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terça-feira, 27 de março de 2012

Milton Keynes??? Friedman and Bob Fields...

Tão íntimo -- pelo conhecimento de suas obras -- eu me tornei de certos economistas que por vezes eu acabo misturando o nome de dois ou três, ao escrever muito rápido e com várias questões em mente.
Pois outro dia eu queria escrever Milton Friedman -- nos comentários que fiz à entrevista da presidente, em sua parte econômica -- e acabei escrevendo Milton Keynes, o que é tão estranho quanto escrever Vladimir Von Mises, ou Karl Hayek...
Enfim, me corrigiram a tempo, não sem que isso trouxesse à tona um antigo trabalho que fiz, quanto faleceu o Milton Friedman, justamente, e eu o coloco conversando em algum lugar desse espaço etéreo com nosso velho conhecido Roberto Campos, Bob Fields, para os íntimos inimigos...
Aqui vai esse texto, de 2006, mas que ainda pode divertir alguns...
Paulo Roberto de Almeida 




Milton Friedman meets Bob Fields
O reencontro de dois grandes economistas

Paulo Roberto de Almeida

Não se sabe, exatamente, para onde vão os economistas quando morrem. Existem muitas controvérsias a respeito, tantas quantas são as doutrinas e escolas de pensamento que os dividem. Muitos devem seguir direto para o limbo, antes de serem eventualmente recuperados por algum doutorando em busca de novas idéias. Vários outros padecem anos no purgatório das posições controversas, antes de ascender ou descer na escala de preferências dos contemporâneos, passando então a desfrutar da justa recompensa pelos bons serviços prestados à sociedade ou da inevitável punição pelos desastres incorridos em função da aplicação de recomendações incorretas. Se Marx e Keynes estavam certos, nossa sina incontornável é a de continuar, durante longos anos, prisioneiros das idéias de economistas defuntos. Alguns deles, aliás, são bons carcereiros, como veremos a seguir.
Com uma diferença de cinco anos e alguns dias, Milton Friedman foi ao encontro de Roberto Campos em algum lugar desse espaço indefinido. Trata-se de um amplo salão com paredes forradas de livros, vários sofás de couro, nos quais descansam, sem harpas nem camisolas, alguns desses economistas dignos do registro histórico; num canto, uma mesa com whiskey e gelo, sobre a qual repousa uma foto de Keynes, numa outra, um computador ligado nas principais bolsas mundiais, sobre um fundo de tela com a efígie de Adam Smith. Tudo muito sóbrio, comme il faut...

