3] Cadernos do CHDD, ano IV, no 6, 1o sem. 2005. 14.


segunda-feira, 30 de junho de 2014

Plano Real, 20 anos - materiais de imprensa

PLANO REAL – 20 ANOS

Correio Braziliense – Entrevista Fernando Henrique Cardoso

Vinte anos depois, como o senhor avalia os resultados do Plano Real? Foram plenamente alcançados?
O Plano Real visava à estabilidade ao longo do tempo, com melhoria contínua das condições de vida do povo, não só de renda. Ou seja, melhores serviços públicos. Conseguimos manter a inflação sob relativo controle, iniciou-se um processo de recuperação de salários e de redução da pobreza. Mas a restruturação do Estado para assegurar serviços de melhor qualidade ficou pela metade. De modo que os objetivos foram apenas parcialmente alcançados.

O que ainda precisa ser feito para consolidar a estabilidade e o dinamismo da nossa economia, de modo a acelerar o crescimento do PIB sem criar desequilíbrios?
O principal para consolidar a economia é retomar o aumento das taxas de produtividade, olhando para o longo prazo. Não se precisa de um “arrocho”, mas de correção de rumos na política econômica (mais respeito às metas de inflação e maior controle nos gastos públicos). Mas, sobretudo, precisamos de mais e melhor investimento público e privado. Para isso, é conveniente restabelecer a confiança quebrada na continuidade de políticas sérias que favoreçam o crescimento, sem voluntarismos inúteis por parte dos governos.

O senhor acha que os governos posteriores ao seu trabalharam em direção a esses objetivos? Como?
Certamente os governos posteriores ao meu deram ainda maior impulso à melhoria de salários e à distribuição de renda. Verdade também é que, principalmente entre 2004 e 2008, beneficiaram-se enormemente da situação mundial favorável. Entretanto, paralisaram as reformas necessárias para assegurar o crescimento da produtividade e a oferta de bons serviços públicos, além da penetração de interesses partidários na máquina pública. Mais ainda, principalmente no governo atual, foi criado um clima de desconfiança em relação ao setor privado e foi levado ao máximo o lema lulista: para crescer, basta aumentar e o crédito público e o consumo. Resultado: estamos entrando em um período de estagflação, com baixo crescimento e um pouco de inflação. Se o rumo não for mudado, isso diminuirá os efeitos sociais positivos alcançados.

Fala-se na necessidade de um Plano Real 2, que envolveria as reformas que vêm sendo adiadas, como a da Previdência e a Tributária. Qual sua avaliação sobre isso?
Não creio que seja necessário um Real 2. Basta correção de rumos, o que será facilitado se o governo a ser eleito tiver uma visão adequada dos problemas do país e não se deixar levar por um intervencionismo errante.

Em algum momento o senhor achou que o Plano Real poderia não funcionar, seja durante a sua concepção, seja nos primeiros anos após sua implantação?
Sim. No começo, foi muito difícil convencer o Congresso e o país de que não se tratava de uma fraude eleitoreira. Em 1999, por outros motivos — crise internacional e irresponsabilidade da política nacional — temi que a estabilização naufragasse. Mas, como havíamos ajustado as contas públicas, acertando a situação de estados e prefeituras pré-falimentares, dinamizáramos a economia com algumas privatizações e com o funcionamento correto das empresas estatais, que deixaram de ser repartições públicas para funcionarem como empresas realmente públicas, e não apenas da burocracia estatal, o país pôde superar os momentos mais inquietantes para a estabilidade do Real.
"No começo, foi muito difícil convencer o Congresso e o país de que não se tratava de uma fraude eleitoreira”.

