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domingo, 13 de abril de 2014

Plano Nacional de Educacao, 2: um monstro que vai atrasar o Brasil - José Maria e Silva

O autor se engana na naturalidade de Cláudio Moura Castro: ele não é carioca, e sim mineiro.
Paulo Roberto de Almeida 

Guerrilha Pedagógica
Plano Nacional de Educação irá aprofundar doutrinação no ensino
José Maria e Silva
Jornal Opção, Edição 2023, de 13 a 19 de abril de 2014 
No país do analfabetismo funcional, novo plano de educação negligencia o mérito, põe a escola contra a família e, em vez de estimular a leitura, policia as palavras, transformando a língua num instrumento de opressão ideológica
Paulo Antunes
Cláudio de Moura Castro, economista e pesquisador: denunciando os delírios
do Plano Nacional de Educação
Durante uma audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, realizada em 22 de outubro do ano passado, o economista e professor Cláudio de Moura Castro, ao término de sua palestra, resolveu apresentar uma proposta ao Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020). Professor visitante de renomadas universidades estrangeiras, Ph.D. em Economia pela Vanderbilt University, nos Estados Unidos, e conceituado pesquisador da educação, com vários livros publicados, Moura Castro, com um ligeiro sorriso no rosto, anunciou: “Já que todo mundo botou um negócio no plano, um artiguinho, eu também quero propor um artiguinho no plano: um bônus para as caboclinhas de Pernambuco e do Ceará conseguirem se casar com os engenheiros estrangeiros, porque aí eles ficam [no País], e aumenta o capital humano no Brasil, aumenta a nossa oferta de engenheiros”.

A declaração provocou um manifesto de repúdio de cerca de 50 entidades de todo o País, desde a União Nacional dos Estudantes até o Instituto Paulo Freire, passando pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, um movimento que congrega cerca de 200 entidades, entre elas o indefectível Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que, por mais estranho que pareça, é um de seus coordenadores. Para essas entidades, a declaração de Moura Castro é “inadmissivelmente machista e discriminatória” e “manifesta um preconceito regional e racial inaceitável”, inclusive sugerindo a subjugação das mulheres por estrangeiros. Elas exigiram uma retratação do professor e prometeram recorrer até a Dilma Rousseff, como se já vivêssemos numa ditadura totalitária e a presidente tivesse poder para autorizar ou não o livre pensamento.

O humor pode não ser o forte do professor Cláudio de Moura Castro e sua declaração revela certo mau gosto. Como carioca, ele poderia propor o bônus para as calipígias passistas das escolas de samba que se expõem muito mais ao olhar estrangeiro do que as caboclinhas do sertão nordestino, poupando Pernam­buco e Ceará de uma referência gratuita. Mas é um exagero considerar uma mera frase infeliz como discriminatória, preconceituosa e machista, até ameaçando o professor com processo judicial, sobretudo quando se conhece o contexto em que foi formulada. Essas entidades participaram da audiência pública no Senado e sabem que Cláudio de Moura Castro, com seu chiste, queria apenas mostrar o quanto o Plano Nacional de Educação não passa de uma absurda colcha de retalhos, que carreou para dentro de si os particularismos dos mais diversos guetos ideológicos, que nada têm a ver com a sociedade brasileira, muito menos com a sala de aula.
Marxismo avança até nas engenharias
O Brasil herdou o ensino retórico de Portugal, calcado nas humanidades, e não consegue formar profissionais técnicos em número suficiente para atender sua indústria. Uma forma de enfrentar esse problema seria priorizar as ciências naturais e exatas no ensino básico, formando nos jovens um espírito prático, voltado para os fatos e não para a retórica, mas esse não é o caminho adotado pelo ensino atual; muito pelo contrário, a educação brasileira é cada vez mais conceitual, afetada, metalinguística, encarquilhada sobre si mesma, num quase completo desprezo pela realidade em torno, salvo quando essa realidade se presta a devaneios ideológicos, como a “resistência” dos sem-terra, a “tradição” dos quilombolas, a “cultura” das favelas, o “empoderamento” dos drogados, entre outras minorias de estimação nas quais se proteja a utopia de boa parte da elite intelectual.

