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quarta-feira, 3 de maio de 2023

Constituições do Brasil: a contribuição de Edson Emanuel Simões: uma enciclopédia constitucional - Paulo Roberto de Almeida

 


Uma enciclopédia da democracia e das constituições, no Brasil e no mundo

 

 

Prefácio ao livro de Edson Simões, Constitucionalismo e Constituição de 1988, volume 1 da coleção Constituições e Democracia no Brasil e no mundo – da antropofagia à autofagia (São Paulo: Almedina, 2022, p. 7-14; ISBN: 978-65-5627-477-5). Relação de Publicados n. 1488; divulgado no blog Diplomatizzando (5/01/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/01/edson-simoes-uma-enciclopedia-do.html)

 

 

Esta excepcional obra de erudição política e constitucional, dividida em cinco densos livros, poderia ser chamada, seguindo a terminologia desenvolvida pelo historiador francês Fernand Braudel, de trabalho de “longa duração”. De fato, Edson Simões deve ter passado muitos anos compulsando sua imensa bibliografia de referência, ademais de uma leitura atenta dos periódicos, para compor este vasto panóptico analítico-interpretativo sobre a evolução constitucional do Brasil, ademais de um igualmente ambicioso panorama cronológico sobre o itinerário histórico dos regimes políticos, desde os modelos ideais pensados pelos antigos filósofos até as modernas democracias de mercado. O conjunto da obra poderia também ser conhecida por um título grandioso, sem, no entanto, deixar de ser verdadeiro: “tudo o que sempre você quis saber sobre as constituições, em especial as do Brasil, e suas conexões com os diferentes regimes democráticos ao longo da história, da antiguidade à contemporaneidade”. 

O panorama assim traçado é tão vasto que ele precisou ser dividido em nada menos do que cinco alentados volumes, que cobrem praticamente, o amplo espectro das constituições brasileiras, que abrem e fecham a obra, depois de magnífico percurso pela história, pela filosofia e pelo direito dos regimes políticos, desde a antiguidade até a era contemporânea, como resumido a seguir. O primeiro volume é dedicado às constituições do Brasil (1824-1988), do Império à atualidade; o segundo cobre a contribuições de grandes pensadores e suas contribuições à formulação de modelos para a organização dos estados e para a construção das ordens políticas as mais diversas; o terceiro se ocupa justamente da luta pela democracia, da Grécia à finada União Soviética, que deu lugar à Rússia parcialmente democrática de nossos dias; o quarto volta a tratar da história do Brasil, desde o descobrimento até a República Velha; o quinto, finalmente, continua a se ocupar da construção da democracia no Brasil, da era Vargas aos nossos dias, com dois grandes experimentos autoritários no caminho, o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar, que durou pouco mais de duas décadas (1964-1985). 

Pela amplitude, vastidão de tópicos – o que se constatará facilmente pelos sumários detalhados de cada um dos volumes, trata-se de empreendimento inédito no mercado editorial brasileiro, carente de títulos que tratem, simultaneamente e de forma integrada, de temas de direito e de história constitucional, com uma enorme análise, não apenas complementar, mas absolutamente essencial, sobre os conceitos e as realidades dos regimes democráticos, desde suas origens às modernas democracias de mercado. De fato, uma consulta a cada um dos índices dos volumes revela uma profusão verdadeiramente enciclopédica de subcapítulos e de seções em cada uma das suas centenas de partes, algo surpreendente nos dias atuais em termos de esforços ciclópicos, como este que Edson Simões tomou a braços, em face de sínteses bem mais modestas que são publicadas atualmente. 

A bibliografia geral, usada pelo autor, assim como as referências específicas a cada um dos volumes, podem ser consideradas como verdadeiramente esmagadoras para um único autor, pois também revelam uma ampla diversidade de leituras, provavelmente ao longo de anos, senão de décadas. Um somatório tentativo das leituras de Edson Simões – que não é matemático, pois há que considerar todo acúmulo de leituras da mídia diária, o seguimento do noticiário em outros veículos e, desde alguns anos, tudo aquilo que nos entra pelas redes sociais – resulta num inacreditável cômputo final de 565 títulos, sendo que não menos de dez pertencem ao próprio autor (dos quais vários em obras coletivas ou em coautoria), aos quais este prefaciador poderia agregar oito de sua própria autoria, títulos mais propriamente de relações internacionais e de história do que exatamente de ciência política ou direito.

