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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Brasil e a outra bomba: balanço de pagamentos - Fabio Giambiagi

Olhem o balanço de pagamentos
Fabio Giambiagi
O Globo, 12/08/2013

Lester Thurow, antigo professor do MIT, dizia que "as sociedades têm uma tendência a cometer erros fundamentais a intervalos de 60 anos, uma vez que todo mundo com idade bastante para se lembrar do engano anterior a essa altura já está morto ou senil". Já nosso Ivan Lessa disse a mesma coisa, mas com outra métrica, quando escreveu que "de 15 em 15 anos, o Brasil se esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos".
Independentemente do intervalo de tempo em que as sociedades esquecem o passado, é natural que aqueles que vivenciamos as agruras dele observemos o presente com olhos diferentes daqueles que só conhecem o passado pelos livros de História. E, nesse sentido, para os mais velhos, a trajetória recente do nosso balanço de pagamentos é bastante preocupante.
É verdade que o funcionamento da economia em um regime de câmbio flutuante é muito diferente da forma em que uma economia opera com câmbio fixo ou rígido. Basicamente, com câmbio flutuante, na presença de uma desvalorização entram em jogo estabilizadores automáticos que não estão presentes quando a política cambial é rígida. Primeiro, pela mudança da paridade cambial em si, que altera os preços relativos de exportações e importações e modifica com o passar do tempo o resultado da balança comercial. E, segundo, porque enquanto que numa economia com câmbio fixo ou semifixo, há um certo valor em US$ de diversos itens da despesa, com câmbio flutuante tal valor é uma função da própria cotação cambial. Um exemplo simples ajuda a entender isso: se há R$ 30 bilhões a serem remetidos por conta de lucros e dividendos a uma cotação de R$ 2 por dólar, a remessa dessa rubrica será de US$ 15 bilhões, mas, se a cotação pular, só como hipótese de raciocínio, para R$ 3, o mesmo valor na moeda local, se medido em dólares, passa a ser de US$ 10 bilhões.
De qualquer forma, qualquer que seja a política cambial, desequilíbrios elevados na conta corrente de um país submetem este a um risco importante: o de o financiamento externo "secar". Nesse caso, o país terá que se ajustar, tão rapidamente quanto for a intensidade do movimento da conta de capitais.
O que nos mostram os números? Vejamos a trajetória do déficit em conta corrente do país. Até 2007, tinhamos um pequeno superávit. Em 2008, tivemos um déficit de US$ 28 bilhões, contido no ano seguinte para US$ 24 bilhões por conta da crise. Depois, ele só fez aumentar, chegando a US$ 54 bilhões em 2012, com perspectiva de chegar perto de US$ 80 bilhões em 2013.
Esses números, que em épocas anteriores teriam ligado o sinal vermelho da política econômica, são vistos com tranqüilidade tanto pelos gabinetes oficiais como por analistas privados, com dois argumentos. Um, de que haveria financiamento externo disponível. E o segundo, de que em termos relativos seria da ordem de 3% do PIB - percentual considerado aceitável. O problema é que ambos argumentos têm sua dose de vulnerabilidade. O financiamento externo existe até que deixa de existir - e, muitas vezes, isso ocorre subitamente. E o percentual do déficit é ele mesmo função da taxa de câmbio: se a fonte externa de recursos secar e o câmbio se desvalorizar, o valor do PIB em US$ cai e 3% do PIB podem virar 4% do PIB em pouco tempo - entrando em terreno mais delicado. Além disso, o déficit em dólares continua aumentando.

O país, que fez um ótimo ajuste externo na década passada, a ponto de ter eliminado a dívida externa líquida, parece ter se deixado seduzir pelo "canto de sereia" do financiamento externo. Tomás Eloy Martinez, autor de "La novela de Perón", coloca em boca deste a frase que ele teria dito ao afirmar que "a História é uma piranha", pois "sempre fica com quem paga mais". E quem paga mais é sempre o último, porque o relato que conta na História é sempre o derradeiro. Desde 2004, a demanda doméstica avançou na frente da produção, "festa" essa financiada pelo resto do mundo. Se essa relação não for revertida, cedo ou tarde teremos uma crise. O Governo precisa tomar cuidado: se o financiamento externo "secar", a história das gestões Lula-Dilma acabará sendo reescrita - e, se tanta gente foi para a rua mesmo com desemprego baixo, dá para imaginar o tamanho da confusão se tivermos uma crise para valer.

terça-feira, 12 de março de 2013

Sindrome de transtorno bipolar (quem poderia ser?) - Fabio Giambiagi

Isso: quem mais poderia ser senão aquele partido esquizofrênico, que sempre teve uma política econômica esquizofrênica -- justamente por não dispor de outro tipo de "economistas" se não keynesianos de botequim -- e só acertou quando -- roubando uma frase de um economista tucano -- "roubou o software alheio", no caso deles próprios, tucanos.
Os equizofrênicos detestavam Palocci e sua política econômica neoliberal, e ficaram até contentes quando ele caiu fora por sair com meninas, complotar com lobistas pornográficos e mentir para todos, inclusive querendo desmentir um simples caseiro, o heroi sacrificado dessa história toda.
Pois os esquizofrênicos chegaram ao poder, e apresentam essas maravilhas de resultados econômicos que vocês estão constatando pelos indicadores do IBGE e da FGV.
Como digo no título do post, se trata de síndrome de transtorno bipolar, ou seja, uma doença que não se sabe se é curável, ou apenas controlável, e que deixa o sujeito assim meio doidinho, fazendo uma coisa e o seu contrário.
Esse é o partido dos companheiros: sintomático, não é?
Tudo menos sistemático, ou sistêmico, ou somático, o que vocês preferrirem...
Em todo caso, este artigo do Fabio Giambiagi relembra certos fatos indesmentíveis, e nos chama a atenção para vários aspectos da síndrome, ou da esquizofrenia, whatever...
Paulo Roberto de Almeida

ECONOMIA
Contra ou a favor?Fábio Giambiagi
O Globo, 11/03/2013

Na década passada, um conhecido músico fazia propaganda de cerveja para uma das grandes marcas de bebida, embora ele consumisse a cerveja do concorrente. Naqueles anos, o Governo administrava a economia sob a batuta de Palocci e Meirelles, apesar do que o PT sempre dava um jeito de falar mal da política econômica. Por isso, nas minhas palestras eu costumava me referir com o nome daquele cantor à síndrome do partido, uma vez que, da mesma forma que o artista fazia propaganda de uma cerveja, mas não era a que preferia beber, o partido do Governo parecia “ter uma política econômica, mas gostar de outra”.

Agora, repete-se o “script”. Vamos avaliar a situação. O investimento caiu 4 % em 2012 e o Governo começa a dar sinais de querer induzir o investimento privado em áreas essenciais para o potencial de crescimento do país, como portos, aeroportos, rodovias etc. Vamos chamar as coisas pelo seu nome: trata-se de privatizações. Na Presidência da República, na Casa Civil, nos ministérios setoriais, nas instituições financiadoras oficiais etc., há centenas de técnicos tentando destravar as amarras que pendem o país à “bola de ferro” da paralisia decisória, inibindo a realização dos investimentos. Não é fácil.

No país das “coalizões bloqueadoras”, onde o “lobby” de A apoia o “lobby” de B e vice-versa — com letras para todo o alfabeto —, tudo é complicado no Congresso. E o que faz o partido do Governo? Age como quem “bebe uma cerveja, mas gosta da outra” e divulga um texto onde dá mostras de que continua nutrindo a sua antiga ojeriza pela venda de ativos estatais.

