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sábado, 12 de novembro de 2022

A política externa no 2º turno na campanha presidencial - Paulo Roberto de Almeida

Um outro trabalho, de respostas a jornalista sobre o papel dos temas diplomáticos entre o primeiro e o segundo turno das eleições, que também tinha permanecido inédito nesse período.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12/11/2022

A política externa no 2º turno na campanha presidencial

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Respostas a questões de repórter da mídia brasileira.

Brasília, 18 de outubro de 2022.

 

 

1.  Os temas de política externa estão mais presentes nesta eleição do que em eleições anteriores? Por quê?

PRA: O mundo vive uma situação anormal, com sequelas ainda subsistentes da pandemia, mas sobretudo com o impacto da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Não se pode descartar, tampouco, a influência anterior do conservadorismo vinculado ao trumpismo e a diversos movimentos na Europa, de crescimento dos partidos de direita e de grupos identificados com o antimultilateralismo e antiglobalismo. Bolsonaro, e muitos dos que o seguem, pertencem a esse universo mental trumpista e conservador, ainda que essa influência tenha diminuído com a derrota de Trump em 2020. O encarecimento do petróleo e o lado crucial da crise energética e alimentar em decorrência de todos esses eventos e processos também respondem pelo maior impacto da agenda mundial na campanha no Brasil.

 

2.  Quando esses temas internacionais entram no debate (preservação da Amazônia, convites para o G7, repressão aos padres na Nicarágua, refugiados venezuelanos), eles favorecem mais qual candidato? Por quê?

PRA: Temas vinculados às ditaduras latino-americanas e o apoio que os governos do PT lhes concederam no passado atuam diretamente em detrimento da campanha de Lula, e isso vem sendo explorado habilmente por Bolsonaro, ao passo que Lula fica restringido ao responder a essas questões porque, DE FATO, o PT se aliou a essas execráveis ditaduras. Não se sabe se numa próxima presidência Lula esse apoio continuaria, daí a fraqueza evidente da campanha de Lula de se demarcar desse legado extremamente negativo.

Por outro lado, temas ambientais, de direitos humanos, vinculados a minorias de maneira geral podem ser explorados em favor do candidato Lula, em detrimento de Bolsonaro, que é notoriamente contrário a TODOS os temas sociais, ambientais e de respeito às liberdades democráticas, igualdade de gênero e questões afins não só na agenda interna, do Brasil, mas também na agenda externa, dos organismos multilaterais. O desmatamento na Amazônia, a devastação nos territórios indígenas, o apoio direto e indireto que Bolsonaro empresta a grupos de madeireiros e garimpeiros podem ser utilizados pelo candidato Lula contra seu adversário no resto da campanha. É notório que existe um enorme fosso entre um e outro, nos temas sociais e ambientais e na postura em face de ditaduras de esquerda, e cada lado tende a explorar o que lhe convém.

 

3.  Esses temas internacionais podem mudar o voto dos brasileiros? Ou eles só entram como parte da agenda de costumes (medo do comunismo, da legalização das drogas)?

PRA: Dificilmente temas externos mobilizam o grosso do eleitorado brasileiro, que só tende a reagir em face de impactos vindos de fora – preço dos combustíveis, inflação mundial, etc. –, e existe muita mistificação, e até mesmo FRAUDE, na exploração ao temor quanto a um regime comunista no Brasil, constantemente agitado pelo candidato da extrema direita. Bolsonaro sabe que não existe nenhum risco de o Brasil ser levado ao comunismo, e sua insistência no tema só revela má-fé e desejo de conquistar o eleitorado pela MENTIRA!

 

4.  Se Lula ganhar, como será seu governo nessa área internacional?

PRA: Nos primeiros três governos e meio do PT a política externa foi dominada em parte pelo partido, com seu antiamericanismo tradicional e por uma postura tipicamente terceiro-mundista nos foros multilaterais. Presume-se que pelas alianças já feitas e pelos apoios que tem recebido de economistas liberais, e pelos avanços em direção ao agronegócio e industriais em geral, sua política externa terá contornos mais alinhados com os padrões mais tradicionais da diplomacia profissional, mas a incógnita permanece. Nos mandatos de Lula, para compensar a política econômica conservadora, a política externa foi entregue aos militantes da base, e a diplomatas antiamericanos; não se sabe se num eventual novo mandato a mesma postura será seguida, pois a política econômica terá de ser necessariamente moderada e alinhada com interesses nacionais mais relevantes. Cabe verificar o que será feito do BRICS – hoje dominado mais do que nunca pela China –, que é uma construção dos mandatos de Lula, e como o terceiro-mundismo do PT será absorvido, controlado ou ainda predominante.

 

5.  E Bolsonaro? Seguirá na mesma toada? Ele manterá Carlos França como chanceler?

Bolsonaro sempre preferiu se cercar de ministros servis, sem personalidade própria, e isso ocorreu com os dois chanceleres de seu mandato 2019-2022; a política externa, hoje, não está mais entregue ao bando de lunáticos antiglobalistas que a controlou entre 2019 e março de 2021, mas o próprio presidente costuma dar o tom direitista a suas alianças externas, o que já isolou o Brasil tremendamente no plano internacional. O principal handicap tem sido com a Europa, no plano ambiental, social e humanitário, e desde este ano, com a Europa e os EUA na questão da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Paradoxalmente, o apoio implícito a Putin e à Rússia mais une Bolsonaro e Lula do que os separa: esse fator será decisivo nos próximos meses de guerra e de discussões internacionais. Mais uma vez, o BRICS é uma âncora muito pesada nesse tema.

 

6.  Bolsonaro falava da China em 2018, mas agora esqueceu o assunto. Como ele e Lula lidariam com os chineses em caso de vitória nas urnas?

Bolsonaro é facilmente controlável pelo agronegócio e pelos donos do capital, e não insistirá mais na agenda ideológica da franja lunática do primeiro período, no qual a China era o demônio comunista. Essa bobagem não mais voltará. Portanto, business as usual. A China – e o imenso superávit comercial por ela permitido – é ESSENCIAL para QUALQUER GOVERNO BRASILEIRO; sem ela nosso déficit de transações correntes aumentaria muito. E isso não tem nada a ver com agenda política, mas é puro comércio exterior. Ambos precisam ser pragmáticos nesse terreno, portanto.

Mas Lula terá um trânsito político e diplomático muito mais amplo com a China, ainda que seja constrangido pelo protecionismo tradicional de nossos industriais. O Brasil é um dos países que mais aplicam antidumpings contra produtos chineses, muito deles puramente abusivos. Ainda que Lula tivesse prometido conceder o status de economia de mercado à China EM 2003, ele nunca concretizou essa intenção, barrado pela FIESP-CNI.

A questão seria saber como evoluiria o BRICS, que a China quer ampliar e transformar em verdadeira organização internacional, uma espécie de contraparte à OCDE. A grande dúvida é como Lula reagiria em face dessa proposta, e das recomendações da própria OCDE, nas áreas de liberalização comercial e abertura econômica.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4256: 18 outubro 2022, 3 p.

 

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