Welcome to a new world, Doctor Friedman”, acolheu-o Roberto Campos, “nós temos todo o tempo do mundo para repousar, discutir teorias econômicas, ou não fazer nada simplesmente, just sitting by with a glass of good scotch. Please, serve yourself”.
Thank you Bob, but I don’t drink. Just call me Milton. Estou gostando do lugar: uma biblioteca aconchegante, um pouco de informação e companhia agradável. Vou me dar bem por aqui, mas a Rose vai fazer falta.”
Certainly, Milton”, retrucou Campos. “Mas você também estava muito bem de onde veio, com as suas idéias sendo finalmente acatadas por todos, programas de TV defendendo a liberdade dos mercados e a redução do papel do Estado, algo impensável em minha própria terra”.
Oh, it’s a long battle, you know”, lamentou o americano. “A gente passa a maior parte da nossa vida pregando no deserto, tentando convencer os homens a defender a sua prosperidade através da liberdade de mercados e da competição. Seduzidos pelos falsos profetas, que são os políticos, eles têm essa tendência inexplicável a preferir mais e mais leis, regulação e despesas públicas, como se esperassem que o Estado lhes fosse trazer a felicidade eterna. Como você bem sabe, Bob, essas boas intenções sempre produzem resultados deploráveis. Só depois que a gente se vai é que eles começam a se convencer do acertado de algumas idéias simples”.
Do not blame yourself, Milton. Você foi tremendamente bem sucedido, muito mais do que eu, em todo caso. Veja o exemplo do Brasil: nós seguimos um dos seus conselhos, o da correção monetária das dívidas e da poupança, para preservar o valor dos ativos, e conseguimos criar um processo infernal que se arrastou durante décadas no limite da hiperinflação e que muito fez para agravar a já péssima distribuição de renda.”
“Eu sei disso, Bob, mas a minha recomendação era apenas voltada para preservar o sistema financeiro, protegendo poupadores contra os ganhos indevidos dos tomadores de crédito. Eu não esperava que no Brasil vocês fossem generalizar esse mecanismo em todas as vertentes do sistema. Vocês simplesmente criaram uma máquina realimentadora da inflação, o que nunca foi a minha intenção.”
“Bem, isso agora acabou, felizmente. Alguns poucos malucos ainda insistem em pedir um pouco mais de inflação, para garantir mais crescimento e emprego, mas eles não são tão ouvidos como antes. Em contrapartida, eles continuam se posicionando contra o liberalismo, sob o pretexto de que você o colocou a serviço de ditadores, como no Chile, onde as conquistas populares foram esmagadas em benefício do capital estrangeiro”.
That’s untrue, Bob”, irritou-se Friedman. “Pinochet era um perfeito bárbaro, não apenas na repressão política. Ele pretendia dar ordens aos preços, da mesma forma como comandava seus soldados e nunca entendeu a economia. Eu apenas atendi a um chamado de ex-alunos que trabalhavam no ministério das Finanças, para dar conselhos sobre como domar a inflação, que teimava em persistir mesmo depois da abolição das medidas socialistas de Allende. Eu simplesmente fiz a recomendação óbvia para que deixassem os preços e os mercados livres e parassem de imprimir dinheiro, controlando na outra ponta as despesas públicas, inclusive as militares. Bastou isso para trazer a superinflação chilena a patamares razoáveis. Também insisti para que dessem autonomia às autoridades monetárias e liberdade aos empresários. Surpreende-me que in Latin America todos gritam contra o neoliberalismo, quando o Chile é o único país da região que cresce continuamente há quase duas décadas.”
“Isto é porque gostamos de encontrar bodes expiatórios para os nossos próprios problemas. Um dos maiores sucessos dos últimos tempos é o Fórum Social Mundial, criado no Brasil: milhares de jovens idealistas e alguns velhos esquerdistas que graças à globalização se mobilizam rapidamente para protestar contra a globalização. It’s insane Milton. Recentemente, ainda, eles voltaram a protestar contra as privatizações, usando o tempo todo moderníssimos celulares que eles nunca teriam se as velhas estatais do setor continuassem limitando a oferta de linhas e aparelhos. Just crazy...”
Yes, that’s amazing. But tell me Bob, como vai o seu leftist president?”
Oh, don’t worry Milton, ele é tão socialista quanto eu sou keynesiano, ou seja, quase nada, apenas uma tênue superfície para impressionar os últimos true believers, que infelizmente no Brasil ainda são em grande número.”
“Também pudera, Bob, você mesmo, com todo o seu credo liberal e privatista, fez mais para impulsionar o poder do Estado do que todos esses universitários marxistas que se reúnem regularmente para pedir mais controle de capitais e do câmbio, mais gastos públicos, menos abertura econômica, não aos acordos comerciais. Tell me frankly, Bob, você não se arrepende hoje desse stalinismo para os ricos que vocês criaram no Brasil?”
