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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Sobre a alternância de “humores” políticos no campo da economia - Paulo Roberto de Almeida

Sobre a alternância de “humores” políticos no campo da economia

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre o pêndulo entre políticas distributivistas e produtivistas nas democracias de mercado nas últimas décadas.

  

Depois de quatro anos de puros delírios ideológicos do desgoverno do “Deus, Pátria e Família”, voltamos às contradições normais de qualquer governo responsável ao redor do mundo: tentar fechar um orçamento factível com base na noção elementar em economia de que os desejos são infinitos e ilimitados, e os recursos escassos e limitados.

A contradição básica dos governos distributivistas — social-democratas — consiste em achar que o Estado, e não o mercado, deve ser o responsável pela melhor distribuição possível, geralmente atuando mais com base nos estoques disponíveis de riqueza (que se esgotam, necessariamente) do que a partir da criação de novos fluxos incrementais de riqueza a partir do investimento e da produção de uma oferta acrescida.

Mas a noção de que todos têm “direitos” a alguma coisa “necessária”, e que esses direitos têm de ser dados a todos por um Estado magnânimo, não bate bem com princípios elementares da vida econômica. 

Persistem em governos desse tipo a velha noção keynesiana (agora pikettyana) de que o Estado é o melhor provedor dessas várias bondades infinitas, e de que precisa, e deve, “corrigir” supostas “falhas de mercado” e “imperfeições” do capitalismo (equiparado a uma economia de mercado, quando ele é apenas uma parte de uma realidade econômica bem mais vasta).

Se os “justiceiros sociais” investigarem melhor de onde provêm os recursos do Estado, e tentarem fechar a conta, vão se decepcionar com as limitações inerentes ao princípio básico da escassez. Mas raramente se convencem de que o Estado raramente é aquela cornucópia generosa de onde jorram quantidades ilimitadas de leite e mel. Em consequência atuam no limite extremo das possibilidades até a próxima crise e a imposição de um novo “austericídio”.

E o ciclo se completa: distributivistas cedem o lugar aos mercadistas, que funcionam na austeridade temporária, até que a população se canse das “correções” e vote de novo a favor da volta dos generosos justiceiros. 

Tem sido assim desde o pós-Segunda Guerra Mundial nas democracias de mercado, das quais o Brasil ainda está muito longe de ser um caso exemplar. Mas levamos aos extremos a noção equivocada de o keynesianismo anticíclico constitui uma “teoria” do desenvolvimento. E ainda chegam os pikettyanos para agravar a coisa.

Tem tudo para não dar certo, ou ficarmos parados no mesmo lugar.

Em todo caso, meus melhores e sinceros votos de sucesso no tocante às políticas econômicas do governo redentor.

Vamos ver o que ocorrerá quando o cheque em branco de um ano terminar. Virá uma nova PEC salvadora?

 

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 4299: 4 janeiro 2023, 2 p.


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Uma socialdemocracia requalificada por um academico socialdemocrata - Marco Aurelio Nogueira

Bem, não tenho muito a comentar sobre este artigo, senão que ele me parece sensato, mas também típico do pensamento gramsciano (mas de qualidade) que permeia todo o universo acadêmico brasileiro. Acho que tem alguns equívocos sobre o PT e também sobre o PSDB, mas não vou negar que também se distancia do gramscismo rastaquera que infesta boa parte do ambiente universitário no Brasil.
Eu sempre reproduzo o que me parece inteligente e relevante para o debate.
Não tenho maiores observações criticas ou apreciativas a fazer sobre o artigo, pois, como disse, considero que ele se situa no centro do pensamento acadêmico não medíocre da universidade.
Paulo Roberto de Almeida

A hipotese socialdemocrática
por Marco A. Nogueira, professor titular da UNESP
13/10/2014