De fato, no seu recente documento “O decênio que mudou o Brasil”, está escrito: “Por meio de privatizações sem critérios e decência administrativa, cerca de meio milhão de trabalhadores foram demitidos, com a transferência de quantia equivalente a 15 % do PIB constituídos por ativos do Estado para a iniciativa privada nacional e, sobretudo, estrangeira. Em grande medida, os setores privatizados foram agraciados por elevadas taxas de lucro patrocinadas por tarifas entre as mais altas do mundo e, praticamente, sem a contrapartida de novos investimentos necessários à retomada do crescimento sustentado.”

Como é que é? O grande problema desse tipo de postura — e que tem impacto sobre a situação atual — é que tal visão expressa diversos equívocos. As afirmações transmitem a ideia de que a riqueza foi “transferida”, o que omite o fato de que, se alguém vende, recebe recursos em troca. Transposta para a lógica individual, equivale a dizer que a pessoa que vende um apartamento “transfere” o imóvel, como se estivesse fazendo uma doação. Transfere coisa nenhuma: vende!

O fato é que as privatizações liberaram muitas empresas dos controles estatais, evitando que essas empresas continuassem a sofrer os malefícios do apadrinhamento político (já pensou o leitor o que seria a Vale fatiada entre 7 partidos?) e viabilizando um “boom” de investimentos, como os que ocorreram na mineração e na telefonia. Além disso, noves fora o fato de que Vale, Embraer, Oi, as siderúrgicas, as petroquímicas e outras empresas leiloadas na década de 90 são de capital privado nacional, a pergunta que cabe fazer é: qual é o problema de o Banespa ter sido vendido ao Santander ou de parte da Telebrás ter sido vendida à Vivo?

Hoje, é preciso adotar uma nova onda de privatizações. Nesse contexto, afinal, o PT é a favor ou contra as privatizações? Qual é o verdadeiro PT? O da presidente Dilma, que pretende vender os aeroportos para quem entende do assunto, ou o do texto do partido, que dá a entender que vender para estrangeiros é ruim? O do país que tenta se preparar para o século XXI ou o do manifesto que fala mal das taxas de lucros elevadas? Como fazer leilão de concessões quando o partido do Governo é contra as privatizações e fala contra o capital estrangeiro e contra o lucro elevado?

Recentemente, o sempre verborrágico Ciro Gomes criticou vários partidos por, na opinião dele, não terem propostas para o país. O PT, nesse caso, em matéria de privatização, inova: ele defende duas coisas antagônicas, agindo simultaneamente como Governo e oposição. Não é de estranhar que os empresários fiquem confusos nesse cenário, na hora de tomar suas decisões de investimento.

Fabio Giambiagi é economista

sábado, 22 de setembro de 2012

Que tal acabar com algumas mordomias, no Brasil? - Fabio Giambiagi

Na verdade, o autor não pretende acabar com nenhuma mordomia (até deveria, no caso dos funcionários públicos). Apenas chamar a atenção para alguns desenvolvimentos demográficos dramáticos...
Paulo Roberto de Almeida 


Contrarreforma na Previdência (I)

O Estado de S.Paulo, 22 de setembro de 2012
FABIO GIAMBIAGI -ECONOMISTA; AUTOR DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA, (ED. CAMPUS)
Em minhas palestras gosto de perguntar à plateia qual foi a notícia de 2008 com maior impacto para a vida futura de nossos filhos. Invariavelmente, a resposta é: "A crise financeira". Porém, no dia em que os historiadores, daqui a 50 anos, se debruçarem sobre o período, talvez a crise de 2008 seja no Brasil apenas uma nota de rodapé. Ao mesmo tempo, o fato que - disparado - foi a novidade mais importante de 2008 para os brasileiros foi solenemente ignorado por todos: imprensa, governo, opinião pública e o (frequentemente míope) mercado. Refiro-me à revisão da projeção populacional feita pelo IBGE naquele ano.
Nas palestras costumo chocar a plateia com um slide em que está escrito "o dia em que desapareceram 45 milhões de brasileiros", seguido de outro que diz "e ninguém falou uma palavra". Nada no Brasil terá sido mais relevante para definir o contexto em que nossos filhos vão viver nas próximas quatro décadas do que as informações que o IBGE nos trouxe naquela ocasião.
A instituição, que a cada quatro ou cinco anos tem feito revisões da projeção populacional até o ano de 2050 - antecedidas pelas revisões de 2000 e 2004 -, informou que:
A população brasileira, que na revisão de 2004 se imaginava que aumentaria até 2050, passaria a diminuir a partir de 2040;
a população total estimada para 2050, que em 2004 tinha sido prevista em 260 milhões de pessoas, alcançaria naquela data, pela revisão de 2008, na verdade, 45 milhões de pessoas a menos;
e a população de 15 a 59 anos, que na revisão de 2004 se supunha que cresceria até 2040 para cair depois, a rigor, pela nova revisão, começaria a declinar já em 2028.
Vamos recapitular o quadro em perspectiva um dia antes que o IBGE apresentasse sua revisão no ano de 2008. Até então o IBGE, em função da revisão de 2004, informava que:
A proporção de pessoas com 60 anos e mais de idade, prevista para 10% do total em 2010, aumentaria até 25% do total em 2050;
e a população com idades de 15 a 59 anos aumentaria anualmente 0,5% entre 2010 e 2050.
Tal quadro já era preocupante. Pois bem, não bastasse isso, o IBGE, em 2008 informou que, na verdade:
A proporção de pessoas com 60 anos e mais de idade aumentaria não até 25%, e sim até 30% do total em 2050;
e a população com idades de 15 a 59 anos não aumentaria 0,5 % ao ano, mas, ao contrário, encolheria em termos absolutos entre 2010 e 2050.
A mudança ocorrida entre 2004 e 2008 dava sequência a um fenômeno já observado na passagem da revisão de 2000 para a de 2004: a mudança progressiva do quadro de envelhecimento da população - a proporção crescente de idosos em perspectiva era maior na revisão de 2004 que na de 2000 e foi novamente maior para cada ano na revisão de 2008 que na de 2004.
O número de pessoas com 60 anos e mais para cada 100 pessoas no grupo etário de 15 a 59 anos, previsto para 2050, passou de 38, na revisão de 2000, para 43, na revisão de 2008 e, finalmente, para 52, na revisão de 2008.
Na revisão de 2008 o IBGE nos informou, então, que a população total do Brasil alcançaria um máximo de 219 milhões de pessoas em 2039, passando a declinar posteriormente; e que a população de 15 a 59 anos atingiria um máximo em 2027, caindo depois.
A maioria dos países, defrontados com uma realidade em perspectiva tão desafiadora como essa, teria acionado todos os sinais de alerta, começando a enfrentar a difícil tarefa de explicar à população que as regras de aposentadoria estabelecidas para uma realidade que estava ficando para trás teriam de ser revistas, não apenas porque a realidade estava mudando, mas também porque essa mudança se estava processando num ritmo mais intenso do que o originalmente previsto.
Já o Brasil, porém, preferiu exercitar o seu "lado grego", lembrando o velho tango argentino que diz que vos interpretás las cosas al revés. Não só manteve as regras de aposentadoria intactas, perpetuando o regime surrealista que permite, por exemplo, que as mulheres se aposentem por tempo de contribuição pelo INSS com 30 anos de serviço, em média, aos 52 anos de idade, quando têm a expectativa de viver mais 30 anos, como também aumentou o valor médio da aposentadoria, incrementando o valor real de duas em cada três aposentadorias a uma média de 5% ao ano entre 2008 e 2012.
Defrontada com a crise, recentemente a Grécia fez o impensável: reduziu o valor das aposentadorias - algo cuja brutalidade salta aos olhos. Exatamente para evitarem ter de chegar a essa situação dramática, os países, tendo de encarar o fenômeno do envelhecimento populacional, procuraram adotar mecanismos mitigadores do desequilíbrio futuro do sistema, postergando o momento da aposentadoria. O Brasil do contexto de fantasia dos anos recentes fez exatamente o oposto: não só conservou as mesmas regras esdrúxulas de aposentadoria e pensão no âmbito do INSS - regras que permitem, no limite, que uma moça de 20 anos se case com um idoso de 80 anos que morra um mês depois, deixando para a viúva pensão integral pelas seis ou sete décadas seguintes, sem ter contribuído com um centavo -, como, ainda por cima, aumentou a remuneração real de dois terços dos aposentados.
Diante dessa realidade, o que tem sido publicado na imprensa, que o governo vai anunciar após as eleições - o fim do fator previdenciário -, é uma verdadeira contrarreforma. Num país onde a população de 15 a 59 anos em 2050 será inferior à de 2010 e que se defronta com o imenso desafio de ter de elevar a sua competitividade num contexto em que a Previdência custa cada vez mais, iríamos aumentar o valor das futuras aposentadorias. É simplesmente espantoso.
Voltaremos a tratar do assunto daqui a uma semana.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Economia brasileira: Giambiagi e Castelar apontam os desafios