Correio Braziliense – Visão do Correio / Pela retomada do Plano Real

A passagem dos 20 anos da entrada em circulação do real, a primeira moeda brasileira digna de respeito em décadas, é motivo de comemoração, mas também de reflexão sobre a trajetória do plano que a criou. Emerge, então, a necessidade urgente de a sociedade exigir a retomada do processo de modernização do país, da qual a estabilização monetária foi apenas o primeiro passo.
E não foi um passo qualquer. Quando a nova moeda foi lançada, em 1º de julho de 1994, a alma do Plano Real já estava funcionando havia quatro meses, para espanto dos economistas da velha escola intervencionista, que falhara em pelo menos quatro tentativas de estancar a hiperinflação, incluindo a clássica trapalhada do tabelamento de preços.
Nada parecia capaz de derrotar o dragão inflacionário, até que vingou uma aposta na vontade da maioria das pessoas de se livrarem daquela doença. Elas tinham aprendido que a inflação corroía os salários, desequilibrava a economia e favorecia apenas os mais abastados, enquanto o governo permanecia praticamente imune a seus efeitos. A inflação era realimentada por um amplo sistema de correção monetária, que corrigia o preço das mercadorias, as aplicações financeiras e o valor dos tributos em velocidade bastante superior à dos reajustes salariais.
Enquanto isso, a inflação exibia índices escandalosos. Em 30 de junho de 1994, tinha acumulado, em 12 meses, aumento de 6.433%. O pulo do gato foi a criação de uma moeda virtual, a Unidade Real de Valor (URV), que conviveu com o combalido cruzeiro novo, mas não podia ser trocada por ele. Funcionou como referência. Encantou a todos não apenas a facilidade com que as pessoas comuns a compreenderam, mas também a rapidez com que a maioria da população aderiu ao plano.
A derrocada de uma inflação tão alta foi uma vitória da sociedade, que hoje não abre mão de preservá-la. Na esteira do real, vieram duros ajustes fiscais, o fim da moratória, o fim de alguns monopólios estatais e dos danosos bancos estaduais, a renegociação da dívida dos estados, o saneamento e a imposição de regras mais severas ao sistema bancário e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na política econômica, foram adotados os modernos sistemas de metas anuais de inflação e de superavit primário, além do câmbio flutuante.
A lista parece longa, mas contém apenas o começo de um processo de modernização do Estado. A retomada dos investimentos em infraestrutura, com a participação da iniciativa privada, a redução da burocracia, profunda reforma tributária e atualização da legislação e do sistema previdenciário, além de uma revolução na educação pública seriam os passos seguintes.
Eles poderiam ter sido dados tão logo se colheram os primeiros frutos da estabilização da moeda e do fim da pressão da dívida externa. Não só não foram dados, como se descuidou demais do equilíbrio fiscal, tão crucial para a saúde e a competitividade da economia quanto o controle da inflação. O 20º aniversário do real é, portanto, bom momento para a sociedade decidir se vai ou não retomar sua implantação.

Folha de S. Paulo – Obsessão por aumentar preços sobrevive

Memória inflacionária e baixo crescimento crônico persistem após 20 anos de estabilização com o Plano Real
Problemas pioram em momentos como agora, quando a inflação está elevada e exportações perdem fôlego

MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO
"Em janeiro, todo mundo coloca os preços para cima. Todo ano sobe". Morando há sete anos no Brasil, o inglês Barry Baker, 43, notou que há algo diferente no país, que faz com que os preços subam de uma forma quase autônoma.
Passados 20 anos de estabilização e governos de dois diferentes partidos políticos (PSDB e PT), a memória inflacionária persiste. A obsessão coletiva por aumentar os preços olhando a inflação passada é herança do período de descontrole pré-Plano Real.
Mas sobrevive graças a contratos e acordos, mesmo informais, que preveem reajustes anuais de mensalidades, pedágios, remédios, salários, aluguéis e de um sem número de serviços no país.
Em 2013, segundo o Banco Central, quase um ponto percentual da inflação (5,91%) foi resultado de recomposições de reajustes passados.
"Essa é uma grande agenda incompleta do Real e cria uma característica única da economia brasileira. Por que a inflação é tão resistente aqui e não é assim em outros países? Porque eles não tiveram indexação", diz Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.
Por efeito desse fenômeno, altas repentinas de preços provocadas por uma quebra de safra, consumo na China, seca ou chuvas se incorporam aos demais preços, por força da correção que segue os índices de inflação.
O IGP-M, índice que reajusta os aluguéis, por exemplo, tem como um dos componentes o preço do minério de ferro, cujo preço é definido no mercado externo.
"A cada choque de preços a inflação se propaga e alcança patamares mais elevados", diz Heron do Carmo, professor da USP e um dos formuladores do IPC da Fipe. "O Plano Real não acabou com a indexação. Apenas ampliou o prazo de correção de mês em mês para a cada ano."
O problema piora quando a inflação estaciona em um patamar mais elevado, como agora (6,3%). E recuperar a perda do poder de compra fica mais relevante para consumidores e empresários. "Essa inflação vira piso para reajustes futuros", diz Cunha.
E quanto mais elevado é o patamar da inflação, como agora, diz Cunha, maior é a procura pela indexação.
Outra debilidade que resiste --e é reconhecida pelos formuladores do plano-- é que o crescimento econômico não se sustentou, mesmo com a inflação controlada.
"Acho que está óbvio agora, como já me parecia em 1997. Não conseguimos definir uma estratégia de estabilização consistente com crescimento econômico vigoroso e equilíbrio externo", afirma Edmar Bacha, que integrou a equipe de economistas que desenvolveu e lançou o Real.
Para ele, o período de expansão de 2004 a 2011 (o mais bem-sucedido desde os anos 1970) foi turbinado pelos preços externos das exportações, que hoje perdem fôlego.
"Acabou a bonança, revelou-se novamente nossa economia enferma, em que convivem PIBinhos', inflação alta, deficit em conta-corrente e a desindustrialização."
A vacina, na sua opinião, é ampliar a abertura comercial da economia, elevando a concorrência e a eficiência das empresas brasileiras.
Albert Fishlow, especialista em Brasil e professor emérito das universidades de Columbia e da Califórnia, ressalta que há algo positivo na memória inflacionária. "Isso estabelece um limite de ação aos governantes e faz com que todos os partidos defendam a inflação baixa", diz.
O inglês Barry Baker notou também que o antigo país exótico da hiperinflação é hoje peculiar por motivos não menos daninhos.
Dono de uma escola de inglês, ele tenta fechar a empresa e migrar para um sistema mais simples e flexível de tributação, para pequenos empreendedores. Mas já sabe a burocracia do processo. "Para um país que quer crescer rápido, não pode ser assim."


