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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Cadernos do CHDD, número especial do aniversário de 20 anos: contribuições de diplomatas historiadores

 O Centro de História e Documentação Diplomática acaba de lançar, por empreendimento editorial da sua casa-mãe, a Fundação Alexandre de Gusmão, este número especial comemorativo dos 20 anos de sua revista, os Cadernos do CHDD, criados pelo embaixador Álvaro da Costa Franco, diretor do CHDD durante os primeiros anos deste século.


Abaixo transcrevo o Sumário e a Apresentação feita pelo seu atual diretor, o embaixador Gelson Fonseca Jr., também responsável indireto, quando foi presidente da Funag, pela criação do IPRI, cuja ideia saiu de sua tese do Curso de Altos Estudos sobre as relações entre a diplomacia e a academia.

Por fim, informo que foi convidado pelo embaixador Gelson a colaborar nesse número especial, com vários outros colegas da Casa de Rio Branco que também se dedicam a percorrer a história. Como estávamos (ainda estamos) no ano do bicentenário, escolhi fazer uma contribuição sobre a historiografia da independência, como informado nesta ficha de publicação: 

1476. “Historiografia da independência: síntese bibliográfica comentada”, Brasília, 9 setembro 2022, 19 p. Seleção de obras sobre o processo da independência. Publicado nos Cadernos do CHDD (ano 21, número especial, segundo semestre de 2022, p. 127-150; ISSN: 1678-586X; revista completa disponível neste link: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200); artigo PRA neste link da plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/91952768/4234_Historiografia_da_independencia_s%C3%ADntese_bibliografica_comentada_Cadernos_CHDD_2022_). Relação de Originais n. 4234. 


Cadernos do CHDD

 

(ano 21, número especial, segundo semestre de 2022, 625 p.; ISSN: 1678-586X; disponível:https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200).

 

Sumário

PREFÁCIO 9 

Márcia Loureiro 

 

APRESENTAÇÃO 11 

20 anos dos Cadernos do CHDD 

Gelson Fonseca Jr. 

 

CENTRO DE HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO DIPLOMÁTICA (CHDD) 29 

1. Prolegômenos, 31 

Maria do Carmo Strozzi Coutinho 

 

O ITAMARATY E A PESQUISA HISTÓRICA 39 

2. O Itamaraty como instituição produtora de conhecimento, 41 

Rubens Ricupero

 

TEMAS DA HISTÓRIA DIPLOMÁTICA 61 

A. Fronteiras 

3. Territórios e fronteiras ou porque o Brasil ficou tão grande, 63 

Synesio Sampaio Goes Filho 

 

4. Diplomacia e história territorial, 103 

Luís Cláudio Villafañe G. Santos 

 

B. Império

5. Historiografia da independência: síntese bibliográfica comentada, 127 

Paulo Roberto de Almeida 

 

6. Revisitando 1825: o reconhecimento do Império brasileiro e a lenda de um mau negócio, 151 

Hélio Franchini Neto 

 

7. Cartas de um embaixador de Onim, 179 

Alberto da Costa e Silva 

 

8. A abolição da escravidão no Brasil no contexto internacional, 189 

Fernando de Mello Barreto 

 

9. O Império e a construção da rede de postos brasileira no exterior. 221 

Cesar de Oliveira Lima Barrio 

 

C. República 

10. O significado do panamericanismo na política externa brasileira (1889-1961), 257

Eugênio V. Garcia 

 

11. Ainda a Política Externa Independente, 269 

José Humberto de Brito Cruz 

 

12. Conferência de Chapultepec: breve análise da atuação brasileira, 289 

Sarah de Andrade Ribeiro Venites 

 

13. A participação do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas entre 1946 e 1964, 319 

Gustavo Ziemath 

 

14. A Trajetória histórica do Brasil em missões de paz das Nações Unidas e seu papel na política externa brasileira, 341 

Eduardo Uziel 

 

