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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Desconstruindo Paulo Freire (mais uma vez) - Martim Vasques da Cunha (GP)

Novos livros tentam esconder a insignificância de Paulo Freire no mundo das ideias

Martim Vasques da Cunha

Gazeta do Povo, 22/10/2019 

“Paulo Freire é mais um triste exemplo da ‘tirania dos especialistas’ que nos corrói há tempos”.
Quem já leu uma biografia de Paulo Freire, leu todas.
É o caso de dois livros lançados recentemente sobre o “patrono da educação brasileira” (segundo a lei assinada por Dilma Rousseff há alguns anos): O Educador – Um perfil de Paulo Freire, escrito pelo “professor e ativista social” Sergio Haddad (Todavia, 256 páginas), e Paulo Freire Mais do que Nunca – Uma biografia filosófica, do “professor de filosofia” Walter Kohan (Vestígio Editora, 272 páginas).
As classificações de ambas as publicações, ao tentarem ser “um perfil” ou “uma biografia filosófica”, indicam alguma tentativa de objetividade, mas trata-se de um equívoco. Elas não são nem uma coisa, nem outra. Na verdade, não passam de hagiografias.
Em ambos os casos, Paulo Freire é tratado como um santo secular. Não há uma mácula em sua trajetória, nenhuma ambiguidade em seu caráter – e até mesmo as falhas que possam existir em seus empreendimentos mais famosos, em termos educacionais (como a lendária alfabetização de 40 horas em Angicos, em 1963, e a frustrada implementação na Guiné Bissau, colônia portuguesa africana, a partir de 1975), são redimidas em função de uma intenção indiscutível: a da procura pela igualdade.
Um exemplo é o modo como Haddad e Kohan lidam com termos como “democracia”, “coletivização”, “consciente”, “antidemocrática” – sempre com o prisma progressista. Na ótica particular de Haddad, por exemplo, ele aborda os principais pontos do chamado pensamento de Freire como se fossem uma consequência benéfica do nacional-desenvolvimentismo incubado no famoso Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Segundo Haddad, o autor de Educação e atualidade brasileira (a tese de doutorado que seria a base da futura “pedagogia do oprimido”)
“bebia das mesmas influências dos intelectuais do Iseb, em especial da análise da realidade brasileira feita por Álvaro Vieira Pinto e [Alberto] Guerreiro Ramos. Como eles, acreditava que o país estava na transição entre um mundo atrasado para um mundo moderno, mas sua preocupação como educador era outra: como preparar a parcela despossuída da população para participar desse processo de desenvolvimento de forma ativa e consciente?
Ao analisar a escola brasileira, Paulo avaliou que havia nela uma tradição antidemocrática. Era uma escola distante da realidade dos pais e dos alunos, sem espírito solidário, marcada pelo individualismo e por uma metodologia em que a grande maioria dos professores ditava aulas, sem discutir ideias – era, enfim, uma escola que não atendia as necessidades de seu tempo”.
“Atender as necessidades do seu tempo” significa, no glossário de Sergio Haddad (e, por extensão, de Walter Kohan), promover a igualdade entre o aluno e o professor por meio de um processo revolucionário que sintetizaria o marxismo com o catolicismo de esquerda (via Teologia da Libertação) – e o qual teria como intenção principal a libertação do sujeito oprimido por aquilo que Freire chamava de “educação bancária”.
Esse tipo de educação se referia àquela que, de acordo com o próprio Freire, considerava que “o educador é sempre o que educa, e o educando o que é educado; o educador é o que sabe, e os educandos os que não sabem; o educador é o que pensa, os educados são os objetos pensados; o educador é o que fala, os educandos os que escutam docilmente; os educadores sujeitos, os educandos objetos”.
A frase é tortuosa porque mostra um gosto pela imprecisão conceitual em função do jogo de palavras típico de quem vive (e se articula) na famosa “langue de bois” da terminologia marxista-burocrática. No fundo, trata-se de algo pior: estamos lidando, aqui, com a visão de mundo utópica que, na prática, sempre deformará a realidade.
Essa utopia freiriana teria como base existencial a noção do personalismo, inspirado na obra do filósofo cristão francês Emmanuel Mounier. Segundo Roque Callage Neto, no texto “Paulo Freire: uma teoria e metodologia em educação e sua eventual relação com o construtivismo” (o melhor ensaio da polêmica antologia Desconstruindo Paulo Freire, organizada pelo historiador Thomas Giulliano):
O personalismo de Mourier indaga sobre a consciência, a liberdade e o infinito. Entende que a consciência é intencional, que a liberdade existe na autonomia, e que a significação do infinito é dada historicamente. É uma doutrina ‘que afirma o primado da persona humana sobre as necessidades materiais e sobre aparelhos coletivos que sustêm seu desenvolvimento’, e seu principal aspecto é associar a noção de consciência à de comunidade, à de comunicação interpessoal e à de comunhão. Propunha uma revolução comunitária alternativa aos erros do comunismo soviético e do liberalismo capitalista, que traria a sociabilidade ideal do humanismo, a justiça, a equidade material e a liberdade individual. Mas esta seria diferente da individualidade liberal, pois crê que a pessoa é portadora de uma compreensão autônoma, que só pode ser pensada em comunicação com as outras percepções. Agindo num mundo comunitário pela comunicação das consciências, comunica a existência com outras. A revolução comunitária seria um processo de conscientização por toda a sociedade, com o meio fundamental da educação pelo qual as consciências tomam ciência crítica da realidade à sua volta. Ela deve ter pensada como tutela do próprio povo e não do Estado.