Folha de S. Paulo – Desafio hoje é fazer 2ª rodada de reformas / Artigo / Persio Arida

Retomar a agenda da modernização é factível e certamente menos difícil do que foi implementar o Plano Real
Persio Arida é economista e um dos criadores do Plano Real. Atualmente, é sócio do banco BTG Pactual e chairman da área de Asset Management da instituição
Em 1984, dez anos antes do Plano Real, participei de uma discussão no MIT sobre o Plano Larida, apelido de uma proposta de estabilização que André Lara Resende e eu havíamos delineado em um trabalho acadêmico.
O Larida, baseado na criação de uma moeda indexada --a ORTN pro-rata, que no Plano Real viria a ser rebatizada como URV--, era ousado. A promessa era fazer a inflação cair abruptamente sem recorrer a congelamentos de preços ou artificialismos.
No seminário, um dos comentadores, importante economista norte-americano, externou uma dúvida que, naquele momento, me pareceu despropositada, mas que hoje, tantos anos depois, tornou-se atual.
Ao contrário dos demais, a preocupação dele não era saber se o mecanismo da moeda indexada funcionaria ou não. O plano tem boas chances de dar certo, disse ele, mas assegurar a estabilidade da moeda ao longo do tempo é outra história. Depois de a inflação ter caído de 45% ao mês para, digamos, 0,5% ao mês, que incentivo teria o sistema político para continuar fazendo reformas estruturais e controlar o gasto público?
O Plano Real, mais do que uma reforma monetária, foi concebido como um projeto de modernização do país.
As reformas estruturais e o controle das finanças públicas infundiram confiança na nova moeda.
A lista do que foi feito nos anos seguintes ao lançamento do plano é impressionante: o fim do monopólio estatal em petróleo e telecomunicações; o saneamento do mercado financeiro e dos bancos estaduais; o programa de privatizações; a criação de agências reguladoras; a Lei de Responsabilidade Fiscal; o início da reforma previdenciária e o tripé macroeconômico, entre outros.
Foram reformas de implementação dificílima, mas criaram as bases que sustentam a economia brasileira até hoje. O povo brasileiro abraçou o Real e deu o respaldo político às reformas para evitar a volta da hiperinflação.
Vinte anos depois, o desafio é outro. Temos uma inflação por volta de 6% ao ano, que mais alta seria se não houvesse o represamento das tarifas públicas, além dos preços de energia e gasolina.
Mas o risco da volta da inflação galopante do passado, que no seu pior momento foi mais de 80% ao mês, parece remoto e 6% ainda está dentro do intervalo de tolerância do sistema de metas.
Por outro lado, ao analisarmos os últimos dez anos, o gasto público, excluindo o pagamento de juros, tem crescido quase 8% ao ano em termos reais. O superavit operacional, que estava em 3,7% do PIB há dez anos, hoje, propriamente medido, beira 0,8% do PIB.
O que levaria esse processo a ser revertido? Qual o incentivo para o sistema político retomar as reformas estruturais e controlar a expansão dos gastos?
No Chile, a meta do sistema de bandas é de 3%, com apenas um ponto percentual de tolerância para mais ou para menos. Por dois motivos 3% é melhor do que 6%. Primeiro, porque a inflação piora a distribuição de renda, penalizando os trabalhadores e aposentados. Segundo, porque, como os preços não sobem todos ao mesmo tempo, quanto maior a inflação, mais difícil fica julgar se um bem ou serviço está relativamente caro ou barato.
Em outras palavras, a inflação atrapalha o funcionamento do sistema de preços relativos, o mecanismo fundamental de uma economia de mercado. Quanto mais alta a inflação, menos eficiente tende a ser a economia e, portanto, menor a taxa de crescimento.
Esses dois motivos são sempre verdadeiros.
Mas, na inflação brasileira de 6%, há um fator extra de distorção. O que segura a inflação em 6% são juros reais muito elevados.
Moeda estável de verdade não precisa de juros altos. Uma coisa é o Banco Central implementar uma política monetária restritiva por um motivo circunstancial, momentâneo; outra é ter que manter juros reais elevados permanentemente para conseguir estabilizar a inflação.
O real será uma moeda estável de verdade quando pudermos ter uma inflação de 3%, digamos, com taxas reais de juros muito mais baixas do que as que temos hoje.
Tivemos uma primeira rodada de reformas, fundamental para infundir confiança no novo padrão monetário e afastar o fantasma da volta da hiperinflação.
É chegada a hora de implementar a segunda rodada de reformas e controlar o gasto público visando a reduzir a inflação para, digamos, 3% ao ano e destravar a economia brasileira com juros reais baixos.
Muitas das distorções da economia brasileira --pouco investimento, deficiência de infraestrutura, falta de competividade, baixa alavancagem financeira, elevados spreads bancários, escassez de financiamento para projetos de longo prazo-- resultam de termos tido taxas de juros reais elevadas por décadas a fio. Com menos inflação e menores juros reais, o Brasil poderá escapar da armadilha do baixo crescimento em que se encontra.
Apesar do pessimismo que vigora hoje em dia, retomar a agenda da modernização é factível e certamente menos difícil do que foi implementar o Plano Real. Mas será que os nossos políticos saberão responder aos desafios do Brasil de hoje?