PERSONALIDADES 363

15. José Bonifácio de Andrada e Silva, o chanceler revolucionário-conservador, 365 

João Alfredo dos Anjos

 

16. Paulino José Soares de Souza, 393 

Miguel Gustavo de Paiva Torres 

 

17. O Barão visto pelo mestre de Apipucos, 399 

André́ Heráclio do Rêgo 

 

18. O senador e o Barão, 419 

Paulo Fernando Pinheiro Machado 

 

19. O pote de barro e o pote de ferro: a utopia de Nabuco para as duas Américas, 445

João Almino 

 

CULTURA E ARTES 465

20. O bicentenário da lusofonia, 467 

Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão 

 

21. Machado de Assis e a política internacional, 479 

Sérgio Paulo Rouanet 

 

22. Os descobridores (1899), de Belmiro de Almeida: repensando o mito de origem da nação, 487 

Guilherme Frazão Conduru 

 

23. A história e a estória, 527 

Heloisa Vilhena

 

24. Quando o Itamaraty tinha bossa: formação e auge da diplomacia cultural brasileira, 553 

Bruno Miranda Zétola 

 

25. Palácio Itamaraty de Brasília: cultura diplomática e diplomacia cultural, 579 

André́ Correa do Lago 

 

GÊNERO 593 

26. Lugar de mulher é mesmo onde ela quiser? 595 

Guilherme José Roeder Friaça e Viviane Rios Balbino 

 

 Cadernos do CHDD

 

(ano 21, número especial, segundo semestre de 2022, 625 p.; ISSN: 1678-586X; disponível:https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1200).

 

 

APRESENTAÇÃO 11 

20 anos dos Cadernos do CHDp. 11-27

Gelson Fonseca Jr.[1]  

Ao longo de 20 anos foram publicadas, sem interrupções, as edições semestrais dos Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) da Fundação Alexandre de Gusmão. Este número celebra a data e a fidelidade da revista a seus objetivos de estimular estudos sobre a história diplomática brasileira e de divulgar documentos originais do Arquivo Histórico do Itamaraty. A comemoração deve começar por um tributo ao embaixador Álvaro da Costa Franco. Foi ele quem criou o Centro, projetou suas atividades e dirigiu-o entre 2002 e 2010. Os Cadernos, uma de suas muitas iniciativas, têm relevância especial: tornaram-se a marca do Centro pela importância do material publicado, pelo interesse que desperta entre os pesquisadores e, virtude não menor, pela qualidade impecável que tem seguido nas transcrições de documentos, especialmente as paleográficas. Ele teve, ao longo de sua gestão, a assistência valiosa de Maria do Carmo Strozzi Coutinho que, no artigo que abre esta edição, conta o que ela chamou os “prolegômenos” do CHDD. Serviu ao Centro, como coordenadora de pesquisa e editora até 2016. Álvaro foi sucedido pelo embaixador Maurício Cortes que, entre 2011 e 2016, manteve com rigor, competência e criatividade, o seu legado. 

O aniversário dos Cadernos é também a ocasião para evocar a longa e rica tradição dos diplomatas que se dedicaram à pesquisa histórica. Começa com Varnhagen, continua com Oliveira Lima e chega, para citar dois notáveis, a Alberto Costa Silva e Evaldo Cabral de Mello. Cada um, a sua maneira, inventou caminhos para compreender a história brasileira. Rubens Ricupero[2] faz parte deste time quando reinterpreta, de perspectiva realmente inovadora, o lugar da diplomacia na “construção do Brasil”. Para este número, Ricupero, em síntese perfeita, mostra, no artigo “O Itamaraty como produtor de conhecimento”como nasce aquela tradição, quais são os principais personagens que a compõe, quais os seus marcos e realizações, de que uma das expressões é o CHDD. Assim, Ricupero estabelece a moldura histórico-conceitual que situa esta edição especial. De fato, não haveria melhor maneira de honrar a tradição de pesquisa histórica do Itamaraty do que mostrar como ela continua vigorosa e criativa. 