Paulo Freire se aproveitou desse personalismo – na verdade, algo mais próximo de um “populismo conservador” “à la” Christopher Lasch – e retirou toda a possível transcendência que havia na criação da comunidade, expurgando Deus da equação e substituindo-o pela “radicalidade cristã do progresso” que, em outras palavras, seria “o impulso profundo e contínuo de uma ascensão do homem com a missão gloriosa de ser o autor da própria libertação”, conforme se lê logo na abertura do best-seller que o tornou uma celebridade, Pedagogia do Oprimido (1974).
Outra “canibalização” que Freire fez de uma teoria que não era sua foi a do “construtivismo pedagógico” que, na definição de Callage Neto, “valoriza a ação do estudante como construtor de seu conhecimento e tira do professor a posição de detentor incontestado do saber, o que não desvaloriza os chamados conteúdos escolares. O professor pode ensinar discutindo a elaboração e apresentando as pistas para a criança chegar ao conhecimento, fornecendo outros que o sustentam, e pode, também, abordar de forma expositiva ou não perspectivas e procedimentos necessários à produção dos conhecimentos”.
Freire queria provocar a tomada de consciência em adultos malformados com a clara meta de criar “artífices da revolução”. Por isso perverteu o que era a “consciência”, no sentido construtivista, para, de acordo com o raciocínio de Callage Neto, uma
invenção e reinvindicação ocasionadas, é verdade, por lacunas das primeiras reflexões e evidenciadas por representações em analogias com fatos gerais e específicos sociais e políticos – tratados de forma empírico-indutiva. Freire está preocupado com o aprendizado não repetitivo e com a conscientização de temas referenciais que se revelam à consciência e depois se ampliam comunitariamente, que conduzem à alfabetização e tomam a forma política. Trabalhando com saberes tácitos que representam o cotidiano do educando e se explicitam dentro dos exemplos temáticos, observa a tomada de consciência como uma analogia entre o conhecimento de proposituras gramaticais e as evidências de atuação social e política dos educandos”.
O problema de usar a analogia como método é que, como bem observou o francês Jacques Bouveresse, ela torna-se um procedimento duvidoso, principalmente quando o seu convencimento “repousa sobre dois princípios simples e particularmente eficazes nos meios literários e filosóficos: (1) destacar sistematicamente as semelhanças mais superficiais, apresentando isso como uma descoberta revolucionária; (2) ignorar de modo igualmente sistemático as profundas diferenças, exibindo-as como detalhes insignificantes que só podem interessar e impressionar os espíritos pontilhosos, mesquinhos e pusilânimes”.
Dessa forma, Freire usava e abusava da sua “dialética simbólica”, sem se preocupar se suas ideias tinham alguma relação concreta com a realidade. Nem mesmo Sergio Haddad consegue disfarçar esta lacuna, em sua hagiografia disfarçada de relato biográfico, quando detalha a principal obsessão de Freire em seu empreendimento de alfabetização os moradores da Guiné Bissau, ao insistir que, na sua correspondência com Mario Cabral [comissário de Educação na Guiné-Bissau],
o português não seguisse como a língua oficial do país. O crioulo lhe parecia o idioma mais indicado: além de ser falado por mais da metade da população, tinha nascido da fusão do português com diversas línguas nacionais, o que garantia a expressão da cultura africana, enquanto o português havia sio imposto nos tempos coloniais. Em certa ocasião, em uma mesa de debates com Luis Cabral [o primeiro presidente da Guiné- Bissau, entre 1973 a 1980], Paulo, para defender o seu ponto de vista, apontou para a cabeça do presidente e disse que ele pensava com o que estava lá dentro, o crioulo. A questão, no entanto, esbarrava em dificuldades práticas, uma vez que o crioulo não era uma língua com grafia estabelecida, condição importante para o processo de alfabetização.
Anos depois, em uma entrevista de 2002, o comissário Mario Cabral
justificou a alfabetização em língua portuguesa na Guiné-Bissau argumentando que a escolha viabilizaria uma melhor comunicação com outros países, já que as mais de trinta línguas faladas na Guiné-Bissau não eram escritas. Para contemplar parte da diversidade linguística do país, pretendia estabelecer seis línguas oficiais incluindo o português e o crioulo, o que cobriria cerca de 80% da população do país. Mas as dificuldades para concretizar esse plano eram imensas.