Mas, estes são apenas os aspectos volumétricos, ou quantitativos, desta obra de fato monumental, o que requereu, justamente, sua divisão em volumes, em função de sua dimensão assombrosa. Sem pretender uma comparação quanto ao conteúdo, inclusive porque são de gêneros completamente diferentes, pode-se pensar – quanto ao volume de trabalho que a obra dever ter custado ao autor, numa labuta de longos anos – no famoso Dictionary of the English Language, do não menos famoso Samuel Johnson. O dicionário do inglês, biografado por James Boswell, tomou não menos do que nove anos para ser completado: de 1746 a 1755; sua composição gráfica, com muitas ilustrações e uma infinidade de citações – “examples from the best writers”, entre os quais se incluíam, sobretudo, Shakespeare e Milton –, custou bem mais ao editor que o compôs, em dois volumes, do que Samuel Johnson recebeu para compô-lo. 

Sabemos que outros autores também foram prolíficos escritores, como, por exemplo, no terreno do Direito, Pontes de Miranda, ou mais ainda, Rui Barbosa (sem que ele, na verdade, tenha publicado um único volume durante toda a sua longa vida), cujas obras completas, aos cuidados da Fundação que leva o seu nome, ainda não se terminaram de publicar, mas já somam mais de uma centena de volumes. Aliás, Edson Simões não cita Rui Barbosa em seus quase seiscentos títulos da bibliografia, mas é porque o grande jurista baiano – conterrâneo, portanto, de Edson Simões – é tomado como um verdadeiro personagem de nossa história constitucional e política, muito mais atuante na vida parlamentar e nos debates de imprensa, do que propriamente como doutrinador. Mas, Rui Barbosa também foi um estadista e um diplomata – sobretudo nas negociações em torno da compra do Acre, depois, de maneira magistral, na segunda conferência da paz da Haia (1907) e, finalmente, como representante brasileira nas comemorações do primeiro centenário da independência argentina, em 1916 –, tendo formulado contra as pretensões dos imperialismos arrogantes, na Haia, um dos princípios basilares do multilateralismo brasileiro e peça básica da doutrina diplomática do Brasil: a igualdade soberana dos estados. Rui Barbosa, mais até do que um advogado de grandes causas, de jurista respeitado internacionalmente e, até mesmo, um estadista de envergadura mundial – foi escolhido praticamente por unanimidade, inclusive pelas grandes potências, para ser o primeiro juiz brasileiro na Corte de Justiça Internacional, só não assumindo por já se encontrar doente –, era um escritor compulsivo, e a maior parte de sua obra entraria, talvez, na categoria do jornalismo erudito. Edson Simões honra a memória do “homem mais inteligente do Brasil” (segundo os baianos certamente).

Em matéria de dicionários, Edson Simões usou extensivamente, ou recorreu para consultas tópicas, a nada menos do que duas dezenas de dicionários de Política (entre eles o famoso de Norberto Bobbio), de História (três da história brasileira, outro da história universal, sendo um da civilização grega e outro da Roma antiga, e um da Revolução Francesa, que possui um estupendo prefácio de José Guilherme Merquior), de Filosofia e dos filósofos (inclusive cobrindo Rousseau, além de um “gramsciano), sem mencionar os que são propriamente da área constitucional e parlamentar, um do “politicamente correto”, ademais daqueles especificamente da língua portuguesa (Houaiss, o grande lexicográfico brasileiro, como o britânico Samuel Johnson, mas ele foi um diplomata cassado pelo regime militar). Edson Simões também se revelou um misto de “dicionarista”, de “enciclopedista”, de cronista dos tempos recuados e modernos em matéria de constituições e democracias, um autor dotado de uma pena surpreendentemente abrangente.

