O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Davos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Davos. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Nacionalismo, antiglobalismo: o que pode diminuir o crescimento econômico - Editorial Estadão

Nacionalismo, risco global

Com o multilateralismo em xeque, ficam em xeque também a prosperidade e a estabilidade econômica, a segurança geopolítica e a preservação ambiental

Editorial Estadão, 17/01.2020


Com a trégua assinada pelos governos de Estados Unidos e China, o risco de um ano conturbado por disputas comerciais parece atenuado, mas é muito cedo para relaxar. Continuam no horizonte as ameaças de turbulência geopolítica, de confrontos econômicos entre grandes potências, de ações unilaterais, de polarização política interna e internacional, de entraves ao comércio e de enfraquecimento da economia global. Esses alertas aparecem no Relatório 2020 de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, normalmente divulgado uma semana antes do encontro anual em Davos. As limitações ao comércio, já presentes em 2019, dificultam a reativação dos negócios. Mas há mais motivos para preocupação, segundo o relatório. 
Munição para prevenir uma recessão escasseia. Seis das sete maiores economias do mundo – a japonesa é a exceção – já desaceleraram no terceiro trimestre de 2019. Mais de metade da produção mundial provém dessas potências. Num quadro de endividamento recorde, cresce o estresse financeiro e é difícil dizer se os governos têm condições fiscais de produzir suficiente estímulo, repetindo a ação de dez anos atrás, na pior fase da última grande crise. Com juros muito baixos e risco de instabilidade financeira, também as possibilidades da política monetária parecem esgotadas, como têm advertido especialistas e dirigentes de grandes bancos centrais. 
Na última grande crise, espalhada pelo mundo em 2008, a ação coordenada de governos, bancos centrais e instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, facilitou a recuperação econômica. As possibilidades de cooperação e coordenação parecem hoje muito menos claras, com o ressurgimento do nacionalismo e a rejeição, por muitos governantes, dos padrões de ordenamento multilateral.
Não há citação de nomes, mas é evidente a referência às políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e de governantes de alguns países europeus, como a Hungria. Na lista de seguidores de Trump o primeiro poderia ser o presidente Jair Bolsonaro. 
Essa configuração do quadro internacional ocasiona incertezas também quanto às formas de assimilação e de uso das novas tecnologias. Em maio de 2019, assinala o relatório, os 36 países-membros da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, adotaram princípios comuns a respeito da inteligência artificial (IA). 
Por esse acordo, esses países se comprometeram a promover uma inteligência artificial “inovativa, confiável e respeitosa dos direitos humanos e dos valores democráticos”. O relatório menciona em seguida um comentário de Eleonore Pauwels, do Centro Universitário das Nações Unidas para Política de Pesquisa: “O ressurgimento de agendas nacionalistas em várias partes do mundo pode sinalizar uma capacidade minguante do sistema multilateral de desempenhar um papel significativo na governança global da IA”. 
Os problemas econômicos, políticos, geopolíticos e tecnológicos aparecem no relatório como riscos de curto prazo destacados pela maioria dos cerca de 800 líderes empresariais e formuladores de políticas consultados na pesquisa do Fórum. Confrontos econômicos, polarização política interna, ataques cibernéticos e protecionismo são citados por mais de 75% dos entrevistados. Mas há também riscos de longo prazo, com impacto previsível nos próximos dez anos. Aqui surge uma novidade. 
Pela primeira vez nessa consulta, iniciada na edição de 2007, temas ambientais aparecem nos cinco primeiros lugares da lista: condições extremas de tempo, fracasso na ação climática, desastres naturais, perda de biodiversidade e desastres ambientais provocados pelo homem. Também a prevenção desses perigos será dificultada, alerta o relatório, pelo ambiente desfavorável à cooperação e à coordenação internacionais. Com o multilateralismo em xeque, ficam em xeque também a prosperidade e a estabilidade econômica, a segurança geopolítica e a preservação ambiental. Dificilmente haveria um apelo mais forte em favor do retorno ao bom senso das políticas civilizadas.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A China em Davos: discurso do vice-presidente - Wang Qishan

Full text of Chinese vice president's speech at 2019 WEF annual meeting

DAVOS, Switzerland, Jan. 24 (Xinhua) -- Chinese Vice President Wang Qishan on Wednesday delivered a speech at the 2019 Annual Meeting of the World Economic Forum.
An English translated version of the speech is as follows:

Stay Confident and Work Together for A Shared Future
Speech by H.E. Wang Qishan
Vice President of the People's Republic of China
At the World Economic Forum Annual Meeting
Davos, 23 January 2019

