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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Sobre a alternância de “humores” políticos no campo da economia - Paulo Roberto de Almeida

Sobre a alternância de “humores” políticos no campo da economia

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre o pêndulo entre políticas distributivistas e produtivistas nas democracias de mercado nas últimas décadas.

  

Depois de quatro anos de puros delírios ideológicos do desgoverno do “Deus, Pátria e Família”, voltamos às contradições normais de qualquer governo responsável ao redor do mundo: tentar fechar um orçamento factível com base na noção elementar em economia de que os desejos são infinitos e ilimitados, e os recursos escassos e limitados.

A contradição básica dos governos distributivistas — social-democratas — consiste em achar que o Estado, e não o mercado, deve ser o responsável pela melhor distribuição possível, geralmente atuando mais com base nos estoques disponíveis de riqueza (que se esgotam, necessariamente) do que a partir da criação de novos fluxos incrementais de riqueza a partir do investimento e da produção de uma oferta acrescida.

Mas a noção de que todos têm “direitos” a alguma coisa “necessária”, e que esses direitos têm de ser dados a todos por um Estado magnânimo, não bate bem com princípios elementares da vida econômica. 

Persistem em governos desse tipo a velha noção keynesiana (agora pikettyana) de que o Estado é o melhor provedor dessas várias bondades infinitas, e de que precisa, e deve, “corrigir” supostas “falhas de mercado” e “imperfeições” do capitalismo (equiparado a uma economia de mercado, quando ele é apenas uma parte de uma realidade econômica bem mais vasta).

Se os “justiceiros sociais” investigarem melhor de onde provêm os recursos do Estado, e tentarem fechar a conta, vão se decepcionar com as limitações inerentes ao princípio básico da escassez. Mas raramente se convencem de que o Estado raramente é aquela cornucópia generosa de onde jorram quantidades ilimitadas de leite e mel. Em consequência atuam no limite extremo das possibilidades até a próxima crise e a imposição de um novo “austericídio”.

E o ciclo se completa: distributivistas cedem o lugar aos mercadistas, que funcionam na austeridade temporária, até que a população se canse das “correções” e vote de novo a favor da volta dos generosos justiceiros. 

Tem sido assim desde o pós-Segunda Guerra Mundial nas democracias de mercado, das quais o Brasil ainda está muito longe de ser um caso exemplar. Mas levamos aos extremos a noção equivocada de o keynesianismo anticíclico constitui uma “teoria” do desenvolvimento. E ainda chegam os pikettyanos para agravar a coisa.

Tem tudo para não dar certo, ou ficarmos parados no mesmo lugar.

Em todo caso, meus melhores e sinceros votos de sucesso no tocante às políticas econômicas do governo redentor.

Vamos ver o que ocorrerá quando o cheque em branco de um ano terminar. Virá uma nova PEC salvadora?

 

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 4299: 4 janeiro 2023, 2 p.


sábado, 6 de julho de 2019

Austeridade: nome feio para um livro (Alesina, Favero e Giavazzi) - Book review by Milton Ezrati