Muitas pessoas como eu – ativistas sociais, intelectuais, profissionais, cidadãos que se enxergam como integrantes, por ideias, ideais e conduta, da esquerda democrática –, que nunca de empolgaram com a dicotomia PT vs. PSDB, devem estar hoje fazendo a mesma reflexão: a política apodreceu e precisamos começar a reconstruí-la e a requalificá-la pela raiz, ao mesmo tempo em que uma importante disputa política e eleitoral parece grávida de futuro.
Não se trata somente de eleições, candidatos e debates, mas de tudo: há falcatruas e corrupção demais, o discurso político é indigente, os partidos estão exauridos, já não há mais regras claras e limites éticos para a competição política, candidatos se anunciam em nome de feitos do passado e sem dizer à população o que pretendem de fato fazer, promessas e demagogia saem de todas as bocas com enorme facilidade, o marketing modela e pasteuriza tudo, os políticos parecem retidos numa órbita estranha à Terra... É um cenário desolador. Para contrabalançá-lo, há as pessoas, os cidadãos, a cada dia mais bem informados e dinâmicos, postos na vida como fatores de pressão e de exigência constante de inovação.
Muitos destes cidadãos, eu incluído, pensamos numa terceira via como meio de injetar seiva nova no processo e despolarizar a política mediante um movimento de superação que ultrapasse o monopólio exercido por PT e PSDB. Não deu certo, por vários motivos. A opção, agora, é ajudar a que um destes dois polos se desfaça e agir para que o polo vencedor se recomponha e altere seu perfil, tendo a grandeza e a visão estratégica de se despolarizar a si mesmo, articular uma aliança de novo tipo e agregar novas forças e novas ideias.
O PSDB reúne mais chances para ser este polo vencedor hoje, concretamente. Não tanto por méritos seus, mas muito por demérito do polo adversário. Aécio Neves e os peessedebistas têm quadros e ideias, mas também integram o sistema e o mesmo ambiente de deterioração e exaustão política. Tiveram a sorte de frequentá-lo como oposição e de estarem fora do governo federal há 12 anos, fato que os preservaram de certos custos operacionais pesados, que caíram todos nas costas do PT e de suas administrações. E o PT, por sua vez, não soube lidar bem com isto: se descaracterizou como partido de esquerda, saiu das ruas, deixou-se levar pela lógica do acúmulo incessante de poder, em nome da qual fez alianças demais com o diabo e perdeu a cultura política que havia acumulado em sua primeira e heroica fase de vida.
Hoje, pelos caminhos tortuosos e imprevisíveis da política, a socialdemocracia à brasileira depende da capacidade que tiver o PSDB de sair de si, sacudir seus andrajos e agregar, em torno de seu vitorioso candidato no primeiro turno, as forças, ideias e pessoas que poderão ajudá-lo a recuperar a intenção socialdemocrata original, que esmaeceu e perdeu a cor ao longo do tempo.
A socialdemocracia que se pode ter hoje, no Brasil, passa pelo PSDB, mas não avançará nem ganhará corpo se não for além dele: se ele não se abrir e não ampliar seu repertório. Se uma articulação socialdemocrática se afirmar no curtíssimo prazo, terá boas chances de vencer as eleições. Se somente o fizer no médio prazo, estará tinindo nas eleições de 2018.
Digo sem dificuldade: este é um prognóstico analítico, uma tentativa de análise prospectiva de conjuntura. Mas é também um desejo, uma torcida. Feita em nome da convicção de que a esquerda democrática pode ser uma efetiva força de transformação social no Brasil desde que se recrie e se unifique.
Recriar, aqui, não significa de modo algum começar do zero ou fazer terra arrasada daquilo que existe. Ao contrário. O reformismo democrático tem história e tradições entre nós, que são referências seja no que têm de capacidade de identificação, seja no que têm de capilarização, ou seja, de difusão e enraizamento sociocultural. Os partidos que hoje se coligam – o PSDB, o PSB, o PPS, o PV – têm sido, todos eles, protagonistas desta história. Dela faz parte, também, e em lugar de destaque, o próprio PT, o PDT e o trabalhismo histórico, o comunismo, a esquerda católica, o liberalsocialismo, além de outros inúmeros atores não propriamente partidários: o universo da sociedade civil.
Partidos importantes, mas pequenos, como o PSB, o PPS e o PV, ou correntes históricas como o trabalhismo e o comunismo, que estão hoje dispersos e sem identidade clara, ganham força para viabilizar suas propostas quando se articulam entre si e operam como cunhas progressistas. Em vez de se combaterem uns aos outros, buscam o que os aproxima. Largam pela estrada alguns de seus vícios e ideias fixas, abrindo-se para uma agenda mais atualizada. Aumentam assim sua contribuição ao reformismo e à democracia.
Partidos de centro-esquerda, como o PSDB, ganham em coerência e em pujança reformadora quando se abrem para alianças substantivas com partidos e tradições que estão mais à sua esquerda e que podem auxiliá-lo a evitar acomodações improdutivas.  União, aproximações e entendimentos, aqui, se feitos em nome de itens programáticos densos e não de uma somatória de interesses imediatos, têm a vantagem de facilitar a formação de articulações unitárias que forjem governos progressistas. No caso concreto, podem auxiliar o PSDB a extrair, de dentro de si mesmo, o melhor da ideia socialdemocrática que nele repousa.
O mesmo pode ser dito do PT e dos pequenos partidos que estão à sua esquerda e o orbitam. Articulações entre eles ajudariam sobremaneira a dar melhor perfil e poder de fogo aos que se sentem como integrando uma corrente política “não-reformista”.
Em suma, parece ser razoável afirmar que a recriação da ideia socialdemocrática ganhará sentido e musculatura se souber se abrir, com generosidade e inteligência estratégica, para um conjunto de forças, ideias e atores que nem sempre atuam em conjunto, ou de modo articulado.
Há um quê de wishfull thinking nesta argumentação. Mas o que seria da política sem um toque de sonho, desejo e fantasia, ou sem utopias?
A construção de alternativas políticas é sempre um conjunto de operações complicadas. Precisa passar por disponibilidades pessoais e coletivas, por estoques de ideias, por recursos e ferramentas de atuação política. Hoje, tal construção é um desafio. Em boa medida, porque a sociedade atual tem demandas plurais e crescentes, e elas nem sempre se acomodam em nichos políticos claros. Isto explica o fato de os partidos políticos terem se tornado tão genéricos e enfrentarem tantas dificuldades de afirmação. E sem partidos bem posicionados, qualquer operação de unidade política torna-se problemática.
A principal voz da política está agora ainda mais claramente posta na sociedade civil. Os cidadãos precisam se organizar mais para aparecerem como protagonistas coletivos de proposições políticas. Este é o norte. Não dispensa os partidos, muito ao contrário. Funciona, na verdade, como um vetor de reorganização partidária, algo que retira os partidos do terreno exclusivo do sistema político e os faz retornarem ao chão social de onde nasceram e encontram sua razão de ser. A época exige, pois, que se recupere a política como atividade coletiva. A sociedade civil (onde também moram os partidos, diga-se de passagem) pode ser o fator que fará a reforma da política e pressionará para que os que nos representam honrem seus mandatos. Para isto, ela precisa ser mais do que “terceiro setor”, ou seja, pôr-se claramente no terreno do Estado.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Delenda social-democracia?: o fim de uma epoca - João Luiz Mauad


