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segunda-feira, 20 de novembro de 2023

O Brasil é uma Argentina em marcha lenta? Não exatamente, ou não ainda… - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil é uma Argentina em marcha lenta? Não exatamente, ou não ainda…

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre a transição política argentina e possível comparação com o Brasil


Atenção: o peronismo não acabou. Foi apenas derrotado numa presidencial, como já tinha sido no passado, por problemas que ele próprio criou. 

Se o novo executivo, com a oposição do peronismo, não conseguir resolver os problemas criados por um movimento que se converteu em república sindical, ele poderá voltar ao poder, para criar os mesmos problemas.

A Argentina não está livre de novos sobressaltos, de recriar velhos problemas, de inventar novos e de insistir em soluções erradas. Não é fácil ser argentino: três gerações atrás eles inventaram uma espécie de moto perpétuo que dilapida pouco a pouco a riqueza que tinham conseguido amealhar mais de cem anos atrás. 

O Brasil também já ingressou na etapa da república sindical, mas não conseguiu ainda formular uma doutrina para alimentar o eterno retorno da fênix destruidora de riquezas. A chave do problema está na força das ideias. Nosso “peronismo” é apenas de botequim, sem a consistência do justicialismo. O lulopetismo é apenas uma variante do velho populismo, sem qualquer força doutrinal. Um oportunismo disfarçado de política social, justificado pelas enormes carências de um país relativamente desenvolvido, mas com uma carga desmesurada de desigualdades e de injustiças sociais. 

Nunca tivemos a riqueza per capita dos argentinos, e ainda vai demorar para alcançá-la. Nossa produtividade é mediocre, essencialmente em função da má qualidade e insuficiência da educação de massa, coisa que os argentinos tinham alcançado mais de cem anos atrás. 

O peronismo conseguiu dilapidar até esse ativo público; o nosso nunca foi de verdade construído. Oligarcas de direita e república sindical de esquerda no Brasil nunca atribuíram relevância efetiva à educação de massa de qualidade para os mais pobres, de qualquer cor. 

Estamos ainda em marcha lenta, não sabemos ainda para o quê, exatamente.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 20/11/2023

sábado, 2 de setembro de 2023

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta? - Armando Castelar Pinheiro, Paulo Roberto de Almeida

 Re-compartilhando a partir de postagem original de Dilson Sampaio da Fonseca, a quem agradeço a transcrição desta matéria. Permitam-me uma introdução um pouco sombria.

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta?

Retiro dela uma única certeza, em várias dimensões e formatos, todos negativos; os gastos públicos vão continuar aumentando, a carga fiscal vai se agravar, a dívida pública tomará uma parte maior do PIB (e os juros das receitas tributárias), o crescimento vai diminuir, a renda vai estagnar ou até decrescer, com menos investimentos, menos emprego, mais desigualdes e conflitos distributivos, mais politicos populistas e irresponsáveis, mais inflação, mais pobreza, mais atraso.

Estou sendo pessimista?

Certamente, mas é o que me sinaliza o comportamento predatório dos politicos e dos mandarins do Estado,assim como a mediocridade intelectual de grande parte das oligarquias econômicas e dos dirigentes políticos. 

Ou seja, estou prevendo um constante declinio para o Brasil, com a agravante de que ele não é uma fatalidade, mas totalmente autoconstruîdo por nós mesmos, pelos políticos, pelos aristocratas do serviço publico, pela população em geral, que quer mais Estado, mais subsidios, mais salários e privilégios. Somos uma Argentina em marcha lenta, sem aquela soberba típica dos argentinos (que acredito bem mais diminuída hoje).

Dificilmente a tendência dos politicos, de direita e de esquerda, será pela contenção constitucional dos gastos públicos. Então, será o que está no meu titulo!

Desculpem a longa introdução, mas leiam o artigo de um professor realista.

Paulo Roberto de Almeida 

Escolhas de política econômica

Armando Castelar Pinheiro *

Valor Econômico, 1/09/2023

Faz todo sentido que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária

Em artigo de 1992, intitulado “Law or Economics”, George Stigler observa que “enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do direito (...) é profunda a diferença” entre esses dois focos, o que “significa, basicamente, que o economista e o jurista vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas”.

O mesmo poderia ser dito, claro, em relação a economistas e políticos, estes mais focados na popularidade e no impacto eleitoral dos seus atos. Isso explica muito da frustração dos economistas por não emplacar reformas econômicas cujos benefícios lhes parecem claros. O que não significa que haja erro: em uma democracia os políticos procuram refletir, em suas escolhas, as preferências de seus eleitores, como deveria ser.