Análise

Brasil precisa mudar de estratégia e focar na produtividade

Para os autores do livro "Além da Euforia", Armando Castelar e Fábio Giambiagi, investir em educação, infraestrutura e poupança é o caminho para o PIB continuar avançando

Anna Carolina Rodrigues
Economistas Fabio Giambiagi e Armando Castelar, autores do livro "Além da Euforia" Fabio Giambiagi e Armando Castelar, autores do livro "Além da Euforia" (Oscar Cabral e Anna Carolina Negri)
"O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade" – Armando Castelar
O governo federal anunciou na última quarta-feira mais um pacote com o intuito de tentar salvar a economia brasileira de um “pibinho”. A nova tentativa vem num momento em que o mercado - e o próprio Banco Central - rebaixa suas estimativas para 2012. Faltaram ousadia e visão à equipe da presidente Dilma, que apelou, uma vez mais, para a batida fórmula de tentar “salvar” o PIB com base na ampliação do consumo. A estratégia – que se mostrou bem-sucedida enquanto milhões de brasileiros ainda não tinham ascendido à classe média e não possuíam acesso ao crédito – dá hoje sinais de esgotamento. O país tampouco pode ser dar ao luxo de contar com o cenário externo. Por uma década, o Brasil foi favorecido pela crescente demanda por suas commodities e pelo amplo acesso ao  financiamento barato no mercado internacional. A combinação desses fatores resultou em crescimento e, de 2006 a 2010, euforia. Contudo, a dificuldade de reverter o quadro negativo que se arrasta desde a metade do ano passado começa a lançar por terra esse entusiasmo.
No pacote da semana passada, o governo resolveu oferecer seu próprio poder comprador para tentar estimular o PIB. A opção deixa antever que está perdendo fôlego o apoio do consumo ao crescimento.  De um lado, as famílias, limitadas por um endividamento recorde, não se sentem compelidas a comprar mais – mesmo com prorrogação do IPI reduzido de eletrodomésticos e móveis, automóveis mais baratos, estímulo ao crédito via bancos públicos, etc. De outro, o empresário, amedrontado pela deterioração da economia global, tem se arriscado pouco a investir. Para destravar o setor privado de nada têm adiantado a postura cada vez mais intervencionista do governo no campo microeconômico – regras que mudam a todo o momento, exigência cada vez maior de conteúdo nacional nas fábricas – e o fechamento “branco” do país à concorrência externa.
O problema apontado por analistas é que será pífio o impacto de tais compras governamentais na economia. O volume anunciado de 8,4 bilhões de reais em aquisições de caminhões, tratores, retroescavadeiras, equipamentos hospitalares, etc, representa só 0,2% do PIB. O comentário mais comum entre os economistas é que o governo criou um ‘pacote’ apenas para fazer propaganda e atender os interesses corporativistas de meia dúzia de indústrias – coincidentemente aquelas para as quais a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vinha fazendo lobby escancarado.
O cenário que se coloca hoje diante dos brasileiros felizmente não é catastrófico, mas se distancia daquela visão do “Brasil maravilha” dos últimos anos. Para mudar a perspectiva de taxas baixas de crescimento nas próximas décadas, o governo federal tem de começar a atacar os problemas estruturais da nação. Políticas de longo prazo para melhoria da educação, da taxa de poupança e da infraestrutura precisam ser bem estruturadas e postas em prática ainda que seus resultados não se mostrem visíveis no curto prazo. Essas ações é que tornarão o Brasil uma nação mais produtiva, isto é, capaz de gerar riqueza com maior eficiência.
A discussão sobre o que ainda precisa ser feito – a chamada "metade vazia do copo" – é o ponto central do livro Além da Euforia - Riscos e Lacunas do Modelo Brasileiro de Desenvolvimento (Editora Elsevier-Campus, 312 páginas), de Armando Castelar e Fábio Giambiagi, que será lançado oficialmente em 11 de julho, mas já pode ser encontrado em algumas livrarias. Os economistas falaram ao site de VEJA.
Por que o livro se chama “Além da Euforia”?
Armando Castelar – É uma referência ao fato de o Brasil ter vivido um período de euforia entre 2004 e 2010. Mas esse momento não vai perdurar indefinidamente. No livro, discutimos as razões disso. É preciso que haja um debate sobre o que precisa ser feito para melhorar a situação que virá depois que essa euforia passar.
Por que essa euforia vai passar?
Giambiagi – O Brasil teve condições excepcionais e favoráveis ao crescimento neste período. Duas delas são associadas ao cenário externo. Primeiramente, temos o índice de preço das exportações. Para se ter ideia, entre 1997 e 2002, esse indicador teve queda acumulada de 23%. Entre 2002 e 2011, contudo, houve um aumento impressionante de 165%. A segunda condição é o baixo nível das taxas de juros internacionais. Essa configuração de preços “nas nuvens” com uma taxa de juros externa pequena tirou a possibilidade de aumentar a absorção doméstica sem que fosse gerada uma situação muito dramática no balanço de pagamentos – ao contrário do que ocorreu em outros ciclos de expansão históricos.
Castelar – Parte do cenário externo favorável ao Brasil deriva da China, cujo quadro doméstico complicou um pouco nos últimos tempos. Os preços das exportações pararam de aumentar do jeito que vinham subindo e decaíram um pouco neste início de ano. O país começa a ter um pouco de dificuldade de crescimento internamente. Ainda assim, a situação dos preços continua bastante favorável ao Brasil conforme os padrões históricos. É preciso lembrar, contudo, da importância do cenário externo. Toda a América Latina teve melhora de desempenho muito semelhante à de nossa economia. Os países da região estão vivendo níveis recordes de baixa de desemprego, segundo dados recentes da Cepal. O mérito não é exclusivamente brasileiro.
No capítulo sobre produtividade, o livro afirma que a parcela dos economistas que defende estímulos ao consumo para alavancar o crescimento tem resistência a acreditar que o país começa a enfrentar limitações de oferta. Por que há tanta resistência?

Castelar – Isso é um corte histórico que data dos anos 1950 para cá. Prevalece a ideia de que se for aumentada a demanda, a oferta vai se apresentar. No livro, defendemos que é preciso ter políticas explicitas para o lado da oferta. Melhorar a produtividade, melhorar o ambiente de negócios, cuidar de ciência e tecnologia, etc.
Giambiagi – Eu e Armando destacamos no livro que a filosofia econômica hoje dominante no Brasil é aquela inspirada nas ideias do economista John Maynard Keynes, que publicou em 1936 a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Essa grande obra foi escrita no contexto da crise dos anos 1930 – período em que a indústria estava com grande capacidade ociosa –, fornecendo o conteúdo teórico para o presidente americano Franklin Roosevelt adotar a política do New Deal, que ajudou a tirar os Estados Unidos da sua situação de penúria. A prescrição de políticas ditas keynesianas, calcada no estímulo à demanda, pode se justificar por essa situação de abundância de capacidade ociosa, como aconteceu no mundo em 2008 e hoje se vê na Europa, por exemplo. Mas uma vez que o Brasil está ‘batendo no teto’ de ocupação de recursos físicos, nosso entendimento é que é preciso ‘mudar o software’ para enfatizar a importância da expansão da oferta. Estamos vivendo uma situação inédita nos últimos 30 anos.
O que acontecerá se o Brasil não mudar esse ‘software’?

