Análise
Brasil precisa mudar de estratégia e focar na produtividade
Para os autores do livro "Além da Euforia",
Armando Castelar e Fábio Giambiagi, investir em educação, infraestrutura
e poupança é o caminho para o PIB continuar avançando
Anna Carolina Rodrigues
Fabio Giambiagi e Armando Castelar, autores do livro "Além da Euforia"
(Oscar Cabral e Anna Carolina Negri)
"O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade" – Armando Castelar
O governo federal anunciou na última quarta-feira mais um
pacote com o intuito de tentar salvar a economia brasileira de um “pibinho”.
A nova tentativa vem num momento em que o mercado - e o próprio Banco
Central - rebaixa suas estimativas para 2012. Faltaram ousadia e visão à
equipe da presidente Dilma, que apelou, uma vez mais, para a batida
fórmula de tentar “salvar” o PIB com base na ampliação do consumo. A
estratégia – que se mostrou bem-sucedida enquanto milhões de brasileiros
ainda não tinham ascendido à classe média e não possuíam acesso ao
crédito – dá hoje sinais de esgotamento. O país tampouco pode ser dar ao
luxo de contar com o cenário externo. Por uma década, o Brasil foi
favorecido pela crescente demanda por suas commodities e pelo amplo
acesso ao financiamento barato no mercado internacional. A combinação
desses fatores resultou em crescimento e, de 2006 a 2010, euforia.
Contudo, a dificuldade de reverter o quadro negativo que se arrasta
desde a metade do ano passado começa a lançar por terra esse entusiasmo.
No pacote da semana passada, o governo resolveu oferecer seu próprio
poder comprador para tentar estimular o PIB. A opção deixa antever que
está perdendo fôlego o apoio do consumo ao crescimento. De um lado, as
famílias, limitadas por um endividamento recorde, não se sentem
compelidas a comprar mais – mesmo com prorrogação do IPI reduzido de
eletrodomésticos e móveis, automóveis mais baratos, estímulo ao crédito
via bancos públicos, etc. De outro, o empresário, amedrontado pela
deterioração da economia global, tem se arriscado pouco a investir. Para
destravar o setor privado de nada têm adiantado a postura cada vez mais
intervencionista do governo no campo microeconômico – regras que mudam a
todo o momento, exigência cada vez maior de conteúdo nacional nas
fábricas – e o fechamento “branco” do país à concorrência externa.
O problema apontado por analistas é que será pífio o impacto de tais
compras governamentais na economia. O volume anunciado de 8,4 bilhões de
reais em aquisições de caminhões, tratores, retroescavadeiras,
equipamentos hospitalares, etc, representa só 0,2% do PIB. O comentário
mais comum entre os economistas é que o governo criou um ‘pacote’ apenas
para fazer propaganda e atender os interesses corporativistas de meia
dúzia de indústrias – coincidentemente aquelas para as quais a Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vinha fazendo lobby
escancarado.
O cenário que se coloca hoje diante dos brasileiros felizmente não é
catastrófico, mas se distancia daquela visão do “Brasil maravilha” dos
últimos anos. Para mudar a perspectiva de taxas baixas de crescimento
nas próximas décadas, o governo federal tem de começar a atacar os
problemas estruturais da nação. Políticas de longo prazo para melhoria
da educação, da taxa de poupança e da infraestrutura precisam ser bem
estruturadas e postas em prática ainda que seus resultados não se
mostrem visíveis no curto prazo. Essas ações é que tornarão o Brasil uma
nação mais produtiva, isto é, capaz de gerar riqueza com maior
eficiência.
A discussão sobre o que ainda precisa ser feito – a chamada "metade vazia do copo" – é o ponto central do livro
Além da Euforia - Riscos e Lacunas do Modelo Brasileiro de Desenvolvimento (Editora
Elsevier-Campus, 312 páginas), de Armando Castelar e Fábio Giambiagi,
que será lançado oficialmente em 11 de julho, mas já pode ser encontrado
em algumas livrarias. Os economistas falaram ao site de VEJA.
Por que o livro se chama “Além da Euforia”?
Armando Castelar – É uma referência ao fato de o Brasil ter vivido um
período de euforia entre 2004 e 2010. Mas esse momento não vai perdurar
indefinidamente. No livro, discutimos as razões disso. É preciso que
haja um debate sobre o que precisa ser feito para melhorar a situação
que virá depois que essa euforia passar.
Por que essa euforia vai passar?
Giambiagi – O Brasil teve condições excepcionais e favoráveis ao
crescimento neste período. Duas delas são associadas ao cenário externo.
