- Valor Econômico, 1/03/2019
Banco precisa alavancar financiamento privado; por exemplo, por meio da securitização dos créditos concedidos
Com a crise financeira internacional, em 2008, o BNDES virou um braço auxiliar da política fiscal. A ideia era estimular a demanda doméstica dando elevado volume de subsídios, tanto explícitos, como no Programa de Sustentação do Investimento, como implícitos, via TJLP baixa, por vezes abaixo da própria inflação. Essa política se manteve mesmo depois de a economia ter se recuperado do choque de 2008-09. Foi a época dos campeões nacionais, dos empréstimos para governos de países amigos etc.
A partir de 2015, a crise fiscal e, depois, a troca de governo, colocaram um freio nessa política, primeiro parando e depois revertendo parcialmente a transferência de recursos do Tesouro para o BNDES. A criação da TLP reforçou a mudança de rumo, estimulando as grandes empresas a se financiar no mercado de capitais, além de levar a um uso mais transparente de subsídios e ajudar na gestão da política monetária.
O governo Bolsonaro já mostrou que quer continuar avançando nessa nova direção. O ministro da Economia já avisou que espera que o BNDES devolva mais recursos ao Tesouro, que pretende limitar a expansão do crédito público e que deseja privatizar a maioria, senão todas as participações acionárias dos bancos públicos e empresas estatais não essenciais às suas atividades principais.
Tudo isso fez com que, desde 2016, o BNDES ande em busca de um novo papel. O debate, porém, tem ficado muito circunscrito e, a meu ver, ainda não produziu uma resposta satisfatória sobre que papel deveria ser esse.
Dois estudos que mergulham fundo nessa questão são o de Claudio Frischtak e coautores para o Banco Mundial (Towards a More Effective BNDES: bit.ly/2uW9Yt5) e o de Breno Albuquerque e coautores, publicado como Texto para Discussão (TD) do BNDES (Os Bancos de Desenvolvimento e o Papel do BNDES:bit.ly/2VpGNJo).
O primeiro foi escrito antes da criação da TLP e por isso foca em parte no uso mais racional de subsídios. Além disso, sugere mudanças de governança; o maior uso de fundos captados no mercado de capitais; que o BNDES também comece a fornecer serviços de consultoria e assistência técnica (por exemplo, para governos subnacionais); que conceda mais garantias, em vez de créditos; que os empréstimos a pequenas e médias empresas se restrinjam às mais progressivas e com projetos com maior impacto sobre o crescimento; que foque nas externalidades de coordenação ao apoiar programas setoriais e, por fim, que tenha um papel importante no financiamento da infraestrutura.
O TD do BNDES, publicado em dezembro de 2018, já considera a TLP. Ele traz várias recomendações sobre a necessidade de transparência, não só na divulgação de dados das operações de crédito, mas também na explicitação de objetivos e metas e da posterior avaliação dos resultados. Também recomenda várias áreas de atuação: estímulos à participação do setor privado na operação de serviços públicos; crédito a micro, pequenas e médias empresas; fortalecimento do mercado de finanças sociais, inclusive como investidor anjo; estímulo à concorrência e apoio a projetos de educação.
Em que pese a qualidade e o cuidado dos autores com os fundamentos econômicos, os dois trabalhos revelam a ainda predominante falta de clareza sobre qual deve ser o papel do BNDES. A questão, me parece, não deveria ser em que áreas há coisas boas que o banco pode, em princípio, fazer, mas sim qual a melhor forma de se usar o BNDES para promover o desenvolvimento.
A meu juízo, essa falta de clareza vem de, nas últimas décadas, o governo ter visto o BNDES apenas como um transferidor de subsídios e ter deixado para o próprio banco definir onde alocá-los. Isso deveria mudar. O governo deveria ser mais claro e focado sobre o mandato que dá ao banco. Investir em projetos com externalidades positivas, por exemplo, é um objetivo amplo demais. O governo deveria eleger quais as áreas prioritárias, qual o foco, quais as metas e qual o cronograma com que o BNDES deveria atuar. Isso aumentaria a transparência e facilitaria a coordenação com outras políticas, permitindo à sociedade de fato avaliar a atuação da instituição.
A entrevista do presidente do BNDES ao Valor de segunda passada vai um pouco na direção de dar foco à atuação do banco, ao indicar prioridade para financiar a infraestrutura. Me parece o foco correto, dadas as necessidades do país e o fato de o financiamento à infraestrutura requerer, não subsídios, mas um banco capaz de analisar os projetos e monitorar a sua execução. Mas é preciso ir além, também alavancando o financiamento privado; por exemplo, via a securitização dos créditos concedidos uma vez que os projetos financiados entrem em operação.
Trata-se de uma área crítica para o desenvolvimento do país e de um desafio que, apesar de grande, o BNDES tem condições de superar. Mas para isso é preciso foco quase total, abandonando atividades que roubam escala e impedem a necessária especialização, além de nelas a contribuição efetiva do banco não ficar clara.
Como se vê, é um debate instigante e do qual a sociedade deveria participar mais ativamente.
*Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.
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