Yes, that sad, Milton, I confess my error. Eu estava apenas tentando impulsionar a economia, na ausência de capitalistas schumpeterianos e de um verdadeiro mercado financeiro, funcionando à base de poupança privada. Reconheço que fomos longe demais, mas isso também porque os nossos militares alimentavam sonhos grandiosos de dominar ciclos industriais inteiros, construir processos produtivos totalmente nacionalizados e enveredar pelo caminho da grande potência econômica cuidando mais da superestrutura de ciência e tecnologia do que do ensino básico. Na crise do petróleo, insistiram ainda nos grandes projetos, fazendo dívida em lugar de reajustar a economia. Quando eu quis protestar, me mandaram como embaixador para Saint James’ Court, junto da rainha.”
“Ultimamente, o seu leftist president andou prometendo crescimento econômico a 5% ao ano. Is that possible, Bob?”
Certainly not, Milton, as long as the State continuar como despoupador líquido dos recursos criados pelo setor privado. O Estado brasileiro arrecada mais de 38% do PIB em impostos e gasta 41%, considerando o pagamento da enorme dívida pública. Não há a menor hipótese de obtermos esse crescimento, pois investimos apenas 20% do PIB, sendo que o próprio Estado é responsável por menos de 2% do volume total. Sinto contradizer o meu presidente, mas ele divaga ou foi mal informado por assessores que não sabem do que estão falando.”
“E esse programa de ajuda aos pobres, Bob, o que você acha? Eles pretendem que eu recomendaria o mesmo, com o meu negative-income-tax. Is that correct?”
“Não é nada disso, Milton, o seu esquema se dirige aos working poors, ao passo que o nosso programa praticamente não tem contrapartidas e não constitui a remuneração por qualquer tipo de atividade. É muito diferente. Mas ele é obviamente muito apreciado pelos políticos, que constituem com isso um imenso curral eleitoral.”
It’s a pity, Bob. Mas eu também tenho um motivo de remorso, no meu próprio país, ao ter sugerido, durante a Segunda-Guerra, a retenção do imposto de renda na fonte, como forma de alimentar as caixas do Estado, então necessitado de recursos. Nunca mais foi possível reter a sanha arrecadadora desse monstro burocrático e meus conselhos para a diminuição do tamanho do Estado sempre caíram no vazio”.
“Não lamente muito, pois suas recomendações eram justificadas em função do momento. A despeito disso, a carga fiscal no seu país tem se mantido rigorosamente em torno de 30% do PIB, com pequenas variações ao longo das últimas três décadas. No Brasil, saímos de menos de 20% nos anos 1970 para quase 40% hoje em dia, com tendência ao crescimento. Estamos no mato sem cachorro agora: o gênio saiu da garrafa e não conseguimos engarrafá-lo outra vez”.
I recognize that you do have a great challenge on this: é praticamente impossível fazer o Estado retroceder uma vez que você alimentou o monstro. Mas, não percam as esperanças. Vejam o caso da Irlanda, certamente o melhor exemplo atual de mudanças estruturais, elevação dos padrões de vida e inserção internacional com base num modelo tributário de baixa imposição sobre os lucros e o trabalho e grande apoio à educação”.
“Sim, eu conheço o sucesso irlandês: quando eu era embaixador em Londres, eles tinham justo entrado na então Comunidade Européia, com uma renda per capita que era menos da metade da renda comunitária e muitos analfabetos na população ativa. Hoje eles ultrapassaram a renda da UE e estão começando a sentir o ‘desconforto da riqueza’. É um exemplo ainda melhor do que a China, que só é mais conhecido porque ela é grande e incomoda muita gente. Mas a Irlanda é certamente o exemplo a ser seguido”.
That’s it, Bob, nem tudo está perdido. Vocês só precisam convencer as pessoas, o common people, de que este é o caminho a ser seguido. Aliás, basta olhar ali ao lado, e ver o exemplo do Chile. Como é que você não percebem isso no Brasil?”
“Well, Milton, os melhores economistas dizem que o Chile não é exemplo para o Brasil: uma economia muito pequena e pouco diversificada, com uma inserção limitada às suas vantagens ricardianas, que estão nos produtos primários e recursos naturais.”
My God, Bob, quando é que os seus economistas vão se dar conta de que não é o tamanho da economia que conta e sim a qualidade das políticas macroeconômicas? Não posso acreditar que continuem repetindo bobagens como essa, inaceitáveis em qualquer primeiranista de economia! Não importa o tamanho do país ou suas vantagens relativas e sim a forma como ele organiza o seu sistema produtivo para tirar o melhor proveito possível das capacidades dadas e das adquiridas, com base em políticas corretas, que estimulem a competição e a inovação.”
“Eu sei disso, Milton, mas essas verdades simples não entram na cabeça dos meus conterrâneos, mesmo na de alguns economistas respeitados...” 
“Repita comigo, Bob, algumas verdades simples, que funcionam em qualquer tipo de economia. O segredo para o crescimento sustentado e o desenvolvimento social é uma boa combinação de quatro elementos essenciais: macroeconomia estável, microeconomia competitiva, alta qualidade dos recursos humanos e inserção nos fluxos dinâmicos de comércio e investimentos. Isso não tem nada a ver com economia keynesiana, austríaca, liberal ou neoliberal. É uma diferença entre boa e má economia. As simple as that!”
You are right, Milton. Só podemos esperar que nossos cidadãos se convençam dessas constatações tão óbvias. Let’s keep trying, now from above...”