Dear Dr. Klaus Schwab,
Ladies and gentlemen,
Friends,

It gives me great pleasure to attend the 2019 World Economic Forum Annual Meeting.
This year is the 40th anniversary of the relations between China and the WEF. Over the past four decades, Davos, this lovely small town with its unique appeal, has become an important platform for China to learn about the world, exchange views, state its position and seek common understanding.
This year 2019 marks the 70th anniversary of the founding of the People's Republic of China. The past seven decades have witnessed remarkable achievements in China's development. Our nation has made historical transformation in terms of social productivity and composite national strength and delivered initial prosperity to its people who were once struggling to meet their basic living needs. China's status and influence have risen as never before. Indeed, China has increasingly become an important force for upholding world peace and promoting common development.
Many foreign friends have often put this question to me: What has made it possible for China to achieve so much in development and progress? And how will a stronger China engage the rest of the world? Well, these questions can be answered from historical, cultural and philosophical perspectives. Given the close linkage between the past, the present and the future, one needs to learn about China's past in order to understand its present and forecast its future.
China has an uninterrupted civilization of more than 5,000 years, and the Chinese nation has both gone through sufferings and made splendid achievements. When the West embarked upon industrialization and embraced the oceans, China fell behind because its emperors chose to shut China's door to the world, and this made China a victim of foreign aggression. Since modern times began, China was beset by crises at home and abroad, and ravaged by wars and chaos, which inflicted untold sufferings to its people. However, in a century of darkness, the Chinese people, rising one upon another in an unyielding spirit, never stopped searching for a way towards national renewal and prosperity.
Seventy years ago, the Communist Party of China, rallying the Chinese people around itself, engaged in an indomitable struggle and succeeded in establishing a New China in the ruins of an old semi-colonial and semi-feudal society, thus achieving national independence and liberation of the Chinese people. Since then, the Chinese nation has gained rebirth and entered a new era of development.
We will stay true to the founding mission of the Communist Party of China, uphold its leadership and China's fundamental socialist political and economic systems and be guided by a people-centered development philosophy. From the founding and building of the People's Republic to the launching of the reform and opening-up program and the shifting of focus to economic development, we have moved away from revolution to reform, from a planned economy to a market economy and from isolation to all-round opening-up. In this process, we have broken free from the fetters of dogma and Utopian thinking, freed our minds and taken a realistic and pragmatic approach, and applied Marxism's basic tenets in the context of China's realities. Four to five generations of us Chinese have, going through twists and turns, probed a way forward. Through trials and errors, with many lessons learned and heavy prices paid along the way, we have made great accomplishments and embarked upon a path of building socialism with distinctive Chinese features. Thanks to 70 years of hard work and dedication, we have turned a weak and impoverished agrarian country with backward productivity into the world's second largest economy, the largest industrial manufacturer, and the largest trader of goods, creating bright prospects for the great renewal of the Chinese nation.
This is what history has told us:
-- The Chinese nation, long among the leading civilizations in the world history, has made unique and significant contribution to human progress. The profound historical and cultural heritage of the Chinese nation is in the genes of its people. What we long for is to see China once again gain its rightful place among the nations of the world and achieve great rejuvenation.
-- The Chinese nation as we know today originates from a number of nationalities that embraced and integrated into one another throughout history. We are a peace-loving, open and inclusive nation that keeps abreast of the times. While keeping the fine Chinese culture alive and strong, we also respect other civilizations and values, and draw inspirations from other cultures. As we continue to follow the socialist path with distinctive Chinese features, we will respect other peoples' independent choices of paths and systems.
-- The Chinese culture values the teachings that one should help others to succeed while seeking one's own success, create a world for all, treat others with respect and pursue win-win cooperation. We reject the practices of the strong bullying the weak and self-claimed supremacy. Today, China's interests and future are closely linked to those of the world. While developing itself, China also wishes to work with all countries for common development and a community with a shared future for mankind.
-- The advances in China in the past 70 years are not a godsend, nor a gift from others. Rather, they are made by the Chinese people through vision, hard work, courage, reform and innovation. By striving to meet people's aspirations for a better life, we can surely win their support. United as one, we Chinese can surely overcome various risks and challenges.
-- A land of over 9.6 million square kilometers, a people of nearly 1.4 billion, and a history of over 5,000 years: These are the underlying features of China, and they are the source from which China derives confidence in its path, theory, system and culture. We have embarked on a right path that fits China's conditions and is in keeping with the trend of the times. And we will further improve and enrich socialism with distinctive Chinese features through reform and opening-up. This is a path we believe in, and we will steadily forge ahead along this path.
Ladies and gentlemen,
In recent years, problems in the global economy such as lack of new growth drivers, unbalanced development and uneven income distribution have intensified. New challenges brought by new technologies, new industries and new forms of business have mounted. Many countries are increasingly looking inward when making policies; barriers to international trade and investment are increasing; and unilateralism, protectionism and populism are spreading in the world. All these are posing serious challenges to the international order. Will economic globalization move forward or reverse course?
The economic globalization, which gained rapid ground in the last century, was started by Western developed countries, or the Mediterranean civilization. In the late 20th and early 21st centuries, technological advances have significantly reduced the geographical distance and other barriers to exchanges among countries and accelerated the economic globalization process. The BRICS countries, Vietnam, Indonesia and other emerging economies have risen. As a result, economic globalization has reached a new stage as we now know. Western multinational corporations and financial institutions are the main drivers of economic globalization. As they seek maximum profit in their operations, they allocate resources to countries and regions with low-cost production factors and sound business environment when building global industrial chains. In this process, China has moved up from the low end to the medium and high end of the global industrial chain. The nearly 1.4 billion Chinese who are enjoying greater prosperity have unleashed huge demand backed by purchasing power. And this has unlocked enormous market potential that no one can afford to ignore.