Fracasso como Secretário de Educação

A disparidade entre a utopia crioula e a língua portuguesa que, por mais colonial que fosse, ainda assim representava uma parte do real era algo evidente até mesmo para aqueles que apoiavam as ideias de Paulo Freire. Outro momento biográfico que marca esta fissura, retirado do próprio texto de Haddad, ocorre quando Freire se tornou Secretário Municipal de Educação da cidade de São Paulo, em 1989, quando Luíza Erundina foi eleita prefeita pelo Partido dos Trabalhadores. Se o que parecia ser antes um momento de triunfo – pois era a consagração política de um pensador que, durante quinze anos, permaneceu à margem do poder e no exílio – transformou-se logo em um fracasso:
Em meados de 1990, um ano e meio depois da sua posse, três funcionários em cargos de confiança foram demitidos. Um deles, o vice-presidente da Afuse – Sindicato dos Funcionários e Servidores do Estado de São Paulo, Benedito Testa, encaminharia ao Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores um documento interno criticando a gestão do secretário, afirmando que os resultados eram escassos, que a equipe de governo e seus principais assessores não tinham vivência no serviço público e que as escolas continuavam mal equipadas e sem segurança. Afirmava ainda que o projeto pedagógico não correspondia às expectativas da rede municipal de ensino. Outro assessor demitido, Fidelcino Rodrigues de Oliveira, enviou uma carta ao jornal O Estado de S. Paulo, na qual criticava o projeto pedagógico interdisciplinar pensado por Paulo. ‘Esta proposta é muito complexa, embrionária, e há falta de educadores na secretaria em condição de realizar este projeto. O sentimento dos professores, especialistas e funcionários é de abandono e decepção’, escreveria.
Mesmo recebendo um aparente apoio formal do PT, os ataques contra Freire continuaram sem cessar, simbolizados especialmente em uma matéria intitulada “Reprovado, Paulo Freire deixa a Educação” a qual vazava a informação que ele sairia do cargo:
Com declarações de Nilza Fernandes de Oliveira Santos, mãe de dois alunos da rede [pública], e do presidente do Sindicato dos Professores e Especialistas do Ensino Municipal, Claudio Gomes Fonseca, o texto dizia que Paulo não havia cumprido o objetivo de se aproximar de alunos e de professores. ‘Com suas viagens e seu desinteresse pelos debates, ele não cumpriu as promessas, [...] além de não usar seu prestígio para tentar resolver antigos problemas que vão continuar depois de sua saída’, diz a reportagem. Durante o seu período no cargo, Paulo teria viajado nove vezes ao exterior, em um total de 102 dias de ausência do posto. Retratando um funcionário descomprometido com o seu trabalho, o texto de Marcos Emílio Gomes [jornalista que assina a matéria] afirmava que Paulo havia abandonado uma reunião para ir ao cinema com a esposa, assim como havia deixado centenas de pessoas esperando por ele em duas palestras – ele simplesmente não estaria com vontade de falar. Algumas das informações veiculadas na matéria foram contestadas posteriormente por assistentes de Paulo.
A última observação é digna de um biógrafo que tenta preservar, a qualquer custo, a aura de santo do seu objeto de pesquisa. Porém, é mais do que isso: trata-se da tendência intrínseca ao nosso caráter brasileiro de viver a própria educação não como um princípio ético e sim como um princípio estético. As consequências disso são terríveis para o futuro do país, conforme apontou Mario Vieira de Mello em O conceito de uma educação da cultura (1984) neste trecho longo, mas esclarecedor:
No Brasil o fenômeno da educação interessa não tanto como processo autônomo de valorização do homem, mas como meio, como instrumento para que sejam atingidos dois objetivos: o desenvolvimento do país e a implementação de um regime democrático. Negar, portanto, que existe um relacionamento direto de causa e efeito entre educação e democracia ou entre educação e desenvolvimento e pretender que a relação fundamental se exprime na equação educação-cultura é se insurgir contra a orientação dos educadores brasileiros e suscitar um certo número de questões inusitadas. Como definir a cultura brasileira? De que maneira poderá ela se relacionar com o nosso esforço educacional? No binômio educação-cultura a quem deverá caber o papel de fator determinante? – Não temos evidentemente uma resposta para essas questões e o máximo que podemos fazer no momento é ensaiar passos tímidos, hesitantes, em direções que ainda não foram exploradas. O Brasil antes de se tornar democrático e desenvolvido tem necessidade de afirmar-se como cultura. A inegável superficialidade que envolve a nossa vida intelectual e moral prejudicará sempre, inevitavelmente nossos esforços de democratização e de desenvolvimento; precisamos nos convencer de que é justamente essa superficialidade o maior obstáculo aos nossos propósitos de renovação. Não se constrói uma nação antes de eliminar uma tal deficiência. O Brasil não pode continuar apoiado sobre valores relativos e exteriores como índices de alfabetização, de crescimento econômico, de representatividade política. O Brasil não pode continuar sem os valores autônomos da cultura. Por mais longínquo que o ideal nos pareça, o Brasil, para se tornar a nação por que todos os brasileiros suspiram, precisará algum dia enveredar pelo caminho de interiorização de seu comportamento. Os males que nos afligem não são exteriores, são internos. Somos nós mesmos os grandes responsáveis pelo marasmo intelectual e moral em que vivemos e é esse marasmo que nos torna tão dependentes de circunstâncias e fatores externos. A decisão tomada por cada um de nós de assumir plena responsabilidade pelo malogro de nossas aspirações a um Brasil maior e melhor seria sem dúvida o primeiro passo a dar na eliminação desse jogo de empurra que consiste em responsabilizar o próximo pelos nossos fracassos como povo e como nação. Mas essa decisão não poderia ter senão o fruto de um longo processo de amadurecimento ético. A vida do brasileiro, todavia, passa ao longo desse processo. Nosso sistema educacional não prevê, como um de seus objetivos principais, o estabelecimento de medidas tendentes a favorecer esse amadurecimento. Nossa pedagogia não procura de forma alguma estimular o desenvolvimento de qualquer senso de responsabilidade e de autonomia individual. Confundimos habitualmente esse senso com o que costumamos entender pela expressão ‘virtudes cívicas’. Mas a diferença que existe entre uma coisa e outra é que a primeira é inexprimível e se manifesta indireta, mas continuamente em todas as ações que praticamos, ao passo que a segunda é uma peça de retórica só lembrada em solenidades públicas e ainda assim para marcar o seu caráter de exceção.

