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terça-feira, 12 de maio de 2015

A agenda das relacoes internacionais - Rubens Barbosa

Agenda das relações internacionais em 2015

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 12 Maio 2015 | 03h 00
 
O segundo mandato do governo Dilma Rousseff não deve trazer inovações significativas na política externa brasileira. Os primeiros quatro meses mostram continuidade em todas as frentes e a política exterior permanece com a mesma baixa prioridade dos últimos quatro anos. Tornando-se partidária, a política externa do PT quebrou o consenso interno porque, em muitos casos, deixou de lado a defesa de princípios permanentes e do interesse nacional e apresentou minguados resultados. 
No concerto das nações, o Brasil retraiu-se, reduzindo sua contribuição nas discussões dos temas globais. Demos as costas para importantes nações democráticas e abraçamos regimes de clara inclinação totalitária, em flagrante contraste com as melhores tradições da nossa diplomacia.
Na região, tanto na integração regional quanto nas relações bilaterais, peças centrais da política externa brasileira na retórica do governo nos últimos 12 anos, o Brasil assumiu uma agenda que não é a nossa e a ação do Itamaraty tornou-se passiva e reativa. Por isso, o Brasil ficou a reboque dos acontecimentos: prevaleceram as afinidades ideológicas e a paciência estratégica, que prejudicaram o processo de integração regional e paralisaram o Mercosul. 
A partidarização da política externa tem consequências diretas na política de comércio exterior: acentuou o isolamento do Brasil e do Mercosul nas negociações comerciais; manteve o País fora das cadeias produtivas de alto valor agregado e empobreceu a nossa pauta de comércio.
A exemplo do que ocorreu no início do primeiro mandato do presidente Lula, a prioridade absoluta do segundo mandato da presidente Dilma será a economia, abalada pelos desmandos que provocaram um total descontrole das contas públicas e pela corrupção, que afetou a credibilidade do governo. A busca da estabilidade econômica para permitir a volta do crescimento, a redução da inflação e a retomada dos investimentos terá prioridade sobre as iniciativas de política externa.
O Itamaraty enfrenta três grandes desafios: os problemas internos de gestão, agravados pela drástica redução dos recursos orçamentários em 2015; o desprestígio da instituição, resultado do desprezo da presidente pela política externa; e o desaparecimento da voz do Brasil no cenário internacional. 
Esse é o pano de fundo da ação externa brasileira em 2015. Mas todos esperamos que o governo atual possa adotar políticas pragmáticas que permitam ajustes positivos na ação externa brasileira. Caso o quadro atual se mantenha, apesar dos esforços do Itamaraty, o mundo continua e não vai esperar pelo Brasil. 
A carregada agenda de 2015 encontrará o Brasil na defensiva e com pouca capacidade de iniciativa. Apenas para mencionar alguns dos acontecimentos mais importantes em que o governo brasileiro deveria ter participação significativa na defesa do interesse nacional, cabe lembrar:
- A presidência do Brasil no Mercosul no primeiro semestre de 2015. O setor privado espera ações concretas do governo em Brasília para que o Mercosul não continue a representar um peso para o setor externo brasileiro, não só pelas medidas protecionistas de nosso principal parceiro, a Argentina, mas, sobretudo, pelo isolamento do grupo das principais negociações comerciais que proliferam no cenário internacional. O Brasil tem de retomar a iniciativa e mudar o Mercosul.
- A eventual visita de Estado da presidente Dilma aos EUA. Depois de dois anos de estagnação em nível oficial, em decorrência dos problemas causados pela divulgação da espionagem promovida pela NSA, anuncia-se a visita presidencial a Washington em 30 de junho. Espera-se que o relacionamento bilateral possa retomar a normalidade e importantes acordos, como o de salvaguardas tecnológicas, que esperam uma decisão politico-diplomática, avancem. 
-  A negociação do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Arrastando-se nos últimos 12 anos, espera-se que o governo brasileiro lidere essas negociações para retirar o Brasil do isolamento em que se encontra no tocante à abertura de mercados por meio de acordos de preferência tarifária. Nesse contexto, deveria ser definida nova estratégia de negociações comerciais bilaterais, regionais e globais, na qual a prioridade seria a abertura de novos mercados e a integração do Brasil às cadeias produtivas globais, que representam hoje 56% do comércio global e 72% dos serviços. No encontro entre a Celac, que congrega todos os países latino-americanos, e a União Europeia, em junho, o Brasil poderia propor concretamente uma data para o início das negociações.
- A negociação da renovação do Protocolo de Kyoto sobre meio ambiente e mudança de clima no final de 2015. O Brasil deveria assumir a liderança dessas negociações. A mudança do clima não é mais uma ameaça distante, mas um elemento que está afetando a quase totalidade dos países, como está acontecendo por aqui.
-  A investigação na Organização Mundial do Comércio (OMC), a pedido dos países desenvolvidos, contra a política industrial brasileira por alegadas violações das regras internacionais, em razão da política de incentivos fiscais nos setores automotivo e eletroeletrônico. Será necessário estreito e constante entrosamento com o setor privado para a preparação das respostas brasileiras.
Quanto à agenda com nossos vizinhos – o principal problema da política externa –, esperam-se avanços nas negociações para aprofundar os acordos comerciais com a Colômbia e o Peru e na negociação de acordos de garantia de investimentos. Além de revisão nas anunciadas doações de uma termoelétrica de R$ 30 milhões e a construção de uma hidrelétrica binacional de R$ 15 bilhões, com a Bolívia, o Brasil deveria assumir uma posição clara em relação aos arranhões à democracia na Venezuela.
*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Itamaraty: desafios para o novo chanceler - Rubens Barbosa