Hoje, mesmo os cursos técnico-profissionalizantes são profundamente contaminados pela retórica ideológica da esquerda. Em grande parte das faculdades de Engenharia, por exemplo, as disciplinas de ciências humanas são calcadas numa bibliografia marxista ou neomarxista, privando o aluno de uma visão plural, que incorpore, também, pensadores liberais ou conservadores. Isso ocorre, sobretudo, nas faculdades de Enge­nharia Ambiental, em que a bibliografia da parte de humanidades do curso parece destinada a inculcar no aluno que o capitalismo é o inimigo por excelência do meio ambiente, esquecendo-se que os regimes totalitários, como o stalinismo ou a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, não têm motivo algum para respeitar a natureza bruta, uma vez que não são capazes de respeitar nem a natureza humana.

É no contexto de uma educação que tenta transformar em instrumento ideológico até as engenharias que Cláudio de Moura Castro saiu-se com seu gracejo sobre os engenheiros e as caboclinhas. Foi uma forma que encontrou de atacar também o holismo obsessivo do ensino brasileiro, que professa uma suposta visão integral de cada fenômeno social e humano, buscando dominar o homem e a natureza por todos os poros e átomos no afã de construir o outro mundo possível, em que tudo deve ser planejado nos mínimos detalhes, como queria a União Soviética no esplendor de sua utopia totalitária. A pedagogia de Paulo Freire é herdeira dessa utopia holística, que transforma o professor em aprendiz e o aluno em mestre, sob o falso pretexto de que o ensino jamais pode ser transmissão de conteúdo e deve dar à embrionária vivência de um adolescente o mesmo peso que o conhecimento acumulado pela humanidade adquiriu em séculos.

Não poderia haver ironia melhor – até em face da teoria de gêneros que se tenta impor na educação, negando os sexos biológicos – do que associar o aumento do número de engenheiros no País à cadeia hormonal das caboclinhas, estimulada pela intervenção holística do Estado através da concessão de bônus. O Plano Nacional de Educação está cheio desse tipo de associação indevida entre aprendizado e fatores sociais diversos, como se aprender a ler e contar fossem atividades indissociáveis da vida cotidiana e não pudessem ser ensinadas sem que antes se revolucionasse todo o contexto social da criança. É esse tipo de mentalidade holística que faz com que o Plano Nacional de Educação se ocupe de ninharias tão absurdas que, já em sua Meta 2, uma das estratégias preconizadas é a renovação e padronização da frota rural de veículos escolares, como se prescrever o modelo e a cor desses veículos, desde a Amazônia aos Pampas, passando pelo Cerrado, fosse tão importante quando dispor de uma boa metodologia de ensino da tabuada, por exemplo.
Plano é “advocacia em causa própria”
É esse tipo de problema que levou o professor Claudio de Moura Castro, em sua palestra no Senado, a chamar o novo Plano Nacional da Educação 2011-2020 de “equivocado e inócuo”. Acertadamente, ele observa que o PNE é um somatório das idiossincrasias de diversos grupos advogando em causa própria, o que resultou num conjunto de mais de 2 mil propostas para a educação, muitas vezes incompatíveis entre si e quase sempre impossíveis de serem postas em prática. Entre as medidas que considera impossíveis, Moura Castro citou uma das estratégias da Meta 12, que pretende elevar para 90% o porcentual de conclusão dos cursos de graduação do ensino superior, quando se sabe que, mesmo nos Estados Unidos, o índice de evasão nas universidades chega a 50%. Outra meta que considerou irreal é a proposta de erradicação do analfabetismo absoluto até 2020, sobretudo – acrescento eu – porque a própria escola construtivista, regida pela aprovação automática, é uma usina de produção de analfabetos que, com alguma sorte, se tornam analfabetos funcionais quando chegam à universidade.

Parafraseando o delírio de Brás Cubas, do célebre romance de Machado de Assis, pode-se dizer que o Plano Nacional de Educa­ção é “uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da ideologia”. O PNE 2011-2020 já é sintoma de uma das mais graves doenças da era lulo-petista: o conferencismo – versão oficial do assembleísmo que o PT levou para as entranhas do Estado ao chegar ao poder em 2002. Se­gundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desde que Getú­lio Vargas convocou a primeira conferência nacional no Brasil, sobre saúde, no início da década de 40, já foram realizadas 115 conferências nacionais, das quais 74 (64,3%) ocorreram no governo Lula, envolvendo cerca de 10 milhões de pessoas. E com um diferencial: antes, as conferências quase sempre se restringiam a setores como a saúde; com Lula, passaram a contemplar os mais variados setores, sobretudo as minorias.