Economic globalization represents an inevitable trend of history given the enormous potential that derives from harnessing the comparative advantages of countries and enhancing economic connectivity. In response to the problems and challenges in the world today, the international community need to make serious and deep-going analysis, and more importantly, take collective actions in line with the trend proactively.
Under market economy conditions, too much emphasis on efficiency often comes at the cost of equity. While there are both internal and external factors that cause a problem, the internal one plays the key role. Therefore we must take a targeted approach to address the problems that have emerged in the process of economic globalization. Development imbalances need to be resolved through further development. Countries need to press ahead with structural reform, strike a right balance between equity and efficiency, adopt effective policy measures to prevent the worsening of income inequality and fend off the impact on some regions and industries caused by new technologies and market competition, so that all people stand to gain from continued development. What we need to do is make the pie bigger while looking for ways to share it in a more equitable way. The last thing we should do is to stop making the pie and just engage in a futile debate on how to divide it. Shifting blame for one's own problems onto others will not resolve the problems.
To address its problem, China's choice is to focus on managing our own affairs well. Socialism with distinctive Chinese features has entered a new era, yet China also faces the problem of imbalances in development. The principal issue confronting the Chinese society is that unbalanced and inadequate development cannot meet our people's ever-growing needs for a better life. We will pursue development as the top priority, promote coordinated economic, political, cultural, social and ecological advancement, and move steadily towards making China a moderately prosperous society in all respects.
We in China have continued to carry out reform across the board, resolving many tough issues and navigating dangerous rapids. Major headway has been made in supply-side structural reform, digital economy and other emerging industries are flourishing, and an innovation-driven China is taking shape. Decisive progress has been made in key battles of poverty alleviation, with the number of rural people living in poverty cut by over 80 million since 2013. Thanks to stronger measures taken, China's environment has been further improved. The Communist Party of China, the governing party in China, has strengthened itself by strictly enforcing party discipline, and a crushing victory has been secured in fighting corruption.
We in China have continued to promote opening-up across the board, advance international cooperation on the Belt and Road Initiative, upgrade an open world economy, and work for a new type of international relations featuring mutual respect, equity, justice and win-win cooperation under the principle of consultation and cooperation for shared benefit. China remains committed to building world peace, promoting global growth and upholding the international order.
Ladies and gentlemen,
New technologies bring opportunities, but they also create risks and challenges. Every major breakthrough in scientific discovery and technological innovation has greatly boosted human development and progress; but it has also led to the restructuring of value chains, industrial chains and supply chains, and disrupted the balance in the economy and society and between countries and regions. Indeed, such breakthrough challenges the existing rules and order. As a result, adjustments need to be made to both the economic and social governance of countries and global economic governance.
We are meeting here under the theme "Globalization 4.0: Shaping a Global Architecture in the Age of the Fourth Industrial Revolution", which is highly relevant. The fourth industrial revolution, with its speed, scale and complexity and the way it shapes human society, represents a significant evolution of the globalization process. We must work together to shape the global architecture in the age of the fourth industrial revolution with the vision to create a better future for all mankind.
We need to uphold the security of all mankind. We need to explore the adoption of relevant rules and standards in a phased way, while leaving broad space for the dissemination and application of scientific discovery and technological innovation. We need to accommodate in a balanced manner the interests of all countries, especially those of emerging markets and developing countries. One should not ask the whole world to address only the security concern and comply only with the standards of developed countries or individual countries.
It is imperative to respect national sovereignty and refrain from seeking technological hegemony, interfering in other countries' domestic affairs, and conducting, shielding or protecting technology-enabled activities that undermine other countries' national security. We need to respect the independent choices of model of technology management and of public policies made by countries, and their right to participating in the global technological governance system as equals.
We need to uphold multilateralism, engage in extensive dialogue and cooperation based on mutual respect and mutual trust, and jointly build a system of rules for technology and new international cooperation framework featuring peace, security, democracy, transparency, inclusiveness and mutual benefit, so that all people can gain from technological innovation.
We need to uphold social equity and justice, and ensure technological innovations are made in compliance with the rule of law and internationally recognized norms and that they are guided by us humans, meet our needs and be compatible with our values. We need to prevent technological advances from being turned into tools of committing terrorism and crimes or violating individual rights.
We need to improve policy environment and promote social prosperity and stability. We should both respect and protect the rights and interests of innovators. At the same time, we should provide necessary education and training to enable the public to adapt to the fast advancement of technology and ensure that such advancement helps raise living standards, create jobs, protect the environment, and promote the long-term interests of mankind.
Ladies and gentlemen,
In this changing world, making advance is like climbing a mountain. It is commitment, conviction and confidence that drive us forward. In this era of unfolding economic globalization, all of us mankind share a common stake. As a Swiss proverb goes, "Torches light up each other." Let us illuminate the path ahead, progress together, ascend to the summit and jointly create a great future for all mankind.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Meus caros capitalistas de Davos: sugestões para um discurso...