Na verdade, pela amplitude de sua escrita, não se trata apenas de uma “pena quilométrica”, e sim de uma capacidade de digitação fenomenal, uma espécie de Balzac do direito constitucional, um autor tão volumoso e denso quanto, em outros gêneros, o velho Chateaubriand (que vendeu suas “memórias do além-túmulo”, por uma renda permanente, muito antes do esperavam seus editores), ou, em outro exemplo mais literário, quanto Marcel Proust (que era capaz de escrever várias páginas simplesmente sobre o aroma que lhe despertava uma “madeleine” sobre uma xícara de chá). Ainda neste terreno da literatura em grande volume, as centenas de páginas desta respeitável obra em cinco volumes de Edson Simões cobrem facilmente, em extensão, as aventuras que Georges Simenon imaginou para o Comissaire Maigret, em suas 75 pequenas novelas de mistério policial. 

No caso de que nos ocupamos, não há absolutamente nenhum mistério, mas total transparência e lucidez quanto aos critérios do autor na abordagem de seu triplo objeto: os pensadores da Política, do Estado, da Justiça e do Direito; as aventuras da senhora Democracia, da antiga Grécia (a “mãe da democracia”) aos embates entre autoritarismo e democracia, na Alemanha contemporânea, passando pela Inglaterra, França e Estados Unidos, entre outros exemplos; e, finalmente, ao início e ao final, o próprio Brasil, seja na sua sucessão de constituições, desde a mais longeva, aquela outorgada pelo primeiro imperador, até a mais recente, que já é uma “balzaquiana”, mas que carrega mais emendas do que as dezenas de volumes da Comédia Humana, do ilustre novelista francês do século XIX. O caráter enciclopédico da obra é justamente confirmado pela pletora de casos tratados no terreno da política, das desventuras da democracia ao redor do mundo, da Grécia e da Roma antigas às modernas democracias de mercado e, sobretudo, confirmado pela profusão de pensadores das doutrinas e dos regimes políticos abordados, dos sofistas (os primeiros aprendizes de filósofos, mas dotados de pouca lógica) aos contemporâneos, passando por medievais, renascentistas e modernos, sem descurar alguns adeptos do terror político, Robespierre, Marat e Danton en tête (que levaram vários outros a perder a cabeça, antes deles). 

O primeiro volume da obra revela um comentarista erudito, mas também irônico, sobre as constituições do Brasil, que teriam saído da “antropofagia” para chegar à “autofagia”, tantas foram nossas tentativas de democracia, para terminar com o que ele caracteriza como “uma colcha de retalhos”. De fato, a Constituição de 1988, a sétima ou oitava da série, segundo se considere certas anomalias ditatoriais, constitui um vasto conjunto de dispositivos concedendo muitos direitos, mas exigindo poucas obrigações, como sempre lembrou o economista e diplomata Roberto Campos, aqui citado pelas suas memórias, um passeio pela história do Brasil no século XX e por cinco de suas constituições, uma das quais, a de 1967, ele ajudou a elaborar, pelo menos no capítulo econômico. 

E é justamente no capítulo econômico que se situam os principais problemas do arranjo constitucional atual, uma vez que a Carta de 1988 garantiu todos os direitos a que os cidadãos tinham direito (e sempre mais alguns, segundo a generosa disposição dos legisladores de encontrar o verdadeiro caminho da felicidade legal). Mas, ao mesmo tempo, ela forjou uma ordem econômica que gera baixo nível de investimentos para alimentar um processo de crescimento sustentado, com transformações estruturais e distribuição social dos benefícios de crescimento que não vem, desde exatamente a promulgação da “Constituição cidadã”, do dizer de Ulysses Guimarães. Não exclusivamente por causa de seus dispositivos econômicos – pois também ocorreu a crise da dívida dos anos 1980, as hiperinflações se alternando a planos frustrados de estabilização macroeconômica e uma introversão negativa do aparelho produtivo, isolando o Brasil das pressões competitivas da economia global –, mas sobretudo pela tentativa de distribuir benesses a todos e a cada um, a Constituição tornou-se um óbice a uma maior taxa de investimentos produtivos, ao dirigir boa parte das receitas fiscais ao próprio Estado. Este é um ogro famélico que captura um terço de todas as riquezas criadas por empresários e trabalhadores, muito acima do que justificaria o nível de renda per capita do Brasil no confronto com países de características similares (nossa carga fiscal se situa dez pontos acima, no PIB, à de outras economias emergentes, quase no mesmo nível que os países avançados da OCDE, que possuem uma renda per capita cinco ou seis vezes superior à nossa (aliás, estagnada há vários anos). 