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de novembro de 2006

quarta-feira, 14 de abril de 2010

2100) Reforma tributaria - Roberto Campos

Um artigo do famoso economista e diplomata de dez anos atrás, tratando do sistema tributário. Apesar de alguma defasagem, permanece válido.
O mais triste é que ele se referia a uma carga fiscal de 30% do PIB como um entrave ao desenvolvimento.
FHC deixou o governo, no final de 2002, com uma carga fiscal equivalente em 34% do PIB (segundo a antiga metodologia do PIB, pelo IBGE, que depois aumentou e fez declinar essa proporção).
Atualmente, a carga já se encontra situada em 38% do PIB, o mesmo nível que os países da OCDE, que tem uma renda per capita seis vezes mais alta do que a nossa.
Pergunte agora por que o Brasil não cresce?
Acho que nem preciso responder...
Paulo Roberto de Almeida (artigo "ressuscitado" por Ricardo Bergamini)

O sumiço do contribuinte
*Roberto de Oliveira Campos
13/02/2000

Os sistemas fiscais clássicos - dos quais o nosso é um filhote particularmente depravado - estão crescentemente ameaçados pela revolução da Internet. É que eles se baseiam todos na "identificação física" do contribuinte e na localização do fato gerador num estabelecimento determinado. Na economia global e virtual da Internet, há dois fenômenos que só agora começam a ser percebidos: a "desmaterialização" e a "transfronteirização". Tomemos dois exemplos. A música antes transmitida via CDs - objeto físico tributável - pode ser hoje captada via Internet, desmaterializando-se. Projetos e desenhos, que exigiam papelório, empacotamento e transporte, podem ser transmitidos por correio eletrônico. E nasceram as "empresas virtuais", como a Amazon, que vende livros pelo computador no mundo inteiro, substituindo inúmeras lojas de varejo por um armazém de distribuição. A "transfronteirização" se traduz em extrema mobilidade não só de capitais como também de pessoas. Ambos podem buscar paraísos fiscais. E as empresas podem, através de "preços de transferência", alocar alguns processos ou componentes de suas fábricas globais para os países de fiscalidade mais mansa. Acresce que grande parte dos registros documentais é substituída por memórias eletrônicas codificadas.

Era de se imaginar que nesta era eletrônica os países que sentem necessidade de modernizar seu fisco marchassem para métodos de tributação eletrônica, abandonando os impostos clássicos que exigem declaração de renda, consumo ou serviços, engordando três burocracias - a do contribuinte, a do controle e a do contencioso. São três oportunidades de corrupção e evasão.

Mesmo antes de se tornar visível a revolução que advirá do comércio eletrônico, surgiram no Brasil idéias pioneiras de eletronificação do fisco, descartando-se os "impostos declaratórios" por ineficientes e injustos. Ineficientes, pelo alto custo da arrecadação e injustos pelas possibilidades de sonegação. Infelizmente, a Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados pôs de lado a Emenda Constitucional nº 8, que visava a substituir os impostos declaratórios por impostos eletrônicos cobrados na fonte, segundo idéias seminais dos deputados Marcos Cintra e Luis Roberto Ponte. Perdemos a oportunidade de pioneirismo na tecnologia de tributação, ao contrário do que aconteceu na reforma fiscal de 1966, quando fomos o primeiro país do mundo a adotar em escala nacional o Imposto Sobre o Valor Adicionado, que só anos depois foi imitado no Mercado Comum Europeu.

Receio que a nova reforma fiscal padeça do mesmo vício da Constituição de 1988: nasce como um bebê anacrônico. A preocupação dos legisladores parece ser a manutenção das receitas atuais, as quais, ao nível de mais de 30% do PIB, representam um freio ao desenvolvimento. Deveria ser ao contrário: 1) reduzir os encargos do contribuinte e livrá-lo da burocracia; 2) diminuir os "custos" de arrecadação por inovações na tecnologia tributária. Estes dois objetivos se alcançariam com a tributação eletrônica e continuarão inatingíveis com a tecnologia tradicional. Temos uma espécie de "mini/max" perversa: todos querem maximizar o "nível" da arrecadação e poucos se preocupam em minimizar os "custos".

Um consolo para os brasileiros, que tanto ouvem falar da guerra fiscal, é o que está sucedendo na Europa semifederada. Os franceses se queixam da perda de talentos empresariais para a Inglaterra, cujo imposto de renda é mais benigno; os alemães querem tributar juros sobre depósitos bancários, enquanto Luxemburgo e Inglaterra protegem os depositantes: a Irlanda e a Holanda outorgaram generosas renúncias fiscais para atrair empresas de alta tecnologia.