Mil desculpas aos que, atraídos pelo título, se deram ao trabalho de abrir esta postagem para ler o que eu teria a dizer, em nome do presidente, aos capitalistas de Davos.
Mas, estando na abertura do WEF de 2019, eu fui verificar o que eu já tinha escrito a este respeito. Escrevi muito, pois conheço o WEF desde 1981, numa de suas primeiras edições, acompanhando aqui o então ministro da Fazenda Ernane Galveas e o assessor de assuntos internacionais da pasta, um então jovem economista chamado Mailson da Nóbrega.
Mas, o texto que vai abaixo não é para este ano de 2019, e sim foi escrito em 2014, para a presidente de plantão, pois ela ia, como foi, a Davos. Não tenho a menor ideia do que disse lá, mas isso não tem a menor importância, pois todos os presidentes falam a mesma coisa: venham, capitalistas, venham investir no Brasil, pois o ambiente de negócios é ótimo, estamos fazendo mais reformas para torná-lo excepcionalmente bom, excelente, e vocês vão encontrar amplas oportunidades de investimento direto, com lucro garantido, e o governo será um sócio dessa prosperidade.
É isso mais ou menos o que todos dizem.
No caso da Dona Dilma, ela tinha aquele passado guerrilheiro, anti-capitalista, e vivia cercada dos economistas da UniCamp (os mais perigosos), e ainda tinha os chatos dos companheiros com suas receitas alopradas de economia.
Pois bem, eu apresentei uma sugestão de discurso diferente, como vocês podem perceber, se tiverem a paciência de ler o texto abaixo.
Desculpando-me mais uma vez pelo título enganoso, vamos ao que interessa.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de janeiro de 2019


Meus caros capitalistas de Davos...