Folha de S. Paulo – Filhos do real

Geração que cresceu após a estabilização econômica, há 20 anos, chega ao mercado de trabalho com mais possibilidades de planejar sua carreira e seu futuro

INGRID FAGUNDEZ DOUGLAS GAVRAS DE SÃO PAULO

Geraldo Santos, 54, viveu dias difíceis nos corredores do supermercado Casa Santa Luzia, nos Jardins, em São Paulo. Remarcador de preços nos anos 1980, ele trocava etiquetas dos produtos várias vezes ao dia, enquanto se esquivava de clientes furiosos.
A cena era comum em mercados durante o período da hiperinflação, que fazia os preços variarem a toda hora.
Hoje, um dos filhos de Geraldo, Anderson, 29, é analista de importação na mesma loja e nunca precisou explicar a um cliente por que a comida estava mais cara.
Entre esses dois cenários está o lançamento do real, que ocorreu em 1º de julho de 1994, e conduziu a economia brasileira à estabilidade.
Anderson faz parte de uma geração que era criança nos anos 1980 e tem poucas lembranças das várias moedas que o país teve (cruzeiro, cruzado, cruzado novo"¦).
No dia 1º, outra geração, que não teve contato com essa realidade, faz 20 anos.

'GERAÇÃO REAL'

Diferentemente de seus pais, esse jovens entram no mercado de trabalho em um ambiente econômico mais favorável. Não é preciso gastar o dinheiro imediatamente para evitar que ele desvalorize, e a renda aumentou.
"Do ponto de vista econômico, o real foi um mundo novo. Havia períodos, no começo dos anos 1990, de 4% de inflação ao dia. Ficar com o dinheiro parado era perder", diz o professor de economia da UFRJ André Modenesi.
Com a necessidade de viver no curto prazo, era difícil planejar o orçamento doméstico, ainda mais a carreira ou a compra de um imóvel.
As trajetórias de Geraldo e Anderson expressam essa diferenças. O primeiro não fez faculdade, teve quatro filhos e ainda pagava a casa própria quando a caçula nasceu.
Já Anderson se formou, ainda mora com os pais e paga o apartamento onde vai viver depois de se casar.
Nos anos 1980, além de lidar com clientes irritados, Geraldo tinha que preencher a vitrine do açougue com abóboras, já que faltava carne.
Em casa, a situação também era preocupante. As contas apertavam o orçamento, enquanto a família crescia.
"Perdi noites de sono por causa das prestações. As crianças pediam coisas e não podia comprar. Era uma dor no coração", lembra Geraldo, hoje gerente da Santa Luzia.
Com 20 anos, o estudante Danilo Cardoso lembra do descontrole econômico apenas pelos registros na carteira de trabalho de sua avó. Ao ver o reajuste do salário para compensar a inflação, ele achava que o valor dobrava.
Do armário usado para estocar alimentos em casa, ficaram só as histórias. "Na minha infância tinha sumido."
De Mogi das Cruzes, Cardoso veio estudar em São Paulo bancado pela família. Em julho, fará intercâmbio na Colômbia. O estudante considera que tem mais liberdade para ousar em seus planos.
"Pude me mudar, estudar inglês, tive acesso a oportunidades que meus pais não tiveram. Me sinto tranquilo, mais do que imagino que eles se sentiam na minha idade."
Para o professor do departamento de Economia da PUC-Rio, Luiz Cunha, o Plano Real foi a condição fundamental para os jovens saírem da "corrida infindável" de viver em função da inflação.
"O ambiente no qual toma decisões é muito mais tranquilo. Ele tem mais informação, o amparo financeiro dos pais, pode escolher melhor."
Marcela Pacífico, 19, é a primeira em três gerações de sua família que pôde definir o começo de sua carreira. Neta de Lúcia Pacífico, presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, que fiscaliza preços, ela cresceu ouvindo as dificuldades da época.
"Minha mãe foi trabalhar aos 17 anos. Só depois fez graduação. Ela se arrepende."