Austerity: When It Works and When it Doesn’t, by Alberto Alesina, Carlo Favero, and Francesco Giavazzi (Princeton University Press, 296 pp., $35)
No one would call Austerity a “fun” book—economics seldom is fun—but this is an important work for economists, policymakers, politicians, and engaged citizens. Alberto Alesina (Harvard), Carlo Favero, and Francesco Giavazzi (both of Bocconi University, in Italy) have written one of the clearest and best researched treatments of fiscal policy available. And though not quite suitable for the beach, it’s remarkably readable.
A more suitable subtitle would be “what works and what doesn’t.” For it’s the “what” rather than the “when” that really gets to the authors’ finding that higher taxes are economically more harmful than spending cuts. They show that raising taxes to close a budget deficit equivalent to 1 percent of a nation’s gross domestic product would result in a severe recession, followed by a real GDP shortfall of between 2 percent and 3 percent after several years. By contrast, a comparable cut in government outlays would spare the economy an initial setback and inhibit economic growth by only half a percent in subsequent years.
This principle holds true across a range of economies and circumstances, regardless of how government leaders employ monetary policy, exchange rates, or economic reform in labor or product markets. The authors favor statistical analyses of austerity and offer considerable guidance on which economic theories best capture reality. Their analysis casts considerable doubt on the standard Keynesian model still popular among politicians, policymakers, and academics. Conventional Keynesian thinking holds that government spending has an immediate economic impact; tax reform, meantime, has only a muted effect, filtered through business and household decisions. Keynesian economics prompted generations of policymakers to favor tax hikes, spending increases, and excessive debt burdens to boost the economy.
Austerity proposes an alternative approach. Alesina, Favero, and Giavazzi rely on a theoretical perspective, privileging supply-side effects and the impact of changing expectations as prime economic movers. They argue that cutting spending on welfare and unemployment benefits, rather than raising taxes, encourages work. Spending reductions, combined with tax cuts, foster greater consumer spending and business investment. By contrast, tax hikes fail to address deficits, depress business and consumer enthusiasm, and create expectations of continued increases.
To test these notions, the authors examine the effects of spending- and tax-based austerity on businesses and households, as well as on imports and exports. They find that businesses—oriented toward the future—demonstrate the effectiveness of outlay-based austerity efforts. Tax hikes drag down investment spending by a much wider margin than do government spending cuts. The authors found similar, though smaller, effects with households, while the effect on the trade sector was negligible.
The authors demonstrate their technical expertise in their analysis of budget policy and recessions. In an economic downturn, government revenue declines even as demands for services rise, leading to big budget deficits. But deficits naturally narrow when the economy improves. To disentangle policy effects from these cycles, the authors developed the “narrative approach,” which involves deep data mining for historical context. The statistically robust approach pools data and conducts analysis across countries and circumstances over a period of years, something seldom done elsewhere.
This broad-based econometric approach also enables the authors to go beyond pure economics and reach financial and political conclusions. They question the conventional wisdom that austerity is usually a political disaster. Sometimes it is, yes—particularly if the government relies too heavily on taxes. But they offer examples of public acceptance of austerity as a necessary evil, as demonstrated by the reelection of governments that have pursued the policy.
Unfortunately, the book’s findings, while powerful, will likely have little effect on the austerity debate. Those who favor government spending, either to protect it from austerity cuts or to use it for stimulus, are committed to bigger government, while those inclined to distrust government and resist taxation will often do so regardless of the economy’s needs. Perhaps my skepticism is misplaced, and Austerity will have an impact on policymakers—but even if it doesn’t, it should be required reading.

domingo, 21 de julho de 2013

Martin Wolf: austerity failed! Ah bom: o desperdicio e a gastanca seriam a solucao?

O jornalista do Financial Times pode até ter razão quanto à situação atual da Grécia, de Portugal, Espanha e Itália, mas isso não quer dizer que a gastança social-democrática seria a solução milagre para todo mundo. Ou ele pretende que a Alemanha pague sozinha a irresponsabilidade dos dirigentes desses países no endividamento excessivo?
Quem acha isso pretende que os outros sempre paguem pelos seus próprios erros...
Paulo Roberto de Almeida

How Austerity Has Failed


Martin Wolf

The New York Review of Books, Jully 11. 2013

Lionel Bonaventure/AFP/Getty Images

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British Prime Minister David Cameron and European Commission President José Manuel Barroso, Brussels, May 2012


