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sábado, 2 de setembro de 2023

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta? - Armando Castelar Pinheiro, Paulo Roberto de Almeida

 Re-compartilhando a partir de postagem original de Dilson Sampaio da Fonseca, a quem agradeço a transcrição desta matéria. Permitam-me uma introdução um pouco sombria.

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta?

Retiro dela uma única certeza, em várias dimensões e formatos, todos negativos; os gastos públicos vão continuar aumentando, a carga fiscal vai se agravar, a dívida pública tomará uma parte maior do PIB (e os juros das receitas tributárias), o crescimento vai diminuir, a renda vai estagnar ou até decrescer, com menos investimentos, menos emprego, mais desigualdes e conflitos distributivos, mais politicos populistas e irresponsáveis, mais inflação, mais pobreza, mais atraso.

Estou sendo pessimista?

Certamente, mas é o que me sinaliza o comportamento predatório dos politicos e dos mandarins do Estado,assim como a mediocridade intelectual de grande parte das oligarquias econômicas e dos dirigentes políticos. 

Ou seja, estou prevendo um constante declinio para o Brasil, com a agravante de que ele não é uma fatalidade, mas totalmente autoconstruîdo por nós mesmos, pelos políticos, pelos aristocratas do serviço publico, pela população em geral, que quer mais Estado, mais subsidios, mais salários e privilégios. Somos uma Argentina em marcha lenta, sem aquela soberba típica dos argentinos (que acredito bem mais diminuída hoje).

Dificilmente a tendência dos politicos, de direita e de esquerda, será pela contenção constitucional dos gastos públicos. Então, será o que está no meu titulo!

Desculpem a longa introdução, mas leiam o artigo de um professor realista.

Paulo Roberto de Almeida 

Escolhas de política econômica

Armando Castelar Pinheiro *

Valor Econômico, 1/09/2023

Faz todo sentido que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária

Em artigo de 1992, intitulado “Law or Economics”, George Stigler observa que “enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do direito (...) é profunda a diferença” entre esses dois focos, o que “significa, basicamente, que o economista e o jurista vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas”.

O mesmo poderia ser dito, claro, em relação a economistas e políticos, estes mais focados na popularidade e no impacto eleitoral dos seus atos. Isso explica muito da frustração dos economistas por não emplacar reformas econômicas cujos benefícios lhes parecem claros. O que não significa que haja erro: em uma democracia os políticos procuram refletir, em suas escolhas, as preferências de seus eleitores, como deveria ser.

Por outro lado, isso também não elimina o custo de se escolherem políticas econômicas ineficientes, como bem mostra o baixo crescimento de nosso PIB per capita há tantas décadas, a despeito de todo nosso potencial. Ou o que acontece atualmente com a Argentina, onde as taxas de inflação e de pobreza sobem “a olhos vistos”.

Essa questão me veio à mente assistindo ao “talk show” ocorrido esta semana na cerimônia de entrega do prêmio Valor 1000, com os relatores da reforma tributária na Câmara e no Senado. Muito da conversa acabou girando em torno da necessidade de, no contexto da reforma, se colocar um teto para a carga tributária. Assim, segundo o senador Eduardo Braga, “entendemos como profundamente importante a limitação da carga tributária no texto constitucional”.

Essa é uma proposta relevante por pelo menos três fatores. Primeiro, pois, como lembrado no “talk show”, a experiência da reforma do PIS/Cofins mostrou que, na ausência de uma trava explícita, a promessa de não aumentar a carga corre o risco de não ser cumprida. Isso inclusive pela incerteza de se garantir que a arrecadação será a mesma, o que leva a se preferir errar para mais do que para menos na fixação das alíquotas.

Segundo, pois muito da negociação federativa em curso sobre a reforma tributária vem sendo equacionada abrindo-se as portas para aumentar outros tributos que não aqueles incidentes sobre o consumo, que são o objeto em si da reforma. Assim, a proposta aprovada na Câmara dá espaço para se elevar impostos como o IPTU, o IPVA e o ITCMD, além de criar a possibilidade de os Estados passarem a tributar produtos primários e semielaborados.

Terceiro, pois a política fiscal que está hoje colocada se baseia em um forte aumento da carga tributária, de forma a gerar superávits primários em um contexto de expansão real do gasto público. A previsão mediana do Prisma Fiscal de agosto é que o Governo Central feche este ano com déficit primário de 1% do PIB, que cairia para 0,8% do PIB em 2024. O resultado seria uma dívida bruta de 79% do PIB ao final de 2024, que, de acordo com o Boletim Focus, seguiria subindo nos anos seguintes.

Para estabilizar a relação dívida/PIB, dados o potencial crescimento da economia e a taxa neutra de juros, seria necessário gerar um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB: ou seja, 3% a 3,5% do PIB a mais do que se tem hoje. E, como o modelo atual de política econômica não prevê segurar o gasto público, que tende a continuar crescendo, esse resultado só seria possível via forte aumento da carga tributária, como vem se buscando fazer de variadas maneiras.

Há, porém, dois complicadores importantes. Um, que o cenário econômico, internacional e doméstico, tende a se complicar nos próximos anos. Lá fora, a tendência é que o PIB mundial cresça menos, mas ainda assim as pressões inflacionárias sigam fortes. Isso por conta de pressões vindas da desglobalização das cadeias de produção e da substituição do petróleo por fontes mais limpas de energia. Além disso, como também aqui dentro, o aumento do endividamento público e políticas fiscais mais expansionistas vão pressionar a taxa neutra de juros, como vimos ocorrer após o abandono do teto de gastos. No Brasil, também sentiremos o fim do bônus demográfico. Tudo isso pode fazer com que o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida/PIB seja ainda mais alto.

Outro complicador é que o Brasil já tem uma carga tributária muito alta, como apontado pelos participantes do “talk show”. Em 2022, segundo cálculos do Tesouro Nacional, essa atingiu 33,7% do PIB, basicamente o mesmo que a média da OCDE (34,1%), um patamar já muito elevado para um país emergente como o Brasil.