Primeiramente, temos o índice de preço das exportações. Para se ter
ideia, entre 1997 e 2002, esse indicador teve queda acumulada de 23%.
Entre 2002 e 2011, contudo, houve um aumento impressionante de 165%. A
segunda condição é o baixo nível das taxas de juros internacionais. Essa
configuração de preços “nas nuvens” com uma taxa de juros externa
pequena tirou a possibilidade de aumentar a absorção doméstica sem que
fosse gerada uma situação muito dramática no balanço de pagamentos – ao
contrário do que ocorreu em outros ciclos de expansão históricos.
Castelar – Parte do cenário externo favorável ao Brasil deriva da
China, cujo quadro doméstico complicou um pouco nos últimos tempos. Os
preços das exportações pararam de aumentar do jeito que vinham subindo e
decaíram um pouco neste início de ano. O país começa a ter um pouco de
dificuldade de crescimento internamente. Ainda assim, a situação dos
preços continua bastante favorável ao Brasil conforme os padrões
históricos. É preciso lembrar, contudo, da importância do cenário
externo. Toda a América Latina teve melhora de desempenho muito
semelhante à de nossa economia. Os países da região estão vivendo níveis
recordes de baixa de desemprego, segundo dados recentes da Cepal. O
mérito não é exclusivamente brasileiro.
No capítulo sobre produtividade, o livro afirma que a parcela
dos economistas que defende estímulos ao consumo para alavancar o
crescimento tem resistência a acreditar que o país começa a enfrentar
limitações de oferta. Por que há tanta resistência?
Castelar – Isso é um corte histórico que data dos anos 1950 para cá.
Prevalece a ideia de que se for aumentada a demanda, a oferta vai se
apresentar. No livro, defendemos que é preciso ter políticas explicitas
para o lado da oferta. Melhorar a produtividade, melhorar o ambiente de
negócios, cuidar de ciência e tecnologia, etc.
Giambiagi – Eu e Armando destacamos no livro que a filosofia econômica
hoje dominante no Brasil é aquela inspirada nas ideias do economista
John Maynard Keynes, que publicou em 1936 a
Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.
Essa grande obra foi escrita no contexto da crise dos anos 1930 –
período em que a indústria estava com grande capacidade ociosa –,
fornecendo o conteúdo teórico para o presidente americano Franklin
Roosevelt adotar a política do New Deal, que ajudou a tirar os Estados
Unidos da sua situação de penúria. A prescrição de políticas ditas
keynesianas, calcada no estímulo à demanda, pode se justificar por essa
situação de abundância de capacidade ociosa, como aconteceu no mundo em
2008 e hoje se vê na Europa, por exemplo. Mas uma vez que o Brasil está
‘batendo no teto’ de ocupação de recursos físicos, nosso entendimento é
que é preciso ‘mudar o software’ para enfatizar a importância da
expansão da oferta. Estamos vivendo uma situação inédita nos últimos 30
anos.
O que acontecerá se o Brasil não mudar esse ‘software’?
Castelar – Capacidade ociosa significa que existem fábricas e
trabalhadores treinados que não estão sendo utilizados. É algo bem
diferente de quando já se está usando todo o potencial e é necessário
aumentá-lo para conseguir expandir a produção. Essa ampliação de
capacidade não é um processo rápido. O investimento privado no Brasil é
inibido pela falta de infraestrutura, pelo ambiente de negócios e pela
escassez de mão de obra capacitada. Em outras palavras, temos energia
elétrica insuficiente e cara; estradas, portos e aeroportos
congestionados; entre outros problemas. Tudo isso limita o crescimento
uma vez que o custo aumenta e o investimento fica menos interessante. A
empresa cresce mais devagar. No tocante à demanda, existem outras
restrições. Uma é a poupança, que é dificultada quando existe grande
aumento de consumo. A segunda é confluência de expansão do consumo e do
investimento, o que tende a gerar um déficit mais elevado nas transações
correntes do Brasil com o exterior. Esse déficit só não estourou nos
últimos anos por conta do cenário externo favorável. Além disso, com o
aumento forte do consumo interno, a taxa de câmbio evolui de maneira a
se apreciar – e o país torna-se menos interessante aos investimentos,
como por exemplo, se dá hoje no setor industrial. É preciso trabalhar
essas questões para continuar crescendo. Resolvê-las é fundamental para
eliminar essa crise de produtividade do Brasil.
No livro, vocês analisam que o crescimento do produto potencial
brasileiro nas últimas décadas foi possível justamente pela elevação da
produtividade. O que causou esse aumento e por que ele não continuou?