Austerity has failed. It turned a nascent recovery into stagnation. That imposes huge and unnecessary costs, not just in the short run, but also in the long term: the costs of investments unmade, of businesses not started, of skills atrophied, and of hopes destroyed.
What is being done here in the UK and also in much of the eurozone is worse than a crime, it is a blunder. If policymakers listened to the arguments put forward by our opponents, the picture, already dark, would become still darker.
How Austerity Aborted Recovery
Austerity came to Europe in the first half of 2010, with the Greek crisis, the coalition government in the UK, and above all, in June of that year, the Toronto summit of the group of twenty leading countries. This meeting prematurely reversed the successful stimulus launched at the previous summits and declared, roundly, that “advanced economies have committed to fiscal plans that will at least halve deficits by 2013.”
This was clearly an attempt at austerity, which I define as a reduction in the structural, or cyclically adjusted, fiscal balance—i.e., the budget deficit or surplus that would exist after adjustments are made for the ups and downs of the business cycle. It was an attempt prematurely and unwisely made. The cuts in these structural deficits, a mix of tax increases and government spending cuts between 2010 and 2013, will be around 11.8 percent of potential GDP in Greece, 6.1 percent in Portugal, 3.5 percent in Spain, and 3.4 percent in Italy. One might argue that these countries have had little choice. But the UK did, yet its cut in the structural deficit over these three years will be 4.3 percent of GDP.
What was the consequence? In a word, “dire.”
wolf_figure1-071113In 2010, as a result of heroic interventions by the monetary and fiscal authorities, many countries hit by the crisis enjoyed surprisingly good recoveries from the “great recession” of 2008–2009. This then stopped (see figure 1). The International Monetary Fund now thinks, perhaps optimistically, that the British economy will expand by 1.8 percent between 2010 and 2013. But it expanded by 1.8 percent between 2009 and 2010 alone. The economy has now stagnated for almost three years. Even if the IMF is right about a recovery this year, it will be 2015 before the economy reaches the size it was before the crisis began.
The picture in the eurozone is worse: its economy expanded by 2 percent between 2009 and 2010. It is now forecast to expand by a mere 0.4 percent between 2010 and 2013. Austerity has put the crisis-hit countries through a wringer, with huge and ongoing recessions. Rates of unemployment are more than a quarter of the labor force in Greece and Spain (see figure 2).
wolf_figure2-071113When the economies of many neighboring countries contract simultaneously, the impact is far worse since one country’s reduced spending on imports is another country’s reduced export demand. This is why the concerted decision to retrench was a huge mistake. It aborted the recovery, undermining confidence in our economy and causing long-term damage.

Why Fiscal Policy

Why is strong fiscal support needed after a financial crisis? The answer for the crisis of recent years is that, with the credit system damaged and asset prices falling, short-term interest rates quickly fell to the lower boundary—that is, they were cut to nearly zero. Today, the highest interest rate offered by any of the four most important central banks is half a percent. Used in conjunction with monetary policy, aggressive and well-designed fiscal stimulus is the most effective response to the huge decrease in spending by individuals as they try to save money in order to pay down debt. This desire for higher savings is the salient characteristic of the post–financial crisis economy, which now characterizes the US, Europe, and Japan. Together these three still make up more than 50 percent of the world economy.
Of course, some think that neither monetary nor fiscal policy should be used. Instead, they argue, we should “liquidate labor, liquidate stocks, liquidate the farmers, liquidate real estate.” In other words, sell everything until they reach a rock-bottom price at which point, supposedly, the economy will readjust and spending and investing will resume. That, according to Herbert Hoover, was the advice he received from Andrew Mellon, the Treasury secretary, as America plunged into the Great Depression. Mellon thought government should do nothing. This advice manages to be both stupid and wicked. Stupid, because following it would almost certainly lead to a depression across the advanced world. Wicked, because of the misery that would follow.