Paulo Freire e a "antieducação"

O agudo diagnóstico de Vieira de Mello é o pano de fundo para se entender a “antieducação” perpetrada por Paulo Freire e seus acólitos no tecido social brasileiro. Ao mesmo tempo, apesar de ter uma base evidentemente progressista, trata-se de uma “antieducação” que também se aplica na sua oposição reacionária, uma vez que ambos os escopos políticos se fundamentam no uso equivocado da analogia para manipular a consciência individual e torná-la apenas uma ferramenta desenvolvimentista a serviço deste “Deus Selvagem” que é o Estado brasileiro. E, como sempre acontece nesses casos, a liberdade interior que se manifesta pelo uso criativo da linguagem é deixada de lado.
Não à toa que Paulo Freire, quando estava no cárcere em 1964, logo após o Golpe Militar, tentou se dedicar à leitura de alguns clássicos da nossa literatura, mas logo esbarrou em alguns obstáculos cognitivos, descritos pelo próprio Sergio Haddad em sua hagiografia:
Caiu-lhe nas mãos o clássico Grande sertão: veredas. Incomodado com a linguagem de Guimarães Rosa, desistiu do livro e comentou com Clodomir [Santos de Morais, ativista político que era seu companheiro de cela] sua dificuldade com o estilo, o palavreado, o tom regional do romance. Surpreso, o companheiro explicou as circunstâncias que levaram aquela região entre o rio São Francisco e Goiás a manter uma espécie de dialeto próprio, o mesmo falado até então por sua mãe e alguns parentes que moravam ali. ‘Se você quiser, eu, com toda a satisfação, vou tratar de traduzi-lo’, propôs Clodomir, disposto a fazer anotações sobre as expressões idiomáticas no próprio livro. Paulo aceitou de imediato.
Parece ser uma anedota despretensiosa, mas revela muito bem o porquê de Paulo Freire ser mais um triste exemplo da “tirania dos especialistas” que nos corrói há tempos. Na sua ânsia de ensinar os outros a lerem para mudar o mundo, confundiu o espírito da letra com a letra em si, e não reconheceu que o importante não é apenas ler as palavras e saber o seu sentido, mas sim ler o mundo em sua incrível complexidade. E isso só a grande literatura pode fazer, uma literatura que não precisa necessariamente de um gênio linguístico como o de Guimarães Rosa – como podemos ver nos inúmeros exemplos da literatura de cordel e nos relatos orais dos habitantes de Canudos a respeito dos feitos de um Antonio Conselheiro ou de um Padre Cícero –, e sim de uma sensibilidade que nos impeça de nos transformar em pedras.
Pois, entre o pensamento e a sua expressão, há toda uma vida a percorrer. O que nos resta é a educação de uma pedra que falava somente com seus semelhantes e que, neste caso específico, é o “círculo dos sábios” a comandar o Brasil que conhecemos. Infelizmente, enquanto a biografia de Paulo Freire for tratada com importância exagerada tanto pela esquerda como pela direita (como acontece com os livros de Sergio Haddad e Walter Kohan), não saberemos o que fazer com um sujeito que, na verdade, sempre foi insignificante no verdadeiro mundo das ideias. E assim estaremos condenados, por um bom tempo, ao mais cruel dos subdesenvolvimentos – o do espírito que nega a tudo e a todos.

* Martim Vasques da Cunha é autor de Crise e Utopia – O Dilema de Thomas More (2012) e A Poeira da Glória (2015).

Leia também: Cinco ideias indefensáveis de Paulo Freire

Cinco ideias indefensáveis de Paulo Freire

Criador da Pedagogia do Oprimido via educação a serviço da causa revolucionária e elogiou a “capacidade de amar” de Che Guevara

Atualizado em 19 de setembro de 2019.
Durante décadas, Paulo Freire foi a referência incontestável da educação brasileira. Ainda hoje, ele não tem concorrentes em número de citações nas faculdades de Pedagogia. Mas, se merece crédito por ter chamado atenção para o problema do analfabetismo no país, Freire adotou um viés ideológico que já era problemático nos anos 1960 e não pode ser tomado como referência nos dias de hoje.
Veja cinco ideias indefensáveis que Paulo Freire apoia em seu principal livro, Pedagogia do Oprimido:
1) O mundo se divide entre opressores e oprimidos
Freire defende uma pedagogia “que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação”.
Ao adaptar a noção da constante luta de classes de Karl Marx, o pedagogo usa um esquema binário: os estudantes não teriam opção senão buscar sua liberdade diante dos opressores. A noção freiriana de libertação é pouco detalhada pelo autor, mas um detalhe da obra traz uma boa pista do que ele tinha em mente: a descrição apaixonada que ele faz do regime de Cuba – o próximo item da lista.
2) Che Guevara é um exemplo de amor
Quando Pedagogia do Oprimido foi escrito, os fuzilamentos sumários feitos em Cuba já eram notórios. O próprio Che Guevara havia admitido a prática do alto da tribuna das Nações Unidas. No entanto, Freire enxergava apenas qualidades no guerrilheiro convertido em ditador.
"O que não expressou Guevara, talvez por sua humildade, é que foram exatamente esta humildade e a sua capacidade de amar que possibilitaram a sua ‘comunhão’ com o povo. (...). Este homem excepcional revelava uma profunda capacidade de amar e comunicar-se", escreveu.
3) A educação deve estar a serviço da revolução
"O sentido pedagógico, dialógico, da revolução, que a faz 'revolução cultural' também, tem de acompanhá-la em todas as suas fases", propôs Freire.
A implicação é que o ensino deve estar a serviço da ideologia. A ideia de Paulo Freire abre as portas para a pregação política em sala de aula, com as vítimas de sempre: os alunos.
4) A família é opressora
Em Pedagogia do Oprimido não há qualquer menção ao papel da família na educação. O ensino é visto como uma tarefa do professor, subentendido o protagonismo do Estado nessa função. A lógica de Paulo Freire é esta: como a sociedade é opressora, a família reproduz os mecanismos opressores dentro de casa.
"As relações pais-filhos, nos lares, refletem, de modo geral, as condições objetivo-culturais da totalidade de que participam. E, se estas são condições autoritárias, rígidas, dominadoras, penetram nos lares que incrementam o clima da opressão", diz um trecho do livro.
5) É preciso combater a “invasão cultural”
A educação, por definição, depende da transmissão de conhecimentos e valores acumulados ao logo da história. No Brasil, essa história vem sobretudo das grandes tradições da filosofia grega, do direito romano, da matriz cristã. Interpretar o ensino dessa tradição como uma “imposição de valores” a ser combatida significa isolar os alunos do contexto histórico do país onde vivem.
Freire quer os estudantes protegidos da “invasão”: "Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la", prega.
Entre os herdeiros ideológicos de Paulo Freire estão as correntes que defendem uma versão do Português sem erros nem acertos – o que, no fim das contas, prejudica a inserção de jovens carentes no mercado de trabalho.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Paulo Freire: a contribuicao brasileira para tornar o mundo pior do que e'...