O PNE é fruto da I Con­fe­rência Nacional de Educação, realizada em 2010 e precedida por conferências municipais e estaduais, contabilizando, no seu sistema de relatoria, 5.300 registros de inserção com propostas dos segmentos participantes. Já o documento-base da II Conferência Nacional de Educação, a ser realizada em novembro deste ano, contabiliza 11.488 registros de inserção, o que significa aproximadamente 30 mil emendas. Como se vê, não é por falta de palpiteiros que a educação brasileira vai mal. Essa segunda conferência estava programada para fevereiro deste ano e já foi precedida de conferências municipais e estaduais, mobilizando a militância de esquerda travestida de movimento social espontâneo. Mas o MEC acabou adiando sua realização para novembro próximo, fato que gerou indignação entre as entidades envolvidas. Segundo elas, o objetivo do adiamento foi esvaziar o poder de pressão da conferência, que iria coincidir com a votação do Plano Na­cional de Educação no Congresso. As entidades defendem o projeto aprovado na Câmara e acusam o governo de apoiar a revisão feita pelo Senado, que excluiu, por exemplo, a polêmica questão de gênero.

O projeto de lei do Plano Na­cional de Educação foi enviado pelo então presidente Lula ao Congresso em dezembro de 2010, com a proposta de “ampliar progressivamente o investimento pú­blico em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do PIB” – mas sem data para se concretizar. Em 2012, o projeto foi aprovado na Câmara dos De­pu­tados, que, dominada pelo petismo mais radical, se encarregou de piorar o que já era ruim, estabelecendo um investimento de 7% do PIB em educação até o quinto ano de vigência do plano e, no mínimo, 10% do PIB ao final de dez anos. Com a ressalva: esse investimento seria feito exclusivamente na educação pública, deixando de fora entidades filantrópicas e assistenciais. O Senado manteve esses índices, mas suprimiu a restrição aprovada na Câmara, permitindo o investimento público em entidades assistenciais, entre as quais, é bom lembrar, encontram-se as Apaes, que prestam um relevante serviço para as crianças com deficiência mental.
Ideólogos criam guerras de raça e gênero
Outro ponto polêmico do plano é a questão de gênero, que já constava do projeto original do Executivo, mas de forma menos radical, falando apenas em “implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão”. Na Câ­mara, acrescentou-se a esse texto a discriminação racial. Como se não bastasse a incitação à guerra de raças, os deputados tornaram o texto mais prolixo, acrescentando novas diretrizes ao plano, entre elas a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Percebem a brutal diferença? Não se trata mais de combater a possível discriminação de um aluno homossexual, mas de promover a “igualdade de gênero”, o que significa igualar ao sexo biológico as mais variadas fantasias de desajustados se­xuais, perseguindo o que os ideólogos chamam pejorativamente de “heteronormatividade”, isto é, o sexo papai-e-mamãe, que deve ser discriminado na escola em nome das relações homem-com-homem, mulher-com-mulher, trans-com-todos etc.

Para se ter uma ideia da importância que a maioria petista da Câmara dá à questão, essa diretriz é a terceira, logo depois da “erradicação do analfabetismo” (primeira) e da “universalização do atendimento escolar” (segunda) e à frente de “melhoria da qualidade da educação” (quarta) e “formação para o trabalho e a cidadania” (quinta). O Senado bem que tentou corrigir essa insanidade e, onde a Câmara falava em preconceito de gênero e raça, os senadores falam em “políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito”. Já no trecho em que a Câmara falava em “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, o Senado, agindo com bom senso, sintetizou: “com ênfase na promoção da cidadania”. Agora que o Plano Nacional de Educação voltou à Câmara, o relator do substitutivo oriundo do Senado, deputado Angelo Va­nho­ni (PT-PR), já recomendou, em seu relatório, que o texto aprovado na Câmara seja restabelecido, com a ênfase na questão de gênero – pa­ra gáudio das minorias de estimação do PT e desespero da bancada evangélica, talvez o único setor da sociedade a perceber, até agora, o grande perigo da ditadura gay.
Instituindo a novilíngua orweliana
O preciosismo ideológico da maioria petista na Câmara é tanto que o projeto do Executivo foi reescrito na novilíngua orwelliana: sempre que apareciam expressões como “os estudantes”, “os alunos”, “os profissionais da educação”, foram acrescentadas as partículas “os/as”, tornando o texto ilegível: “os(as) estudantes”, “os(as) alunos(as)”; “os(as) profissionais de educação”. O Senado, primando pela boa técnica legislativa e pelo bom senso antropológico, suprimiu todos esses penduricalhos feministas do texto, para indignação do deputado Ângelo Vanhoni, que, em seu relatório, já recomendou a recomposição da vulgata feminista da Câmara. Caso o Plano Nacional de Educação seja aprovado, em definitivo, com essa redação sexista (isso mesmo: sexista), a nação brasileira corre o risco de ter sua língua sequestrada pelos ideólogos de esquerda. Não tardam e hão de querer revisar o texto da própria Constituição para adicionar-lhe esses penduricalhos de mau gosto.