Austerity in the Eurozone

Some will insist that the eurozone countries had no alternative: they had to retrench
This is true in the sense that members have limited sovereignty, wed as they are to a single currency, and had to adapt to the dysfunctional eurozone policy regime. Yet it did not have to be this way.
1. The creditor countries, particularly Germany, could have recognized that they were enjoying incredibly low interest rates on their own public debt partly because of the crises in the vulnerable countries. They could have shared some of this windfall they enjoyed with those under pressure.
2. The needed adjustment could have been made far more symmetrical, with strong action in creditor countries to expand demand.
3. The European Central Bank could have offered two years earlier the kind of open-ended support for debt of hard-pressed countries that it made available in the summer of 2012.
4. The funds made available to cushion the crisis could have been substantially larger.
5. The emphasis could then have been more on structural reforms, such as easing labor regulations and union protections that restrain hiring and firing and raise labor costs, and less on fiscal retrenchment in the form of reduced spending. Reduced labor costs could have made these nations’ export industries more competitive and encouraged domestic hiring.

It is possible to admit all this and yet argue that without deep slumps, the necessary pressure for adjustment in labor costs that is inherent in the adoption of a single currency (which is a modern version of the gold-standard-type mechanism that once ruled the advanced nations and helped bring on the Great Depression) would not have existed.
This, too, is in general not true.
1. In Greece, Ireland, Portugal, and Spain, at least, the private sector was in such a deep crisis that additional downward pressure as a result of rapid fiscal retrenchment simply added insult—and more unemployment—to deep injury.
2. In Italy, the pressure from years of semi-stagnation, with many more to come, would probably have been sufficient to restructure the labor markets, to bring about lower labor costs, provided structural reforms of the labor market were carried out, measures allowing companies to reduce their workforces and adjust wages more easily.
In short, the scale of the austerity was unnecessary and ill-timed. This is now widely admitted.

Austerity in the UK

The UK certainly did have alternatives—a host of them. It could have chosen from a wide range of different fiscal policies. The government could, for example, have:
1. Increased public investment, rather than halving it (initially decided by Labour), when it enjoyed zero real interest rates on long-term borrowing.
2. It could have cut taxes.
3. It could have slowed the pace of reduction in current spending.
It could, in brief, have preserved more freedom to respond to the exceptional circumstances it confronted.

Why did the government not do so?
1. It believed, and was advised to believe, that monetary policy alone could do the job. But monetary policy is hard to calibrate when interest rates are already so low (at or close to zero) and potentially damaging particularly in the form of asset bubbles. Fiscal policy is not only more direct, but it can also be more easily calibrated and, when the time comes, more easily reversed.
2. The government believed that its fiscal plans gave it credibility and so would deliver lower long-term interest rates. But what determines long-term interest rates for a sovereign country with a floating exchange rate is the expected future short-term interest rates. These rates are determined by the state of the economy, not that of the public finances. In the emergency budget of June 2010, the cumulative net borrowing of the public sector between 2011 and 2015–2016 had been forecast to be £322 billion; in the June 2013 budget, this borrowing is forecast at £539.4 billion, that is, 68 percent more. Has this failure destroyed confidence and so raised long-term interest rates on government bonds? No.
3. It believed that high government deficits would crowd out private spending—that is, the need of the government to borrow would leave less room for private borrowing. But after a huge financial crisis, there is no such crowding out because private firms are reluctant to invest, and consumers are reluctant to spend, in a weak economic environment.
4. It argued that the UK had too much debt. But the UK government started the crisis with close to its lowest net public debt relative to gross domestic product in three hundred years. It still has a debt ratio much lower than its long-term historical average (which is about 110 percent of GDP).
5. The government argued that the UK could not afford additional debt. But that, of course, depends on the cost of debt. When debt is as cheap as it is today, the UK can hardly afford not to borrow. It is impossible to believe that the country cannot find public investments—the cautious IMF itself urges more spending on infrastructure—that will generate positive real returns. Indeed, with real interest rates negative, borrowing is close to a “free lunch.”
6. The government now believes that the UK has very little excess capacity. But even the most pessimistic analysts believe it has some. Of course, the right policy would address both demand and supply, together. But I, for one, cannot accept that the UK is fated to produce 16 percent less than its pre-crisis trend of growth suggested. Yes, some of that output was exaggerated. There is no reason to believe so much was.