A chave – ou, se poderia dizer, o ferrolho – de todos os problemas brasileiros se situam amplamente nos terrenos político e institucional, temas cruciais de nossos impasses sociais, e que são objeto de profundas considerações do autor tanto ao início quanto ao final desta obra verdadeiramente completa, tão completa que vai dos “antecedentes do descobrimento do Brasil” e da própria “formação e evolução de Portugal”, até Dilma, Temer e Bolsonaro, para mencionar apenas os mais recentes personagens de uma trama que confirma o que Edson Simões chama de “erosão da República e da democracia em pleno século XXI”. De fato, impossível não concordar com ele, quando se contempla a lenta demolição das instituições, que vão das manifestações contra o poder político na década passada, às “contradições do Poder Judiciário”, como também explicitado ao final da primeira parte da obra. Aqui, caberia talvez retornar ao velho Rui Barbosa, crítico contumaz do militarismo da República – tendo ele enfrentado, em 1910, o sobrinho do primeiro marechal-presidente, Hermes da Fonseca, habitual em intervir nos conflitos estaduais –, que ele considerava como o principal perigo à democracia brasileira: de fato, os militares nunca deixaram de intervir nos assuntos políticos, em mais de 130 ano de República.

O amontoado heteróclito de problemas institucionais, constitucionais, econômicos e sociais recomendaria uma ampla reforma política, que reverteria a atual fragmentação partidária e limitaria a chantagem recíproca que se exercem os poderes executivo e legislativo, na disputa por nacos de um orçamento quase que totalmente comprometido com gastos obrigatórios. De fato, como se sabe, o orçamento brasileiro reserva muito pouco das receitas a investimentos produtivos, ou para a correção das imensas desigualdades distributivas, e no período recente vem sendo objeto de um verdadeiro estupro orçamentário, ao acomodar dois fundos ilegítimos – o partidário e o eleitoral, já que partidos são de direito privado – e uma pletora de “emendas orçamentárias” que simplesmente distorcem qualquer sentido de planejamento racional de despesas públicas, ao fragmentar bilhões de recursos em projetos paroquiais que nunca deveriam ser de responsabilidade federal. Mas é justamente essa reforma política que se revela praticamente impossível em face de um parlamentarismo de fato, não de direito, feito de superpoderes do estamento político, especialmente dedicado a disputar os despojos do Estado e pouco voltado para a correção dos inúmeros impasses quanto ao funcionamento das instituições. 

Às vésperas do bicentenário da formação de um Estado independente, em setembro de 2022, a construção da nação permanece inacabada, pois, assim como ela permaneceu refratária à abolição do tráfico e da escravidão no momento oportuno, ela se mostrou impérvia à implantação de um verdadeira sistema de educação de massas de qualidade, assim como, num passado não muito remoto, esqueceu-se da distribuição da propriedade e da integração dos antigos escravos e dos rurícolas marginais aos benefícios da alfabetização e dos cuidados elementares de saneamento básico, e até hoje permanece indiferente ao grau elevado de violência urbana, que atinge sobretudo as populações pobres das favelas. O Brasil do bicentenário de sua independência nos aflige, profundamente, e a maior parte das razões estão muito bem descritas, esmiuçadas, explicadas e criticadas nesta obra monumental. 