No Brasil, a guerra fiscal entre Estados teve uma fase útil. Vários governadores abandonaram a cultura da mendicância de verbas pela cultura do investimento privado, gerador de receitas futuras. Hoje a guerra fiscal se agravou tanto que ameaça a estabilidade do pacto federativo. Duas das modificações adotadas no projeto de reforma fiscal serão eficazes para contenção da guerra fiscal: a federalização da legislação sobre o IVA estadual e a cobrança do IVA na ponta do destino.

Recentemente, surgiu na Câmara uma proposta de emenda aglutinativa (nº 175/95) subscrita pelos deputados Fetter Junior, Marcos Cintra, Mares Guia e Alberto Mourão, que introduz um toque de inovação. Reduz a contribuição empresarial paga ao INSS sobre a folha de pagamento, no intuito de diminuir os custos diretos da contratação da mão-de-obra, que hoje incentivam o desemprego e/ou a informalização do trabalho. Reduz-se a contribuição patronal direta ao INSS de 20% para 15% sobre a folha de pagamentos, sendo o montante economizado transformado em aumento de salários para os empregados. Para compensar o INSS elevar-se-ia para 0,5% a alíquota do IMF, com dois aperfeiçoamentos em relação à atual metodologia: dar-se-ia crédito tributário aos exportadores e isentar-se-iam as operações no mercado financeiro. É um ensaio tímido de realismo inovador, pois a seguridade social é melhor coberta por encargos gerais sobre a comunidade do que por impostos que oneram diretamente a mão-de-obra.

A tributação eletrônica do futuro ter-se-á que concentrar nas duas pontas do processo econômico: na transação financeira que é a síntese da atividade e na compra de insumos básicos fisicamente necessários ao processo produtivo - eletricidade, combustíveis, veículos e telecomunicações - todos cobráveis eletronicamente nas fontes produtoras e hoje pagos mascaradamente sob várias figuras tributárias.

A percepção direta desses encargos disciplinaria seu consumo com efeitos ecológicos favoráveis, que se somariam ao desincentivo ao vício pela tributação de cigarros e bebidas. Essa heróica simplificação tributária teria efeitos dramáticos sobre a produtividade nacional e, last but not least, reduziria a taxa de corrupção do país.


*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

domingo, 4 de abril de 2010

1020) As leis da politica, segundo Roberto Campos e Jose Guilherme Merquior

Relembrado e registrado pelo economista Ricardo Bergamini:

Leis da política (19/12/1999)
*Roberto de Oliveira Campos

Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida. Era a definição de "realidade" por um irlandês, revoltado pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos pubs. "A realidade", disse ele, "é uma ilusão criada por uma aguda escassez de álcool".

Quando partiram os hóspedes, resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de uísque, testar duas coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo que poderíamos chamar de "leis de comportamento sociopolítico" de variadas personagens e culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:

A lei de Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso racioná-la".

A lei de Stalin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma estatística".

A lei de Krushev: "Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes mesmo quando não há rios".

A lei de Henry Kissinger: "O ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o que exige um pouco mais tempo".

A lei de Franklin Roosevelt: "Um conservador é um homem com duas excelentes pernas, que contudo nunca aprendeu a andar para a frente".

A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".

A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos".

A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte por inanição. O velho princípio de quem não trabalha não come é substituído por um novo princípio: quem não obedece não come".

A lei de Mark Twain: "Um banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".

A lei de Lorde Kelvin: "Grandes aumentos de custos com questionável melhoria de desempenho só podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres".

A lei de Charles De Gaulle: "As promessas só comprometem aqueles que as recebem".

A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".

A lei de Getúlio Vargas: "Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo".

A lei do governador Mario Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e governa-se em prosa".

A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".

A lei de Sócrates: "No tocante a celibato e casamento, é melhor não interferir, deixando que o homem escolha o que quiser. Em ambos os casos, ele se arrependerá".

No último uísque, Merquior me contou um chiste anônimo, que circulava em Londres: "A natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar simultaneamente". Ao confidenciar a Merquior que pretendia aposentar-me do Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me ele a lei de Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lindon Johnson, que dizia: "É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar bem representados".

Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei, que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior: "A política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos erros de ontem". Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis. A lei do King Murphy, que assim reza: "Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a legislatura estiver em sessão". E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da teoria da separação de poderes: "O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso". Em minha vida política no Senado e na Câmara procurei descumprir a lei do King Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem num caso, nem no outro...

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.