Opinião 2

Autoajuda marxista

José Maria e Silva
Gazeta do Povo, 04/12/2012

“Paulo Freire: Rousseau do século 20.” Quem faz essa afirmação, em um alentado livro de 324 páginas publicado em 2011 na Holanda e que leva justamente esse título, é o indiano Asoke Bhattacharya, professor da Universidade de Calcutá. De fato, Paulo Freire é a versão atual do autor de Emílio, ou Da Educação (1762), que muita influência teve na pedagogia. Mas, como ironiza Émile Durkheim, quem confiaria a educação de uma criança ao desnaturado Rousseau, que abandonou a própria prole?
Essa pergunta cabe em relação a Paulo Freire, que prega a liberdade, mas cultua totalitarismos. Pedagogia do Oprimido, uma espécie de manual de autoajuda marxista, idolatra a “linguagem quase evangélica” do “humilde e amoroso” Che Guevara, enaltece sua “comunhão com o povo” e, valendo-se de um jogo vazio de palavras, justifica as execuções sumárias que ele perpetrava sem piedade: “A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida”.
Essa frase assassina inspira Moacir Gadotti, discípulo predileto do mestre, que, em Pensamento Pedagógico Brasileiro, despreza o grande pedagogo escola-novista Lourenço Filho, mas se rende a Lenin e Mao Tsé-tung. Ambos são tratados por Gadotti como “grandes pedagogos da humanidade”.
Pedagogia do Oprimido, que deu fama mundial a Freire, é menos um tratado que um panfleto. Até seus discípulos são obrigados a reconhecê-lo. Ao observar que Paulo Freire “foi saudado como um dos fundadores da pedagogia crítica”, Bhattacharya observa que isso “não é errado, mas também não é muito preciso”, pois vários filósofos educacionais antes dele foram críticos em relação à pedagogia tradicional. “Portanto, não é a atitude crítica de Freire, mas seu ativismo político que o diferencia de alguns (mas não de todos) os filósofos canônicos educacionais”, diz o professor indiano.
O “Método Paulo Freire”, com mais propaganda que resultados, foi uma ferramenta populista de João Goulart financiada com dinheiro norte-americano do acordo MEC-Usaid. E nem era inédito: o uso de palavras geradoras na alfabetização já estava presente em outras propostas pedagógicas, como o “Método Laubach”, muito disseminado no Brasil. O que Paulo Freire fez foi carregar as palavras de ideologia revolucionária, a pretexto de falar da realidade do aluno. É como se o pedreiro tivesse de se restringir ao tijolo; o lavrador, à enxada; o carpinteiro, ao serrote. O que seria da cultura brasileira se Machado de Assis fosse obrigado, em sua alfabetização, a tartamudear sobre o morro em que nasceu?
O reducionismo pedagógico é o grande legado de Paulo Freire. Juntando-se ao “construtivismo pós-piagetiano”, ele inspirou o “preconceito linguístico”, que vilipendia a norma culta do idioma; a “geografia crítica”, que mistura bairrismo com economia marxista; a história em ação, que eterniza o presente; a matemática étnica, que cria analfabetos em tabuada. Paulo Freire relativizou o conhecimento, anulou a autoridade do professor e, sobretudo, assassinou o mérito – inviabilizando a possibilidade de educação. O ranking global divulgado no fim de novembro que o diga.
José Maria e Silva, jornalista, é mestre em Sociologia.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Educacao: um programa equivocado, uma falsa solucao

O governo insiste em encontrar soluções erradas para problemas reais. Em lugar de formar professores decentes, para dar aulas decentes, o governo vai gastar dinheiro com capitalistas indecentes -- OK, talvez decentes, mas vão ganhar dinheiro fácil de um governo equivocado -- para comprar computadores (só os computadores, sem programas) que não servirão para nada (OK, para joguinhos), e assim se prolonga a agonia da educação brasileira.
Vai demorar um bocado para consertar, e vão gastar muito dinheiro antes de revisar políticas erradas.
Paulo Roberto de Almeida 


Lei que amplia Brasil Maior incentiva compra de computadores para escolas públicas
Agência Brasil

Publicada ontem (18), a Lei 12.715 - que amplia o Plano Brasil Maior - concede incentivos fiscais para a compra de computadores para escolas públicas e restabelece o Programa Um Computador por Aluno (Prouca). 
A norma trata, entre outros pontos, da desoneração da folha de pagamento, aplicação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) na área educacional e concessão de incentivos à industria automotiva e ao Programa Nacional de Banda Larga.