Aumentos adicionais da carga tributária vão reduzir ainda mais o nosso potencial de crescimento econômico. A maior tributação vai estimular a informalidade, gerar ineficiências diversas e afastar os investimentos. Menos crescimento significa menor geração de emprego e renda e renovadas pressões por mais gasto público.

Faz todo sentido, portanto, que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária: nas palavras do senador Braga, “para dizer não ao Estado e assim...., protegendo, portanto, o contribuinte,... impor ao Estado a necessidade de rever os seus gastos”. Ir na direção oposta é optar por um modelo que vai gerar ainda menos crescimento e nos deixar ainda mais distantes de acabar com a pobreza no país.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

quarta-feira, 25 de março de 2020

Consequências econômicas do coronavirus - Armando Castelar Pinheiro (CB)

02:02:41 | 25/03/2020 | Economia | Correio Braziliense | 

Medidas econômicas de combate à crise

    ARMANDO CASTELAR
    Coordenador de economia aplicada do IBREFGV e professor do IE/UFRG
    O Covid-19 chegou ao Brasil com cerca de quatro semanas de defasagem em relação à Europa e aos EUA, mas com a mesma força. Nas duas últimas semanas, o número de casos diagnosticados aumentou à taxa de 34,6% ao dia, acumulando 1924 casos até a segunda-feira, sem dar sinais de arrefecimento. O quadro é preocupante: se não conseguirmos desacelerar o processo, ainda em abril teremos mais de 1 milhão de brasileiros contaminados, com o sistema de saúde abarrotado de pacientes graves e as mortes sendo contadas aos milhares.
    A quarentena se mostrou até aqui a forma mais eficaz de impedir a disseminação do vírus, mas ela tem consequências econômicas pesadas, que se somam às que resultam da decisão voluntária de evitar certos locais, como restaurantes, cinemas e shopping centers. Não foi à toa que os governos mundo afora hesitaram em instituí-la, o que em geral acabou resultando em avanço maior da epidemia do que de outra forma teria sido necessário.
    O tamanho do choque sobre a economia será não trivial: em vez da expansão que se esperava até um mês atrás, agora se espera forte contração do PIB no segundo trimestre deste ano. O governo estima que o PIB de 2020 ficará no mesmo patamar de 2019, mas hoje em dia um cenário de queda me parece mais plausível. Isso vai ajudar a derrubar ainda mais a inflação e a reduzir o deficit externo do país, mas, em compensação, as receitas tributárias vão cair muito e o desemprego subirá bastante.
    O perfil da recessão esperada para este ano será diferente do de outras que tivemos nas últimas décadas: ela afetará bem mais o setor de serviços, como confirmam dados divulgados esta semana para Austrália, Japão e Europa. A contração de serviços derrubará o emprego, em especial de trabalhadores menos qualificados. O drama social que vai daí advir poderá ser bem grave.
    Esse quadro, na minha visão, acaba com a pequena chance que ainda havia para a aprovação de reformas antes do recesso parlamentar de julho e das eleições municipais de outubro. Os desafios colocados para a política econômica agora são outros e não triviais.
    A curto prazo, o governo precisa criar uma rede de segurança para proteger as empresas e famílias que forem mais afetadas, ficando sem receitas e rendimentos, e que não tenham como se sustentar com suas reservas. É o caso, em especial, das micro, pequenas e médias empresas e dos trabalhadores de baixa renda, em particular os informais, que não contam com a proteção de programas como o seguro desemprego. A própria viabilidade da quarentena vai depender, na prática, da criação dessa rede de proteção social, pois sem ela muita gente pode decidir simplesmente sair às ruas do mesmo jeito para garantir o sustento de algum jeito.
    Ainda a curto prazo, o governo precisa garantir o bom funcionamento dos mercados, em especial do financeiro, já que a tendência natural neste momento é todos protegerem seu caixa. Isso em geral significa problemas para bancos e fundos de investimento e pode levar a que certos mercados não funcionem bem, como o de dólar e de títulos de dívida corporativa, por exemplo.
    Por fim, o governo precisa adotar medidas de estímulo para compensar o efeito depressivo das quarentenas, voluntárias e obrigatórias. Nesse caso, há uma discussão relevante do momento certo de dar os estímulos. Fazer isso em momento de grande retração de consumidores e empresas pode dar pouco resultado.
    Por seu lado, a pressão por pacotes maiores, em especial de gastos públicos, vai aumentar conforme a crise na saúde pública avança. É o que se viu nos EUA e na Alemanha, por exemplo: o volume de gastos previstos foi se multiplicando ao longo da semana, conforme os políticos reagiam à pressão dos eleitores.
    O governo também terá um grande desafio para decidir quando e como começar a reverter a quarentena e normalizar o funcionamento das empresas. O governo federal terá incentivo para fazer isso cedo, pois o desempenho da economia influencia mais na popularidade presidencial do que a de outros políticos. Os governadores e prefeitos, por seu lado, estarão mais preocupados com a pressão que a epidemia coloca sobre os serviços de saúde.
    Por fim, penso que o mundo e o Brasil não vão voltar simplesmente a ser como eram, como se uma onda tivesse passado por cima e depois partido. Haverá um esgarçamento do tecido social e novos atores devem ganhar destaque, com novas propostas de como devemos avançar nos anos à frente.

    sexta-feira, 1 de março de 2019

    O BNDES no governo Bolsonaro - Armando Castelar Pinheiro

    Armando Castelar Pinheiro*: O BNDES no governo Bolsonaro 

    - Valor Econômico, 1/03/2019
     
    Banco precisa alavancar financiamento privado; por exemplo, por meio da securitização dos créditos concedidos
     
    Com a crise financeira internacional, em 2008, o BNDES virou um braço auxiliar da política fiscal. A ideia era estimular a demanda doméstica dando elevado volume de subsídios, tanto explícitos, como no Programa de Sustentação do Investimento, como implícitos, via TJLP baixa, por vezes abaixo da própria inflação. Essa política se manteve mesmo depois de a economia ter se recuperado do choque de 2008-09. Foi a época dos campeões nacionais, dos empréstimos para governos de países amigos etc.
     