Rascunho de um (possível) discurso no
Fórum Econômico Mundial de 2014

Permitam-me que eu os chame desse modo: capitalistas de Davos. Afinal de contas, vocês viajam para cá todos os anos para melhor administrar os seus negócios, não é mesmo? Pelo que me disseram, aqui é o lugar onde a concentração de capitalistas por centímetros quadrados é a maior do mundo. Dizem até que, se houver uma catástrofe, um ataque terrorista – eu, obviamente, rezo para Nossa Senhora para que nada disso aconteça – desaparecerá com vocês mais ou menos 20 por cento do PIB do planeta. Será verdade? Não sei. Vocês, que dispõem de excelentes economistas, que calculem isso; os meus economistas estão muito ocupados neste momento, fazendo cálculos para eu começar uma nova política econômica.
Pois bem, é sobre isto que eu vim lhes falar neste dia. Desculpem se eu não apareci antes, mas é que o pessoal do Fórum Social Mundial vivia me torrando a paciência para ir falar para eles as coisas que eles gostam. Cansei! Os antiglobalizadores não têm nada de útil a propor, nem para o mundo, muito menos para o meu governo. Então, eu disse para mim: vamos lá, debater com aqueles capitalistas, ouvir o que eles têm a dizer e dizer-lhes umas coisas novas.
As minhas são estas: durante certo tempo – eu colocaria aí uns 20 ou 30 anos – acreditei num conjunto de receitas de crescimento propostas pelos keynesianos de botequim de lá onde eu fiz o meu curso de economia. Saí de lá convencida que tudo estava resolvido, e que o ponto essencial era sustentar a demanda agregada, estimular o consumo das massas, enfim, inverter a tal de lei de Say, como receitava o nosso guru maior, não o Marx, mas o Keynes. A gente sabe que o Marx não serve muito para administrar uma economia complexa, não é mesmo? Assistimos os países marxistas dando dois suspiros e depois, pluf!, sumiram. Eu também tive essas ilusões, mas já passou. Depois, passei a apostar nas receitas daquele inglês. E assim foi feito, nos últimos três anos. Só que na hora de comer a omelete, só tinha ovos quebrados; não tivemos nem mesmo um modesto crescimento de 3%. Dá para continuar assim? Não dá!
Então, resolvi aposentar essas ideias e vim dizer a vocês que, daqui para a frente, tudo vai ser diferente. Chega de receitas do Chávez, da Cristina, dos meus amigos da UniCamp; a palavra de ordem agora é produtividade, competitividade, essas coisas que vocês estão sempre falando. Vou fazer uma nova política econômica, a nossa NEP, com a diferença que não vai ser preciso nenhum Stalin para implantar o novo modelo. Parte do pessoal vai reclamar um pouco, mas eu sei tratar com eles, com jeito e persuasão.
Vou começar dizendo a eles uma coisa muito simples: se o governo não precisar de mais dinheiro do que já arrecada, o Banco Central não vai precisar aumentar os juros, certo? Mais ainda: se com esse dinheiro ainda der para pagar todos os juros da dívida, melhor ainda. Vou determinar que superávit primário não seja mais primário, mas sim final. O governo agora só gasta o que tem, inclusive com os juros da dívida.
Outra coisa: eu também acho um absurdo o preço dos carros no Brasil. As nossas montadoras têm de fazer como as de vocês, espalhadas pelo mundo: comprar peças e acessórios onde for mais barato, o que vale dizer que as nossas, que aliás são todas de vocês, vão ter de se integrar às suas fábricas espalhadas pelo mundo. Acho que vai ser o começo do fim dessa indústria infante que já tem mais de cinquenta anos e que nunca quis deixar a mamadeira do governo. Pois para mim, chega!
Mais ainda: acho um absurdo o preço das passagens aéreas, o pessoal da Copa está reclamando, e aí descobri que nós vivemos em duopólio. A partir de agora vou declarar a política de céus abertos no Brasil: aceitaremos todas as companhias, e já estou mandando privatizar todos os nossos aeroportos. A Infraero nunca funcionou direito: ainda há pouco uma menina se machucou no Rio, por falta de inspeção dessa geringonça que só sabe cobrar e não investe quase nada.
Vocês estão cansados de saber que nossas estradas são ruins, que as tarifas telefônicas são absurdamente caras e que as comunicações são lentas. Vou determinar abertura total, quanto mais concorrência melhor. Preparem-se, pois os mercados do Brasil vão estar totalmente abertos em menos de um ano. Cansei de ouvir reclamações, e isso não tem nada a ver com os 40% que cobramos de impostos, pois o pessoal nem sabe disso, mas sim com o fato de que as companhias estão mal acostumadas. Vou abrir outros setores cartelizados, vocês vão ver.
Sim, o Mercosul: parece que até os capitalistas de São Paulo, que já ganharam muito com o Mercosul, cansaram de vez, e acho que eles têm razão: vamos falar olho no olho com os nossos hermanos e dizer o seguinte: ou a gente abre, e se integra ao mundo, ou não tem mais sentido ficar fazendo todas essas reuniões, só para ouvir mais reclamações a cada vez. Os colegas uruguaios têm razão, mas não é por causa da maconha, e sim quando eles querem fazer acordos com quem tem mercado para oferecer. Não dá mais para se esconder como o avestruz. O Mercosul tem de voltar a ser o que ele já foi.
Vou mais longe: estou saindo daqui para Havana e Caracas. Vou dizer ao Raul e ao Maduro que as coisas que eles estão fazendo simplesmente não se sustentam: não tem lógica econômica no que eles querem; eles precisam mudar, pois quem vai pagar a conta, mais uma vez, é o povo.
Pois é isso, meus capitalistas de Davos: eu quero dizer a vocês que o Brasil está aberto aos negócios; eu sei que às vezes é difícil, para quem vem de fora. Vou mudar isso: vou criar um ministério da desburocratização. Capitalistas do mundo: vocês não têm nada a perder, venham ao Brasil, agora!

Pela digitação:
Paulo Roberto de Almeida (http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Hartford, 18 Janeiro 2014]

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Brasil: indice mediocre de competitividade - Forum de Davos

Brasil assume lanterna dos BRICS em índice de competitividade global

Publicado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial, o chamado "Relatório Global de Competitividade" trouxe o Brasil três posições abaixo no comparativo com o ano passado. Ranking apresenta China em 28º, Rússia em 43º, Índia em 58º e África do Sul em 67º lugar. Brasil é apenas o 72º na lista liderada por Estados Unidos, Cingapura, Alemanha e Suíça.

Agência (russa) Sputniks, 23/102018

documento analisa 140 nações e pondera fatores como instituições, infraestrutura, estabilidade macroeconômica, saúde, qualificação profissional, capital humano, dinamismo em ambiente de negócios e inovação. A lanterna geral é ocupada pelo Chade, Iêmen e Haiti, três países que passaram ou passam por conflitos bélicos recentemente.
Para o economista e professor da Fundação Dom Cabral, Gilberto Braga, se levados em consideração os indicadores ponderados pelo levantamento, a colocação do Brasil é justa. O especialista avalia que "burocracia administrativa elevada e a carga tributária alta" são os principais fatores que impedem o país de subir no ranking.
"Quando comparado com países desenvolvidos e os BRICS, o Brasil é aquele que é mais difere. Tem mais burocracia e não possui marco jurídico e regulatório fixo. Aqui se modificam as regras em uma velocidade muito grande, o empreendedor quando abre um negócio, ás vezes antes de começar funcionar vê que a regra já mudou. Não se trata de capacidade ou criatividade, mas de má condição para se fazer negócios quando comparado com outras nações", critica.
Braga aponta que o Brasil usa de 7 a 8 vezes mais funcionários em comparação com a Inglaterra apenas para atender a funções administrativas e governamentais. "No Brasil uma empresa costuma ocupar de 35 a 40% dos seus funcionários administrativos dedicados a trabalhos governamentais como preenchimento de guias, montam arquivos, transmitem informações para órgãos regulares, autoridades tributárias e governamentais", pontua.
Além de trâmites legais complicados, somam-se, na visão do economista, fatores de cunho social como a "má educação [da população], a violência urbana e a corrupção".
"Tudo isso faz com que o o investidor, sobretudo o estrangeiro, quando vai direcionar os empreendimentos para determinado país pondere esses fatores. Muitas vezes [o investimento] poderia ser no Brasil, por conta das nossas tradições e potencialidades, e acaba sendo dirigido para outra nação", diz.
No recorte dos BRICS, o ranking traz a China em 28º, Rússia em 43º, Índia em 58º e África do Sul em 67º lugar. O Brasil é apenas o 72º na lista liderada por Estados Unidos, Cingapura e Alemanha.