Por outro lado, isso também não elimina o custo de se escolherem políticas econômicas ineficientes, como bem mostra o baixo crescimento de nosso PIB per capita há tantas décadas, a despeito de todo nosso potencial. Ou o que acontece atualmente com a Argentina, onde as taxas de inflação e de pobreza sobem “a olhos vistos”.

Essa questão me veio à mente assistindo ao “talk show” ocorrido esta semana na cerimônia de entrega do prêmio Valor 1000, com os relatores da reforma tributária na Câmara e no Senado. Muito da conversa acabou girando em torno da necessidade de, no contexto da reforma, se colocar um teto para a carga tributária. Assim, segundo o senador Eduardo Braga, “entendemos como profundamente importante a limitação da carga tributária no texto constitucional”.

Essa é uma proposta relevante por pelo menos três fatores. Primeiro, pois, como lembrado no “talk show”, a experiência da reforma do PIS/Cofins mostrou que, na ausência de uma trava explícita, a promessa de não aumentar a carga corre o risco de não ser cumprida. Isso inclusive pela incerteza de se garantir que a arrecadação será a mesma, o que leva a se preferir errar para mais do que para menos na fixação das alíquotas.

Segundo, pois muito da negociação federativa em curso sobre a reforma tributária vem sendo equacionada abrindo-se as portas para aumentar outros tributos que não aqueles incidentes sobre o consumo, que são o objeto em si da reforma. Assim, a proposta aprovada na Câmara dá espaço para se elevar impostos como o IPTU, o IPVA e o ITCMD, além de criar a possibilidade de os Estados passarem a tributar produtos primários e semielaborados.

Terceiro, pois a política fiscal que está hoje colocada se baseia em um forte aumento da carga tributária, de forma a gerar superávits primários em um contexto de expansão real do gasto público. A previsão mediana do Prisma Fiscal de agosto é que o Governo Central feche este ano com déficit primário de 1% do PIB, que cairia para 0,8% do PIB em 2024. O resultado seria uma dívida bruta de 79% do PIB ao final de 2024, que, de acordo com o Boletim Focus, seguiria subindo nos anos seguintes.

Para estabilizar a relação dívida/PIB, dados o potencial crescimento da economia e a taxa neutra de juros, seria necessário gerar um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB: ou seja, 3% a 3,5% do PIB a mais do que se tem hoje. E, como o modelo atual de política econômica não prevê segurar o gasto público, que tende a continuar crescendo, esse resultado só seria possível via forte aumento da carga tributária, como vem se buscando fazer de variadas maneiras.

Há, porém, dois complicadores importantes. Um, que o cenário econômico, internacional e doméstico, tende a se complicar nos próximos anos. Lá fora, a tendência é que o PIB mundial cresça menos, mas ainda assim as pressões inflacionárias sigam fortes. Isso por conta de pressões vindas da desglobalização das cadeias de produção e da substituição do petróleo por fontes mais limpas de energia. Além disso, como também aqui dentro, o aumento do endividamento público e políticas fiscais mais expansionistas vão pressionar a taxa neutra de juros, como vimos ocorrer após o abandono do teto de gastos. No Brasil, também sentiremos o fim do bônus demográfico. Tudo isso pode fazer com que o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida/PIB seja ainda mais alto.

Outro complicador é que o Brasil já tem uma carga tributária muito alta, como apontado pelos participantes do “talk show”. Em 2022, segundo cálculos do Tesouro Nacional, essa atingiu 33,7% do PIB, basicamente o mesmo que a média da OCDE (34,1%), um patamar já muito elevado para um país emergente como o Brasil.

Aumentos adicionais da carga tributária vão reduzir ainda mais o nosso potencial de crescimento econômico. A maior tributação vai estimular a informalidade, gerar ineficiências diversas e afastar os investimentos. Menos crescimento significa menor geração de emprego e renda e renovadas pressões por mais gasto público.

Faz todo sentido, portanto, que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária: nas palavras do senador Braga, “para dizer não ao Estado e assim...., protegendo, portanto, o contribuinte,... impor ao Estado a necessidade de rever os seus gastos”. Ir na direção oposta é optar por um modelo que vai gerar ainda menos crescimento e nos deixar ainda mais distantes de acabar com a pobreza no país.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre