A monografia ‘O Estruturalismo como Pensamento Radical’, escrita em 1968 na França, prova sua maturidade aos 27 anos
O Estado de S. Paulo, Aliás, 19/11/2022
Um dos clichês mais absurdos ditos sobre José Guilherme Merquior é que ele foi apenas um “talentoso polemista liberal”. Por ser quase onipresente em todos os cadernos culturais importantes do Brasil entre 1980 e 1990, divulgando ideias e autores mal conhecidos por aqui, além de ter uma produção vertiginosa de livros, era evidente que essa categoria se encaixava como uma luva no jovem diplomata que, desde a década de 1960, encantou a intelectualidade tupiniquim pelo seu modo combativo de defender acima de tudo o debate racional. Contudo, com seu precoce falecimento em 1991, aos 49 anos, sua ausência nunca foi devidamente preenchida por algum sucessor – e o epíteto escrito acima se tornou cada vez mais permanente na nossa memória.
A monografia inédita O Estruturalismo como Pensamento Radical, redigida em 1968 na França, às vésperas das revoltas estudantis de Maio, e publicada agora pela É Realizações na coleção das obras completas de Merquior, vem para eliminar essa classificação bizarra. Trata-se de um evento e tanto, por dois motivos. O primeiro é, claro, porque mostra que o autor de O Elixir do Apocalipse (1983) era sobretudo um scholar com um pensamento filosófico próprio que seria a base posterior de todas as suas intervenções públicas na imprensa, em especial naquele momento histórico conturbado no qual o Brasil vivia, repleto de autoritarismo e de questionamentos sobre a natureza da democracia (aliás, muito semelhante ao que vivemos hoje). E o segundo é que ele reintroduz, com vivacidade, a importância da obra de Claude Lévi-Strauss, o antropólogo que, com suas pesquisas etnográficas, foi o responsável por popularizar um molde de perspectiva científica intitulado justamente de “estruturalismo”.
A admiração de Merquior por Lévi-Strauss já existia desde que o jovem prodígio estreou nas letras com suas coletâneas de crítica literária, Razão do Poema e A Astúcia da Mímese. Para ele, um poema ou uma obra de arte deveriam ser analisados sobretudo pela sua estrutura intrínseca, e não necessariamente pelo conteúdo discorrido em seus temas. Isto o impedia de cair no marxismo juvenil que já atacava alguns colegas seus de profissão ou no tradicionalismo católico da elite literária que já cheirava à naftalina. Com o passar do tempo, a preocupação de Merquior sobre um método de observação que se estendesse da literatura para as ciências humanas, até chegar na filosofia política, cresceu para que ele encontrasse, no estruturalismo de Lévi-Strauss, uma maneira de compreender o tema oculto que orientou todos os seus escritos: como lidar com o fato de que este mundo é consumido pela permanência da perda?
Na monografia que temos em mãos, Merquior conseguiu uma solução a partir de uma tese insólita: o estruturalismo não seria somente um método de pesquisa etnográfica, mas sim um pensamento radical, cuja raiz filosófica poderia ser localizada no Iluminismo peculiar de Jean-Jacques Rousseau e no idealismo alemão de Immanuel Kant, para depois ter suas ramificações na sociologia de Max Weber, na análise fenomenológica de Martin Heidegger e até mesmo na polêmica “arqueologia do conhecimento” que fez muito sucesso com Michel Foucault. O escopo é enorme, sem dúvida, e o ensaísta brasileiro usa e abusa das suas habilidades estilísticas para comprovar o seu argumento – e o resultado final é simplesmente brilhante.
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