    A partir de 2015, a crise fiscal e, depois, a troca de governo, colocaram um freio nessa política, primeiro parando e depois revertendo parcialmente a transferência de recursos do Tesouro para o BNDES. A criação da TLP reforçou a mudança de rumo, estimulando as grandes empresas a se financiar no mercado de capitais, além de levar a um uso mais transparente de subsídios e ajudar na gestão da política monetária.
     
    O governo Bolsonaro já mostrou que quer continuar avançando nessa nova direção. O ministro da Economia já avisou que espera que o BNDES devolva mais recursos ao Tesouro, que pretende limitar a expansão do crédito público e que deseja privatizar a maioria, senão todas as participações acionárias dos bancos públicos e empresas estatais não essenciais às suas atividades principais.
     
    Tudo isso fez com que, desde 2016, o BNDES ande em busca de um novo papel. O debate, porém, tem ficado muito circunscrito e, a meu ver, ainda não produziu uma resposta satisfatória sobre que papel deveria ser esse.

    Dois estudos que mergulham fundo nessa questão são o de Claudio Frischtak e coautores para o Banco Mundial (Towards a More Effective BNDES: bit.ly/2uW9Yt5) e o de Breno Albuquerque e coautores, publicado como Texto para Discussão (TD) do BNDES (Os Bancos de Desenvolvimento e o Papel do BNDES:bit.ly/2VpGNJo).
     
    O primeiro foi escrito antes da criação da TLP e por isso foca em parte no uso mais racional de subsídios. Além disso, sugere mudanças de governança; o maior uso de fundos captados no mercado de capitais; que o BNDES também comece a fornecer serviços de consultoria e assistência técnica (por exemplo, para governos subnacionais); que conceda mais garantias, em vez de créditos; que os empréstimos a pequenas e médias empresas se restrinjam às mais progressivas e com projetos com maior impacto sobre o crescimento; que foque nas externalidades de coordenação ao apoiar programas setoriais e, por fim, que tenha um papel importante no financiamento da infraestrutura.
     
    O TD do BNDES, publicado em dezembro de 2018, já considera a TLP. Ele traz várias recomendações sobre a necessidade de transparência, não só na divulgação de dados das operações de crédito, mas também na explicitação de objetivos e metas e da posterior avaliação dos resultados. Também recomenda várias áreas de atuação: estímulos à participação do setor privado na operação de serviços públicos; crédito a micro, pequenas e médias empresas; fortalecimento do mercado de finanças sociais, inclusive como investidor anjo; estímulo à concorrência e apoio a projetos de educação.
     
    Em que pese a qualidade e o cuidado dos autores com os fundamentos econômicos, os dois trabalhos revelam a ainda predominante falta de clareza sobre qual deve ser o papel do BNDES. A questão, me parece, não deveria ser em que áreas há coisas boas que o banco pode, em princípio, fazer, mas sim qual a melhor forma de se usar o BNDES para promover o desenvolvimento.
     
    A meu juízo, essa falta de clareza vem de, nas últimas décadas, o governo ter visto o BNDES apenas como um transferidor de subsídios e ter deixado para o próprio banco definir onde alocá-los. Isso deveria mudar. O governo deveria ser mais claro e focado sobre o mandato que dá ao banco. Investir em projetos com externalidades positivas, por exemplo, é um objetivo amplo demais. O governo deveria eleger quais as áreas prioritárias, qual o foco, quais as metas e qual o cronograma com que o BNDES deveria atuar. Isso aumentaria a transparência e facilitaria a coordenação com outras políticas, permitindo à sociedade de fato avaliar a atuação da instituição.
     
    A entrevista do presidente do BNDES ao Valor de segunda passada vai um pouco na direção de dar foco à atuação do banco, ao indicar prioridade para financiar a infraestrutura. Me parece o foco correto, dadas as necessidades do país e o fato de o financiamento à infraestrutura requerer, não subsídios, mas um banco capaz de analisar os projetos e monitorar a sua execução. Mas é preciso ir além, também alavancando o financiamento privado; por exemplo, via a securitização dos créditos concedidos uma vez que os projetos financiados entrem em operação.
     
    Trata-se de uma área crítica para o desenvolvimento do país e de um desafio que, apesar de grande, o BNDES tem condições de superar. Mas para isso é preciso foco quase total, abandonando atividades que roubam escala e impedem a necessária especialização, além de nelas a contribuição efetiva do banco não ficar clara.
     
    Como se vê, é um debate instigante e do qual a sociedade deveria participar mais ativamente.
     
    *Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.

    sábado, 8 de fevereiro de 2014

    O ajuste compulsorio dos emergentes - Armando Castelar Pinheiro

    A crise dos emergentes
    Por Armando Castelar Pinheiro

    Valor Econômico, 7/02/2014

    Li a citação outro dia em um artigo: "o pânico não destrói capital; ele meramente revela a extensão em que ele foi previamente destruído pelo seu uso em atividades irremediavelmente improdutivas". A frase é de John Mills, um empresário britânico do século XIX, mas tem relevância para hoje, aqui, também.

    Em especial, creio que o mesmo raciocínio se aplica ao aperto por que alguns países emergentes estão passando e à polêmica se isso resulta da mudança das condições externas ou da má qualidade da sua política econômica.

    Para alguns analistas, o mau momento dos emergentes nada mais é do que um novo capítulo na crise financeira internacional iniciada em 2007. Essa também parece ser a visão do governo brasileiro. A origem da crise dos emergentes seria, nessa interpretação, a desaceleração do crescimento chinês - e da Ásia emergente como um todo - e o início do processo de normalização da política monetária americana.

    O ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da nova matriz econômica

    A forte expansão da Ásia emergente entre 2009 e 2011 (8,2% ao ano) foi fundamental para impedir uma desaceleração mais forte da economia mundial após a quebra do Lehman Brothers. Nesse período, a região respondeu por 53% da expansão do PIB mundial, mais do que o dobro da sua participação nesse agregado. Isso puxou para cima o preço das commodities ex-petróleo, que aumentou 26% nesse quadriênio, facilitando a vida de países como o Brasil.

    A partir de 2012, o crescimento da região desacelerou, para 6,4% ao ano, com o preço das commodities caindo 11%. A China, em especial, está crescendo menos, fazendo um ajuste que visa limitar a expansão do crédito e redirecionar a demanda doméstica para o consumo. Com isso, a expansão do investimento chinês caiu de uma média de 15% ao ano entre 2001-10 para 8,5% em 2011-13, prevendo-se nova queda, para cerca de 6% ao ano, no resto desta década.

    Ainda que a China possa ter contribuído para a desaceleração latino americana, ela não explica o mau momento dos emergentes. Basta ver que países no olho do furacão, como Turquia e Ucrânia, não têm relação comercial relevante com a China.

    Nesse sentido, a redução das emissões monetárias pelo banco central americano (Fed) parece uma explicação mais consistente. O Fed vinha imprimindo US$ 1 trilhão ao ano, dinheiro que, dadas as baixas taxas de retorno nos países desenvolvidos, correu atrás de ativos nos emergentes. A gradual redução dessas injeções de liquidez e a melhora nos retornos oferecidos em investimentos nos EUA e Europa, em função da aceleração do crescimento, estariam por trás da desvalorização dos ativos dos países emergentes.

    Não obstante, ainda que China e EUA tenham afetado os emergentes, isso não explica porque alguns foram tão mais afetados do que outros. Assim, enquanto o CDS médio de África do Sul, Turquia, Indonésia e Brasil subiu 92 pontos base nos últimos 12 meses, para 2,22%, para Chile, México, Peru e Colômbia a alta média foi de 23 pontos, para 1,10%. É por isso que, na visão do FMI, não há uma crise generalizada de emergentes, mas uma crise em alguns emergentes, aqueles com fundamentos econômicos e políticos ruins. Os mercados financeiros estão "shorting" só alguns emergentes.

    A preocupação com estes países transcende a apreensão com a sua capacidade de garantir financiamento externo. O que está em questão é se eles serão capazes de fazer os ajustes necessários, sem comprometer o balanço dos agentes privados ou gerar turbulências políticas, que limitariam o crescimento econômico por um período prolongado.

    Tome-se o caso do Brasil. O país tem grandes reservas internacionais, mas há anos tem também uma inflação e um déficit externo elevados. Com a queda dos preços das exportações, a desvalorização cambial, e a alta dos juros longos, o país necessita reduzir a demanda doméstica. Isso passa por apertar as políticas monetária e fiscal, o que vai reduzir o crescimento e complicar a dinâmica da dívida pública, a menos que o ajuste fiscal seja muito forte.

    Crescimento baixo e juros altos vão elevar a inadimplência, enfraquecer o balanço dos bancos públicos e exigir nova capitalização pelo Tesouro. Haverá perdas elevadas, mas, como observou Mills, o ajuste apenas vai deixar claras as perdas que já existiam, perdas causadas pela adoção da "nova matriz econômica".

    Quão provável é que se adotem remédios suficientemente fortes nos países mais frágeis? Pouco, pois são medidas impopulares e inconsistentes com a visão dos seus governos sobre a economia. O mais provável é que se façam reformas marginais, que mitiguem o ritmo de deterioração econômica. É isso que ilustra o exemplo argentino.

    O risco é que em algum momento a situação piore a ponto de iniciar uma fuga de capitais domésticos, bem mais desestabilizadora que a saída de investidores estrangeiros. Então será preciso uma mudança política para restabelecer a credibilidade do governo, mas isso pode não se dar de forma suave. Pode ser um processo longo, tortuoso e talvez sem final feliz.

    Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.

    Leia mais em:
    http://www.valor.com.br/opiniao/3422618/crise-dos-emergentes#ixzz2smERjFFr

    segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

    Um Brasil bolivariano? - Armando Castelar Pinheiro

    Muitos se perguntam se o Brasil pode virar bolivariano.
    Certamente não como os hermanos que exageraram na dose, mas já somos bolivarianos, no que depende do partido totalitário que ocupa o poder. Eles só não fazem como os hermanos porque não podem, não porque não querem...
    Paulo Roberto de Almeida

    Um Brasil bolivariano?

    ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

    CORREIO BRAZILIENSE - 28/12/2013

    Ao longo deste ano, diversas vezes me perguntaram se via alguma chance de o Brasil seguir por um caminho bolivariano, como o da Argentina e o da Venezuela. A pergunta em geral traduz certa ansiedade com a economia do país, por conta de indicadores ruins de crescimento e inflação.
    Parte da dificuldade em lidar com essa questão é que nem todos têm a mesma visão do que é o modelo bolivariano. Muitos parecem preocupados com o risco de uma alta da inflação, com a concomitante intervenção nos institutos de pesquisa de preços, como ocorreu na Argentina com o Indec, o IBGE de lá.

    Como se sabe, a inflação oficial na Argentina é de 10%, enquanto a inflação real supera os 25%. Isso não ocorre no Brasil, mas por aqui também há uma distância entre a inflação dos preços livres (7,3% nos últimos meses) e a dos preços controlados pelo governo (1%), o que mascara a inflação real. Isso vai continuar em 2014, com a decisão de adiar o aumento da energia elétrica para depois das eleições.
    Nas contas públicas há o número oficial e aquele que o mercado utiliza. Até nas contas externas há dificuldade de conhecer o número real, devido a só em 2013 se registrarem importações ocorridas em 2012.

    Também há gente preocupada com a crescente divisão entre uma América Latina do Pacífico e outra do Atlântico e a percepção de que estamos cada vez mais nos alinhando com esta última. A Aliança do Pacífico, um acordo comercial do qual participam Chile, Colômbia, México e Peru, e ao qual devem se associar Costa Rica e Panamá, compreende o primeiro grupo. Esses países têm economias abertas, inflação baixa, bom ambiente de negócios, atitude amigável em relação ao capital estrangeiro e crescimento do PIB que é o dobro do nosso.

    A parte "atlântica" da América Latina congrega os países do Mercosul, que inclui a Venezuela e no qual pode entrar a Bolívia, além de Equador e Nicarágua. São países com políticas econômicas de má qualidade, economias fechadas, inflação alta, elevado intervencionismo estatal e baixo crescimento econômico.
    Muita gente associa o bolivarianismo a uma opção ideológica, calcada na intervenção estatal na economia. O bolivarianismo é, porém, acima de tudo, pragmático. A sua essência está na disposição do governo de sacrificar os fundamentos econômicos e institucionais do país para se preservar no poder. Nesse sentido, o bolivarianismo é uma versão contemporânea do populismo latino-americano de meados do século passado.

    O elemento central é gerar um aumento do consumo privado, via transferências, gasto público, preços subsidiados, aumentos reais de salários acima da produtividade etc. De um lado, isso é popular. De outro, pressiona a inflação, piora as contas públicas, aumenta o deficit externo, compromete a situação patrimonial do setor público e piora o ambiente de negócios.
    Não creio que haja ilusões com relação a essas políticas levarem a uma deterioração da economia do país. Elas não são escolhidas por serem boas, mas porque geram votos no curto prazo. E, com os votos e a falta de alternância no poder, o governo domina as instituições e ganha controle sobre a narrativa do que acontece com o país. Não por outra razão, o controle da mídia é elemento tão central do bolivarianismo.

    Esse controle é indispensável para a manutenção do modelo quando o bem-estar começa a cair, como resultado das más políticas. Exemplo é a narrativa do governo venezuelano de que a alta inflação no país é culpa da oposição e dos especuladores, a quem ameaça com a cadeia se subirem os preços. Há outros exemplos na Argentina, na Bolívia e no Equador.
    Muita gente não acredita que o Brasil siga por esse caminho, por ter instituições mais fortes e imprensa mais livre e atuante. É um bom argumento. Mas ignora que, quando o bolivarianismo começou, a imprensa desses países também era mais livre e atuante, e as instituições, a começar pelo Judiciário, mais fortes do que são atualmente. Foi o bolivarianismo que as enfraqueceu, não a sua fraqueza que trouxe o bolivarianismo.
    Se o Brasil algum dia seguir por um caminho bolivariano, o primeiro sinal disso não virá da economia. O alerta de que isso está acontecendo virá do esforço de controlar a narrativa sobre as causas de um mau desempenho econômico do país, de forma a evitar que esse leve a uma natural alternância política.

    segunda-feira, 2 de julho de 2012

    Economia brasileira: Giambiagi e Castelar apontam os desafios

    Análise

    Brasil precisa mudar de estratégia e focar na produtividade

    Para os autores do livro "Além da Euforia", Armando Castelar e Fábio Giambiagi, investir em educação, infraestrutura e poupança é o caminho para o PIB continuar avançando

    Anna Carolina Rodrigues
    Economistas Fabio Giambiagi e Armando Castelar, autores do livro "Além da Euforia" Fabio Giambiagi e Armando Castelar, autores do livro "Além da Euforia" (Oscar Cabral e Anna Carolina Negri)
    "O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade" – Armando Castelar
    O governo federal anunciou na última quarta-feira mais um pacote com o intuito de tentar salvar a economia brasileira de um “pibinho”. A nova tentativa vem num momento em que o mercado - e o próprio Banco Central - rebaixa suas estimativas para 2012. Faltaram ousadia e visão à equipe da presidente Dilma, que apelou, uma vez mais, para a batida fórmula de tentar “salvar” o PIB com base na ampliação do consumo. A estratégia – que se mostrou bem-sucedida enquanto milhões de brasileiros ainda não tinham ascendido à classe média e não possuíam acesso ao crédito – dá hoje sinais de esgotamento. O país tampouco pode ser dar ao luxo de contar com o cenário externo. Por uma década, o Brasil foi favorecido pela crescente demanda por suas commodities e pelo amplo acesso ao  financiamento barato no mercado internacional. A combinação desses fatores resultou em crescimento e, de 2006 a 2010, euforia. Contudo, a dificuldade de reverter o quadro negativo que se arrasta desde a metade do ano passado começa a lançar por terra esse entusiasmo.
    No pacote da semana passada, o governo resolveu oferecer seu próprio poder comprador para tentar estimular o PIB. A opção deixa antever que está perdendo fôlego o apoio do consumo ao crescimento.  De um lado, as famílias, limitadas por um endividamento recorde, não se sentem compelidas a comprar mais – mesmo com prorrogação do IPI reduzido de eletrodomésticos e móveis, automóveis mais baratos, estímulo ao crédito via bancos públicos, etc. De outro, o empresário, amedrontado pela deterioração da economia global, tem se arriscado pouco a investir. Para destravar o setor privado de nada têm adiantado a postura cada vez mais intervencionista do governo no campo microeconômico – regras que mudam a todo o momento, exigência cada vez maior de conteúdo nacional nas fábricas – e o fechamento “branco” do país à concorrência externa.
    O problema apontado por analistas é que será pífio o impacto de tais compras governamentais na economia. O volume anunciado de 8,4 bilhões de reais em aquisições de caminhões, tratores, retroescavadeiras, equipamentos hospitalares, etc, representa só 0,2% do PIB. O comentário mais comum entre os economistas é que o governo criou um ‘pacote’ apenas para fazer propaganda e atender os interesses corporativistas de meia dúzia de indústrias – coincidentemente aquelas para as quais a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vinha fazendo lobby escancarado.
    O cenário que se coloca hoje diante dos brasileiros felizmente não é catastrófico, mas se distancia daquela visão do “Brasil maravilha” dos últimos anos. Para mudar a perspectiva de taxas baixas de crescimento nas próximas décadas, o governo federal tem de começar a atacar os problemas estruturais da nação. Políticas de longo prazo para melhoria da educação, da taxa de poupança e da infraestrutura precisam ser bem estruturadas e postas em prática ainda que seus resultados não se mostrem visíveis no curto prazo. Essas ações é que tornarão o Brasil uma nação mais produtiva, isto é, capaz de gerar riqueza com maior eficiência.
    A discussão sobre o que ainda precisa ser feito – a chamada "metade vazia do copo" – é o ponto central do livro Além da Euforia - Riscos e Lacunas do Modelo Brasileiro de Desenvolvimento (Editora Elsevier-Campus, 312 páginas), de Armando Castelar e Fábio Giambiagi, que será lançado oficialmente em 11 de julho, mas já pode ser encontrado em algumas livrarias. Os economistas falaram ao site de VEJA.
    Por que o livro se chama “Além da Euforia”?
    Armando Castelar – É uma referência ao fato de o Brasil ter vivido um período de euforia entre 2004 e 2010. Mas esse momento não vai perdurar indefinidamente. No livro, discutimos as razões disso. É preciso que haja um debate sobre o que precisa ser feito para melhorar a situação que virá depois que essa euforia passar.
    Por que essa euforia vai passar?
    Giambiagi – O Brasil teve condições excepcionais e favoráveis ao crescimento neste período. Duas delas são associadas ao cenário externo. Primeiramente, temos o índice de preço das exportações. Para se ter ideia, entre 1997 e 2002, esse indicador teve queda acumulada de 23%. Entre 2002 e 2011, contudo, houve um aumento impressionante de 165%. A segunda condição é o baixo nível das taxas de juros internacionais. Essa configuração de preços “nas nuvens” com uma taxa de juros externa pequena tirou a possibilidade de aumentar a absorção doméstica sem que fosse gerada uma situação muito dramática no balanço de pagamentos – ao contrário do que ocorreu em outros ciclos de expansão históricos.
    Castelar – Parte do cenário externo favorável ao Brasil deriva da China, cujo quadro doméstico complicou um pouco nos últimos tempos. Os preços das exportações pararam de aumentar do jeito que vinham subindo e decaíram um pouco neste início de ano. O país começa a ter um pouco de dificuldade de crescimento internamente. Ainda assim, a situação dos preços continua bastante favorável ao Brasil conforme os padrões históricos. É preciso lembrar, contudo, da importância do cenário externo. Toda a América Latina teve melhora de desempenho muito semelhante à de nossa economia. Os países da região estão vivendo níveis recordes de baixa de desemprego, segundo dados recentes da Cepal. O mérito não é exclusivamente brasileiro.
    No capítulo sobre produtividade, o livro afirma que a parcela dos economistas que defende estímulos ao consumo para alavancar o crescimento tem resistência a acreditar que o país começa a enfrentar limitações de oferta. Por que há tanta resistência?