Castelar – Capacidade ociosa significa que existem fábricas e trabalhadores treinados que não estão sendo utilizados. É algo bem diferente de quando já se está usando todo o potencial e é necessário aumentá-lo para conseguir expandir a produção. Essa ampliação de capacidade não é um processo rápido. O investimento privado no Brasil é inibido pela falta de infraestrutura, pelo ambiente de negócios e pela escassez de mão de obra capacitada. Em outras palavras, temos energia elétrica insuficiente e cara; estradas, portos e aeroportos congestionados; entre outros problemas. Tudo isso limita o crescimento uma vez que o custo aumenta e o investimento fica menos interessante. A empresa cresce mais devagar. No tocante à demanda, existem outras restrições. Uma é a poupança, que é dificultada quando existe grande aumento de consumo. A segunda é confluência de expansão do consumo e do investimento, o que tende a gerar um déficit mais elevado nas transações correntes do Brasil com o exterior. Esse déficit só não estourou nos últimos anos por conta do cenário externo favorável. Além disso, com o aumento forte do consumo interno, a taxa de câmbio evolui de maneira a se apreciar – e o país torna-se menos interessante aos investimentos, como por exemplo, se dá hoje no setor industrial. É preciso trabalhar essas questões para continuar crescendo. Resolvê-las é fundamental para eliminar essa crise de produtividade do Brasil.

No livro, vocês analisam que o crescimento do produto potencial brasileiro nas últimas décadas foi possível justamente pela elevação da produtividade. O que causou esse aumento e por que ele não continuou?

Castelar – No período áureo de crescimento do Brasil, entre os anos 1950 a 1980, houve sim um aumento razoável da produtividade graças ao investimento. Nessa época, a infraestrutura se expandiu muito. Em segundo lugar, a indústria também contribuiu. Da década de 1980 até 1994, com a crise da dívida pública, a produtividade andou para trás e ficou negativa. A economia ficou mais fechada, a inflação era muito alta e havia uma intervenção estatal gigantesca. Começou então uma série de reformas estruturais, com abertura da economia, privatização e desregulamentação de uma série de atividades. Em 1994, com a estabilização proporcionada pelo Plano Real, a produtividade recuperou-se parcialmente. Desde então, nunca mais se conseguiu reproduzir esse investimento e o capital deixou de ter contribuição relevante para o crescimento do PIB. No período mais recente, o que contribuiu para melhorar a produtividade brasileira foi o emprego, isto é, há mais gente trabalhando. Atualmente, o desemprego está baixo e uma transição demográfica está em curso. Podemos prever, no entanto, que essa fonte de crescimento vai secar na frente. Então, as outras duas – capital e produtividade – passam a ser mais importantes.
Giambiagi – Este ponto do mercado de trabalho é muito importante. Nos últimos dez anos tivemos um crescimento anual do PIB da ordem de 4% e uma ampliação da população ocupada de cerca de 2,5%. A diferença está no conceito de produtividade por trabalhador. Naquele período, a população economicamente ativa (PEA) crescia mais ou menos 1,5% ao ano. Em suma, o emprego aumentava em ritmo mais intenso que o da própria PEA, o que diminuía o desemprego. No entanto, a partir do momento em que o país esbarra no limite do pleno emprego, que se estima que seja algo próximo a 5%, a população ocupada só poderá se expandir na mesma taxa de crescimento da PEA, que caminha para ficar em 1,1% daqui a uns anos, segundo dados do IBGE. No período de 2010-2050, o número de trabalhadores deve ficar estável, ou seja, todo o aumento da produção nesse período terá de vir de produtividade porque as pessoas que vão gerar o PIB serão “as mesmas”.
Além de melhorar a produtividade do trabalho, o livro aponta que há um longo trabalho para elevar a taxa de poupança interna. Por que este ponto também precisa ser atacado?

Castelar – O Brasil tem sérios problemas em relação a isso. A poupança aqui é muito baixa – o último dado mostra que está em 15,7% do PIB – e o ambiente de negócios não ajuda o investimento. É muito comum as pessoas apontarem a Coreia do Sul como modelo, mas eles investem cerca de 30% do PIB, quase o dobro do Brasil. Isso só é possível porque possuem uma taxa de poupança muito alta. Nossa média dos últimos 20 anos foi 16,5%. Provavelmente, vamos precisar recorrer à poupança externa, mas isso tem certo limite, pois aumenta o déficit em conta corrente. O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade.
Se o Brasil tivesse conseguido manter os níveis de produtividade que foram observados até os anos 1980, como o país estaria?

Giambiagi – Seríamos uma Coreia. Tínhamos a mesma renda per capita que eles em 1980.
Em que medida a alta carga tributária agrava o problema de produtividade?

Giambiagi – As duas palavras-chave são escala e impostos. Quando se produz algo para o mercado mundial, distribuem-se os custos por um número muito maior de unidades, o que reduz o custo unitário. Lá fora, a carga de impostos é muito menor que a daqui.
Castelar – Ambos os pontos estão relacionados. O imposto aumenta muito o preço e a empresa vende menos. Consequentemente, tem menor escala. Então, parte do problema da escala tem a ver com o tamanho gigantesco da carga tributária no Brasil.
Diante de tantos desafios, que esperam para o país nos próximos anos?