De acordo com a lei, o Regime Especial de Incentivo a Computadores para Uso Educacional (Reicomp) visa facilitar a aquisição dos aparelhos para uso dos alunos e professores da rede pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal e para as escolas sem fins lucrativos que prestam atendimento a pessoas com deficiência. Os computadores deverão ser utilizados exclusivamente no processo de aprendizagem.

O Reicomp suspende a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as indústrias que fornecem matéria-prima e produtos intermediários para a fabricação dos computadores, além do PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

O Programa Um Computador por Aluno tem como objetivo promover a inclusão digital nas escolas públicas por meio da compra de equipamentos de informática, programas de computador, suporte e assistência técnica. Pela lei, um percentual mínimo dos equipamentos deverá, obrigatoriamente, ser adaptado para pessoas com deficiência.   

A lei também institui o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para construção ou reforma de estabelecimentos de educação infantil. O regime poderá ser aplicado até o 31 de dezembro de 2018 aos projetos de construção ou reforma de creches e pré-escolas, cujas obras tenham início ou contratação a partir de 1º de janeiro de 2013.

De acordo com o governo, a adoção do RDC é opcional. O projeto - de construção ou reforma de creche e pré-escola - precisa da prévia aprovação do Ministério da Educação e o imóvel não poderá ter a destinação alterada pelo prazo mínimo de cinco anos.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A tragedia educacional brasileira - João Batista Araújo Oliveira

Palavras sensatas as deste especialista em questões de educação. Pena que suas recomendações de puro bom senso passe longe desse formigueiro de saúvas "freireanas"que constitui, atualmente o MEC, que merece bem mais formicida do que reforço de orçamento.
Minha percepção é a de que não existe nenhuma chance de que suas palavras e recomendações sejam jamais seguidas pelas pedagogas freireanas que pululam no MEC, que continuam inventado pedagogias alucinadas para continuar sua obra de destruição da educação brasileira.
Ou o Brasil acaba com as saúvas freireanas que estão destruindo o que restou de educação no Brasil, ou elas vão acabar com o Brasil...
Paulo Roberto de Almeida 

Currículo, a Constituição da educação

João Batista Araújo Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto 
O Estado de S.Paulo, 2 de janeiro de 2012 | 3h 06
O Ministério da Educação (MEC) anunciou, com atraso considerável, que vai apresentar sua proposta de currículo. A Constituição de 1988 promoveu avanços notáveis em várias áreas, apesar de inúmeras disfunções criadas. Mas faltou uma visão de futuro mais clara e pragmática. Resta assegurar que, da mesma forma, a iniciativa atual não aumente ainda mais o nosso atraso.
A última decisão nessa área resultou nos desastrados "parâmetros curriculares nacionais". A maioria das iniciativas do MEC que envolvem questões de mérito tem sido sistematicamente cativa de mecanismos e critérios corporativistas e de duvidosos consensos forjados em espúrios mecanismos de mobilização. Tradicionais aliados do ministério, inclusive internamente, têm aversão à ideia de currículo e mais ainda de um currículo nacional. Documentos desse tipo, produzidos por alguns Estados e municípios em anos recentes, continuam vítimas do pedagogismo. Isso é o melhor que temos.
O assunto é sério demais para ser deixado apenas para os educadores e especialistas. Nem pode ser apropriado pelo debate eleitoral. O Brasil - especialmente suas elites - precisa estar preparado para discutir abertamente a questão. Aqui esboçamos os contornos desse debate.
O que é um currículo? Um documento que diz o que o professor deve ensinar, o que o aluno deve aprender e quando isso deve ocorrer. Em outras palavras, conteúdo, objetivos (o termo da vez é expectativas de aprendizagem), estrutura e sequência. Para que serve um currículo? Primeiro, para assegurar direitos: o currículo especifica o que o aluno deve aprender. É um instrumento de cidadania fundamental para garantir equidade e os direitos das famílias. Segundo, para estabelecer padrões, ou seja, os níveis de aprendizagem para cada etapa do ensino: atingir esses níveis é o dever, que cabe ao aluno. Terceiro, para balizar outros instrumentos da política educativa, como avaliações, formação docente e produção de livros didáticos, instrumentos essenciais em qualquer sistema escolar. Os currículos, sozinhos, não mudam a educação.
Por que ser de âmbito nacional? A experiência dos países mais avançados em educação, sejam federativos ou não, indica a importância de uma convergência. Depois do advento do Pisa, mesmo países extremamente descentralizados, como Suíça, Alemanha ou EUA, têm promovido importantes convergências em seus programas de ensino, até em caráter de adesão. Num município, um currículo básico permitirá que alunos transitem por diferentes escolas sem que se instaure o caos a que hoje submetemos nossas crianças e seus professores.
Como saber se um currículo é bom? A condição é que seja claro. Se o cidadão médio ler e não entender, não serve. Deve ser parecido com edital de concursos: você lê, sabe o que cai no exame e sabe como precisa se preparar. O currículo não é exercício parnasiano ou malabarismo verbal.
Deve também levar em conta os benchmarks, as experiências dos países que, usando currículos robustos, avançaram na educação. É preciso cuidado para não confundir os currículos que os países adotam hoje, depois de atingido o nível atual, com os currículos que os levaram a esse patamar.
A proposta deve ser dinâmica e corresponder às condições gerais de um sistema. O currículo não pode ser avaliado isoladamente de outras políticas, em especial da condição dos professores. Hoje a Finlândia, com os professores que tem, pode ter currículos mais genéricos do que há 15 ou 20 anos. A análise dos benchmarks sugere quatro outros critérios para avaliar um currículo: foco, consistência, rigor e referentes externos.
Um currículo deve ter foco, concentrar-se no primordial e só em disciplinas essenciais, cuidando de poucos temas a cada ano, sedimentando a base disciplinar e evitando repetições. William Schmidt, que esteve recentemente no Brasil, desenvolveu escalas comparativas que permitem avaliar o grau de focalização de currículos de Matemática e Ciências.
Deve ter consistência, isto é, respeitar a estrutura de cada disciplina. Isso se refere tanto aos conceitos essenciais que devem permear um currículo quanto à organização do que deve ser ensinado em cada etapa ou série. Por exemplo, um currículo de Língua Portuguesa considerará as dimensões da leitura, escrita e expressão oral, levando em conta o equilíbrio entre a estrutura e as funções da linguagem e contemplando o estudo dos componentes da língua (ortografia, semântica, sintaxe, pragmática).
Um currículo deve ter rigor, ser organizado numa sequência que evite repetições e promova avanços a cada ano letivo. Esses avanços devem observar a relação entre disciplinas e a capacidade do aluno de estabelecer conexões entre elas. Interdisciplinaridade e contexto não são matérias de currículo, são consequência deste.
Um currículo deve ter referentes externos claros. Um currículo de pré-escola deve especificar tudo o que a criança precisa para enfrentar com sucesso os desafios posteriores do ensino fundamental. Isso não significa tornar o pré uma escola antes da escola: currículo não é proposta pedagógica.
Já o ensino fundamental deve preparar o indivíduo para operar numa sociedade urbana pós-industrial. O Pisa não é um currículo, mas contém sinalizações que sugerem o que é necessário para a formação básica do cidadão do século 21. É uma boa baliza para o ensino fundamental. Os currículos do ensino médio, por sua vez, devem ser diversificados, contemplando diferentes opções profissionais e acadêmicas. Pelo menos é assim que funciona no resto do mundo que cuida bem da educação e se preocupa com o futuro de sua juventude.
Finalmente, o que um currículo não deve ser? Um exercício de virtuose verbal, um manual de didática, a advocacia de teorias, métodos e técnicas de ensino, uma vingança dos excluídos e muito menos um panfleto ideológico ou uma camisa de força. Muito menos deve ser o resultado de consensos espúrios.
O currículo definirá se queremos cidadãos voltados para a periferia ou o centro, para o particular ou para o universal.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