Os autores selecionados representam um panorama significativo de como anda a produção de nossos diplomatas-historiadores. Vale esclarecer que o projeto desta edição não foi elaborado a partir de uma pauta pré-definida de temas com base em critérios acadêmicos. Foi, sim, construído a partir de convite para que alguns de nossos historiadores revisitassem objetos de suas reflexões, com plena liberdade para escolher a matéria e o formato de seus artigos. No grupo, como se verá, há autores consagrados, cuja obra já́ se tornou fonte obrigatória para o estudo de certos temas de nossa história; outros começam a publicar. Há doutores, há mestres, titulares de cadeiras da Academia Brasileira de Letras e de institutos históricos; há vocações firmadas, outras que despontam. O resultado é notável, pela abrangência e pela qualidade. A eles, o agradecimento do CHDD e reconhecimento de que a eles pertencem os méritos desta edição. 

Depois dos textos iniciais, de Ricupero e de Maria do Carmo, sobre o Itamaraty e a pesquisa histórica, as contribuições foram agrupadas em quatro seções: “Questões Diplomáticas” (Fronteiras, império e República), “Personalidades”, “Cultura e Artes”, e “Gênero”. Uma palavra sobre cada um deles. 

Fronteiras 

Com título sugestivo, “Porque o Brasil se tornou tão grande”, Synesio Goes retoma, com atualizações, o seu livro, hoje clássico, Navegantes, bandeirantes e diplomatas. Compreender o processo de definição das fronteiras é fundamental para se definir, na expressão de Demétrio Magnoli, o “corpo da pátria”, o espaço físico que ocupamos. Synesio examina as diversas etapas da expansão territorial e os desafios diplomáticos que colocou. De forma concisa, mas completa, são descritas as negociações sobre os limites com os vizinhos, sublinhando as razões para que o resultado alcançado ocorresse de forma pacífica. Luis Cláudio Villafañe, um dos mais completos historiadores diplomáticos brasileiros, biógrafo de Rio Branco e Euclides da Cunha, em “Diplomacia e história territorial”, reflete sobre a mesma realidade com que Synesio trabalha, mas de outra perspectiva. Está interessado em retomar a formação da “ideologia geográfica” e estudar de que maneira o território se torna fundamento da legitimação do poder dinástico que começara a se desenhar ainda no Reino Unido e persiste depois da Independência. É um dos elementos que diz aos brasileiros (ainda longe de formar uma nação no sentido pleno) o que é o Brasil. O diálogo entre os dois textos oferece privilegiada porta de entrada para compreensão da base geográfica da presença do Brasil no mundo. Vale chamar atenção para as menções que Synesio e Luis Cláudio fazem, ao princípio do uti possidetis, referência jurídica fundamental para as negociações de fronteiras. São muito esclarecedoras sobre o alcance do uso do princípio e como foi aplicado. 

Império 

A série sobre a diplomacia imperial começa com artigo de Paulo Roberto de Almeida sobre a historiografia da Independência. Paulo é dos mais completos e conhecidos pensadores brasileiros de relações internacionais. Sua vasta obra voltada, sobretudo, à história diplomática e à análise da política externa contemporânea, guiada por agudo espírito crítico, é sempre estimulante. Seus escritos sobre a formação da diplomacia econômica do Brasil, de consulta obrigatória. Para esta edição, ofereceu uma análise da historiografia da Independência em que lembra os autores, clássicos e contemporâneos que a estudaram, as fontes e as intepretações. O panorama é completo e bem- -articulado. Vale como mais um texto de alta qualidade de Paulo Roberto. 