    Castelar – Isso é um corte histórico que data dos anos 1950 para cá. Prevalece a ideia de que se for aumentada a demanda, a oferta vai se apresentar. No livro, defendemos que é preciso ter políticas explicitas para o lado da oferta. Melhorar a produtividade, melhorar o ambiente de negócios, cuidar de ciência e tecnologia, etc.
    Giambiagi – Eu e Armando destacamos no livro que a filosofia econômica hoje dominante no Brasil é aquela inspirada nas ideias do economista John Maynard Keynes, que publicou em 1936 a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Essa grande obra foi escrita no contexto da crise dos anos 1930 – período em que a indústria estava com grande capacidade ociosa –, fornecendo o conteúdo teórico para o presidente americano Franklin Roosevelt adotar a política do New Deal, que ajudou a tirar os Estados Unidos da sua situação de penúria. A prescrição de políticas ditas keynesianas, calcada no estímulo à demanda, pode se justificar por essa situação de abundância de capacidade ociosa, como aconteceu no mundo em 2008 e hoje se vê na Europa, por exemplo. Mas uma vez que o Brasil está ‘batendo no teto’ de ocupação de recursos físicos, nosso entendimento é que é preciso ‘mudar o software’ para enfatizar a importância da expansão da oferta. Estamos vivendo uma situação inédita nos últimos 30 anos.
    O que acontecerá se o Brasil não mudar esse ‘software’?

    Castelar – Capacidade ociosa significa que existem fábricas e trabalhadores treinados que não estão sendo utilizados. É algo bem diferente de quando já se está usando todo o potencial e é necessário aumentá-lo para conseguir expandir a produção. Essa ampliação de capacidade não é um processo rápido. O investimento privado no Brasil é inibido pela falta de infraestrutura, pelo ambiente de negócios e pela escassez de mão de obra capacitada. Em outras palavras, temos energia elétrica insuficiente e cara; estradas, portos e aeroportos congestionados; entre outros problemas. Tudo isso limita o crescimento uma vez que o custo aumenta e o investimento fica menos interessante. A empresa cresce mais devagar. No tocante à demanda, existem outras restrições. Uma é a poupança, que é dificultada quando existe grande aumento de consumo. A segunda é confluência de expansão do consumo e do investimento, o que tende a gerar um déficit mais elevado nas transações correntes do Brasil com o exterior. Esse déficit só não estourou nos últimos anos por conta do cenário externo favorável. Além disso, com o aumento forte do consumo interno, a taxa de câmbio evolui de maneira a se apreciar – e o país torna-se menos interessante aos investimentos, como por exemplo, se dá hoje no setor industrial. É preciso trabalhar essas questões para continuar crescendo. Resolvê-las é fundamental para eliminar essa crise de produtividade do Brasil.

    No livro, vocês analisam que o crescimento do produto potencial brasileiro nas últimas décadas foi possível justamente pela elevação da produtividade. O que causou esse aumento e por que ele não continuou?