Assessment of Austerity

We, on this side of the argument, are certainly not stating that premature austerity is the only reason for weak economies: the financial crisis, the subsequent end of the era of easy credit, and the adverse shocks are crucial. But austerity has made it far more difficult than it needed to be to deal with these shocks.
The right approach to a crisis of this kind is to use everything: policies that strengthen the banking system; policies that increase private sector incentives to invest; expansionary monetary policies; and, last but not least, the government’s capacity to borrow and spend.
Failing to do this, in the UK, or failing to make this possible, in the eurozone, has helped cause a lamentably weak recovery that is very likely to leave long-lasting scars. It was a huge mistake. It is not too late to change course.

sexta-feira, 30 de março de 2012

AAs (Anonimos Adesistas) e a esquizofrenia economica...

Um Anônimo Adesista, ou seja, alguém que tem mais vergonha de defender o governo do que de atacar este simples blogueiro -- que não tem nenhum outro poder, a não ser o do teclado e o da postagem --, enviou um comentário a propósito deste post: 



Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Tentando entender, e nao entendendo: quem entender...": 

Eu explico ao senhor: políticas de austeridade *fiscal*; políticas expansionistas *monetárias*. 
Inteligência não é o seu forte mesmo. 

Ou seja, ele não explicou absolutamente nada, mas pensa ter me dado uma lição.
Ele deve pensar, certamente, que a fiscalidade se exerce com fiscais, ou que talvez, a austeridade fiscal seja gastar menos abobrinhas, menos melancias, menos bananas.
Em outros termos, o governo gasta menos abobrinhas e, em contrapartida, como ele tem uma política expansionista monetária, como admite este AA, ele pode colocar mais dinheiro no mercado, e isso se combina perfeitamente com a austeridade fiscal.
Entenderam?
Pois é, a gente sempre aprende economia com os doutos e inteligentes que por aqui aparecem...
Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Governo brasileiro: a balela da austeridade fiscal - Fabio Giambiagi