Castelar – No período áureo de crescimento do Brasil, entre os anos
1950 a 1980, houve sim um aumento razoável da produtividade graças ao
investimento. Nessa época, a infraestrutura se expandiu muito. Em
segundo lugar, a indústria também contribuiu. Da década de 1980 até
1994, com a crise da dívida pública, a produtividade andou para trás e
ficou negativa. A economia ficou mais fechada, a inflação era muito alta
e havia uma intervenção estatal gigantesca. Começou então uma série de
reformas estruturais, com abertura da economia, privatização e
desregulamentação de uma série de atividades. Em 1994, com a
estabilização proporcionada pelo Plano Real, a produtividade
recuperou-se parcialmente. Desde então, nunca mais se conseguiu
reproduzir esse investimento e o capital deixou de ter contribuição
relevante para o crescimento do PIB. No período mais recente, o que
contribuiu para melhorar a produtividade brasileira foi o emprego, isto
é, há mais gente trabalhando. Atualmente, o desemprego está baixo e uma
transição demográfica está em curso. Podemos prever, no entanto, que
essa fonte de crescimento vai secar na frente. Então, as outras duas –
capital e produtividade – passam a ser mais importantes.
Giambiagi – Este ponto do mercado de trabalho é muito importante. Nos
últimos dez anos tivemos um crescimento anual do PIB da ordem de 4% e
uma ampliação da população ocupada de cerca de 2,5%. A diferença está no
conceito de produtividade por trabalhador. Naquele período, a população
economicamente ativa (PEA) crescia mais ou menos 1,5% ao ano. Em suma, o
emprego aumentava em ritmo mais intenso que o da própria PEA, o que
diminuía o desemprego. No entanto, a partir do momento em que o país
esbarra no limite do pleno emprego, que se estima que seja algo próximo a
5%, a população ocupada só poderá se expandir na mesma taxa de
crescimento da PEA, que caminha para ficar em 1,1% daqui a uns anos,
segundo dados do IBGE. No período de 2010-2050, o número de
trabalhadores deve ficar estável, ou seja, todo o aumento da produção
nesse período terá de vir de produtividade porque as pessoas que vão
gerar o PIB serão “as mesmas”.
Além de melhorar a produtividade do trabalho, o livro aponta
que há um longo trabalho para elevar a taxa de poupança interna. Por que
este ponto também precisa ser atacado?
Castelar – O Brasil tem sérios problemas em relação a isso. A poupança
aqui é muito baixa – o último dado mostra que está em 15,7% do PIB – e o
ambiente de negócios não ajuda o investimento. É muito comum as pessoas
apontarem a Coreia do Sul como modelo, mas eles investem cerca de 30%
do PIB, quase o dobro do Brasil. Isso só é possível porque possuem uma
taxa de poupança muito alta. Nossa média dos últimos 20 anos foi 16,5%.
Provavelmente, vamos precisar recorrer à poupança externa, mas isso tem
certo limite, pois aumenta o déficit em conta corrente. O Brasil precisa
depender menos do capital e mais da produtividade.
Se o Brasil tivesse conseguido manter os níveis de produtividade que foram observados até os anos 1980, como o país estaria?
Giambiagi – Seríamos uma Coreia. Tínhamos a mesma renda per capita que eles em 1980.
Em que medida a alta carga tributária agrava o problema de produtividade?
Giambiagi – As duas palavras-chave são escala e impostos. Quando se
produz algo para o mercado mundial, distribuem-se os custos por um
número muito maior de unidades, o que reduz o custo unitário. Lá fora, a
carga de impostos é muito menor que a daqui.
Castelar – Ambos os pontos estão relacionados. O imposto aumenta muito o
preço e a empresa vende menos. Consequentemente, tem menor escala.
Então, parte do problema da escala tem a ver com o tamanho gigantesco da
carga tributária no Brasil.
Diante de tantos desafios, que esperam para o país nos próximos anos?
Giambiagi – Nosso livro buscar servir de alerta. Os sinais estão se
avolumando. De certa forma, estão corroborando nossa tese central de que
a economia brasileira encontra-se num ciclo que dá manifestações
crescentes de esgotamento. Vemos um 2012 fraco, com crescimento em torno
de 2%. Desde que não aconteça nenhuma hecatombe na Europa, deve haver
melhoria no segundo semestre. Mesmo assim, nada espetacular. Já 2013
começará com uma perspectiva mais razoável – que talvez se estique ao
ano seguinte devido ao conjunto de obras que terá de ser tocado para a
Copa do Mundo. Fechado esse ciclo, a partir de 2014, nossa impressão é
de que o 'software' utilizado nos últimos anos, de estímulo à demanda,
terá de ser trocado por estímulos à oferta com uma preocupação crescente
com a produtividade e a competitividade. Associada a isso está a
necessidade de colocar na agenda política do país a retomada das
reformas que foram, de certa forma, abandonadas há dez anos.