    Castelar – No período áureo de crescimento do Brasil, entre os anos 1950 a 1980, houve sim um aumento razoável da produtividade graças ao investimento. Nessa época, a infraestrutura se expandiu muito. Em segundo lugar, a indústria também contribuiu. Da década de 1980 até 1994, com a crise da dívida pública, a produtividade andou para trás e ficou negativa. A economia ficou mais fechada, a inflação era muito alta e havia uma intervenção estatal gigantesca. Começou então uma série de reformas estruturais, com abertura da economia, privatização e desregulamentação de uma série de atividades. Em 1994, com a estabilização proporcionada pelo Plano Real, a produtividade recuperou-se parcialmente. Desde então, nunca mais se conseguiu reproduzir esse investimento e o capital deixou de ter contribuição relevante para o crescimento do PIB. No período mais recente, o que contribuiu para melhorar a produtividade brasileira foi o emprego, isto é, há mais gente trabalhando. Atualmente, o desemprego está baixo e uma transição demográfica está em curso. Podemos prever, no entanto, que essa fonte de crescimento vai secar na frente. Então, as outras duas – capital e produtividade – passam a ser mais importantes.
    Giambiagi – Este ponto do mercado de trabalho é muito importante. Nos últimos dez anos tivemos um crescimento anual do PIB da ordem de 4% e uma ampliação da população ocupada de cerca de 2,5%. A diferença está no conceito de produtividade por trabalhador. Naquele período, a população economicamente ativa (PEA) crescia mais ou menos 1,5% ao ano. Em suma, o emprego aumentava em ritmo mais intenso que o da própria PEA, o que diminuía o desemprego. No entanto, a partir do momento em que o país esbarra no limite do pleno emprego, que se estima que seja algo próximo a 5%, a população ocupada só poderá se expandir na mesma taxa de crescimento da PEA, que caminha para ficar em 1,1% daqui a uns anos, segundo dados do IBGE. No período de 2010-2050, o número de trabalhadores deve ficar estável, ou seja, todo o aumento da produção nesse período terá de vir de produtividade porque as pessoas que vão gerar o PIB serão “as mesmas”.
    Além de melhorar a produtividade do trabalho, o livro aponta que há um longo trabalho para elevar a taxa de poupança interna. Por que este ponto também precisa ser atacado?

    Castelar – O Brasil tem sérios problemas em relação a isso. A poupança aqui é muito baixa – o último dado mostra que está em 15,7% do PIB – e o ambiente de negócios não ajuda o investimento. É muito comum as pessoas apontarem a Coreia do Sul como modelo, mas eles investem cerca de 30% do PIB, quase o dobro do Brasil. Isso só é possível porque possuem uma taxa de poupança muito alta. Nossa média dos últimos 20 anos foi 16,5%. Provavelmente, vamos precisar recorrer à poupança externa, mas isso tem certo limite, pois aumenta o déficit em conta corrente. O Brasil precisa depender menos do capital e mais da produtividade.
    Se o Brasil tivesse conseguido manter os níveis de produtividade que foram observados até os anos 1980, como o país estaria?

    Giambiagi – Seríamos uma Coreia. Tínhamos a mesma renda per capita que eles em 1980.
    Em que medida a alta carga tributária agrava o problema de produtividade?

    Giambiagi – As duas palavras-chave são escala e impostos. Quando se produz algo para o mercado mundial, distribuem-se os custos por um número muito maior de unidades, o que reduz o custo unitário. Lá fora, a carga de impostos é muito menor que a daqui.
    Castelar – Ambos os pontos estão relacionados. O imposto aumenta muito o preço e a empresa vende menos. Consequentemente, tem menor escala. Então, parte do problema da escala tem a ver com o tamanho gigantesco da carga tributária no Brasil.
    Diante de tantos desafios, que esperam para o país nos próximos anos?

    Giambiagi – Nosso livro buscar servir de alerta. Os sinais estão se avolumando. De certa forma, estão corroborando nossa tese central de que a economia brasileira encontra-se num ciclo que dá manifestações crescentes de esgotamento. Vemos um 2012 fraco, com crescimento em torno de 2%. Desde que não aconteça nenhuma hecatombe na Europa, deve haver melhoria no segundo semestre. Mesmo assim, nada espetacular. Já 2013 começará com uma perspectiva mais razoável – que talvez se estique ao ano seguinte devido ao conjunto de obras que terá de ser tocado para a Copa do Mundo. Fechado esse ciclo, a partir de 2014, nossa impressão é de que o 'software' utilizado nos últimos anos, de estímulo à demanda, terá de ser trocado por estímulos à oferta com uma preocupação crescente com a produtividade e a competitividade. Associada a isso está a necessidade de colocar na agenda política do país a retomada das reformas que foram, de certa forma, abandonadas há dez anos.
    Castelar - Não consigo me classificar numa escala de pessimista a otimista. Vejo que o país tem oportunidades importantes. Fizemos avanços nos últimos vinte anos, mas, por outro lado, olhando a história do Brasil e da América Latina, penso que o país já esteve nessa posição antes. Já houve muito otimismo com relação às nossas perspectivas, como nos anos 70 quando a economia crescia 10% ao ano. Não surpreendentemente a América Latina vive esse tipo de ciclo quando os preços de produtos exportados estão altos e o acesso ao crédito está fácil. Tenho esperança que nossa classe política consiga aproveitar essa oportunidade para fazer diferente do que fez no passado. Agora, há preocupação também porque nossos governantes não têm uma boa visão de quão importante o cenário externo é. Aquilo que, efetivamente, no passado fez a América Latina perder o bonde foi não perceber que existe um componente fora do controle do país que está dando uma ajuda muito grande.
    Em que medida os líderes políticos podem contribuir para melhorar a produtividade brasileira?
    Giambiagi – Na nossa visão, os avanços necessários não vão decorrer de propostas que emanem do Legislativo. Ele possui contradições internas e tende a não ter essa visão geral do conjunto, que é mais natural do Executivo, que tem dentro de si a restrição orçamentária e está sujeito a demandas políticas e sociais de todo o tipo. Destacamos no livro quatro elementos que nos parecem fundamentais. Primeiro, é preciso ter uma visão de longo prazo: tomar medidas não pensando apenas nos próximos dois ou três anos, mas saber onde se deseja levar o país dentro de 30 anos. Segundo, a essa visão de longo prazo tem de estar associada a certa capacidade de tolerância. Obviamente, estamos numa democracia e todo o partido político busca se eleger.  Contudo, se todas as ações políticas forem guiadas única e exclusivamente pelo objetivo de vencer a próxima eleição, questões mais controversas nunca terão vez. Outro ponto importante é a capacidade de explicar as deficiências estruturais da nação à população. Nos últimos dois períodos de governo, tivemos dois comunicadores talentosíssimos. No caso de Fernando Henrique Cardoso, não tanto o presidente, mas sim o ministro da Fazenda que conseguiu explicar um plano maluco para as pessoas e assim garantir o êxito do Plano Real. No caso do ex-presidente Lula, nem se fala. O quarto elemento é a capacidade de articulação. No governo Dilma, por exemplo, houve o caso do salário mínimo em 2011, em que o governo conseguiu vencer no Congresso com sua proposta de reajuste real zero. Quando o governo fixa uma pauta e se empenha, tem boa chance de êxito.
    Castelar  – O brasileiro, às vezes, tem a sensação de que o planeta está parado e que nós estamos andando. Na verdade, o mundo também está caminhando e ele já está na nossa frente. Em outros lugares estão andando muito rápido. Por isso, o que talvez soe como avanço pode ser pouco. Acho notável como as expectativas relativas ao que a Copa do Mundo vai deixar estão sendo cada vez mais desinfladas. Tudo aponta que ficarão apenas estádios de futebol novos.
    Podemos dizer que essa crise da produtividade que o Brasil começa a enfrentar é o que se vê hoje também na Europa, com os países menos eficientes com dificuldade para resolver seus problemas?