sábado, 23 de janeiro de 2016

A economia internacional continua em marcha lenta - debate em Davos, com o ministro da Fazenda do Brasil

How to Reboot the Global Economy?
Davos, 21/01/2016
 
In 2015, global economic growth did not exceed 3% and 2016 is likely to be similarly lacklustre. Growth in emerging economies is flatlining and the digital revolution has yet to improve productivity or growth numbers. Is this the new norm, or will countries be able to spur growth in the future?
- How are governments and businesses adapting to slow economic growth?
- What actions can governments take to catalyse growth?
- Can we capitalize on new technology and innovation to jump-start the global economy?
The Open Forum series, held in parallel with the official programme, offers the local Swiss community and global public an opportunity to engage and interact with experts on global issues.
Open Forum sessions take place at the Swiss Alpine High School (SAMD), which can be reached using public transport or the official shuttles. The bus stop is Postplatz.
Speakers: Joseph E. Stiglitz, Kevin Delaney, Enda Kenny, Zhang Xin, Nelson Henrique Barbosa-Filho Topics: Global economy

http://www.weforum.org/events/world-economic-forum-annual-meeting-2016/sessions/how-to-reboot-the-global-economy

A impressão que eu tirei da primeira parte do debate, justamente com questionamentos feitos ao ministro Barbosa, foi a de que ele estava falando de um outro país, não do Brasil.
Acho que ele decorou o que deveria dizer, e falou o que achava da situação, sem contestação.
Paulo Roberto de Almeida

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Ainda sobre o discurso de Davos - Alexandre Schwartsman

O discurso do rei
Alexandre Schwartsman
A Mão Visível, 29/01/2014

Visto em certos círculos como capitulação, a presidente discursou em Davos numa tentativa de recuperar a confiança perdida pelo país junto a investidores internacionais. Intenção louvável (ainda que tardia) à parte, o resultado não foi dos melhores. O discurso está permeado dos mesmos vícios que criaram o problema, a saber, autossuficiência no limite da arrogância, assim como uma inacreditável incapacidade de entender as críticas ao desempenho medíocre do país.

Um olhar mais detalhado revela que a fala trouxe obviedades, inverdades e promessas. Nenhuma colabora particularmente para a construção da confiança.

É muito bom saber, por exemplo, que parcela considerável da população brasileira ascendeu social e economicamente na última década, ou que as reservas internacionais do Brasil são da ordem de US$ 375 bilhões. O problema é que estas informações só ajudariam a melhorar a imagem do país caso fossem desconhecidas da audiência e reveladas naquele momento feliz em que a presidente ofereceu ao mundo uma visão inédita sobre a realidade brasileira, o que, convenhamos, está longe de ser o caso.

Pelo contrário, a audiência já conhece a história e mesmo assim permanece reticente quanto ao país, não, obviamente, porque desgosta de reservas elevadas e melhora social, mas porque tem visto outros desenvolvimentos nada positivos, como inflação alta, crescimento baixo e contas fiscais sob crescente suspeita. Neste aspecto esperava-se algo de concreto acerca de como lidar com estes temas. O que se viu, contudo, foi a negação da sua existência.

Assim, a presidente reitera que o país busca, “com determinação, o centro da meta inflacionária”. Caso fosse verdade, a diretoria do BC já estaria na rua. Não se atinge a meta (não existe “centro da meta”; só a meta) de inflação desde 2009, e, de acordo com as previsões do BC, isto não ocorrerá pelo menos até 2015. Se isto é “determinação”, não quero nem imaginar o que teria ocorrido caso tivessem feito “corpo mole”.

Na mesma toada afirma que “as despesas correntes do governo federal estão sob controle e houve uma melhora qualitativa (!) das contas públicas nos últimos anos”. Uma breve inspeção dos números oficiais do Tesouro, porém, revela que as despesas correntes saltaram de 16,5% do PIB em 2010 para 17,7% do PIB nos 12 meses terminados em novembro do ano passado, para ficar apenas no período mais recente (em 2003, por exemplo, eram 14,5% do PIB). De novo, se isto significa controle, me arrepia pensar o que poderia ser uma situação de descontrole.