Austeridade relativa

19 de março de 2012 | 3h 06
FABIO GIAMBIAGI - O Estado de S.Paulo
Um estrangeiro que chegasse ao Brasil no começo de 2011 e fosse capaz de entender português teria tido a oportunidade de ler as mais diversas reportagens, declarações oficiais e relatórios governamentais destacando a muitas vezes mencionada "austeridade fiscal". Vindo de um país latino, acostumado ao uso mais elástico da linguagem, talvez ele pudesse entender mais claramente o que estava em jogo. Mas, se ele viesse de um país anglo-saxão, com uma formação cartesiana mais rigorosa, ainda que compreendesse bem a língua local, teria tido dificuldade de entender três coisas.
A primeira a gerar certa perplexidade seria a linguagem em si. Usei acima a expressão "austeridade" porque é assim que ela se manifestou nas páginas econômicas dos jornais, mas no discurso oficial a palavra raramente foi usada, sendo em geral substituída pela imagem da "consolidação fiscal", que a rigor não quer dizer absolutamente nada e, de certa forma, passa um pouco a ideia de que se trataria da "austeridade que não ousa dizer seu nome".
A segunda dificuldade para entender a realidade local seria a flagrante contradição entre a postura de um governo que, no País, ao se posicionar diante dos chamados "mercados", se esforçou por todos os meios em passar a impressão de que a nova gestão daria inequivocamente um "basta" na política fiscal fortemente expansionista de 2009/2010, mas, ao ultrapassar as fronteiras nacionais e sempre na companhia do governo argentino, pontificava em dar lições ao mundo acerca de como gastar.
Mais ainda, as autoridades estavam sempre dispostas a utilizar qualquer púlpito no âmbito do G-20 para expressar suas críticas àqueles que aspiravam a pôr um freio na gastança dos governos grego e italiano, que nunca se destacaram propriamente por serem um primor de austeridade fiscal. Seria difícil para o nosso estrangeiro evitar a associação entre o Brasil e a imagem de um jovem que, obrigado pelas circunstâncias a agir contra sua própria natureza e vestir terno no seu novo emprego, no fundo é feliz mesmo agindo com ar displicente quando sai em viagem ao exterior.
A terceira dificuldade, e a mais importante de todas, seria conciliar a versão impressa diariamente pelos jornais - com manchetes sobre o "corte de R$ 50 bilhões", austeridade e o uso frequente da palavra "arrocho" para definir a situação dos Ministérios - com a realidade dos fatos. Com a vantagem de não precisarmos ter bola de cristal por já sabermos o que ocorreu, podemos olhar para os números do ano passado. E o que nos dizem eles, agora que já sabemos como foi de fato a execução fiscal em 2011, se deflacionarmos os dados pela variação média do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)?
O que eles nos dizem são quatro coisas. Primeiro, que as despesas correntes de 2011, excetuando transferências a Estados e municípios, tiveram um aumento real de 4%. Segundo, que as transferências a Estados e municípios tiveram, sempre em termos reais, incremento de 15%. Terceiro, que o investimento público do governo federal caiu 5%. E, finalmente, que a resultante desses três efeitos foi um aumento real de 5% do gasto total.
Cotejando a situação com o noticiário sobre o ajuste fiscal efetivo da Espanha, o corte de despesas na Inglaterra ou a redução do valor das aposentadorias na Grécia, o nosso estrangeiro poderia ter indagado com curiosidade a um interlocutor: "O que vocês chamam de austeridade no Brasil? Que parte do português eu não entendi?". Algumas rubricas, em particular, chamariam a atenção dele, com destaque para o sempre instigante fato de no País o desemprego estar em queda e todo ano a despesa com seguro-desemprego crescer (7% de aumento real das despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador em 2011).
Analisando o padrão de gasto (aumento do gasto corrente e corte do investimento), a atitude do País se parece com a de um indivíduo que, com algum problema de caixa, mantém a programação para fazer a festa de aniversário, mas, para tentar se enquadrar na restrição orçamentária, tira o filho da melhor escola do bairro para colocá-lo numa escola ruim e mais barata.
O mais intrigante de tudo, porém, ainda estaria por vir, olhando em perspectiva para 2012. É que, em 2011, tudo o que foi dito acima ocorreu num contexto em que a variação real do salário mínimo, base da remuneração de 2 de cada 3 aposentados, foi nula - o que ajudou a evitar um crescimento maior da despesa -, enquanto em 2012 essa variável - que afeta as despesas do INSS, dos benefícios assistenciais e do seguro-desemprego - aumentou nada menos do que 7,5%. Em outras palavras, o gasto para este ano vem com um inequívoco "viés de alta". O governo merece crédito por ter atingido um superávit primário de 3,1% do PIB, mas o gasto agregado, tanto em 2011 como em 2012, continua aumentando firmemente.
É por essas e outras que o estrangeiro da história terá no final aprendido que, no Brasil, nem tudo o que é dito corresponde de fato ao que é dito; nem tudo o que é feito é dito; e nem tudo o que é dito é feito.
*ECONOMISTA, É AUTOR DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA (ED. CAMPUS)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Malucos tambem existem por aqui: no TCU frances, por exemplo...

O Tribunal de Contas francês precisa se decidir: ou é contra a austeridade, ou é a favor dos déficits.
Condenar a austeridade e pedir redução de déficit, ao mesmo tempo, é completamente contraditório.
Deviam pedir um exame psiquiátrico nesses controleurs de comptes...
Paulo Roberto de Almeida



