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terça-feira, 22 de novembro de 2022

Política externa e diplomacia brasileira a partir de 2023: o que esperar? - Paulo Roberto de Almeida (IDESF)

 Política externa e diplomacia brasileira a partir de 2023: o que esperar?  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para entrevista em programa do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), concedida em 22/11/2022. 

  

1. Depois de um período de política externa e diplomacia conservadoras (segundo análise de alguns especialistas) é possível prever qual será o tom deste novo governo e quais deverão ser as pautas prioritárias?

 

PRA: A prioridade das prioridades será a questão social – fome e miséria do povo brasileiro –, mas no plano externo figura a recuperação da credibilidade da política externa e da diplomacia, em especial no campo do meio ambiente, que é, basicamente, uma questão interna, mas com enorme repercussão internacional. É por aí que Lula dará início ao processo de reconstrução da imagem internacional do Brasil.

 

2. Em relação às fronteiras: na visão do Sr, quais são as nossas pautas mais problemáticas e as mais potenciais em termos de resoluções ou encaminhamentos?

 

PRA: As fronteiras são a interface mais relevante do nosso relacionamento com os vizinhos regionais, mas são também o fulcro dos maiores problemas, com todos os tipos de tráficos – drogas, armas, lavagem de dinheiro, várias outras variedades de criminalidade internacional – e necessidades de afirmação da presença do Estado e de construção de infraestrutura material e estatal para a afirmação da soberania e da legalidade nacional. A solução passa pelo estabelecimento de comissões mistas permanentes de fronteiras, com a participação de TODOS os órgãos atinentes aos diversos problemas: MRE, ministérios setoriais, aduanas, PF, FFAA, governos estaduais, representantes da Bacia do Prata e da OTCA, assim como autoridades dos municípios de fronteira. Em contato nacional com as autoridades centrais e os parlamentos nacionais, e em contato diplomático com as demais soberanias vizinhas, essas comissões devem registrar os problemas comuns aos países envolvidos, em cada trecho de fronteira, e reportar às autoridades as possíveis soluções a cada um dos problemas detectados, identificados, visando sua superação, ou pelo menos minimização. Jamais haverá um modelo uniforme para todas as fronteiras, daí a necessidade de atuar de modo descentralizado, mas coordenado, para mobilizar esforços nacionais que sejam combinados e convergentes com os parceiros fronteiriços.

 

3. Nessa fase de transição de governos, já há a especulação de nomes que podem compor ministérios. Na sua opinião, qual o perfil ideal de um Ministro de Relações Exteriores? 

 

PRA: De preferência, uma pessoa com dotes e capacidades adquiridos ao longo de experiências próprias a um perfil educado nas lides internacionais, não necessariamente um diplomata, e talvez não especialmente um profissional da diplomacia, para não incorrer nos vínculos corporativos restritos a certos grupos ou amizades pessoais. Deve conhecer o essencial da agenda internacional do Brasil – economia, política, segurança, cooperação externa, integração regional, questões humanitárias e ambientais – sem precisar ser um especialista em cada uma dessas matérias: os profissionais da diplomacia saberão processar as informações e oferecer subsídios para uma tomada de decisão compatível com os interesses nacionais. Finalmente, ser alguém da confiança do presidente, e que possa defender o Itamaraty de intrusões em suas áreas de responsabilidades.

 

4. Quais abordagens/estabelecimento de relações seriam primordiais ao Brasil pensando no contexto político e econômico atual no mundo.

 

PRA: A política externa brasileira – a despeito de alinhamentos episódicos por força de circunstâncias acima dos poderes de manobra do país – sempre foi universalista, ou seja, estabelecendo as bases de relacionamentos os mais amplos possíveis, sem pruridos políticos ou ideológicos, uma vez que o mundo tem todos os tipos de regimes e sistemas políticos. O multilateralismo é a plataforma natural de atuação da diplomacia, mas as relações bilaterais são essenciais para construir interfaces de relacionamentos que possam ser úteis para os diversos campos de desenvolvimento do país. Considero, pessoalmente, que a política do chamado Sul Global é de um determinismo geográfico inaceitável, e marcada por uma miopia irracional do ponto de vista do universalismo de nossas relações, justamente.

 

5. Em termos de Mercosul e América do Sul, acredita que o Brasil deve exercer uma liderança visto o cenário atual ou estabelecer uma convergência para um espaço econômico integrado?

 

PRA: Liderança é uma palavra tabu para os diplomatas, pois ela não se exerce unilateralmente, mas sim se estabelece a partir da postura dos demais vizinhos para com o Brasil, a partir de uma política externa regional justamente voltada para o desenvolvimento, a segurança, a paz e a defesa dos valores inscritos em nossa própria Constituição, que aliás estabelece a busca da integração regional. O Brasil, como país economicamente mais avançado na região, deve, sim, se abrir unilateralmente ao comércio com os países vizinhos, abrindo, assim, caminho para a constituição de um espaço econômico integrado à sua própria economia, sem necessidade absoluta de se exigir reciprocidade por essa abertura.

 

6. Poucos dias depois das eleições, a Alemanha e a Noruega anunciaram que vão retomar os repasses relacionados ao Fundo Amazônia. Em termos de relações exteriores e diplomacia, o que essa reativação (aceno) representa para o Brasil?

 

PRA: Um retorno a relações normais com países que se ofereceram voluntariamente para colaborar com projetos de desenvolvimento sustentável da Amazônia e com pesquisas úteis ao aproveitamento dos recursos naturais e à formação de capital humano nessas áreas.

 

7. Quais são os desafios do Brasil para os próximos anos em termos de política externa e relações internacionais?

 

PRA: Preservar sua autonomia de decisão em face de um possível recrudescimento de linhas de tensão entre grandes potências que se pensava superadas depois do final da Guerra Fria da era da bipolaridade. Nesse sentido, não considero que o grupo dos BRICS seja a melhor opção para a definição da postura diplomática brasileira em face desses novos desafios na agenda internacional, pois dois dos membros não são democracias, e um deles acaba de violar gravemente a Carta da ONU e os princípios mais elementares do Direito Internacional. Como dizia Rui Barbosa, não se pode ser neutro entre o crime e a Justiça.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4267: 13 novembro 2022, 4 p.


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