    Giambiagi – O que acontece é a confluência de três crises: uma fiscal, em função de má administração em alguns países; outra financeira, devido à situação dos bancos; e outra associada à insuficiência de se ter uma mesma moeda para regiões muito díspares – problema que já era conhecido, mas que se revelou mais dramático do que se supunha no lançamento do euro.
    Castelar – Há sim um elemento de crescimentos díspares de custos unitários do trabalho. Na Alemanha, a produtividade cresceu bastante e os salários subiram pouco, ao passo que em alguns países da periferia europeia (Grécia, Portugal e Espanha, em especial) ocorreu o oposto. Com isso, esses países têm dificuldade de crescer exportando, pois não são competitivos. A falta de crescimento complica o problema fiscal e de crédito.

    segunda-feira, 14 de maio de 2012

    Livro: Fabio Giambiagi, Armando Castelar - Alem da Euforia


    Um lançamento possível, um livro incontornável: 
    Além da euforia
    Fabio Giambiagi e Armando Castelar
    RJ: Campus-Elsevier, 2012

    Contracapa para livro de Fabio Giambiagi e Armando Castelar

    O Brasil mudou nas últimas duas décadas. Ficaram para trás o pesadelo da inflação crônica, as crises do Balanço de Pagamentos, a dívida externa, a supervisão do FMI e os frustrados planos de estabilização. Essa época é parte do passado. Hoje, especialmente diante das dificuldades enfrentadas pelos países desenvolvidos desde a crise financeira de 2008, a economia brasileira parece ir bem. Os avanços são inegáveis: a inflação está contida, a arrecadação fiscal bate recorde, o investimento estrangeiro nunca foi tão alto, o desemprego é baixo e até a nossa lastimável distribuição de renda dá indícios de melhora.
    Períodos de relativo sucesso econômico, como o desta primeira década do século, trazem riscos. Há sempre a tentação de postular o fim definitivo dos problemas e decretar a aurora de uma nova era onde todas as dificuldades teriam sido superadas. Embalados na euforia dos bons resultados, corre-se o risco de perder o senso crítico e de esquecer que a boa gestão da economia exige análise permanente, a avaliação dos pontos nevrálgicos e a antecipação dos gargalos. Assim como o bom desempenho atual é, em grande parte, resultado das reformas e das políticas postas em práticas na última década do século passado, o desempenho da economia amanhã será determinado por medidas que estão sendo tomadas – ou  deixando de serem tomadas - hoje.
    "Além da euforia" percorre, ao longo de seus onze capítulos, as diversas áreas da economia brasileira onde, por trás dos resultados aparentemente exuberantes, existem sinais preocupantes. Problemas que, se não forem compreendidos e equacionados, podem levar à interrupção do ciclo de bons resultados, antes do imaginado.
    Fabio Giambiagi e Armando Castelar têm profundo conhecimento da economia brasileira, acumulado ao longo de bem sucedidas carreiras no setor publico e na Universidade. Foram capazes de apresentar de forma organizada e simples, sempre fundamentada em dados claros, um retrato lúcido dos desafios que temos pela frente.  Por último, mas importantíssimo, escrevem de forma clara e acessível. A leitura deste livro, além de obrigatória para compreender o momento atual, é  - coisa rara em economia  - uma tarefa agradável.
    André Lara Resende

    Orelha
    As grandes mudanças na economia brasileira ocorreram em momentos de crise. Foi quando os governos tiveram que abandonar a inércia em favor da racionalidade, ainda que às custas de danos à sua popularidade. Parece contrário à natureza humana dedicar-se à solução de problemas quando se vivem tempos de bonança. Dos anos 1980 para cá foram tantas as crises – a superinflação, o desemprego, os colapsos do Balanço de Pagamentos, a moratória da dívida externa -   que soa legítimo desfrutar de um período tão singular da história econômica do país como o atual.  A sensação de bem-estar ofusca, porém, a percepção de que nem tudo está pronto para o país ter um crescimento sustentável por muitos anos.
    Neste livro, o leitor poderá avaliar os problemas ainda presentes que precisam ser resolvidos para que o desenvolvimento nos últimos anos não seja uma mera euforia, mas um processo duradouro de encontro com o futuro.
    É senso comum que o Estado cobra uma carga tributária excessiva e gasta mal o dinheiro do contribuinte. Basta ver que os recursos destinados à educação pública dobraram desde 1980 e hoje somam 5% do PIB – o mesmo que a média dos países da OCDE e mais do que México, Chile, Coreia ou a Alemanha. Isso, no entanto, não se traduziu em benefícios para o aprendizado dos alunos. Além disso, boa parte da infraestrutura que abastece o país foi herdada do tempo dos militares.
    Estima-se que até 2050 a população acima de 60 anos será multiplicada por um fator da ordem de 3,5 e não se notam sinais de preocupação com as consequências do envelhecimento demográfico e do encolhimento da população economicamente ativa.
    Sem negar o muito que se avançou nos governos mais recentes, Giambiagi e Castelar fazem, num texto de agradável leitura, uma radiografia do que ainda falta para o país estar preparado para enfrentar os maus momentos inerentes aos ciclos econômicos. Isso significa, dentre várias tarefas, prover as crianças de uma boa educação, modernizar a infraestrutura e impor eficiência ao gasto público.
    Claudia Safatle