O reconhecimento da Independência foi o primeiro desafio que enfrentou a diplomacia brasileira. Dois artigos abordam diretamente o tema. O primeiro é de Hélio Franchini, que publicou recentemente um dos mais notáveis livros que surgiram na esteira das reflexões sobre o bicentenário, “Independência e morte”, importante revisão das guerras da Independência. Em “Revisitando 1825: o reconhecimento do Império Brasileiro e a lenda do mau negócio”Franchini retoma a questão do reconhecimento e se volta, com novo olhar, para a questão do preço pago para obtê-la. Afinal, poderia ter sido diferente? Vale conhecer a equilibrada resposta de Franchini. Alberto Costa e Silva, um dos nossos maiores historiadores, em artigo, republicação do original que saiu nos Cadernos do CHDD[3], desafiou o consenso em torno da primazia americana e lembrou a passagem, logo após a Independência, de dignatários africanos que se correspondem com D. Pedro. As cartas se aproximariam formalmente do reconhecimento, embora de maior valor simbólico do que político. Ao divulgá-las fica demonstrada, mais uma vez, a sensibilidade de Alberto para as relações entre o Brasil e a África. Ele foi responsável por encontrar e estudar muitos dos elos que exprimiam a densidade de nossas relações com o continente africano. Abriu caminhos para que entendêssemos melhor o que somos. 

Dois temas centrais da diplomacia imperial, as pressões internacionais para o fim do tráfico de escravizados e a distribuição da rede de missões diplomáticas completam a seção. Autor de importante estudo sobre os “sucessores de Rio Branco” e a política externa após a redemocratização, Fernando Mello Barreto faz uma análise abrangente a respeito da abolição da escravatura. Combina a perspectiva das relações internacionais, examinando do Brasil as pressões britânicas, as consequências da Guerra do Paraguai e a solução da emigração, com a análise dos movimentos internos, as revoltas de escravizados e o abolicionismo. Escreveu, assim, uma introdução segura ao que foi o nosso mais trágico legado. Cesar Barrio, autor de uma reflexão exemplar e marcante sobre o “intervencionismo civilizador” do Brasil no Prata, volta-se nesse artigo a estudar, com base em levantamento rigoroso, a expansão da rede de postos diplomáticos no Império. O levantamento é valioso em si mesmo, inclusive pela maneira como utiliza as fontes documentais. Mas vai além disto. Barrio discerne, no processo de criar missões diplomáticas, inclinações centrais das opções diplomáticas da política externa do Império. 

República 

A seção sobre a diplomacia republicana se concentra em temas multilaterais, assim sublinhando o traço que mais claramente a distingue da imperial. Não será o único traço. Novas modalidades de aproximação com os vizinhos e a “aliança não escrita” com os EUA também coincidem com os novos tempos. 

Porém, é nas instituições multilaterais, que começam a se consolidar no fim do século XIX, que o Brasil encontra o caminho para a projeção internacional. O primeiro palco para a atuação multilateral foi o sistema regional, sobre o qual Eugênio Vargas Garcia escreve, que tem importantes contribuições à história diplomática. Lembro, de seus muitos textos, dois notáveis: os estudos sobre a presença do Brasil na Conferência de São Francisco e sobre a diplomacia brasileira nos anos 1930. Para esta edição, Eugênio Vargas faz uma interpretação abrangente do significado do panamericanismo para o Brasil e mostra como as opções diplomáticas foram marcadas pelas referências e constrangimentos do sistema regional e o encerramento do ciclo quando se desenha a alternativa universalista com a Política Externa Independente (PEI). A importância do que se chamou o “paradigma americanista” é um dos momentos decisivos para a evolução da ação externa do Brasil. Tem sido objeto de inúmeros estudos, e um deles, que se tornou referência obrigatória para a análise do período, é aqui retomado. Seu autor, José Humberto Brito Cruz, que, em 1986, escreveu um ensaio, Alguns aspectos da evolução da política externa brasileira no período da política externa independente (1961-1964), que estudava, com percepções originais, a PEI e de que maneira as mudanças na política externa poderiam ser explicadas pela evolução da situação interna. Agora, volta ao tema, “Ainda a Política Externa Independente”, e, mais uma vez, inova. O objetivo é outro, entender a lógica das posições que San Tiago Dantas defendeu. Como Brito demonstra, o princípio da não intervenção, base da atitude brasileira, era o melhor argumento, o mais racional, para superar os dilemas postos pelo regime cubano. Era, contudo, repelido pelo sistema bipolar que, pela própria natureza do conflito, repelia também o que parecia racional. 