Um ideólogo nunca é apenas antiético – é também ilógico. Como dizia Durkheim, um mínimo de lógica exige um mínimo de moral e vice-versa. Não adianta lutar contra a natureza da língua, que, mesmo se realizando nos seus falantes, é muito maior do que eles. De que adianta escrever “alu­no(a)”, achando que assim se evita o suposto machismo da língua portuguesa, sem perceber que o gênero masculino do substantivo (“aluno”) aparece como a palavra principal, da qual o gênero feminino é apenas um apêndice, feito uma Eva linguística retirada da costela masculina do idioma? Qual seria a solução para evitar isso? Escrever “aluna(o)”, “amiga(o), “irmãs(os)? Nem as feministas têm coragem suficiente para fazer essa inversão, tanto que os grupos mais radicais preferem subverter completamente a língua, es­crevendo impronunciáveis “a­lunxs”, “amigxs”, “namoradxs”, muito mais para agradar o sexo cambiante dos gays do que para valorizar, de fato, as mulheres.

Uma opção seria variar o gênero da palavra principal. Mas como decidir os critérios para essa escolha? Contabilizando quantos homens e mulheres há na categoria mencionada e optando pelo gênero que fosse a maioria? Ainda assim, o suposto machismo não iria desaparecer – apenas mudaria de lugar, transferindo-se da língua para a sociologia. As funções e profissões socialmente valorizadas, nas quais os homens são a grande maioria, continuariam sendo escritas primeiramente no masculino: neurocirurgião(ã), engenheiro(a), ministro(a), juiz(a); enquanto para as mulheres sobrariam: “doméstica(o)”, “enfermei­ra(o)”, “educadora(or)”. Isso mostra que a língua é complexa demais para caber na lógica mecanicista da luta de classes ou no ressentimento maniqueísta das minorias de estimação.

Ao querer neutralizar as palavras de suas eventuais cargas negativas, a esquerda revela seu espírito totalitário, pois uma língua que não soubesse exprimir desigualdade, preconceito e ódio não seria uma linguagem humana e mataria seus falantes de angústia. A propósito, os ideólogos que não acreditam nas determinações sociais do sexo biológico e acham que tudo é construção de gênero saberiam me dizer se o masculino de “babá” é “babão”? Como se vê, um Plano Nacional de Educação que, no país do analfabetismo funcional, negligencia o mérito, incita a escola contra a família e, em vez de estimular a leitura, policia as palavras, transformando a língua num instrumento de opressão ideológica, nada tem a ver com ensino – é apenas uma doutrinação totalitária que tenta fazer da escola uma incubadora de subversões.
 

domingo, 23 de junho de 2013

As manifestacoes no Brasil e a imprensa irresponsável - Jose Maria e Silva


JOSÉ MARIA E SILVA
Blog Libertatum, 23 Jun 2013

Abdicando completamente do senso crítico, quase toda a imprensa, inclusive a Globo, se comportou como incendiária nos protestos e, ao brincar com fogo, pode abrir caminho para uma reforma política bolivarista.