Afirmações como as acima podem funcionar para uma audiência despreparada, mas dificilmente no que se refere a investidores familiarizados com os números e as ações de política econômica no Brasil. O resultado no caso é o oposto: a percepção que o governo não reconhece seus próprios problemas apenas reforça a desconfiança na gestão do país.

Contra este pano de fundo, sobram as promessas, mas, vamos falar a verdade, estas só funcionam se houver confiança, o que nos traz de volta à estaca zero.


Em momento algum houve reconhecimento dos erros (e não foram poucos!) de política, os diagnósticos equivocados, a execução malfeita de projetos. Houvesse autocrítica, certamente seria possível construir uma base para a credibilidade acerca de rumos futuros que incorporassem a correção dos enganos anteriores.

Assim, se tivesse que resumir o discurso, seria algo na linha: “estamos fazendo tudo certo, mas vocês não reconhecem; tratem de admitir que somos fantásticos e invistam”.


O governo prefere acreditar que a questão se resume a dificuldades de comunicação e que um exercício algo despudorado de autolouvação há de corrigi-las, apesar da evidência em contrário. Se quisessem mesmo resolver o assunto poderiam começar ensinando à presidente o que aprendi com minha avó: “elogio em boca própria é vitupério”.


(Publicado 29/Jan/2014)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Heranca maldita: Brazil companheiro, o perdedor de Davos (Beyond Brics)

Davos wrap: EM winners (Mexico) and losers (Brazil)
It would be exaggerated to call Davos the “money Oscars”, as Jon Stewart did on the Daily Show. But this year, WEF participants did like to think of countries as winners or losers, especially among emerging markets. In this last roundup, beyondbrics summarises who, to paraphrase the FT, “was hot – and who decidedly not.”
The #1
Mexico was the EM country most patted on the shoulder – and president Enrique Peña Nieto reacted by puffing out his chest.
“When it comes to reforms, one country stands out and has done exceptional work,” Angel Gurria, secretary general of the OECD and himself a Mexican, told beyondbrics. “I said this with great pride: it’s Mexico.”
During the conference, business leaders not only said they believed Peña Nieto; they announced new investments in his country. Cisco announced plans to spend $1.3bn, Nestlé $1bn, and PepsiCo a whopping $5.3bn.
Indra Nooyi, PepsiCo’s CEO, said in Davos that “this investment shows our confidence in [the president] and his cabinet,” and that she hoped to grow “in Mexico, with Mexico, and for Mexico.”
The runners-up
Growth countries in Africa, such as Nigeria, Tanzania, Kenya and Uganda were another group of EMs that convinced participants good things will happen in 2014. They could count on a well-received pep talk from Aliko Dangote, Africa’s richest man and co-chair of the WEF.
“Don’t wait until the next elections to do business in Nigeria,” he said. “I say, go ahead, invest: there is no government that is going to be against business. You can’t make a mistake coming into our countries.”
WEF participants, by and large, welcomed Dangote’s comments. “We believe in Africa because it’s the last frontier,” Tenbite Ermias, head of Africa at consulting firm BCG, told beyondbrics. Africa’s fundamentals are improving, the native Ethiopian said, and that allows for a positive spiral. “Before, the view of opportunity was limited, and therefore the reality was limited. That has changed now.”
Mark Bowman, managing director of SABMiller Africa, agreed. “It’s not easy to do business in Africa. If it was easy to do business in Africa, all of our competitors would do it. But it’s worth the investment, because on average, things are moving up.”
In the balance
Participants worried, as so often, about whether China would be able to provide fast enough growth for its upcoming middle class to stay contented.
But the fact that it has successfully done so in the last decades gave the country’s leaders credibility that some other EM leaders lacked. “I’m both worried about emerging markets and bullish on China,” said Lloyd Blankfein, CEO of Goldman Sachs, summarising those feelings.
The execution of the country’s reform plans constitutes its Achilles’ heel. “Everyone knows that from good policy and good intent, there’s a long way to reality,” said Rich Lesser, CEO of Boston Consulting Group. Blankfein agreed. “The execution is going to be critical. Everything won’t go well.”
On average though, optimism prevailed. “This could be China’s century,” Blankfein said, and in the room, people nodded in agreement.
Neutral to negative
Based on its growth prospects, of 5 to 6 per cent, it would be unfair to categorize India as a loser. But certainly, neither India’s representatives, nor the other WEF participants, were very enthusiast about the country.
“I think the Indian economy has gone a bit off the rails,” said Vineet Nayyar, vice-chairman of Tech Mahindra. “We spent a fortune subsiding oil, diesel, gasoline during the last five years, instead of spending it on the infrastructure we need. We’ve become an entitlement society.”
According to Nayyar, “any growth below 9 per cent is bad for India,” given its population growth and inflation. But with the exception of S Gopalakrishnan, this year’s co-chair of the WEF and co-founder of Infosys, most participants weren’t optimistic on the prospects of achieving that number in the next years. Or as Paul Fletcher of Actis put it eloquently: “I’m neutral, wanting to be positive.”
The loser
Brazil was the country least mentioned on the “hot” list of Davos. With a perceived lack of structural investments and the feeling that too much growth was coming from consumption, it wasn’t easy to hear a positive note about the country.
“Brazil cannot rely on more consumption to resume growth,” Ilan Goldfajn, chief economist at Itaú-Unibanco, Brazil’s biggest private-sector bank, told beyondbrics. “It needs more investment in infrastructure. To attract such investments, you need investor confidence on a horizon of up to 20-30 years. The government struggles to provide this confidence.”
That Dilma Rousseff came straight from opening a World Cup stadium to Davos didn’t do anything to change that mood. “She said the right words, but what about execution?” wondered Ana Clara Costa, a financial journalist from Brazil’s influential publication Veja.com.
In the final debate of the meeting, Haruhiko Kuroda, governor of Japan’s central bank, told participants they could be “cautiously optimistic” on the world economic outlook. The optimism, most likely, was about the US. The caution, we may assume, was about EMs. That caution is at least partially warranted.