O estudo de Sarah Venites sobre Chapultepec é o perfeito elo entre o regional e o universal. A reunião panamericana convocada para o México em 1945 visava justamente definir pautas comuns para a Conferência de São Francisco, que negociaria a Carta das Nações Unidas. O desenvolvimento, o papel da diplomacia brasileira e os resultados do encontro estão descritos com rigor no ensaio de Sarah. A leitura mostra de que maneira alguns temas, especialmente na área econômica, mas não só, apontavam para as divergências estruturais entre os Estados Unidos e a América Latina. 

Os estudos de Eduardo Uziel e de Gustavo Ziemath abordam a conduta brasileira no Conselho de Segurança. Em estudo pioneiro, apresentado como tese de mestrado à UnB, Ziemath analisou as posições brasileiras no Conselho de Segurança entre 1945 e 2011. Em seu artigo para esta edição, faz um recorte e cobre o período de 1945 a 1964, quando cumprimos quatro mandados como membro não permanente. O ensaio de Ziemath é uma descrição cuidadosa de nossas posições e abre questões que são permanentes para a ação diplomática; uma delas é a coerência na fidelidade a princípios. Como ele sugere, vale examinar de que maneira as conveniências políticas do alinhamento ocidental modularam o uso ou o olvido de princípios proclamados. Eduardo Uziel tem publicado extensamente sobre a presença do Brasil na ONU e escreveu ensaios que renovam a pesquisa sobre o papel dos “não permanentes” no Conselho. Para esta edição, refaz a Trajetória histórica do Brasil em missões de paz das Nações Unidas e seu papel na política externa brasileira”Relembra a história da participação das primeiras missões, desde os anos 1940, e chama atenção para o primeiro engajamento maior quando enviamos tropas para a Força de Emergência das Nações Unidas em Suez e chega até a presença brasileira no Haiti, com a MINUSTAH. A trajetória ilustra, inicialmente, a complexidade das decisões sobre as missões de paz no Conselho de Segurança e serve de base para discutir, com rigor, as razões que nos condicionaram as escolhas para nos engajarmos (ou não) e as modalidades de participação. 

Personalidades 

O capítulo começa com José Bonifácio, apresentado por João Alfredo dos Anjos que, em livro recente, estudara o Patriarca da Independência como o primeiro chanceler do Brasil. O artigo está voltado para caracterizar a natureza de seu pensamento, que qualifica de “revolucionário-conservador”. Revê e critica a historiografia a respeito do Andrada e mostra como foram ousadas as suas ideias, certamente adiantadas para o tempo em que viveu, como suas inclinações abolicionistas. É especialmente interessante a análise de João Alfredo sobre o processo de reconhecimento e que faz contraponto com a do artigo de Franchini. Miguel Gustavo de Paiva Torres resume seu livro sobre Paulino Soares de Souza e chama atenção para a importância que teve como formulador da política externa do Império, atividade talvez menos conhecida do que sua atuação como político e como pensador das instituições imperiais. 