A festa acabou

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O exemplo de Margareth Thatcher deverá ser seguido, cedo ou tarde, se a Europa quiser retomar o caminho da prosperidade
Muitos analistas, ingenuamente, creditam os atuais problemas europeus ao euro, à especulação, à moderna engenharia financeira e até mesmo ao famigerado neoliberalismo. Embora as evidências saltem aos olhos, costumam ignorar que, muito além de uma mera crise monetária ou de crédito, o que está em xeque é o próprio modelo de bem estar social.
 
Como  bem colocou em recente editorial o The Wall Street Journal,  seja na Itália, na Grécia, na Espanha, em Portugal ou até na França, o welfare state atingiu o limite. Sucessivos governos no continente, tanto à direita quanto à esquerda, têm financiado "direitos" generosos com altos impostos e pilhas enormes de dívidas. Suas economias, porém, não conseguem crescer rápido o suficiente para manter a farra – como prevê a boa teoria econômica. O acerto de contas chegou.
 
O visionário Aléxis de Tocqueville foi talvez quem melhor definiu o que viria a ser, mais tarde, a "social-democracia", ainda que não tenha vivido para testemunhá-la. Na obra A democracia na América, ao imaginar sob que possíveis novas características poderia reaparecer no mundo a tirania que tanto desprezava, ele anteviu uma espécie de "escravidão disciplinada, moderada e serena", a qual, sob a égide da igualdade, seria aceita e até desejada.
 