Giambiagi – Nosso livro buscar servir de alerta. Os sinais estão se avolumando. De certa forma, estão corroborando nossa tese central de que a economia brasileira encontra-se num ciclo que dá manifestações crescentes de esgotamento. Vemos um 2012 fraco, com crescimento em torno de 2%. Desde que não aconteça nenhuma hecatombe na Europa, deve haver melhoria no segundo semestre. Mesmo assim, nada espetacular. Já 2013 começará com uma perspectiva mais razoável – que talvez se estique ao ano seguinte devido ao conjunto de obras que terá de ser tocado para a Copa do Mundo. Fechado esse ciclo, a partir de 2014, nossa impressão é de que o 'software' utilizado nos últimos anos, de estímulo à demanda, terá de ser trocado por estímulos à oferta com uma preocupação crescente com a produtividade e a competitividade. Associada a isso está a necessidade de colocar na agenda política do país a retomada das reformas que foram, de certa forma, abandonadas há dez anos.
Castelar - Não consigo me classificar numa escala de pessimista a otimista. Vejo que o país tem oportunidades importantes. Fizemos avanços nos últimos vinte anos, mas, por outro lado, olhando a história do Brasil e da América Latina, penso que o país já esteve nessa posição antes. Já houve muito otimismo com relação às nossas perspectivas, como nos anos 70 quando a economia crescia 10% ao ano. Não surpreendentemente a América Latina vive esse tipo de ciclo quando os preços de produtos exportados estão altos e o acesso ao crédito está fácil. Tenho esperança que nossa classe política consiga aproveitar essa oportunidade para fazer diferente do que fez no passado. Agora, há preocupação também porque nossos governantes não têm uma boa visão de quão importante o cenário externo é. Aquilo que, efetivamente, no passado fez a América Latina perder o bonde foi não perceber que existe um componente fora do controle do país que está dando uma ajuda muito grande.
Em que medida os líderes políticos podem contribuir para melhorar a produtividade brasileira?
Giambiagi – Na nossa visão, os avanços necessários não vão decorrer de propostas que emanem do Legislativo. Ele possui contradições internas e tende a não ter essa visão geral do conjunto, que é mais natural do Executivo, que tem dentro de si a restrição orçamentária e está sujeito a demandas políticas e sociais de todo o tipo. Destacamos no livro quatro elementos que nos parecem fundamentais. Primeiro, é preciso ter uma visão de longo prazo: tomar medidas não pensando apenas nos próximos dois ou três anos, mas saber onde se deseja levar o país dentro de 30 anos. Segundo, a essa visão de longo prazo tem de estar associada a certa capacidade de tolerância. Obviamente, estamos numa democracia e todo o partido político busca se eleger.  Contudo, se todas as ações políticas forem guiadas única e exclusivamente pelo objetivo de vencer a próxima eleição, questões mais controversas nunca terão vez. Outro ponto importante é a capacidade de explicar as deficiências estruturais da nação à população. Nos últimos dois períodos de governo, tivemos dois comunicadores talentosíssimos. No caso de Fernando Henrique Cardoso, não tanto o presidente, mas sim o ministro da Fazenda que conseguiu explicar um plano maluco para as pessoas e assim garantir o êxito do Plano Real. No caso do ex-presidente Lula, nem se fala. O quarto elemento é a capacidade de articulação. No governo Dilma, por exemplo, houve o caso do salário mínimo em 2011, em que o governo conseguiu vencer no Congresso com sua proposta de reajuste real zero. Quando o governo fixa uma pauta e se empenha, tem boa chance de êxito.
Castelar  – O brasileiro, às vezes, tem a sensação de que o planeta está parado e que nós estamos andando. Na verdade, o mundo também está caminhando e ele já está na nossa frente. Em outros lugares estão andando muito rápido. Por isso, o que talvez soe como avanço pode ser pouco. Acho notável como as expectativas relativas ao que a Copa do Mundo vai deixar estão sendo cada vez mais desinfladas. Tudo aponta que ficarão apenas estádios de futebol novos.
Podemos dizer que essa crise da produtividade que o Brasil começa a enfrentar é o que se vê hoje também na Europa, com os países menos eficientes com dificuldade para resolver seus problemas?

Giambiagi – O que acontece é a confluência de três crises: uma fiscal, em função de má administração em alguns países; outra financeira, devido à situação dos bancos; e outra associada à insuficiência de se ter uma mesma moeda para regiões muito díspares – problema que já era conhecido, mas que se revelou mais dramático do que se supunha no lançamento do euro.
Castelar – Há sim um elemento de crescimentos díspares de custos unitários do trabalho. Na Alemanha, a produtividade cresceu bastante e os salários subiram pouco, ao passo que em alguns países da periferia europeia (Grécia, Portugal e Espanha, em especial) ocorreu o oposto. Com isso, esses países têm dificuldade de crescer exportando, pois não são competitivos. A falta de crescimento complica o problema fiscal e de crédito.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Livro: Fabio Giambiagi, Armando Castelar - Alem da Euforia


Um lançamento possível, um livro incontornável: 
Além da euforia
Fabio Giambiagi e Armando Castelar
RJ: Campus-Elsevier, 2012

Contracapa para livro de Fabio Giambiagi e Armando Castelar

O Brasil mudou nas últimas duas décadas. Ficaram para trás o pesadelo da inflação crônica, as crises do Balanço de Pagamentos, a dívida externa, a supervisão do FMI e os frustrados planos de estabilização. Essa época é parte do passado. Hoje, especialmente diante das dificuldades enfrentadas pelos países desenvolvidos desde a crise financeira de 2008, a economia brasileira parece ir bem. Os avanços são inegáveis: a inflação está contida, a arrecadação fiscal bate recorde, o investimento estrangeiro nunca foi tão alto, o desemprego é baixo e até a nossa lastimável distribuição de renda dá indícios de melhora.
Períodos de relativo sucesso econômico, como o desta primeira década do século, trazem riscos. Há sempre a tentação de postular o fim definitivo dos problemas e decretar a aurora de uma nova era onde todas as dificuldades teriam sido superadas. Embalados na euforia dos bons resultados, corre-se o risco de perder o senso crítico e de esquecer que a boa gestão da economia exige análise permanente, a avaliação dos pontos nevrálgicos e a antecipação dos gargalos. Assim como o bom desempenho atual é, em grande parte, resultado das reformas e das políticas postas em práticas na última década do século passado, o desempenho da economia amanhã será determinado por medidas que estão sendo tomadas – ou  deixando de serem tomadas - hoje.
"Além da euforia" percorre, ao longo de seus onze capítulos, as diversas áreas da economia brasileira onde, por trás dos resultados aparentemente exuberantes, existem sinais preocupantes. Problemas que, se não forem compreendidos e equacionados, podem levar à interrupção do ciclo de bons resultados, antes do imaginado.
Fabio Giambiagi e Armando Castelar têm profundo conhecimento da economia brasileira, acumulado ao longo de bem sucedidas carreiras no setor publico e na Universidade. Foram capazes de apresentar de forma organizada e simples, sempre fundamentada em dados claros, um retrato lúcido dos desafios que temos pela frente.  Por último, mas importantíssimo, escrevem de forma clara e acessível. A leitura deste livro, além de obrigatória para compreender o momento atual, é  - coisa rara em economia  - uma tarefa agradável.
André Lara Resende

Orelha
As grandes mudanças na economia brasileira ocorreram em momentos de crise. Foi quando os governos tiveram que abandonar a inércia em favor da racionalidade, ainda que às custas de danos à sua popularidade. Parece contrário à natureza humana dedicar-se à solução de problemas quando se vivem tempos de bonança. Dos anos 1980 para cá foram tantas as crises – a superinflação, o desemprego, os colapsos do Balanço de Pagamentos, a moratória da dívida externa -   que soa legítimo desfrutar de um período tão singular da história econômica do país como o atual.  A sensação de bem-estar ofusca, porém, a percepção de que nem tudo está pronto para o país ter um crescimento sustentável por muitos anos.
Neste livro, o leitor poderá avaliar os problemas ainda presentes que precisam ser resolvidos para que o desenvolvimento nos últimos anos não seja uma mera euforia, mas um processo duradouro de encontro com o futuro.
É senso comum que o Estado cobra uma carga tributária excessiva e gasta mal o dinheiro do contribuinte. Basta ver que os recursos destinados à educação pública dobraram desde 1980 e hoje somam 5% do PIB – o mesmo que a média dos países da OCDE e mais do que México, Chile, Coreia ou a Alemanha. Isso, no entanto, não se traduziu em benefícios para o aprendizado dos alunos. Além disso, boa parte da infraestrutura que abastece o país foi herdada do tempo dos militares.
Estima-se que até 2050 a população acima de 60 anos será multiplicada por um fator da ordem de 3,5 e não se notam sinais de preocupação com as consequências do envelhecimento demográfico e do encolhimento da população economicamente ativa.
Sem negar o muito que se avançou nos governos mais recentes, Giambiagi e Castelar fazem, num texto de agradável leitura, uma radiografia do que ainda falta para o país estar preparado para enfrentar os maus momentos inerentes aos ciclos econômicos. Isso significa, dentre várias tarefas, prover as crianças de uma boa educação, modernizar a infraestrutura e impor eficiência ao gasto público.
Claudia Safatle