"É preciso leiturizar"!!! - Seria verdade??? -- destruindo a educacao no Brasil

Que tal se as pedagogas brasileiras simplesmente recomendassem o aprendizado da leitura, ao velho estilo, tradicional?
Acho que a educação brasileira está nesse estado lastimável em que ela se encontra -- e tenham certeza de que a qualidade do ensino, no Brasil, é muito, mas muuuuito pior do que vocês possam sequer imaginar -- em grande medida devido a essas pedagogas de araque, que vivem teorizando sobre o nada, em lugar de se concentrar naquilo que é realmente essencial: ensinar Português básico, matemáticas elementares e ciências nos seus aspectos essenciais, apenas isso.
As pedagogas freireanas que "leiturizam" muito estão destruindo a educação brasileira.
Graças a elas, o ensino é essa porcaria que é.
Chego a ter dó de nossas crianças.
Cada vez que encontro um artigo desses que vai, lamentavelmente, transcrito abaixo, tenho absoluta certeza de que vamos passar por todas as (piores) fases da Lei de Murphy: o que já é ruim continuará piorando, da pior forma possível, pelo tempo mais longo imaginável.
Aguardem: teremos pela frente mais 20 anos de decadência educacional, pelo menos, com gente como essa nossa "leiturizadora".
Lamentem, chorem, resignem-se...
Paulo Roberto de Almeida

É preciso leiturizar
Araci Asinelli-Luz *
Gazeta do Povo (PR), 21/02/2011

É preciso buscar interpretar e descobrir o que está além do que aparece, o que está além do que está dito e feito.

O termo leiturização foi apresentado por Jean Foucambert, do Instituto de Pesquisas Pedagógicas da França, em entrevista à Revista Nova Escola (1993). Suas preocupações estavam centradas em como se dá o processo de alfabetização que, frequentemente, coloca a criança diante da transcrição oral da escrita e, quase nunca, ante o funcionamento real da escrita, reduzindo em muito as possibilidades de se formarem leitores, ou seja, pessoas capazes de aprender que a linguagem escrita não é a representação da realidade e sim um ponto de vista sobre essa realidade.

Seus escritos permitem identificar três comportamentos diante do texto ou realidade a ser lida: o ledor/a ledora, aquele e aquela que decifra linearmente os códigos e signos apresentados da linguagem escrita, sem qualquer sinal de proatividade e interação com a mensagem ali expressa. Um bom exemplo de ledor é o sujeito que faz a "leitura" da água em minha casa. Observa o relógio da água, digita alguma coisa em uma maquininha que traz consigo e em seguida me entrega um protocolo onde está impresso o quanto foi consumido de água no período e o quanto devo pagar na data que ali se encontra. Sua função não lhe permite ler, além disso. É incapaz de perceber que na casa de uma professora não pode ter um consumo de água nesse valor, alguma coisa deve estar errada. É também o personagem da televisão, o Zeca Diabo, que sabia ler de "carreirinha".

Há também o leitor/a leitora, a maioria das pessoas que teve acesso a um bom processo de alfabetização e letramento e, na escola formal, teve oportunidade de ler textos diferenciados e literatura interessante. A leitora e o leitor entendem perfeitamente a mensagem expressa no texto e são capazes de interpretar e resumir o que o autor quis expressar. Quando muito hábeis vão um pouco além e costumam posicionar-se sobre o texto, expressando sua crítica. Um bom exemplo são os universitários, os pós-graduandos e suas produções acadêmicas a partir das "revisões de literatura".