Folha de S. Paulo – Inflação era pior para as famílias com renda baixa

DE SÃO PAULO
Há exatos 20 anos, em 29 de junho de 1994, um exemplar da Folha como este custava CR$ 1.530,00 (cruzeiros reais) em uma banca de São Paulo --quase o dobro do que era cobrado dois meses antes.
Nos tempos da inflação galopante de antes do real, a vida era assim: preços descontrolados que variavam constantemente e moedas que perdiam valor nas mãos do consumidor.
O cenário era sentido por todos os brasileiros, mas especialmente por aqueles com menor renda, que naquele tempo tinham menos acesso a bancos.
A inflação elevada funcionava como um imposto cobrado de quem carregava dinheiro no bolso.
Economistas ouvidos pela reportagem lembram que a fatia da população de renda elevada ao menos tinha à sua disposição "proteções financeiras" e vivia mais despreocupada.
Esses brasileiros se beneficiavam de opções de investimento criadas pelos bancos à época para ajudar a amortecer as perdas causadas pela inflação, como contas remuneradas e aplicações com rendimento de um dia para o outro.
Para não ver o salário "derreter", a maioria da população corria ao mercado assim que recebia e comprava tudo que pudesse estocar, transformando logo o dinheiro, que só perdia valor, em mercadorias.
"Quem não tinha conta em banco sofria. Para eles, a opção era gastar o mais rápido possível", explica Luiz Roberto Cunha, economista da PUC-Rio.
Mas a escalada dos preços e as trocas de moedas tornavam difícil até comparar valores, e o brasileiro médio ia às compras sem ter plena certeza do que estava caro ou barato.
Para o professor da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha Samy Dana, a inflação elevada agravava a desigualdade.
"Cenários de caos são injustos, não afetam a todos com a mesma força. Tinha até gente que lucrava com aquela incerteza toda, especulando. A conta, é claro, era paga por quem ganhava menos." (IF E DG)

O Globo – Placar invertido - Inflação 7 x 3 crescimento / Capa

Brasil teve expansão média de 3%, o 15º lugar numa lista de 32 países. alta de preços de 7% é a sétima maior