Segundo Tocqueville, os futuros governantes, movidos pela compaixão para com seu povo, tratariam de "prover sua segurança, antecipar e satisfazer suas necessidades, dar gosto a seus prazeres, resolver suas principais inquietudes, dirigir seu trabalho ". O tirano moderno, diz o mestre, controla toda a vida social por meio de uma rede de normas secundárias e complexas. " Não anula a vontade das pessoas, mas a refreia, a inclina e a dirige; raramente ordena atuar, mas frequentemente inibe as iniciativas; não destrói nada, mas impede que se criem muitas coisas; não é em absoluto despótico, mas obstrui, reprime, debilita, sufoca e embrutece, a ponto de transformar os povos num mero rebanho de animais medrosos...".
 
Malgrado sua concepção eminentemente coletivista e inibidora da liberdade, a experiência social-democrata que floresceu na Europa Ocidental após a Segunda Guerra manteve o modelo econômico capitalista, pelo menos no sentido de que a propriedade privada dos meios de produção era permitida, ainda que altamente concentrada nas mãos de uns poucos.
 
O arquétipo do "capitalismo selvagem" foi substituído por um sistema híbrido, que combina grandes conglomerados industriais e financeiros, frequentemente patrocinados e tutelados pelo Estado, uma agricultura altamente subsidiada, além de empresas miúdas – quase sempre comerciais ou de prestação de serviços.  Fora isso, a hipertrofia dos governos formou um enorme contingente de funcionários públicos, que em alguns países chegou perto de 50% da população economicamente ativa.
 
O advento da social-democracia europeia ocorreu em meio à Guerra Fria, em um período marcado pela limitação à livre movimentação de pessoas, de capitais e de produtos, quase sempre mediante rígidos controles burocráticos e a imposição de barreiras tarifárias. 
 
Com a queda do Muro de Berlim e, em especial, a aceleração do processo de globalização – consequência direta da profusão de novas tecnologias, que permitiram a movimentação muito mais dinâmica da informação, dos capitais, dos produtos e do próprio trabalho – as sociedades europeias se viram, da noite para o dia, numa sinuca de bico, obrigadas a  uma reavaliação profunda do modelo, algo até então impensável.
 
Essa mudança traumática de rumo, notadamente para aqueles que se acostumaram a ter e almejar privilégios "sociais" abundantes à custa do trabalho alheio, ocorre muito mais por falta de opção do que por escolha.  E não é para menos: enquanto a taxa de natalidade não para de cair e os velhos vivem cada vez mais, crescem os gastos com saúde e aposentadorias. Por outro lado, a relação entre trabalhadores ativos e inativos diminui rapidamente, tudo em meio ao baixo crescimento, que  já dura décadas.
 
Margareth Thatcher foi uma das primeiras a entender que as políticas da social-democracia precisavam ser revistas . Ela compreendia a natureza da armadilha econômica em seus dois aspectos principais. Em primeiro lugar, não é possível manter um mercado de trabalho baseado na estabilidade do emprego, especialmente em vista da evolução tecnológica, que cria e destrói ofícios e profissões numa velocidade tremenda. Em segundo lugar, as instituições de proteção social, concebidas fundamentalmente para compensar o fracasso individual, fomentam  a ineficiência, num mundo cada vez mais competitivo.
 
Thatcher concluiu, há 30 anos, que as premissas do "marco social" – que imperou a partir da 2ª Guerra – haviam sido derrubadas e, a menos que a social-democracia se transformasse profundamente, seria varrida pelo furacão da globalização. As reformas liberalizantes que seu governo produziu, no entanto, se deram algum fôlego à economia britânica, por algum tempo, já foram completamente revertidas pelos governos esquerdistas que a sucederam – preocupados, como sempre, não com os baixos índices de crescimento e produtividade, mas com a demagogia do "bem comum".
 
Evidentemente, a derrocada do welfare state não se dá de forma uniforme. Dependendo da cultura, é mais lenta ou mais rápida. O modelo é mais resistente, por exemplo, nos países nórdicos e anglo-saxões, de ética protestante e valorização do trabalho, do que nos países mediterrâneos, mais afeitos ao patrimonialismo e à cultura de privilégios. Mas não se iludam: mesmo na forte Alemanha, mais dia, menos dia, mudanças de rumo terão de ser feitas, nos moldes das  feitas pela Dama de Ferro inglesa.