Castelar - Não consigo me classificar numa escala de pessimista a
otimista. Vejo que o país tem oportunidades importantes. Fizemos avanços
nos últimos vinte anos, mas, por outro lado, olhando a história do
Brasil e da América Latina, penso que o país já esteve nessa posição
antes. Já houve muito otimismo com relação às nossas perspectivas, como
nos anos 70 quando a economia crescia 10% ao ano. Não surpreendentemente
a América Latina vive esse tipo de ciclo quando os preços de produtos
exportados estão altos e o acesso ao crédito está fácil. Tenho esperança
que nossa classe política consiga aproveitar essa oportunidade para
fazer diferente do que fez no passado. Agora, há preocupação também
porque nossos governantes não têm uma boa visão de quão importante o
cenário externo é. Aquilo que, efetivamente, no passado fez a América
Latina perder o bonde foi não perceber que existe um componente fora do
controle do país que está dando uma ajuda muito grande.
Em que medida os líderes políticos podem contribuir para melhorar a produtividade brasileira?
Giambiagi – Na nossa visão, os avanços necessários não vão decorrer de
propostas que emanem do Legislativo. Ele possui contradições internas e
tende a não ter essa visão geral do conjunto, que é mais natural do
Executivo, que tem dentro de si a restrição orçamentária e está sujeito a
demandas políticas e sociais de todo o tipo. Destacamos no livro quatro
elementos que nos parecem fundamentais. Primeiro, é preciso ter uma
visão de longo prazo: tomar medidas não pensando apenas nos próximos
dois ou três anos, mas saber onde se deseja levar o país dentro de 30
anos. Segundo, a essa visão de longo prazo tem de estar associada a
certa capacidade de tolerância. Obviamente, estamos numa democracia e
todo o partido político busca se eleger. Contudo, se todas as ações
políticas forem guiadas única e exclusivamente pelo objetivo de vencer a
próxima eleição, questões mais controversas nunca terão vez. Outro
ponto importante é a capacidade de explicar as deficiências estruturais
da nação à população. Nos últimos dois períodos de governo, tivemos dois
comunicadores talentosíssimos. No caso de Fernando Henrique Cardoso,
não tanto o presidente, mas sim o ministro da Fazenda que conseguiu
explicar um plano maluco para as pessoas e assim garantir o êxito do
Plano Real. No caso do ex-presidente Lula, nem se fala. O quarto
elemento é a capacidade de articulação. No governo Dilma, por exemplo,
houve o caso do salário mínimo em 2011, em que o governo conseguiu
vencer no Congresso com sua proposta de reajuste real zero. Quando o
governo fixa uma pauta e se empenha, tem boa chance de êxito.
Castelar – O brasileiro, às vezes, tem a sensação de que o planeta
está parado e que nós estamos andando. Na verdade, o mundo também está
caminhando e ele já está na nossa frente. Em outros lugares estão
andando muito rápido. Por isso, o que talvez soe como avanço pode ser
pouco. Acho notável como as expectativas relativas ao que a Copa do
Mundo vai deixar estão sendo cada vez mais desinfladas. Tudo aponta que
ficarão apenas estádios de futebol novos.
Podemos dizer que essa crise da produtividade que o Brasil
começa a enfrentar é o que se vê hoje também na Europa, com os países
menos eficientes com dificuldade para resolver seus problemas?
Giambiagi – O que acontece é a confluência de três crises: uma fiscal,
em função de má administração em alguns países; outra financeira, devido
à situação dos bancos; e outra associada à insuficiência de se ter uma
mesma moeda para regiões muito díspares – problema que já era conhecido,
mas que se revelou mais dramático do que se supunha no lançamento do
euro.
Castelar – Há sim um elemento de crescimentos díspares de custos
unitários do trabalho. Na Alemanha, a produtividade cresceu bastante e
os salários subiram pouco, ao passo que em alguns países da periferia
europeia (Grécia, Portugal e Espanha, em especial) ocorreu o oposto. Com
isso, esses países têm dificuldade de crescer exportando, pois não são
competitivos. A falta de crescimento complica o problema fiscal e de
crédito.