Parafraseando Hegel, Marx afirma em uma de suas obras mais conhecidas, o “18 Brumário de Louis Bonaparte”, que os fatos e personagens de grande importância no mundo ocorrem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Tanto a frase original de Hegel quanto a paráfrase de Marx não têm qualquer valor científico, nem mesmo filosófico. Mas, no caso de Marx, a paráfrase serve bem à verve polemista com que ele transforma em caricatura o sobrinho de Napoleão Bonaparte, que, tentando imitar o tio, deu um golpe de Estado e se tornou um efêmero imperador francês. Louis Bonaparte também é abordado por Machado de Assis no personagem Rubião, do romance “Quincas Borba”.
Agora, diante da onda de protestos em todo o Brasil, a frase de Marx pode voltar a ser útil como metáfora. Afinal, o Maio de 68 está se repetindo pela segunda vez, mas como farsa. Se há 45 anos, quando fizeram barricadas nas ruas de Paris, os jovens tinham de enfrentar os adultos, hoje são os próprios adultos que lhes entregam as pedras e os incitam a ir às ruas, numa atitude totalmente irresponsável. A onda de protestos que assola o Brasil não nasceu espontaneamente, como a imprensa insiste em dizer. O movimento começou com o Movimento Passe Livre, mantido por partidos de extrema esquerda, incluindo setores radicais do PT, e ganhou força ao contar com o apoio amplo, geral e irrestrito da imprensa – que vive um dos momentos mais vergonhosos de toda a sua história.
Exemplo disso foi a capa do jornal “O Popular” de quinta-feira, 20. Encimada pela hastag“#naruahoje”, a referida capa trouxe a foto de quatro mulheres e dois homens, de várias idades, portando cartazes com uma só palavra escrita em vermelho que, no conjunto, formavam a frase: “Eu vou e não quero violência”. Ora, deve haver goianos que repudiam essas manifestações. Elas prejudicam o comércio, aumentam a insegurança na cidade e causam sérios transtornos para milhares de pessoas, principalmente as que dependem do transporte público. Mas “O Popular” ignorou esses cidadãos. Tratou a população goiana como se ela fosse unanimemente a favor dos protestos. Preferiu ser panfleto de grêmio estudantil, fazendo convocatória em vez de jornalismo.
Mas o histórico veículo do Grupo Jaime Câmara não está sozinho nessa conduta editorial equivocada. A imprensa brasileira, com raras exceções, abdicou do jornalismo para abraçar a militância. Especialmente o jornal “Folha de S. Paulo” e o canal Globo News, que se tornaram uma espécie de projeto de extensão da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professores universitários pontificavam sobre os protestos, relacionando-os até com o democrático projeto de decreto legislativo do deputado federal João Campos (PSDB-GO) que põe o Conselho Federal de Psicologia em seu devido lugar, mas que foi indevidamente apelidado pela imprensa e pela academia de Projeto de Lei da “Cura Gay”.
Contradições da imprensa
Até a cobertura do jornal “O Estado de S. Paulo” acabou favorecendo os manifestantes. No início dos protestos, o “Estadão” publicou contundentes editoriais defendendo o direito de ir e vir dos cidadãos e conclamando as autoridades paulistas a não deixar que esse direito fosse subtraído pelo vandalismo. Mas o noticiário do “Estadão” – especialmente o que é publicado na Internet e tem maior visibilidade entre os jovens – frequentemente contradisse seus editorais, minimizando as depredações ao descrevê-las como uma reação à truculência da polícia. Essa dicotomia criada pela imprensa entre o manifestante pacifista e o policial truculento se agravou quando jornalistas foram feridos nos protestos.
A partir daí, o noticiário desandou de vez e perdeu completamente o senso crítico, colocando-se a serviço dos manifestantes. Foi o que se viu na Globo News, que armou em seu estúdio uma espécie de fórum permanente de acadêmicos, em que professores de ciências humanas, invariavelmente, enalteciam as virtudes das manifestações de rua e condenavam a autoridade do Estado. O surrealismo era tanto que, nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais, enquanto as imagens de carros incendiados e patrimônio depredado saltavam da tela, os repórteres da emissora enfatizavam que o protesto transcorria de forma “tranquila e pacífica”.
Irônico é que esses mesmos repórteres, tão logo os protestos ganharam corpo no País, passaram a trabalhar sem o logotipo da emissora nos microfones, temendo a agressão dos manifestantes. Em várias ocasiões, as equipes de reportagem foram hostilizadas pela turba. A Rede Record teve um carro queimado num dos protestos. O SBT também sofreu uma baixa do gênero. E a Rede Globo teve um de seus estúdios ameaçados. Mas a se crer no noticiário dessas mesmas emissoras, a culpa do vandalismo foi de uma minoria de manifestantes “pacíficos e tranquilos” e, ainda por cima, só ocorreu em reação à violência da polícia. É como se o fato de dificultarem a atuação dos policiais, negando-lhes o itinerário das passeatas, não fosse um ato de explícita cumplicidade com os vândalos.