Rio Branco merece dois ensaios inéditos. O primeiro é de André Heráclio do Rego, que tem escrito sobre história diplomática, entre os quais textos importantes sobre a obra de Oliveira Lima, sobre a sociologia do coronelismo. O artigo “O Barão visto pelo mestre de Apicucos” reelabora as percepções de Gilberto Freyre sobre Rio Branco e, como tudo que vem do mestre pernambucano, é original e revelador. E, claro, sem que falte ironia. O outro, de Paulo Fernando Pinheiro Machado, explora os laços entre o senador Pinheiro Machado e o Barão e explica de que forma o gaúcho, naquele momento, o político mais influente na política interna, serve como um personagem decisivo para o sucesso diplomático de Rio Branco. A seção termina com um ensaio sobre Nabuco, elaborado por João Almino, diplomata, membro da Academia Brasileira de Letras, e conhecido como ficcionista, filósofo, e também historiador. Almino revisita as conferências que proferiu como embaixador em Washington e refaz, com argúcia, a visão de Nabuco sobre o que seria a “civilização americana”, qual a sua contribuição para a história da humanidade e, ainda, qual o alcance do panamericanismo e das relações com a América Latina. As posições de Nabuco poderiam ser discutidas, mas o seu brilho intelectual e sua criatividade ficam mais uma vez demonstrados por Almino. 

Cultura e Artes

Nesta seção os artigos são de escopo variado. No primeiro, Gonçalo Mourão, estudioso da dimensão internacional da Revolução Republicana de 1817 em Pernambuco propõe uma perspectiva original para um problema central para o Brasil independente: como se constitui o sentimento de nacionalidade. Gonçalo vê uma manifestação desse sentimento em um jovem escritor pernambucano, José da Natividade Saldanha. Em livro de poesias, publicado em Coimbra em 1822, “se expressava – e em português literário – a certeza inequívoca de não ser português”. Assim, o batismo poético valia, portanto, como sinal do nascimento do país e ao mesmo tempo da lusofonia, “a fonia de vários povos”. 

O ensaio seguinte vale como uma homenagem a um dos mais completos intelectuais brasileiros contemporâneos, Sergio Paulo Rouanet. A história diplomática não foi o foco de sua reflexão, voltada para a filosofia, a literatura e a história da cultura. Para os Cadernos do CHDD escreveu um texto notável, “Machado de Assis e a política internacional”, publicado originalmente no volume 12. Com a agudeza do crítico literário e a sensibilidade diplomática, Rouanet produziu um ensaio original e revelador sobre as ideias de Machado de Assis a respeito de episódios como a frustrada tentativa francesa de instalar um governo monárquico no México e a guerra da Tríplice Aliança contra Solano López. A conclusão de Rouanet é lapidar: 

A política externa de Machado de Assis maduro não era nem revolucionária, como a dos jacobinos, nem reacionária, como a de Metternich, e talvez se aproximasse da que seria defendida pelo conselheiro Aires – uma política externa cética, atenta ao substrato de interesse pessoal e de amor-próprio subjacente a todos os grandes ideais, e, como decorrência dessa visão desencantada do mundo, inteiramente desprovida de entusiasmo, mas também alheia a qualquer forma de fanatismo. 

O artigo de Guilherme Frazão Conduru sobre os “Descobridores” se inicia com uma síntese da “pintura de história” no Brasil que introduz um ensaio notável de erudição e sensibilidade estética sobre a vida e a arte de Belmiro de Almeida. Conduru analisa um quadro que propicia uma reflexão que toca no problema de saber que história a representação pictórica revela. Os “Descobridores” são dois personagens que mais parecem degredados do que heróis. Porquê da escolha de Belmiro e como a passa para a tela são objeto do arguto ensaio de Conduru. Não faltam também notas sobre a relação de Rio Branco com Belmiro. 

Heloisa Vilhena é uma das mais completas conhecedoras da obra de Guimarães Rosa e de sua carreira no Itamaraty. Em livro que é referência sobre o tema, Guimarães Rosa, diplomata, reeditado em 2020, ela explora as convergências entre a obra literária e a trajetória diplomática. Agora, volta ao mesmo movimento comparativo e examina-o da perspectiva da linguagem. Olhando para as narrativas que a estória e a história propiciam, observa como Rosa frequenta as duas naturezas do relato. Heloisa acentua que o que diferencia a estória da história é “a proporção de utilização de lógica e de metáfora. O relato histórico, sem a intuição poética, torna-se mecânico, vazio. O relato poético, sem interpretação lógica, é obscuro”. E conclui com citação de Rosa: “Por esta razão, a poesia é algo mais científico e sério do que a história”. O texto de Heloisa, que encanta pela qualidade literária, explicará porquê... 