segunda-feira, 19 de março de 2012

Governo brasileiro: a balela da austeridade fiscal - Fabio Giambiagi


Austeridade relativa

19 de março de 2012 | 3h 06
FABIO GIAMBIAGI - O Estado de S.Paulo
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil no começo de 2011 e fosse capaz de entender português teria tido a oportunidade de ler as mais diversas reportagens, declarações oficiais e relatórios governamentais destacando a muitas vezes mencionada "austeridade fiscal". Vindo de um país latino, acostumado ao uso mais elástico da linguagem, talvez ele pudesse entender mais claramente o que estava em jogo. Mas, se ele viesse de um país anglo-saxão, com uma formação cartesiana mais rigorosa, ainda que compreendesse bem a língua local, teria tido dificuldade de entender três coisas.
A primeira a gerar certa perplexidade seria a linguagem em si. Usei acima a expressão "austeridade" porque é assim que ela se manifestou nas páginas econômicas dos jornais, mas no discurso oficial a palavra raramente foi usada, sendo em geral substituída pela imagem da "consolidação fiscal", que a rigor não quer dizer absolutamente nada e, de certa forma, passa um pouco a ideia de que se trataria da "austeridade que não ousa dizer seu nome".
A segunda dificuldade para entender a realidade local seria a flagrante contradição entre a postura de um governo que, no País, ao se posicionar diante dos chamados "mercados", se esforçou por todos os meios em passar a impressão de que a nova gestão daria inequivocamente um "basta" na política fiscal fortemente expansionista de 2009/2010, mas, ao ultrapassar as fronteiras nacionais e sempre na companhia do governo argentino, pontificava em dar lições ao mundo acerca de como gastar.
Mais ainda, as autoridades estavam sempre dispostas a utilizar qualquer púlpito no âmbito do G-20 para expressar suas críticas àqueles que aspiravam a pôr um freio na gastança dos governos grego e italiano, que nunca se destacaram propriamente por serem um primor de austeridade fiscal. Seria difícil para o nosso estrangeiro evitar a associação entre o Brasil e a imagem de um jovem que, obrigado pelas circunstâncias a agir contra sua própria natureza e vestir terno no seu novo emprego, no fundo é feliz mesmo agindo com ar displicente quando sai em viagem ao exterior.
A terceira dificuldade, e a mais importante de todas, seria conciliar a versão impressa diariamente pelos jornais - com manchetes sobre o "corte de R$ 50 bilhões", austeridade e o uso frequente da palavra "arrocho" para definir a situação dos Ministérios - com a realidade dos fatos. Com a vantagem de não precisarmos ter bola de cristal por já sabermos o que ocorreu, podemos olhar para os números do ano passado. E o que nos dizem eles, agora que já sabemos como foi de fato a execução fiscal em 2011, se deflacionarmos os dados pela variação média do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)?
O que eles nos dizem são quatro coisas. Primeiro, que as despesas correntes de 2011, excetuando transferências a Estados e municípios, tiveram um aumento real de 4%. Segundo, que as transferências a Estados e municípios tiveram, sempre em termos reais, incremento de 15%. Terceiro, que o investimento público do governo federal caiu 5%. E, finalmente, que a resultante desses três efeitos foi um aumento real de 5% do gasto total.
Cotejando a situação com o noticiário sobre o ajuste fiscal efetivo da Espanha, o corte de despesas na Inglaterra ou a redução do valor das aposentadorias na Grécia, o nosso estrangeiro poderia ter indagado com curiosidade a um interlocutor: "O que vocês chamam de austeridade no Brasil? Que parte do português eu não entendi?". Algumas rubricas, em particular, chamariam a atenção dele, com destaque para o sempre instigante fato de no País o desemprego estar em queda e todo ano a despesa com seguro-desemprego crescer (7% de aumento real das despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador em 2011).
Analisando o padrão de gasto (aumento do gasto corrente e corte do investimento), a atitude do País se parece com a de um indivíduo que, com algum problema de caixa, mantém a programação para fazer a festa de aniversário, mas, para tentar se enquadrar na restrição orçamentária, tira o filho da melhor escola do bairro para colocá-lo numa escola ruim e mais barata.
O mais intrigante de tudo, porém, ainda estaria por vir, olhando em perspectiva para 2012. É que, em 2011, tudo o que foi dito acima ocorreu num contexto em que a variação real do salário mínimo, base da remuneração de 2 de cada 3 aposentados, foi nula - o que ajudou a evitar um crescimento maior da despesa -, enquanto em 2012 essa variável - que afeta as despesas do INSS, dos benefícios assistenciais e do seguro-desemprego - aumentou nada menos do que 7,5%. Em outras palavras, o gasto para este ano vem com um inequívoco "viés de alta". O governo merece crédito por ter atingido um superávit primário de 3,1% do PIB, mas o gasto agregado, tanto em 2011 como em 2012, continua aumentando firmemente.
É por essas e outras que o estrangeiro da história terá no final aprendido que, no Brasil, nem tudo o que é dito corresponde de fato ao que é dito; nem tudo o que é feito é dito; e nem tudo o que é dito é feito.
*ECONOMISTA, É AUTOR DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA (ED. CAMPUS)

sábado, 14 de agosto de 2010

Livro - Roberto Zentgraf e Fabio Giambiagi: O Futuro é Agora

O lançamento de um livro coordenador, junto com Roberto Zentgraf, pelo economista Fabio Giambiagi é sempre uma garantia de qualidade, e de debate esclarecido sobre questões importantes da atualidade brasileira.
Gostaria de estar presente, o que vai ser difícil acontecer...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Previdencia: o dever deve ser feito hoje - Fabio Giambiagi

Um artigo sensato, com base em números simplesmente reais, expondo um problema que deve ser tratado hoje, a menos que nós pretendamos entregar uma batata quente a nossos filhos e netos, deixando-lhes como herança um sistema previdenciário falido.
Políticos são muito irresponsáveis, mas o tema deve ser tratado, se possível na campanha eleitoral.
Paulo Roberto de Almeida

Previdência: contribuição ao debate
Fabio Giambiagi
Valor Econômico, 9.06.2010

Em maio publiquei com Paulo Tafner o livro “Demografia - A ameaça invisível” (Ed. Campus). Ele é o resultadode anos de reflexão acerca da questão previdenciária. O objetivo foi explicar as razões que justificam que se olhe com cuidado para as tendências demográficas envolvidas na trajetóriado perfil etário brasileiro.

Há, no tratamento do problema ambiental e da temática previdenciária, uma similitude inquietante. Em ambos os casos, há decisões difíceis a serem encaradas. Em ambos, a essênciado dilema político envolvido é que o custo das decisões é imediato, palpável e afeta mais alguns grupos que outros, enquanto que os benefícios das decisões sãode longo prazo, difíceis de perceber e difusos. Finalmente, em ambos, a força das conveniências políticas tende muitas vezes a gerar um desfecho cruel: o custode protelar decisões difíceis é invisível a olho nu - e acaba sendo pago, muito depois, pelas gerações posteriores.

O cerne da questão ambiental é que o mundo praticamente não muda em relação ao dia anterior mas, no espaçode 50 anos, as diferenças são dramáticas. A Terra em 17/09/1978 - para citar um dia qualquer - era praticamente igual àde 16/09 do mesmo ano, mas as mudanças imperceptíveis produzidas a cada dia pela ação do homem sobre o meio ambiente produziram consequências preocupantes para o futuro do planeta, desde então.

Analogamente, o Brasil, em termos demográficos, apresenta um perfil que cada dia parece ser idêntico ao do dia precedente - embora, ao longo das décadas, as mudanças sejam marcantes. O país, no dia 07/06/2010 tem, virtualmente, a mesma composição populacional que no dia 06/06 - porém, o Brasil onde viverão nossos filhos será muito diferentedo atual. E, a cada dia que passa, aumenta o ônus a ser imposto às gerações futuras por conta da nossa faltade ação na revisão das regras de aposentadoria e das pensões. O Japão é o caso por excelência de população idosa - e nós seremos os japoneses do futuro.

O gráfico é eloquente. Em 2010, temos quase 50 milhões de brasileiros com até 14 anos e menos de 20 milhões com 60 anos ou mais. Já em 2050, pelas projeções do IBGE, tais números serão de menos de 30 milhões e de quase 65 milhões de pessoas, respectivamente. A relação entre idosos e jovens, medida por esses dois grupos, passará de 0,4 idoso por jovem atualmente, para 2,3 idosos por jovem daqui a quatro décadas.