Só os jornalistas dos programas mundo cão, como Marcelo Rezende, da Record, e José Luiz Datena, da Band, é que evitaram atribuir a violência aos policiais, pois precisam deles no dia a dia para alimentar seus respectivos telejornais regados a sangue. Mesmo assim, também eles repetiam que a manifestação era um direito da população e que os vândalos não passavam de uma minoria. No caso da Record, Marcelo Rezende tentou atribuir os protestos a uma boa causa – a revolta popular contra os gastos públicos para que o Brasil sediasse a Copa de 2014. Não por um bom motivo, mas pelo despeito empresarial da emissora de Edir Macedo, que não poderá transmitir os jogos da Copa, monopólio da Rede Globo.
Cadê a nova classe média?
O ativismo do jornalismo brasileiro beirou o inacreditável. A jornalista Leilane Neubarth, da Globo News, cantava loas aos jovens que foram para as ruas, secundada por professores universitários que davam plantão no estúdio da emissora criticando a polícia. É lamentável ter que dizer isso, afinal, eu vivo da profissão de jornalista, mas o jornalismo brasileiro está próximo da barbárie intelectual. Em média, repórteres, âncoras e até editores deviam agradecer o ministro Gilmar Mendes, do STF, pelo fato de terem sido chamados de “cozinheiros”. Durante a cobertura dos protestos, muitos deles não mereceram sequer esse elogio. Afinal, o cozinheiro ao menos é obrigado a conhecer a receita que prepara.
E não são apenas repórteres e âncoras de televisão que parecem desconhecer a história do País – até profissionais experimentados do jornalismo impresso demostraram incultura ao comentar as manifestações, limitando-se a repetir e apoiar as frases de efeito da horda de jovens que paravam as cidades. É o caso da jornalista e colunista da “Folha de S. Paulo”, Eliane Cantanhêde, que também é comentarista da Globo News. Ela reforçou o tom de torcida organizada adotado pela emissora e, concorrendo com os acadêmicos convidados, procurou atribuir os protestos à uma justa insatisfação da população brasileira com “tudo o que está aí”.
Ora, não foi a imprensa brasileira – com o apoio dos cientistas sociais – que deu curso à falsa tese de que existe uma nova classe média no Brasil? Não vi nenhum jornalista dissecar e contestar os dois estudos coordenados pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, mostrando, como eu fiz, que a “nova classe média” não passa de um mito político criado a partir de uma manipulação estatística. O economista da FGV baixou radicalmente os parâmetros de renda familiar e, com isso, “enriqueceu” num passe de mágica cerca de 40 milhões de pobres, que passaram a ser chamados de “classe média”. Esse falso “milagre brasileiro” contribuiu enormemente para a altíssima popularidade do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a eleição da presidente Dilma Rousseff.
Criando novas ficções
Após concluir o estudo com sua equipe da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Neri lançou no Palácio do Planalto, em 28 de agosto de 2008, o conceito de “nova classe média”, durante um evento que contou com a presença do então presidente Lula e seus ministros, entre eles, Dilma Rousseff. Para o economista, que acabou presenteado por Dilma com a presidência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), toda família que tem renda “per capita” igual ou superior a R$ 291 já é classe média. E se tiver renda per capita superior a R$ 1.019, já é classe alta. Em suma: se a família não estiver mendigando debaixo da ponte, então ela já é computada como classe média pelo governo. Foi com esse golpe estatístico que Lula se tornou o autor de uma peça de ficção: “Dilma no País das Maravilhas” – materializada nas urnas em 2010.
Como se vê, desde 2008, a imprensa brasileira ajudou a disseminar a ficção econômica de que havia uma nova classe média no Brasil, responsável por transformar o País numa potência mundial. E também contribuiu com o estelionato eleitoral praticado por Lula em 2010, quando o líder petista conseguiu eleger um poste com base, sobretudo, em duas ilusões: a realização da Copa e das Olimpíadas, que trariam obras, divisas e prestígio, e a renda do pré-sal, que faria do Brasil uma potência planetária. A imprensa acreditou tanto nesses mitos petistas que agora se queda perplexa diante das ruas convulsas, sem saber como explicar o descontentamento da população. E quanto tenta fazê-lo, cria novas ficções.
Sempre querendo se colocar na vanguarda dos protestos, alguns articulistas e âncoras resolveram colocar na boca dos manifestantes reivindicações que eles não fizeram a sério. Depois das cenas dantescas da noite de quinta-feira, quando mais de 1 milhão de manifestantes rugiram pelas ruas de cerca de 120 cidades no País, a imprensa tentou achar uma nova pauta capaz de pôr ordem no caos. Na Globo News, a jornalista Renata Lo Prete citou uma frase que disse ter ouvido de um “observador perspicaz” e que lhe agradou muito: “Antes, as pessoas protestavam contra o que os governos faziam de errado. Agora, elas protestam contra o que eles deveriam fazer e não fazem”. E arrematou o comentário dizendo que os protestos se devem à falta de qualidade do serviço público.