High quality global journalism requires investment. Please share this article with others using the link below, do not cut & paste the article. See our Ts&Cs and Copyright Policy for more detail. Email ftsales.support@ft.com to buy additional rights. http://blogs.ft.com/beyond-brics/2014/01/28/davos-wrap-em-winners-mexico-and-losers-brazil/#ixzz2rrK5x7Gk

sábado, 25 de janeiro de 2014

Brasil e China no túnel do tempo - Marcos Troyjo

Brasil e China no túnel do tempo
FOLHA DE S. PAULO, Sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Suponha que os 3 mil participantes do Fórum Econômico Mundial entrassem num túnel do tempo. Regressariam até 1971, ano do primeiro encontro de Davos.

Lá chegando, os muitos CEOs, futurólogos e vencedores do Nobel fariam uma aposta. Que países do que à época se chamava “Terceiro Mundo” – hoje “emergentes” – seriam as estrelas da economia global em 2014?

Imagine que déssemos pistas aos ilustres senhores. Em algum momento entre 2020 e 2023, um dentre os emergentes superaria o PIB nominal dos EUA. Contabilizaria volume somado de exportações e importações acima dos US$ 4 trilhões anuais, tornando-se em 2014 a potência comercial líder.
Seu investimento em pesquisa e inovação rapidamente convergiria à média dos países ricos. Essa nação lideraria em 2013 o ranking da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em número de marcas registradas, patentes e desenho industrial. Rivalizaria com os EUA na condição de principal destino de investimentos estrangeiros diretos (IEDs). 
Esse Davos imaginário poderia prever que tal país seria a China?
No início dos 70, a China não se distinguia pela planta manufatureira.  Já o Brasil, no auge do “Milagre”, era o maior parque industrial do Hemisfério Sul. O “Brasil Potência” crescia mais de 10% ao ano.  
Em 1978, China e Brasil tinham PIB equivalente: US$ 200 bilhões. O Brasil contava 100 milhões de habitantes. A China, 1 bilhão. De lá para cá, a população brasileira dobrou. A da China cresceu 30%, já levando em conta a reintegração de Hong Kong (1997) e Macau (1999). Nesse período, nossa economia aumentou 12 vezes. A da China multiplicou-se por 45. 
Por que a China decolou e o Brasil voou rente ao chão?
Muitos creditam a diferença do desempenho à mão forte de regimes autoritários e às virtudes do dirigismo. Isso é um equívoco. A China, da Revolução de 1949 até a morte de Mao Tsé-Tung em 1976, também era tenebrosamente ditatorial e planificadora – e sua economia não ia a lugar algum.
O Brasil redemocratizou-se nos 80 e cresceu comparativamente pouco desde então. Mas o problema não é a democracia. A questão é que,  com 40 % da renda circulando pelo Estado, o País continua estatizante e dirigista.
A diferença está no tipo de estratégia adotada. A economia chinesa, desde 1978, foi orientada a competir globalmente. Caracterizou-se por parcerias público-privadas, baixo custo trabalhista e tributário, acúmulo de poupança e investimento, atuante diplomacia empresarial.
Já a vertente brasileira foi voltada para dentro. Ambiente cartorial de negócios, busca de fortalecimento de "campeãs nacionais", política comercial e industrial defensiva, investimento mirrado, seguridade social que não cabe no PIB.
O túnel que Brasil e China atravessarão para chegar ao futuro é distinto daquele que os trouxe ao presente. Os chineses parecem saber disso. Hoje redirecionam seu modelo industrial-exportador rumo a uma economia em rede mais sofisticada. Será que o Brasil conseguirá fazer o mesmo com seu Capitalismo de Estado?