A feliz coincidência de que esta obra multivolumes esteja sendo publicada às vésperas do bicentenário oferece, precisamente, um guia, um manual seguro, um diretório dos nossos impasses democráticos e constitucionais, um manancial de informações e de argumentos que podem nos ajudar a identificar os problemas e traçar um roteiro de sugestões para sua correção ao início do terceiro centenário de nossa vida independente, como Estado soberano. O diagnóstico, não apenas constitucional, mas sobretudo compreensivo, no sentido weberiano da expressão, para que possamos congregar esforços na busca de caminhos democráticos, consensuais, para superar os atuais impasses da nacionalidade. Apenas com uma compreensão sofisticada dos problemas que se colocam à “brasilidade” será possível formular as prescrições adequadas para a adoção das medidas corretivas que devem ser aprovadas pela representação política.

O diagnóstico já foi feito por Edson Simões, a crítica dos erros passados também, os modelos oferecidos pelas democracias de mercado exitosas comparecem nesta sua obra que pode ser considerada uma síntese perfeita de uma trajetória intelectual das mais completas. Tive enorme prazer em percorrer suas densas páginas, o que me fez relembrar de quando, jovens adolescentes em São Paulo, trocávamos sugestões e exemplares de livros para enriquecer nossa formação inicial: entre esses autores estava Stefan Zweig, que havia projetado um futuro luminoso para o Brasil, em 1941, uma esperança até aqui frustrada em várias de suas dimensões. Aos 80 anos do suicídio do escritor, em pleno Carnaval de 1942, em Petrópolis, cabe esperar que o “país do futuro” almejado pelo grande intelectual austríaco, possa realizar-se no curso das próximas décadas, como nossos filhos e netos têm todo o direito de almejar. Com esta afetiva rememoração, encerro meus cumprimentos ao Edson Simões, seguro de que ele ofereceu o melhor de si nestes magníficos volumes.

 

Paulo Roberto de Almeida

Fevereiro de 2022

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Instituto Mises Brasil lança curso que analisa constituições do país - Rodrigo Saraiva Marinho

Instituto Mises Brasil lança curso que analisa constituições do país

Ministrado pelo mestre em direito constitucional Rodrigo Saraiva Marinho, iniciativa é uma oportunidade de obter um certificado do Instituto Mises Brasil por menos de R$ 200,00 

Rodrigo Saraiva Marinho (Foto: Reprodução / Students for Liberty Brasil)

Instituto Mises Brasil, uma das principais organizações que difundem as ideias da liberdade no país, está com vagas abertas para o curso “Por que o Brasil não dá certo: A História das Constituições”.

Ministrada pelo advogado Rodrigo Saraiva Marinho, mestre em direito constitucional, a iniciativa tem mais de 10 horas de aula e se propõe a “compreender os motivos do atraso econômico e político do Brasil”.

“Com uma linguagem de fácil compreensão e sem aquele juridiquês complicado, Marinho faz um passeio por todas as constituições que já tivemos, falando dos aspectos históricos e as características de cada uma delas. Garantimos que nenhum professor de Direito já tenha explicado tão bem as raízes dos nossos problemas como é explicado neste curso”, afirma o comunicado do IMB, instituição presidida por Helio Beltrão.

Os leitores que tiverem interesse em fazer o curso poderão ainda utilizar o cupom de descontos “BOLETIM” (sem aspas) ao completar a inscrição. O código gera um abatimento no valor total.

As vagas são limitadas e previstas para encerrarem nesta semana. Os concluintes terão direito a um certificado emitido pelo Instituto Mises Brasil. Clique para saber mais e garantir sua inscrição.