Lidar com essa questão é um desafio difícil para qualquer governante. O Brasil poderia ter aproveitado a década que está se encerrando para equacionar esse desafio para as próximas gerações. Nunca mais teremos a combinaçãode: 1) uma realidade demográfica ainda benigna; e 2) uma liderança política com a popularidade do presidente Lula. No futuro distante, tudo será mais difícil: o perfil demográfico será mais adverso e não haverá outro presidente com 80%de popularidade. O Brasil perdeu uma chance histórica. Podendo ser formiga, o Brasil optou por ser cigarra. A História não costuma ser benevolente com países que agem dessa forma.

Entre 1980 e 2010, a população brasileira na faixa de 15 a 59 anos teve um crescimento anual de 2,1%. Já em 2050, esse contingente populacional será o mesmo que atualmente - o crescimento será nulo. Isso significa que toda a expansão econômicado país nos próximos 40 anos dependerá dos ganhos de produtividade. É um desafio maiúsculo.

Nosso livro é uma tentativa de contribuir para o debate acerca de uma das questões mais importantes para o futuro do país. Cedo ou tarde, a Constituição deverá se adaptar à demografia - uma vez que a demografia não irá se adaptar à Constituição. A tarefa colocada para os futuros governantes - em 2011, 2015 ou 2019 - é imensa. Com a perspectiva de termos a melhor década no país desde os anos 70, será tentador deixar a questão para o governante seguinte. Entretanto, cabe uma reflexão acercado compromisso que temos com as gerações futuras. Se não fizermos nada, estaremos agindo como as gerações passadas, despreocupadas com o futurodo planeta. Hoje, o Brasil tem muito petróleo a explorar e um contingente ainda relativamente pequeno de aposentados. Precisamos pensar no que será o Brasil dos nossos filhos, se o petróleo tiver se esgotado e tivermos quase 65 milhõesde idosos. Em 2010, para cada 100 brasileiros na faixa de 15 a 59 anos, há apenas 15 pessoas com 60 anos ou mais. Em 2050, haverá 52. Que legado desejamos deixar para as gerações futuras? O leitor tem a palavra.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Ameaca Invisivel - novo livro de Fabio Giambiagi


A AMEAÇA INVISÍVEL: O risco demográfico
O envelhecimento populacional que o Brasil se recusa a encarar
Fabio Giambiagi, Paulo Tafner
(Rio de Janeiro: Editora Campus, 2010)

Lançamento do livro “Demografia, a Ameaça Invisível” na Livraria da Travessa - Shopping Leblon no dia 24 de maio, segunda-feira, às 19h.

Orelha: Míriam Leitão
Prefácio: Joaquim Levy
Contracapa: FHC, Palocci, Malan, Ricupero, Paulo Haddad, Marcílio, Maílson, Bresser, Galvêas, Delfim

Parte I: Introduzindo o tema

1. Introdução
2. Um dia na Casa das Garças
3. “Outra vez?!”

Parte II: A ameaça invisível

4. A revisão do IBGE: o furo que ninguém deu
5. Uma questão preliminar: a perda que não houve
6. A Previdência em números
7. O Orçamento estrangulado

Parte III: Os diversos aspectos da questão previdenciária

8. A política de elevação do salário mínimo: até quando?
9. O país jovem que envelhece
10. A Escandinávia é aqui: a sobrevida dos que se aposentam
11. O mundo é das mulheres
12. As viúvas e a Viúva-mãe
13. Assistencialismo – O cidadão não contribui: e daí?
14. Nosso sistema previdenciário combate a miséria?
15. A economia política da Previdência Social
16. O cobertor é curto: quem ficou de fora?

Parte IV: O que fazer?

17. A agenda previdenciária novamente – ou finalmente?
18. A hora da política: a maturidade necessária

Referências bibliográficas
Epígrafes livro

“Qué extraño que aún existan personas con esa edad!” (Jorge Luis Borges, no final da sua vida, opinando sobre a idade de seu interlocutor de 40 anos)

“Não tenha medo de ser excêntrico em suas opiniões, pois todas as opiniões hoje aceitas foram excêntricas um dia” (Bertrand Russel)

“Saiba como usar evasivas. É assim que as pessoas astutas se livram das dificuldades. Elas se desembaraçam do mais intricado labirinto com o emprego espirituoso de uma observação inteligente. Elas se livram de uma séria controvérsia com um gracioso nada ou suscitando um sorriso. A maioria dos grandes líderes conhece a fundo esta arte” (Baltasar Gracián, padre jesuíta do século XVI, acerca de como ter êxito na política)


A Ameaça Invisível: o risco demográfico, Fabio Giambiagi, Paulo Tafner
Rio de Janeiro: Editora Campus, 2010

Prefácio de Joaquim Levy:

Quem lê “A Ameaça Invisível” do risco demográfico vê como a segurança que a Previdência Social traz ao país pode se transformar em grilhões para o desenvolvimento, se esse seguro social não se beneficiar de alguns ajustes nos próximos anos.

Como sublinhado nesse oportuno livro de Fabio Giambiagi e Paulo Tafner, ajustar a Previdência Social pode ser difícil porque exige esforço de um grande número de pessoas hoje, para resolver algo no futuro. E o esforço não é só dos aposentados e pensionistas, mas também dos mais jovens. Não só porque estes gostariam que as aposentadorias se tornassem mais, e não menos, generosas nos anos à frente, mas porque em muitos casos os benefícios da previdência aliviam também os filhos e netos dos beneficiários de hoje. Os trabalhadores atuais passam a ter menos preocupações quando seus pais têm uma renda própria e, às vezes, até são beneficiários derivados, quando a generosidade dos mais velhos serve como seguro para o desemprego ou outras ocorrências na vida dos seus descendentes.

Entretanto, o espectro de um ajuste doloroso e a complexidade das relações interfamiliares não podem simplesmente afastar a discussão da previdência social para outra época mais distante. Os recentes episódios na Grécia são um alerta do que pode acontecer quando um país cria uma rede excessiva de proteção social, sem se preocupar com a própria competitividade. O mesmo risco parece existir em outros países mediterrâneos como a Italia, onde persiste certa complacência em relação à situação fiscal e ao consumo das famílias. Ainda não sabemos como essa situação vai se resolver, mas ela sublinha a importância de se enfrentar os problemas com antecedência e de forma genuína. No final da década de 1990, por exemplo, a Espanha, diante da perspectiva de uma Europa a “duas velocidades”, encarou seus problemas, fortaleceu o pacto da previdência que havia sido feito alguns anos antes (Pacto de Toledo de 1995) e reformou suas leis trabalhistas para não perder o barco do Euro. O esforço foi bem mais profundo do que na Itália, Portugal e Grecia e Portugal, apesar destes também terem entrado na moeda única. Como conseqüência do ajuste fiscal e estrutural realizado, a Espanha viveu quinze anos de inaudito crescimento, expansão e vitalidade. Não obstante os excessos no setor imobiliário, esses anos proporcionaram ao país um colchão para a resposta de curto prazo à crise financeira de 2008 e uma disposição para controlar a deriva fiscal que poderá ajudá-lo a se diferenciar na tempestade que passou a varrer o sul da Europa no começo de 2010.

O risco de grupos de países em “duas velocidades” existe em escala mundial, e não pode ser esquecido no Brasil, mesmo após um lustro em que as coisas têm sido extremamente favoráveis ao país. Nos últimos cinco anos, os frutos da política gradualista do Presidente Lula, a demanda sustentada da China por nossos produtos, e a grande liquidez produzida pelos Bancos Centrais dos EUA e Europa se combinaram para permitir o Brasil crescer, a classe média se expandir e até começarmos a tomar um gosto pelo investimento, mesmo sem ainda termos aumentado a nossa poupança adequadamente. Esses fatores devem servir de estímulo a novas reformas, e não de acomodação, até porque sem poupança é difícil ter um crescimento sustentado.

