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sábado, 15 de janeiro de 2022

Thiago de Mello: um homem íntegro, Os Estatutos do Homem

 Eu li esse poema alguns anos depois de 1964, quando já tinha consciência e estava definitivamente engajado na luta contra a ditadura militar, o que depois me levou a um exílio de sete anos na Europa. Voltei ainda na ditadura e me engajei novamente na luta contra a ditadura, o que me levou a ter uma ficha no SNI registrando: “diplomata subversivo”, o que só fui descobrir muitos anos depois, nos dossiês do SNI do Arquivo Nacional de Brasília.

Muito me orgulha o fato de ter recebido essa classificação: luto contra todas as ditaduras e continuo o mesmo subversivo de quando tinha 19 anos e decidi sair do Brasil para não ser preso.

Se precisar, faço outra vez. Ainda tenho 19 anos…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 14/01/2022

PS: Agradeço a Rosa Maria Pacini a transcrição deste poema em sua página, onde o fui buscar para reproduzir por inteiro, como abaixo.


Homenagem ao poeta amazonense Thiago de Mello, falecido nesta sexta-feira, 14/01/2022, aos 95 anos. Seu poema mais famoso "Os Estatutos do Homem" foi escrito logo após o golpe militar  brasileiro como uma manifestação de sua indignação pelas torturas praticadas pela ditadura; manifestação esta que o levou a renunciar ao cargo de adido cultural do Brasil no Chile. Ele chegou a ser preso pelos ditadores militares e, posteriormente, viveu exilado em vários países da América Latina e da Europa. Não deixe de ler este poema.   Rosa Mara Pacini


Os Estatutos do Homem

(Ato Institucional Permanente)


Artigo I.

Fica decretado que agora vale a verdade.

que agora vale a vida,

e que de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.


Artigo II.

Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.


Artigo III.

Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.


Artigo IV.

Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar,

como o ar confia no campo azul do céu.


Parágrafo Único:

O homem confiará no homem

como um menino confia em outro menino.


Artigo V.

Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a ser servida

antes da sobremesa.


Artigo VI.

Fica estabelecida, durante dez séculos,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.


Artigo VII.

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.


Artigo VIII.

Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar-se amor a quem se ama

e saber que é a água

que dá à planta o milagre da flor.


Artigo IX.

Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal de seu suor.

Mas que sobretudo tenha sempre

o quente sabor da ternura.


Artigo X.

Fica permitido a qualquer pessoa,

a qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.


Artigo XI.

Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo.

muito mais belo que a estrela da manhã.


Artigo XII.

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tarde 

com uma imensa begônia na lapela.


Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.


Artigo XIII.

Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.


Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade.

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.


A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.