France Info, le 08 février 2012 à 18h50
Le catalogue à la Prévert de la Cour des comptes
L'événement du jour c'est bien sûr la publication du rapport annuel de la Cour des comptes
La Cour épingle cette année les autoroutes ferroviaires qui n'ont pas fait leurs preuves, le manque  de rigueur budgétaire à la Banque de France et la mauvaise gestion des stocks d'or, la fraude à la taxe carbone qui a couté plus d'un milliard et demi d'euros au budget de l'Etat, les insuffisances dans la construction de logements sociaux, les errements des communes balnéaires de la région Languedoc Roussillon, le manque de réformes à la rédaction de France Télévisions, et l'échec annoncé d'un parc touristique en Alsace. Il y en a pour tous les goûts dans ce rapport qui tient en deux volumes.
Reste une critique sur le fond de la politique budgétaire française : la Cour estime que la succession de plans d'austérité nuit à la croissance tout en saluant les efforts faits pour réduire le déficit.

domingo, 2 de outubro de 2011

Austeridade e "indignados": quando as pessoas vao crescer?

Recebo de um correspondente de internet a seguinte mensagem:

Pessoal
De uma mensagem que recebi ontem de terras lusas, extraí o seguinte:

A situação econômica aqui em Portugal está muito muito má. Não há emprego, empresas a fechar todos os dias, tudo muito caro,  e  o governo a tomar medidas de austeridade, atrás de medidas de austeridade. Continuam a aparecer buracos nas contas do estado, não sei aonde isto vai parar, choca-me o povo Português até agora estar a suportar isto tudo com passividade.
Na minha opinião o governo está a ir pelo caminho errado e mais facil que é aumentar imposto. Deveria reduzir a despesa do estado, têm reduzido mas muito pouco.
Depois as injustiças e a corrupção. É muito facil gerir a crise dos outros. No caso dos politicos portugueses que são bem pagos e cheios de mordomias.
Enfim, não tenho muita esperança, penso que vamos no caminho da Grecia é uma questão de tempo, a divida de Portugal é muito grande e o Pais produz muito pouco.

Seria impressão minha, ou vocês não acham que já viram algo assim, meio familiar?
Lá como cá, más fadas há.

Respondi o que segue: 

Meu caro [Fulano],
Compreendo as agruras dos nossos amigos lusitanos, mas esse tipo de reclamação subjetiva, impressionista, não tem nenhuma razão de ser.
Explico rapidamente as razões.
Em qualquer país, em quaisquer governos, de centro, de direita ou supostamente de esquerda e progressistas, "amigos do povo", os políticos fazem aquilo que sempre fizeram: gastar o dinheiro dos outros.
Político é assim: seu único objetivo é se reeleger, continuamente, e para isso prometem mundos e fundos, bondades para gregos e goianos.
Não existe nenhuma hipótese, sublinho NENHUMA, de que isso não redunde em déficit fiscal e buracos no orçamento e dívidas públicas crescentes. NAO EXISTE.
Pois bem, o que pede o colega lusitano? Fim da austeridade?
Mas ele não pensou em que antes os governos gastaram mais do que podiam, ou deviam?
E ele pede, não aumento de impostos, mas redução das despesas estatais?
Mas ele não concluiu que se trata exatamente da mesma coisa?
Não existe NADA, sublinho NADA, que o governo possa fazer de bondade, para pessoas como ele, que não tenha sido TIRADO ANTES da mesma população, pois a ÚNICA FONTE DE RENDA de um governo são os impostos, taxas e contribuições que o governo tira de empresários e trabalhadores, pessoas como ele.
Ou seja, quando ele pede políticas para isso e para aquilo, habitação, emprego, seguro desemprego, ele está convidando políticos a retirar seu dinheiro para fazer essas bondades.
Politicos e burocratas de governo, ao manipular todos esses recursos para bondades, fazem as suas bondades primeiro consigo próprios e o que sobrar vai para os ingênuos como ele que acreditam em Papai Noel.
Não adianta reclamar depois: pediu bondades estatais, tome déficit público e buraco fiscal. Depois tem de vir a austeridade, a menos de calote sobre gregos e goianos, justamente.
Quando é que as pessoas vão ficar grandes?
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Paulo R. de Almeida