Bruno Zétola não trata diretamente de criadores culturais, mas como o Itamaraty, a partir dos anos 1930, começa a desenvolver mecanismos institucionais de diplomacia cultural. Com a formação acadêmica de historiador, que lidava com a Alta Idade Média, Bruno faz um ensaio rigoroso sobre história institucional e analisa um tempo em que “o Itamaraty tinha bossa”, pelos anos 1950 e 1960, quando florescia a criatividade artística brasileira, com o cinema novo, a arquitetura de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, os jardins de Burle Marx e a bossa-nova, mas não só. Um dos interesses do estudo é que vai às raízes da identidade brasileira, que se abrem do momento em que o país se torna independente e precisa definir quem somos, qual a nossa identidade cultural. O artigo de Zétola é uma contribuição para situar o problema. 

E o artigo seguinte, de André Correa do Lago, “Palácio do Itamaraty: cultura diplomática e diplomacia cultural”, é ilustração e complemento perfeito para as ideias apresentadas por Zétola. André é um respeitado especialista em história da arquitetura, primeiro brasileiro a integrar o júri do Prêmio Pritzker, e usa o seu conhecimento para traçar, com segurança, o significado do Palácio do Itamaraty e seu efeito de representação da realidade brasileira e, consequentemente, o seu valor de soft power. Por tudo isto, o texto já valeria a leitura. Mas André oferece mais, como a esplêndida e precisa promenade architecturale que conduz pelo Palácio de Brasília. 

Gênero 

A questão de gênero é central no debate contemporâneo em vários aspectos, um deles é o lugar das mulheres nas instituições do Estado. José Roeder Friaça escreveu uma tese pioneira sobre o assunto e, agora, em coautoria com Viviane Balbino dos Reis, volta ao tema. Na primeira parte, descrevem as dificuldades que foram enfrentadas para que as normas da carreira fossem iguais para homens e mulheres. O processo foi lento, difícil, nada linear. É recente a admissão de mulheres na carreira, que só é aceita nos anos 1950. Lembrar a história dos preconceitos é a base a partir da qual se entende porque ainda falta muito para a plena realização de oportunidades iguais para a mulheres, como mostram os quadros estatísticos levantados na segunda parte do estudo. Não por acaso, o título do artigo, “Lugar de mulher é mesmo onde ela quiser?”, termina com uma interrogação. 

Uma palavra Final 

Creio que, após a leitura dos 27 artigos, uma amostra incompleta dos nossos historiadores, está evidente que, como indicava Ricupero, o Itamaraty continua a produzir conhecimento. Aqui, ficamos com os historiadores. Mas a produção se estende por outros campos, outros temas. Talvez valesse sublinhar que a instituição tem estimulado a produção intelectual, sobretudo através do Curso de Altos Estudos (CAE), etapa necessária para a ascensão na carreira e que exige a redação de uma tese. Ora, praticamente todos os artigos dos diplomatas mais jovens, aqui colecionados, nasceram na preparação para o CAE. É auspicioso pensar que outras teses virão e que o CHDD e os Cadernos serão parte do processo.


Seleção Bibliográfica 

Ao longo da apresentação, foram mencionados livros e artigos dos autores que escreveram para esta edição especial. Em vista da natureza do texto, não foram feitas as referências bibliográficas específicas, a seguir listadas na ordem da edição. Além destas, foram incluídas as colaborações dos autores para publicações da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e outros de seus textos de interesse para a história diplomática. A seleção é meramente exemplificativa, em especial para aqueles de obra mais extensa. Ainda que limitada, confirmará o alcance da contribuição dos diplomatas para o estudo da história do Brasil. 