No fundo, a discussão da Previdência Social tem a ver com a poupança do país. É verdade que não se conseguiu até hoje provar que uma rede de previdência diminui a poupança. Porém, os próprios chineses estão apostando nisso, ao investirem maciçamente na ampliação da saúde pública e da Previdência Social como forma de diminuir a taxa de poupança nacional dos atuais 40% do PIB, aumentando a demanda interna e reduzindo a dependência da economia chinesa em relação à exportação para o mundo desenvolvido. O objetivo da reforma social levada a cabo atualmente na China — que está avançando a grandes e rápidos passos — é estimular o mercado interno, mesmo entendendo que isso poderá reduzir a produtividade da economia chinesa. No caso da América Latina e do Brasil, onde a taxa de poupança dificilmente alcança 20% do PIB, talvez tenhamos que vir do lado oposto para um pouco menos de proteção e mais estímulo à produtividade, ou, mais corretamente, uma proteção que seja mais direcionada para apoiar os trabalhadores de menor renda, ao invés de ser um substituto caro à poupança para uma minoria mais abastada da população, aí incluídos os funcionários públicos.

Fábio e Paulo dão razões irrefutáveis para encararmos esse desafio não como um sacrifício, mais ou menos injusto, mas como uma oportunidade provavelmente menos dolorosa do que parece e cujos resultados serão usufruídos por todos os brasileiros por muitos anos. Além disso, os autores fazem algumas observações pouco lembradas e interessantes.

Nesse sentido, vale lembrar que uma das maiores dificuldades para avançarmos na solução do desafio previdenciário é a permanência, também nesse campo, e especialmente entre os que tomam as decisões políticas, de alguns mitos da época do chamado “Milagre Brasileiro”. Especificamente, apesar das multidões de octagenários e octogenárias que habitam as capitais e o interior, o brasileiro ainda acha que a velhice e a morte chegam aos setenta anos. Fabio e Paulo observam que uma das principais notícias de 2008 foi a confirmação pelo IBGE de que há muitos anos a terceira idade se estende pela oitava década de vida de uma grande proporção da população brasileira.

Além disso, aquela pirâmide etária triunfalista dos anos 1970 também desapareceu, e se não chegamos ainda a ser uma “barrica”, praticamente todos os financiadores da previdência em 2040 já nasceram e, portanto, sabemos quantos serão. Também sabemos que o número de pessoas com mais de 80 anos vai ser mais de cinco vezes maior em 2050 do que hoje, para uma população em idade ativa praticamente do mesmo tamanho.

Essas duas mudanças podiam não ser perceptíveis quando a Constituição de 1988 foi votada, mas são uma realidade ululante hoje em dia. E tenho convicção que quando a imaginação popular se alterar em relação à demografia, a discussão sobre a previdência mudará muito. Na minha experiência, do Presidente da República à moça do call-center ou à dona da “birosca”, todo mundo entende que 35 anos de contribuição com 30% de salário (contando a contribuição do empregador) não pagam 30 anos de benefícios a 100% de salário (ou maior). Não há dúvida de que os benefícios ultrapassam as contribuições, se uma pessoa se aposenta aos 53 anos e vai viver além dos 80. Como, segundo as projeções do IBGE, isso deverá acontecer com metade dos homens e mais de dois terços das mulheres que estão na faixa dos 50 anos hoje, a conta não vai fechar e o déficit da Previdência tenderá a crescer de forma insustentável se não houver um ajuste.

O que Fabio e Paulo mostram com riqueza de detalhes, mas sem perder a leveza de estilo, é que diante dessa realidade incontornável, é desejável que se aumentem os anos de contribuição em relação aos de aposentadoria, para não correr o risco, daqui a algumas décadas, de ter que diminuir o valor da aposentadoria. Essa é uma aritmética ao alcance do povo, quando apresentada com a honestidade com que eu aprendi que Giambiagi, agora com e Tafner, sempre comunicam as premissas e conclusões e premissas de seus estudos.

Esse equilíbrio, que é a base do fator previdenciário adotado no Brasil há aproximadamente 10 anos, existe de diversas maneiras em muitos países. Na França, por exemplo, as aposentadorias profissionais (ARGIC-ARRCO) são ajustadas mediante a alteração do valor dos “pontos” sobre o quais o benefício é calculado, tanto na fase de acumulação de direitos, quanto na de sua fruição. Ou seja, mesmo em sociedades altamente politizadas, é possível favorecer o equilíbrio de longo prazo da Previdência Social quando as pessoas entendem o que está em jogo, tanto para a sociedade, quanto individualmente.

Nesse sentido, é iluminadora a explicação apresentada por Fabio e Paulo nesse livro de como, por exemplo, a tão frequente opção de alguém se aposentar com pouca idade e continuar trabalhando por alguns anos, ao invés de postergar a aposentadoria, além de prejudicar o resultado da Previdência, é ruim para o trabalhador no longo prazo. Assim como o alerta de que pretender “resolver” esse problema eliminando o fator previdenciário seria uma péssima política pública. O exemplo sugere que a resistência popular ao aumento da idade mínima da aposentadoria talvez seja mais uma especulação imobilista do que uma realidade que não possa ser confrontada com a devida comunicação de como esperar para se aposentar não precisa prejudicar a vida das pessoas e pode ajudar o crescimento econômico.

Talvez os autores pequem pelo otimismo quando afirmam que a reforma da Previdência do Serviço Público já teria sido feita, especialmente porque no setor público já houve a extensão da idade de aposentadoria. Como partícipe da formulação da Emenda Constitucional nº 41/2003 e de suas várias tentativas de sua regulamentação, considero a avaliação desse livro encorajadora, mas talvez um pouco precipitada, especialmente levando em conta e considerando a ampliação dos quadros e remunerações do serviço público observada nos últimos anos. Entre 2002 e 2009, a folha dos ativos da União aumentou em mais de 60 mil pessoas e a das estatais federais em mais de 100 mil. Neste caso, como o fundo de capitalização previsto pela Emenda não foi efetivado e os novos funcionários estão entrando pelas regras antigas, a aparente estabilidade da fatura das pensões públicas poderá não se manter nos próximos anos.


Em suma, este livro mostra com paixão e método que — já que é mais razoável planejar uma melhora futura na renda dos aposentados, tanto homens como mulheres, ao invés de criar barreiras ao crescimento econômico que resultarão em rendas menores à frente — o mais indicado é aumentar a idade de aposentadoria para níveis mais próximos aos dos países desenvolvidos, na medida em que a esperança de vida e outros indicadores do Brasil também vão convergindo naquela direção. O efeito dessa transformação da Previdência Social sobre o crescimento econômico será positivo, sem prejuízo do equilíbrio do mercado de trabalho e provavelmente melhorando a distribuição de renda. De fato, o aumento da idade mínima diminuirá a prevalência de uma Previdência Social a “duas velocidades”, em que os trabalhadores de maior salário se aposentam sem grande esforço muito antes dos de baixa renda que não se beneficiam da aposentadoria por tempo de serviço; e não irá reduzir drasticamente a oferta de trabalho, já que os aposentados por tempo de contribuição tipicamente continuam na força de trabalho por mais alguns anos. As bandeiras da extensão da idade da aposentadoria e da manutenção do fator previdenciário valem a pena de serem empunhadas por todos. Especialmente porque, para os que acham que nos prepararmos para 2050 é um exercício de futurologia distante, basta lembrar que a distância até lá é a mesma que existe entre hoje e 1970.

Joaquim Levy