Veja, abaixo, a grade do curso:

As Constituições Brasileiras são inimigas da Liberdade?
Aula de Introdução

A Constituição de 1824
1824 – Parte 1
1824 – Parte 2

1889 – Causas e consequências
Brasil República

A Constituição de 1934
Segunda República

A Constituição de 1937
Estado Novo

A Constituição de 1946
1946

A Constituição de 1967 e a Emenda de 1969
Regime Militar
A CF de 67
A Emenda de 1969

A Constituição de 1988
Carta de Papai Noel. Pt1
Carta de Papai Noel. Pt2

Considerações Finais
Aula de Conclusão

Aulas Bônus
Webinar: Por que o Brasil não dá certo?
Webinar: Constituições Brasileiras
Sociedade, Direito e Liberdade – Rodrigo Saraiva Marinho
O Estado é necessário para que exista o Devido Processo Legal? – por Rodrigo Marinho
O Problema dos Direitos Fundamentais Parte 1 – Rodrigo Saraiva Marinho / Summer School 2016
O Problema dos Direitos Fundamentais Parte 2 – Rodrigo Saraiva Marinho / Summer School 2016
Trabalhos relativos às Constituições do Brasil – Paulo Roberto de Almeida


quinta-feira, 18 de junho de 2020

Constituições Brasileiras: uma avaliação sumária - Paulo Roberto de Almeida

Constituições Brasileiras: uma avaliação sumária


Paulo Roberto de Almeida
Notas para podcast com Rodrigo Marinho (Instituto Mises); 12-17/06/2020


1 - Por que nós tivemos tantas constituições??

Constituições e regimes políticos no Brasil, 1824-1988
Constituições
Tipo de instituição
Características
1a.: 1824-1889
Outorgada; emendas.
Longa duração, 65 anos de regime parlamentar.
Pedro I dissolve a Constituinte; quatro poderes, inclusive o Moderador, exclusivo do imperador, podendo dissolver a câmara; voto censitário;
2 a.: 1891-1934
Constituinte;
promulgada.
Emendada em 1926; eleições fraudulentas.
Regime republicano federativo, autonomia dos estados; presidencialismo de 4 anos, sem reeleição; voto restrito aos alfabetizados; Estado laico;
3 a.: 1934-37
Promulgada;
curta vigência
Assembleia, com representação corporativa
Centralização, nacionalismo econômico; direitos sociais e laborais; direito de voto às mulheres; analfabetos continuam excluídos;
4 a.: 1937-46
Imposta
Golpe de Estado fechou o Congresso
Autoritária, inaugura o Estado Novo: dissolução dos partidos; centralização; ditador legisla por decretos.
5 a.: 1946-1964
Promulgada
Assembleia Constituinte
Tensão entre a maioria presidencial e o Congresso, proporcional; coalizões heteróclitas de partidos.
Atos Institucionais
Deformaram a Const. 1946: AI-1: cassou mandatos; AI-2: decretos-leis;
“A Revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constitucional”, e se legitima por si mesma, como Poder Constituinte; AI-2; extinguiu partidos políticos; AI-3: eleições indiretas; AI-4: CF-1967
6a.: 1967-69
Outorgada pelo Governo
Comissão de Juristas: Congresso mutilado aprovou
Congresso aprovou em 40 dias; AI-5 (13/12/1968): Cassação de mandatos; intervenção nos estados e municípios; suspendeu o habeas corpus; 
Emenda Constit. n. 1 - 1969
Junta Militar; suspende CF-1967
17/10/1969 (AI-16); suspensão de garantias constitucionais e de apreciação judicial; 
7ª.: 1988
Congresso Constituinte
Extensa; prolixa; mais de cem emendas
Comissão de Juristas (Afonso Arinos); Relator da Msg Pres. ignorado na Const. exclusiva; participação popular; vocação parlamentar desviada
Elaboração: Paulo Roberto de Almeida (12/06/2020)


2 - A constituição de 1988 é cidadã?
PRA: No plano puramente político formal, a CF-88 é certamente cidadã, ao consagrar direitos e oferecer um quadro institucional democrático para a organização social e política da sociedade. Mas o conceito de cidadão é ambíguo e pretenderia dizer que existe participação do cidadão comum no jogo político, o que não é verdade. Os cidadãos podem, sem dúvida, acessar a justiça, ter garantidos direitos básicos, como saúde e educação, mas essas prestações estão na verdade longe do alcance da maior parte dos cidadãos, pois o Estado é incapaz de fornecer tudo isso, em boas condições para os pobres. A classe média resolve seus problemas comprando no mercado educação, saúde e até segurança, e depende da lentidão da justiça para dirimir conflitos e tem de esperar como todos os demais.
A CF-88 não comporta deveres, obrigações, contrapartidas e não existe a noção de responsabilização (accountability), ou produtividade (e quando entra é para dar novas vantagens aos empregados), e não existe nada para os empregadores ou para os investidores.