 

 

Maria do Carmo Strozzi Coutinho 

COUTINHO, Maria do Carmo Strozzi e LIMA; Sérgio Eduardo Moreira. (Orgs). Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri. 2o Edição ampliada. Brasília: FUNAG, 2016. 

 

Rubens Ricupero 

RICUPERO, Rubens. A diplomacia do desenvolvimento. In: Três Ensaios sobre diplomacia brasileira. Brasília: MRE, 1989.

_____. Os Estados Unidos da América e o reordenamento do sistema internacional. In: Temas de Política Externa Brasileira II. Brasília: IPRI-Paz e Terra, 1994. 

_____. Visões do Brasil. Record: Rio de Janeiro, 1995.

_____. Barão do Rio Branco. Brasília: FUNAG, 1995. Ed. ampliada. 2002; ed. argentina Nueva Mayoría, 2000.

_____. Rio Branco: o Brasil no Mundo. Rio de Janeiro. Ed. Contraponto, 2000. 

 

Synesio Sampaio Goes Filho 

FILHO, Synesio Sampaio Goes. As fronteiras do Brasil. Brasília: FUNAG, 2013. _____. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. Ed. rev. e atual. Brasília: FUNAG, 2015.

_____. Alexandre de Gusmão (1695-1753): o estadista que desenhou o mapa do Brasil. São Paulo: Record, 2021. 

_____. Alexandre de Gusmão, estadista e literato. São Paulo: IMESP, 2021. 

 

Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos 

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe Gomes. Um olhar brasileiro sobre as repúblicas do Pacífico. Memórias de Duarte da Ponte Ribeiro, 1832. Cadernos do CHDD, v. 1, n. 1, p. 135-160, 2002.

_____. O Império e as Repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia – 1822/1889. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2002. 

_____. Do estadista ao diplomata: as instruções da missão especial nas repúblicas do Pacífico e na Venezuela. Cadernos do CHDD, v. 3, n. 5, p. 429-453, 2004. 

_____. O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). 1a ed. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

_____. O Barão do Rio Branco como historiador. Cadernos do CHDD, v. 11, n. especial, p. 307-335, 2012. 

_____. A América do Sul no discurso diplomático brasileiro. Brasília: FUNAG, 2014.

_____. Um documento, um comentário: tratado secreto do Barão do Rio Branco. A Aliança entre a República dos Estados Unidos do Brasil e a do Equador. Cadernos do CHDD, v. 14, n. 27, p. 439-450, 2015. 

_____. Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

_____. Euclides da Cunha: uma biografia. São Paulo: Todavia, 2021. 

 

Paulo Roberto de Almeida 

ALMEIDA, Paulo Roberto de. O estudo das relações internacionais no Brasil. São Paulo: UNIMARCO, 1999.

_____. Oswaldo Aranha: na continuidade do estadismo de Rio Branco (com João Hermes Pereira de Araújo). In: PIMENTEL, José Vicente (org.), Pensamento diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964). Volume 3. Brasília: FUNAG, 2013. 

_____. Pensamento diplomático brasileiro: introdução metodológica às ideias e ações de alguns dos seus representantes. Brasília: FUNAG, 2013.

_____. Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império. 3a ed. rev. Brasília: FUNAG, 2017. 2 vols.

_____. Historiografia das relações internacionais do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, v. 9, p. 151-178, 2019. 

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[1] Quero agradecer a Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos e a Eugenio Vargas Garcia pelos conselhos e sugestões para elaborar o projeto desta edição. Também a Aline Rizzo pelo trabalho de revisão e organização dos originais.

[2] Os títulos da hierarquia da carreira foram omitidos nas referências aos autores dos artigos que, aqui, comparecem mais como historiadores do que como diplomatas. 

 

[3] Cadernos do CHDD, ano IV, no 6, 1o sem. 2005. 14.


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