Foucambert, no entanto, propõe que sejamos leiturizadores. A leiturização exige uma leitura crítica de intenções, dos entremeios, das entrelinhas, sob suspeição. "Olhar um texto é forçosamente se perguntar o que pretende a pessoa que o escreveu". Exige mais do que interpretar, exige se perguntar o porquê daquela palavra, daquela forma de expressar a mensagem, o que pode advir dos significados ali expressos. "Não significa que todos os textos tenham más intenções", mas é preciso ir além da linearidade do que está dito ou escrito.

Paulo Freire falava em "leitura de mundo", para exercer a cidadania plena e postulava a educação como ato político. Em se tratando de política, com a interdependência entre os políticos que temos, o que dizem e fazem, as políticas públicas e a rede de múltiplos fatores que aí se encontram, é necessário leiturizar. Um bom exemplo é buscar interpretar e descobrir o que está além do que aparece, o que está além do que está dito e feito. Assim, compartilho um exercício para aprendizagem: o que pretende um político vaidoso autodenominar-se benemérito ao tentar transformar um fato imoral em ato formal de caridade? Que intenções estão por trás da anunciada "moralização da Assembleia" se quem a escreve até pouco tempo era contrário a ela?

Como gerar motivação para o trabalho nomeando líderes com histórias em que falta a ética no trabalho? Como acreditar em valorização da educação se a acolhida dos estudantes no seu primeiro dia de escola é cheia de vazios? Como entender a não criação da Defensoria Pública no Estado, em nome da contenção de gastos, e aprovar aumentos questionáveis em causa própria? Como interpretar a gratificação aos policiais que protegem deputados em detrimento aqueles que protegem toda uma população?

Se "ler o mundo", com seus desastres bioecológicos, seus sistemas de governo, suas alianças políticas e de poder, a generosidade dos povos frente às catástrofes, a beleza da natureza como dádiva de Seu Criador, a inteligência humana na ciência, nas tecnologias e nas inovações, ainda é muito complexo para grande parte da população, leiturizar o mundo vai exigir muito esforço, reflexões e intencionalidade. O resultado? Quem sabe um Brasil mais ético, mais criterioso e menos desigual.

*Araci Asinelli-Luz, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é doutora em Educação.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Afrobrasileirismo: fraude escolar tambem serve para marketing

Recebi uma mensagem, tipicamente de marketing, tentando me convencer a fazer um curso sobre essas coisas fraudulentas e altamente míticas que agora se tornaram parte do currículo obrigatório nas escolas brasileiras, desde o primeiro grau.
Para tentar provar que minhas raízes africanas e indígenas são muito importantes, eu -- que não tenho nenhuma, assim como milhões de outras crianças que tampouco se imaginam como afrodescendentes, ou descendentes de "autóctones" -- somos convidados a fazer um curso, provavelmente cheio de mistificações, para tentar me convencer como essas raízes inexistentes são importantes, em minha vida e na vida nacional.
Eis os termos da mensagem de marketing recebida (elimino as referências "editoriais"):

O conhecimento e a reflexão sobre a História Africana e Indígena é uma forma de repensar os currículos e as práticas na escola.
Em decorrência da implementação da lei 10.639/03 há vários estudos sobre a História e a Literatura dos africanas e dos indígenas.
Acessar a memória é buscar por uma identidade, somos remetidos a uma reflexão sobre o conjunto de atividades cerebrais que cada pessoa carrega, em outras palavras, armazenar, conservar e atualizar informações que viveu e experimentou, permite trazê-las para o tempo presente.
Conteúdos:
Reconhecimento e valorização da identidade do povo brasileiro no resgate das raízes africanas e indígenas.
Democratização do saber, pela conscientização da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil.
Reflexão sobre a diversidade na busca de relações étnico – sociais positivas, visando a construção de um nação mais democrática.


Ou seja, escondendo-se atrás de palavras bonitas, ou idiotas, você escolhe -- "acessar a memória", "atividades cerebrais", "valorização da identidade", "conscientização da sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil", "construção de um nação mais democrática" -- os mercadores do novo "saber" afrobrasileiro e indígena querem me fazer engolir, pagando, claro, um cursinho pilantra que vai lucrar em cima da obrigatoriedade debilóide imposta pelas "otoridades" da (des)educação no Brasil.
Cada vez mais me convenço: o Brasil está numa trajetória de mediocrização do ensino (em todos os níveis) e de construção de fraudes educacionais que vão custar muito caro ao país, pois esse tipo de bobagem tem a capacidade de comprometer por muito tempo, mas por muito tempo a má qualidade da educação brasileira.
Ou seja, o que já é ruim, vai ficar pior, vai caminhar para o péssimo, juntando com as fraudes históricas e as mistificações sociológicas.
Estamos certamente a caminho de uma decadência intelectual que vai demorar muito para ser eliminada...
Paulo Roberto de Almeida
(3.09.2010)

PS: Não sei se vocês repararam, mas os idiotas que pretendem me ensinar alguma coisa sobre minhas "raízes" precisariam antes começar por um curso de Português:
"O conhecimento e a reflexão sobre a História Africana e Indígena é uma forma de repensar..."
Ou seja, um sujeito no plural e um verbo no singular! Quando é que essa gente vai aprender Português. Mas se compreende: o Português é uma língua européia, dos bárbaros dominadores, não tem nada a ver com as supostas raízes africanas ou autóctones...
Dispenso-me de comentar todo o restante da mensagem, num Português arrevesado que faria corar de vergonha um estudante secundário (pelo menos imagino...).