3 - Por que Roberto Campos chamava nossa constituição de inflacionária?
4 - E Antônio Paim chamou de estagflacionária?
PRA: Os vereditos inflacionários atribuídos por RC e AP à CF-88 são corretos, mas eles precisam ser vistos no contexto econômico de cada época. A CF é inflacionária pelos seus dispositivos de provimento de serviços de maneira muito generosa, sem que fossem previstos os meios de sustentar esse farto oferecimento de benesses e benefícios por parte das entidades governamentais, governo central ou unidades subfederadas. Tampouco se limitou, pelo menos no início, a criação de moeda, ou de dinheiro, pelos governos estaduais, utilizando os bancos públicos, que estavam a serviço dos governadores, por meio de antecipação de recursos sobre receitas futuras de impostos. Praticamente todos os bancos estaduais recorriam aos chamados AROs, ou Antecipação de Receitas Orçamentárias, um mecanismo emissionista de base estadual, que permitia aos governadores gastar, deixando a conta para os sucessores. Essa possibilidade praticamente quebrou todos os bancos estaduais e aumentou desmesuradamente a dívida pública dos estados e municípios, o que representou um enorme problema quando da implementação do Plano Real. Não surpreende, assim, que o Brasil tenha convivido com surtos inflacionários especialmente virulentos entre a promulgação da Constituição e o Plano Real, seis anos mais tarde, que assistiu a número equivalente de moedas.
Essa permissividade não era exatamente decorrente de algum dispositivo constitucional, inclusive porque a Constituição não podia prever todas as falcatruas que podem ser cometidas por administradores públicos e que desrespeitam regras elementares de administração orçamentária. Depois da liquidação da maior parte dos bancos estaduais, nos anos 1995 a 1997 – e da assunção das dívidas pelo governo central, o que praticamente dobrou o peso da dívida pública total sobre o PIB – foi preciso fazer uma Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, que simplesmente não precisaria existir, se os governantes e administradores não fossem tão relapsos. 

5 - O fato dela ter sido feito antes do Muro de Berlim prejudicou a constituição?
PRA: Certamente: havia uma euforia com a redemocratização e a distribuição social de novos benefícios, num regime doravante aberto e receptivo às reivindicações de grupos sociais, especialmente os estratos desfavorecidos da população. Havia sobretudo uma crença de que o Estado era a instituição que deveria presidir as medidas de inclusão e de redistribuição de renda, numa conjuntura em que os países mais estatizados, que eram os socialistas, não tinham ainda implodido na crise final do socialismo, que não ocorreu apenas pela demanda de liberdade, mas também pela incapacidade desses sistemas de atenderem aos desejos de consumo da população. Menos de dois anos depois da promulgação da nova Constituição brasileira, os sistemas socialistas vinham abaixo sob o peso de suas próprias contradições internas, não por pressão do capitalismo, o que no, entanto, não se refletiu no pensamento e na ação dos partidos de esquerda no Brasil.
A despeito da completa falência dos regimes socialistas, partidos de esquerda continuaram propugnando por medidas tipicamente socializantes, estatizantes e distributivistas nos anos seguintes, o que representou uma estagnação prática das possibilidades de acumulação de riqueza, uma vez que as promessas de consumo e de atendimento das demandas sociais passaram a prevalecer sobre as necessidades de investimento e de ganhos de produtividade. Depois de alguns anos de reformas tendentes a racionalizar o funcionamento do Estado, de diminuição do gasto público e da necessária diminuição do peso das corporações públicas sobre os gastos orçamentários, nos governos FHC (1995-2002), ocorreu um retorno ao aumento do gasto público e do tamanho do Estado durante praticamente quinze anos, sob os quatro governos do PT.