A Constituinte exclusiva
O jornalista Merval Pereira, também na Globo News, condenou as autoridades por entregarem as ruas aos manifestantes, lembrando que isso não ocorre em nenhuma cidade do mundo; mas conferiu legitimidade ao movimento, alegando que “a atividade política, do modo como é feita hoje, não é aceita por mais ninguém”. Com base nessa premissa equivocada, Merval Pereira defendeu “uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política” – proposta que já foi aventada por Lula e agrada sumamente o PT.
Seis senadores, entre eles Cristovam Buarque (PDT-DF), já assinaram, na quinta-feira, 20, uma proposta de Constituinte exclusiva. O problema é que, se em 1986, com uma Constituinte não exclusiva e um País menos aloprado, a Constituição de 88 já nasceu torta, pregando retalhos socialistas no tecido da sociedade capitalista, imaginem o estrago que faria uma Constituinte exclusiva num País tomado pelo extremismo de rua, estrumado na surdina pelo PT. É irônico, se não fosse trágico, que essa mesma gente que quer fazer Constituinte a partir da baderna, se recusa a reduzir a maioridade penal com base em sóbrias pesquisas de opinião, repetidas há décadas, com o mesmo resultado esmagadoramente favorável à redução.
O PT, começando pela presidente Dilma, tentou capitalizar os protestos, enquanto eles eram mais fortes em São Paulo e podiam ser usados contra o governo tucano. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (que até o jornalista Luís Nassif considera o pior da história da pasta), agiu com extrema irresponsabilidade ao tentar criar o caos em São Paulo, oferecendo uma cínica ajuda ao governador Geraldo Alckmin pela imprensa e responsabilizando a polícia paulista pelos distúrbios.
Essa tática petista de ser, ao mesmo tempo, situação e oposição dessa vez deu errado e, já nos protestos de quinta-feira em São Paulo, o PT, que também foi para as ruas, teve de recolher suas bandeiras. E a baderna só não tomou de assalto o Palácio do Planalto porque Dilma se escondeu atrás de um imenso batalhão de fardas, fortemente armado e pronto para cair sobre a multidão. Foi a maior derrota política do PT desde que o partido chegou ao poder em 2002. Lula ainda está em silêncio e Dilma, encurralada. Ela só se pronunciou na noite de sexta, quando a irresponsabilidade e a omissão deram lugar ao voluntarismo – sem deixar de flertar com as turbas de esquerda.
A liberdade ameaçada
Justamente agora é que os setores democráticos da sociedade brasileira – que acreditam na liberdade do indivíduo e na economia de mercado – não podem dormir tranquilos. A maioria dos jovens que foi às ruas, ao contrário do que insiste em dizer a imprensa, não tem compromisso sério com nada. Estão apenas “curtindo”, como se estivessem numa balada de fim de semana. É mais do que notório que, na maioria das cidades brasileiras, os manifestantes se comportavam como se estivessem num carnaval. E como foram para as ruas sem um palanque montado e sem uma polícia avisada (mais essenciais para a ordem do que a pauta de reivindicações), o vandalismo foi inevitável, por mais que jornalistas e autoridades pensem o contrário.
Nenhum país sobrevive com o povo em convulsão nas ruas, inviabilizando as atividades produtivas. Quem vai indenizar os comerciantes que tiveram suas lojas saqueadas? É justo o contribuinte arcar com a depredação do patrimônio público? Que direito tem a turba de impedir as pessoas de se locomoverem para o trabalho, a escola, a casa, o hospital? Mais cedo ou mais tarde, a insanidade do jornalismo e a omissão das autoridades terão de ceder lugar à normalidade. Mas o PT, que detém o poder no País, está disposto a usar essa força sem segundas intenções? Duvido. A tendência é que o partido, ao mesmo tempo em que tentará fortalecer o poder federal, também tentará enfraquecer os Estados. A necessidade de garantir a realização da Copa pode ser o pretexto que faltava ao partido para aumentar seu poder.
O atual Congresso Nacional, um dos piores da história do Brasil, não tem condições de oferecer resistência ao Executivo. Prova disso é que aceitou discutir um projeto imoral, de autoria dos senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA), que altera o Código Penal e institui uma espécie de AI-5 da Copa, criando punições draconianas relacionadas com a realização dos jogos. Esse projeto – que afronta a Constituição ao desigualar os brasileiros perante a lei – foi aprovado pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado no dia 4 de junho último. Uma coisa é certa: com a revolta midiática das ruas, as nossas autoridades políticas – cada vez mais infantis e pusilânimes – vão se juntar em busca de uma solução mágica. A Constituinte exclusiva deve ser esse novo emplastro Brás Cubas. E se essa proposta prevalecer, o Brasil vai cumprir o ideal da esquerda – e se tornar uma imensa Venezuela.