Passados 20 anos do Plano Real, os números da economia mostram o Brasil com inflação alta de Terceiro Mundo e crescimento baixo de país desenvolvido. Ao cruzar os dois indicadores com os de 32 países de América Latina, Brics (além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan) e desenvolvidos, o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, encontrou a sétima maior inflação acumulada de 1995 a 2013, de 275,4%, mesmo com a estabilização - o que representou taxa média anual de 7,2%, pouco acima da expectativa de inflação do mercado para este ano, de 6,46%. Na América Latina, o Brasil só perde para Venezuela e Colômbia. No ranking de crescimento, o Brasil cai para o meio da lista. Está na 15ª posição, com média de expansão de 3%.
- O que essa tabela mostra é que, em termos de crescimento econômico, o Brasil tem característica de país desenvolvido (países maduros que crescem mais devagar). Já a inflação revela problema crônico de país de Terceiro Mundo. Podemos sintetizar o problema pelo custo Brasil, colocando no preço as nossas deficiências estruturais, como logística, mobilidade urbana caótica, burocracia, tributação complexa e excessivamente elevada.
O economista ainda cita problemas de ingerência política em decisões técnicas, o que provoca insegurança jurídica e baixo crescimento.
- Todo esse custo Brasil afugenta o crescimento. Os Tigres Asiáticos estão à frente do Brasil. Crescem quase o dobro, enfrentando adversidades externas maiores que o Brasil. Na comparação com os outros, é emblemática a nossa situação.
Essa situação não é à toa. O processo de estabilização do Brasil combateu 30 anos de indexação (repasse para os preços da inflação passada), afirma o decano da PUC e especialista em inflação Luiz Roberto Cunha:
- Ninguém teve 30 anos de indexação como nós tivemos. No crescimento, tivemos problemas sim, não evoluímos nas reformas como o Chile, a Colômbia e o Peru (todos tiveram expansão superior à do Brasil). Eles caminharam melhor do que nós. É claro que a complexidade da economia brasileira também é maior.
Para poder conviver com a inflação, foi criada a correção monetária no período militar, que embutia, na maioria dos preços, a inflação passada. A correção monetária foi extinta com o Plano Real.
Cunha afirma que a indexação ainda existe, atualmente causada por uma inflação renitente em 6%:
- A demanda por indexação cristalizada em 6% é muito grande, formal e informal. O aumento real do salário mínimo tem como contrapartida a inflação de serviços, que está comendo parte do ganho.
O professor da USP Heron de Carmo teme esse repasse da inflação passada aos preços de hoje. Para ele, o governo errou ao não reduzir para 3% a meta de inflação quando as taxas estavam perto de 4%, entre 2006 e 2007:
- A inflação começou a subir com os choques. Agora, vivemos administrando choques. Ainda temos o custo da taxa de juros entre as mais altas do mundo.
Há de se ter cuidado com as comparações, afirma Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, diante de estágios diferentes de desenvolvimento entre os países. Ela cita o exemplo da China, que deu um impulso no crescimento com a migração da população rural para as cidades, elevando a produtividade e o crescimento. O Brasil viveu este fenômeno com mais intensidade nas décadas de 1960 e 1970. A economista considera boa a média de 3% de crescimento anual, mas chama a atenção para o fato de esta performance ter piorado nos últimos anos. Para 2014, o Relatório de Inflação do Banco Central, divulgado semana passada, já prevê expansão da economia de apenas 1,6%. Mas a avaliação da economista não se repete para as taxas de inflação:
- Ficamos mal na foto na inflação. É alta a média de 7,2%. Muito longe da meta de 4,5%. Tem havido um enfraquecimento institucional no Brasil. Isso fica claro com a inflação muito alta. Se alguns preços não estivessem represados, poderia estar até acima de 7,2%. Deveríamos estar hoje bem abaixo desta média de 20 anos.
Cunha lembra que mesmo países que sofreram com inflação alta não tinham a tradição de indexação do Brasil, citando a quantidade de índices de preços aqui, com os da FGV, da Fipe e do IBGE.
Mônica afirma que Colômbia, Chile e Peru não tiveram o problema inflacionário do Brasil, mas conseguiram adotar políticas de abertura comercial e fazer reformas como a tributária e trabalhista:
- Quando se faz reforma estrutural, ganha-se eficiência. O crescimento sobe, e a inflação cai.
Para Lia Valls, especialista em América Latina da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil se saiu bem, na medida do possível, principalmente baixando o patamar da inflação:
- Dentro do possível, a gente se saiu bem. Conseguimos, principalmente, sair da âncora cambial de uma forma que não causou muito trauma na economia. Conseguimos fazer isso de uma maneira que não a inflação não acelerou. Depois se criou um consenso de que a inflação é algo que a gente não deve aceitar.
Cunha afirma que o sucesso do real veio da falta de surpresas. Num artigo em dezembro de 1993, o professor da PUC explica cada passo do plano, com base na divulgação oficial, ao contrário de planos anteriores, que a população só sabia o que ia acontecer na hora.
Na avaliação do diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, Francisco Lopreato, foi a renegociação da dívida externa que viabilizou o sucesso do Plano Real. Segundo ele, a experiência brasileira seguiu a de outros países da América Latina, que conseguiram se livrar da hiperinflação após reestruturar a dívida dos países.
- Não é coincidência que o Plano Real só tenha ocorrido depois da renegociação. Sem querer tirar o mérito do real, que foi um plano inteligente, o acordo da dívida retomou o acesso ao crédito internacional, o que tornou viável o plano.