6 - Por que ela não foi parlamentarista?
PRA: Ela poderia ter sido parlamentarista, pois havia uma significativa minoria de parlamentares animados por essa ideia, embora a população não estivesse suficientemente educada para a ideia e para o sistema. Por outro lado, contudo, a ambição de diversos líderes políticos, todos eles aspirantes à cadeira presidencial, atuou num sentido contrário à adoção do sistema. Isso não impediu que a Carta contivesse diversos dispositivos atribuindo uma maior latitude de ação ao Congresso, mas tudo o que se obteve no processo constituinte foi a promessa de uma consulta plebiscitária sobre a opção a ser conduzido cinco anos depois. Juntou-se a essa consulta a ideia estapafúrdia do restabelecimento da monarquia, o que terminou de embaralhar de vez o debate sobre os méritos eventuais do sistema, que no entanto exigiria também uma mudança no sistema eleitoral e uma forte contenção da fragmentação partidária, traços notoriamente adversos aos cálculos oportunistas dos políticos, acostumados a disputar eleições em bases já testadas de financiamento e organização de campanhas. 

7 - Quais os principais problemas dessa constituição?
PRA: Eles são muitos, e começam pelo fato de que todas as corporações, categorias profissionais, minorias e outros interesses peculiares encontraram uma maneira de inserir alguma proteção ou tratamento de favor em algum dispositivo da Carta, o que a tornou extremamente prolixa, profusa, repleta de penduricalhos especiais, alguns francamente ridículos. Depois um irrealismo total no plano econômico – por exemplo, a limitação da taxa de juros no texto constitucional – e um nacionalismo verdadeiramente anacrônico, ademais do estatismo e dirigismo sempre renovados. 
A Constituição foi relativamente positiva no campo dos direitos políticos e da proteção desses direitos, mas a desproteção do exercício prático desses direitos pelas camadas mais pobres se dá pelo racionamento que decorre da incapacidade do país, caracterizado por baixa produtividade do capital humano, de financiar todos os direitos formalmente existentes no papel. No campo econômico, ela carece justamente dessa compatibilidade entre os meios disponíveis e as necessidades reveladas, o que só poderia ser corrigido por um vigoroso processo de privatização e de enxugamento do papel do Estado na vida econômico do país.

8 - Por que o Livro organizado pelo senhor é chamado de A Constituição contra o Brasil?
PRA: Sigo aqui uma das críticas feitas por Roberto Campos, ao retrucar a uma frase do principal promotor da nova Carta, Ulysses Guimarães, quem dizia que a CF-88 seria a “constituição dos miseráveis”. Realista, Campos dizia que a Constituição era contra os miseráveis, por dificultar enormemente a criação de empregos na economia privada, ao submergir o setor de uma quantidade e variedade absurda de direitos e benefícios aos contratados, o que tornava inviável, ipso facto, a empregabilidade geral.
As análises que ele fez durante a Constituinte e imediatamente após, e suas previsões, se revelaram proféticas: a Constituição é em grande medida responsável pelo baixo crescimento do Brasil, ao praticamente restringir a capacidade de investimento do setor privado, pois que acarretando uma enorme carga fiscal, equivalente ao nível registrado nos países avançados, mas com uma produtividade e uma renda per capita várias vezes menor. A organização federal e os desequilíbrios regionais também tornam muito difícil a elaboração, revisão e reforma das estruturas tributária e de repartição de encargos e obrigações entre as unidades da federação. As amarras da CF-88 são muitas, daí que meu livro se chame A Constituição Contra o Brasil. Vamos ter de reforma-la, não por um novo processo constituinte, mas mediante um processo metódico, contínuo, persistente de mudanças setoriais, segundo linhas de uma administração aberta, competitiva, propensa aos investimentos estrangeiros e ao comércio internacional, mas também e sobretudo por meio de uma redução do peso do Estado sobre a sociedade.
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de junho de 2020



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