José Maria e Silva
***
"Se Machado de Assis existiu,
então o Brasil é possível"
Nélida Piñon, escritora

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Paulo Freire: a contribuicao brasileira para tornar o mundo pior do que e'...

Opinião 2

Autoajuda marxista

José Maria e Silva
Gazeta do Povo, 04/12/2012

“Paulo Freire: Rousseau do século 20.” Quem faz essa afirmação, em um alentado livro de 324 páginas publicado em 2011 na Holanda e que leva justamente esse título, é o indiano Asoke Bhattacharya, professor da Universidade de Calcutá. De fato, Paulo Freire é a versão atual do autor de Emílio, ou Da Educação (1762), que muita influência teve na pedagogia. Mas, como ironiza Émile Durkheim, quem confiaria a educação de uma criança ao desnaturado Rousseau, que abandonou a própria prole?
Essa pergunta cabe em relação a Paulo Freire, que prega a liberdade, mas cultua totalitarismos. Pedagogia do Oprimido, uma espécie de manual de autoajuda marxista, idolatra a “linguagem quase evangélica” do “humilde e amoroso” Che Guevara, enaltece sua “comunhão com o povo” e, valendo-se de um jogo vazio de palavras, justifica as execuções sumárias que ele perpetrava sem piedade: “A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida”.
Essa frase assassina inspira Moacir Gadotti, discípulo predileto do mestre, que, em Pensamento Pedagógico Brasileiro, despreza o grande pedagogo escola-novista Lourenço Filho, mas se rende a Lenin e Mao Tsé-tung. Ambos são tratados por Gadotti como “grandes pedagogos da humanidade”.
Pedagogia do Oprimido, que deu fama mundial a Freire, é menos um tratado que um panfleto. Até seus discípulos são obrigados a reconhecê-lo. Ao observar que Paulo Freire “foi saudado como um dos fundadores da pedagogia crítica”, Bhattacharya observa que isso “não é errado, mas também não é muito preciso”, pois vários filósofos educacionais antes dele foram críticos em relação à pedagogia tradicional. “Portanto, não é a atitude crítica de Freire, mas seu ativismo político que o diferencia de alguns (mas não de todos) os filósofos canônicos educacionais”, diz o professor indiano.
O “Método Paulo Freire”, com mais propaganda que resultados, foi uma ferramenta populista de João Goulart financiada com dinheiro norte-americano do acordo MEC-Usaid. E nem era inédito: o uso de palavras geradoras na alfabetização já estava presente em outras propostas pedagógicas, como o “Método Laubach”, muito disseminado no Brasil. O que Paulo Freire fez foi carregar as palavras de ideologia revolucionária, a pretexto de falar da realidade do aluno. É como se o pedreiro tivesse de se restringir ao tijolo; o lavrador, à enxada; o carpinteiro, ao serrote. O que seria da cultura brasileira se Machado de Assis fosse obrigado, em sua alfabetização, a tartamudear sobre o morro em que nasceu?
O reducionismo pedagógico é o grande legado de Paulo Freire. Juntando-se ao “construtivismo pós-piagetiano”, ele inspirou o “preconceito linguístico”, que vilipendia a norma culta do idioma; a “geografia crítica”, que mistura bairrismo com economia marxista; a história em ação, que eterniza o presente; a matemática étnica, que cria analfabetos em tabuada. Paulo Freire relativizou o conhecimento, anulou a autoridade do professor e, sobretudo, assassinou o mérito – inviabilizando a possibilidade de educação. O ranking global divulgado no fim de novembro que o diga.
José Maria e Silva, jornalista, é mestre em Sociologia.