O Globo – 'Não tinha medo da inflação. Tinha receio de uma crise de confiança' / Entrevista / Pedro Malan

Pedro Malan, ex-ministro da fazenda, temia que país fosse visto como outros em turbulência
Cássia Almeida, Maria Fernanda Delmas e Maiá Menezes

Vinte anos depois do lançamento da moeda brasileira, o real, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan revelou suas memórias sobre o momento crucial da economia, quando a inflação anual estava em quase 5.000%, em junho de 1994, e comentou a situação do país hoje, após duas décadas de estabilização. Um dos artífices do Plano Real avalia que as taxas de inflação "são civilizadas à luz de nossa experiência pretérita, mas continuam um pouquinho mais elevadas do que gostaríamos". A crise de confiança, que abalou o país entre 1998 e 1999, após o colapso dos Tigres Asiáticos, em 1997, e a moratória da Rússia, em 1998, levando o dólar a custar R$ 2 e as reservas internacionais a se esvaírem, foi um dos momentos mais difíceis para o economista. A crise levou o Brasil a mudar o regime cambial de bandas para flutuante em janeiro de 1999.
- Não tinha medo de inflação. Tinha receio de uma crise de confiança grande. (...) Havia generalização da ideia de que país subdesenvolvido e em desenvolvimento era tudo igual. A confiança foi recuperada, com custo obviamente (o PIB ficou estagnado nos dois anos da crise e o rendimento do trabalho caiu 7% em 1999), mas depois do início de 1999, conseguimos recuperar isso, após a turbulência.
Malan, que ficou no governo de maio de 1991 a dezembro de 2002, como negociador da dívida externa brasileira, na presidência do Banco Central (BC) e no Ministério da Fazenda, não vê descontrole na inflação atualmente:
- É importante que, passados 20 anos, as taxas de inflação sejam relativamente civilizadas.
Indagado sobre o que faria de diferente em relação à montagem e administração do Plano Real, fez piada:
- Presumo que eu não possa dizer não ter aceitado o Banco Central e o Ministério da Fazenda. Isso não vale como resposta (risos).
Para o ex-ministro, é natural a preocupação com a alta de preços, traduzida no movimento Rio $urreal, mas diz que "aquele tipo de inflação não volta".

1 - Brasil, recordista de inflação em três décadas
"As pessoas com menos de 40 anos não têm nenhuma experiência vivida da marcha de insensatez que foi a evolução da inflação no Brasil nas décadas que antecederam o lançamento do Real. O Brasil foi o recordista mundial de inflação do início do anos 1960 ao início dos anos 90. Entre 1980 e 1993, a inflação média foi superior a 600% ao ano, 100% na virada dos 1970 para 1980, 200% em 1985, 1.000% em 1988/1989 e 2.500% em 1993. Isso, felizmente, ficou para trás. É importante que, passados 20 anos, as taxas de inflação sejam relativamente civilizadas. São civilizadas à luz de nossa experiência pretérita, mas continuam ainda um pouquinho mais elevadas do que gostaríamos."

2 - Aprendizado com outros planos de estabilização
"Aprendemos com a experiência do Cruzado, em 1986, com Plano Bresser em 1987, Plano Verão em 1988, Collor 1 em 1990, Collor 2 em 1991. Tanto é que na equipe básica, sem a qual o Real não teria sido concebido e implementado, havia três veteranos do Cruzado, pessoas-chave: Pérsio (Arida), André (Lara Resende) e Edmar (Bacha), aos quais se juntou Gustavo Franco em 1993."

3 - O plano foi rapidamente aceito pela população
"Fernando Henrique conseguiu reunir pessoas que já o conheciam há muito tempo, que se respeitavam. Nenhuma estava disputando poder. Quando anunciamos, em 7 de dezembro de 1993, a direção que iríamos tomar, foi uma coisa importante, que diferenciou o Real de outras experiências. Não foi algo que surgiu após um fim de semana, um feriado bancário e que pegou a população de surpresa com tablitas e taxas de conversão, congelamentos, bloqueio de poupança. Lembro-me de uma pergunta de jornalista: 'O que vai acontecer amanhã ou na semana que vem com o câmbio?'. Falei: nada de diferente do que vocês estão vendo aqui. Foi uma das razões da aceitação do êxito, fundamentais naqueles quatro meses de recontratação em URV."

4 - Hiperinflação não volta mais
"A agenda para o Brasil pós-Real se confundia com a agenda do desenvolvimento econômico, social, político e institucional do Brasil. Ela envolvia não só a área fiscal, do regime monetário, cambial, mas mudanças para que o país pudesse, após aquela experiência histórica de convivência com a inflação alta, crônica e crescente, conviver com taxas de inflação civilizadas. Quando se olham os últimos 20 anos em perspectiva, isso aconteceu. Na experiência dos 50 anos anteriores é um sucesso, mas isso não quer dizer que a inflação baixa, sob controle, está definitivamente incorporada ao DNA da sociedade brasileira, que não é preciso mais preocupação. Tenho certeza absoluta de que ela não volta, a (inflação) passada. Espero que a população considere a responsabilidade de qualquer governo, qualquer que seja sua coloração político-partidária, preservar a inflação sob controle. Isso é o grande legado do Real. Não vejo o Brasil tendo aquele processo de inflação em que ela subia de 40% para 100% e para 1.000%."

5 - Custo político das medidas depois do plano
"O Real permitiu que pudéssemos começar a encarar questões que estavam mascaradas pela poeirada da inflação alta. Tínhamos 28, 29 bancos comerciais e estaduais que faziam empréstimos a seus governos e às empresas de seus governos, que representavam uma parcela grande de seus ativos. Hoje, devemos ter meia dúzia de bancos comerciais e estaduais, e todos sabem que estão sujeitos à fiscalização do BC, podem ser liquidados. Tivemos que intervir em grandes bancos, como Econômico, Nacional, Bamerindus, porque a inflação baixa faz com que problemas apareçam, problemas de geração de caixa vis-à-vis custos operacionais, o imposto inflacionário. Houve enorme dispêndio do capital político do governo Fernando Henrique Cardoso para lidar com problemas de banco. A dívida foi reestruturada em 30 anos. Reestruturamos as dívidas de 180 municípios. Outro exemplo foi a privatização. O que nos levou, não por qualquer consideração de natureza política ou ideológica, a mudar os capítulos da ordem econômica da Constituição. Houve interrupção (nas privatizações) por um período longo, mas está sendo retomado agora, com atraso. São evidentes as deficiências na infraestrutura, mas elas sinalizam oportunidades de investimento. É possível ter um processo de investimentos na área de infraestrutura que ajude a retomada do crescimento."

6 - Riscos para a estabilização
"A inflação exige cuidados. Não tem risco de descontrole, não vejo nenhum desastre no front da inflação, mas é importante manter as expectativas quanto ao curso futuro dos preços ancoradas num nível que seja percebido como não induzindo demandas por indexação. Quando as pessoas acham que a inflação está numa trajetória, ainda que muito lenta, mas ascendente ou que ela mudou de patamar, é natural que queiram se precaver nos dissídios, nas correções de preços. Isso pode virar algo que se alimenta mutuamente e leva à pressão. Exige atenção e não só da parte do BC. Após certo ponto, exige ação do governo no seu conjunto. Exige percepção de quão importante é aquilo para o conjunto da população."

7 - Renegociação da dívida externa
"Larry Summers (secretário do Tesouro americano na época) sempre me disse que se não tivesse acordo com o FMI não haveria emissão de títulos de 30 anos que os EUA emitiam para garantia. Iríamos pagar só juros durante 30 anos. Amortização do principal só em 2023. A garantia eram títulos de 30 anos que faziam numa edição especial, fizeram para México, Argentina. Sabia que era muito difícil ter um acordo com o fundo com inflação de 30% ao mês. Tínhamos um bônus internacional, cujo título era bônus de interesse devido e não pago. Era nosso interesse eliminar esse bônus. Fomos comprando discretamente títulos do Tesouro americano para não depender da emissão especial. Éramos vistos como um país meio bêbado, um adolescente meio destrambelhado no caminhar. O Real e a negociação da dívida se reforçaram na percepção por parte do resto do mundo sobre o país."

8 - Os bastidores da crise de 1998
"Foi a primeira vez que um presidente americano, Bill Clinton, pediu para ter uma conversa com alguns ministros da Fazenda e presidentes de Banco Central na reunião anual do FMI em Washington, em setembro de 1998. A decisão de criar o G-20 surgiu aí. Havia o receio de que pudesse ser uma crise mais sistêmica. Eu não tinha medo de inflação. Tinha receio de uma crise de confiança grande. Foi o que nos levou a buscar um apoio, que obtivemos: um programa de organizações multilaterais, BID, Banco Mundial, FMI e bancos centrais, o que foi uma expressão de confiança no Brasil. Confiança exige ação doméstica. Havia generalização da ideia de que país subdesenvolvido e em desenvolvimento era tudo igual. Todos os países asiáticos estavam em grande crise. Estávamos saindo da resolução do problema bancário, tentando resolver problemas fiscais, a privatização ainda não havia levado a seus efeitos e tínhamos acabado de mudar a Lei do Petróleo em 1997. A confiança foi recuperada, com custo obviamente, mas depois do início de 1999, conseguimos recuperar isso, após a turbulência."