Desafios do Itamaraty
Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo, 13/01/2015

O início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff se assemelha ao cenário político e econômico de 2003. Como Lula, para compensar o PT pela aceitação da receita ortodoxa apresentada pela oposição durante a campanha eleitoral, a presidente poderia aumentar a ascendência do PT sobre a política externa. O risco poderia agora ser a ocupação do Itamaraty (já tentada no início do governo Lula). O controle do Itamaraty só seria alcançado com a substituição de diplomatas dos postos de chefia no país e no exterior por militantes petistas.
Há indícios inquietantes que mostram que a possibilidade não é teórica. Segundo se informa, haveria uma série de medidas que, se efetivadas, iriam agravar o esvaziamento das funções privativas do Ministério das Relações Exteriores (MRE):

- A Casa Civil está estudando a retirada da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) do âmbito do Itamaraty, o que permitiria o aparelhamento de mais uma estrutura burocrática, importante braço do Soft power brasileiro no exterior.
- A nova ABC, que passaria para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com competência para tratar de promoção comercial e investimento, poderia esvaziar as ações do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty.
- A Casa Civil estaria estudando legislação que modificaria a Lei do Serviço Exterior Brasileiro para que os cargos privativos de diplomatas sejam ocupados por pessoas indicadas pelo partido.
- Está igualmente em discussão a ideia de se criar o cargo de adido comercial para as embaixadas no exterior, o que abriria postos aos amigos do rei.

Dada a gravidade dessas informações - até aqui sem um desmentido claro -, todos esperamos que as medidas em discussão sejam balões de ensaio e não sejam levadas adiante para evitar o desmonte do MRE. Por outro lado, a criação do Conselho Nacional de Política Externa por medida provisória - em boa hora derrubada, por inconstitucional, pela Câmara dos Deputados e aguardando votação no Senado - completaria o processo de esvaziamento do Itamaraty.
As transformações políticas e econômicas em curso no mundo e as dificuldades e equívocos quanto à integração regional e ao Mercosul exigirão uma ação mais ativa para a efetiva defesa do interesse nacional. O novo ministro, Mauro Vieira - eficiente e habilidoso -, herda uma instituição desprestigiada e com baixa estima e uma política externa com perfil tão reduzido ao ponto de fazer o Brasil sumir do cenário global.
Sendo um "profissional da diplomacia" e conhecedor de todos esses problemas, como corretamente assinalou nos seus primeiros pronunciamentos, o novo ministro merece um crédito de confiança pelos compromissos assumidos de modernização e de atuação mais dinâmica na área comercial. As escolhas iniciais de seus principais auxiliares indicam que contará com apoio interno qualificado para enfrentar a crise. Ganha também um período de graça para que possa mostrar resultados que impeçam o esvaziamento adicional do Itamaraty, mas, sobretudo, que façam a Casa de Rio Branco recuperar a posição central que sempre teve na formulação e execução da política externa.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Eleicoes 2014: O Dia Seguinte - Rubens Barbosa

Essa ideia de fazer diálogo e conciliação poderia até funcionar se estivéssemos lidando com partidos normais, com pessoas razoáveis, democratas e respeitadores das regras do jogo.
Mas ela simplesmente não funciona quando estamos confrontados a uma tropa de neobolcheviques mafiosos abrigados num partido totalitário, que não pretende largar o poder, que deve ser usado não necessariamente para instalar o socialismo no Brasil -- os companheiros estão muito contentes com o capitalismo, sabem que ele funciona melhor do que a porcaria da ditadura bolivariana -- mas para preservar e ampliar esse mesmo poder, para simplesmente dominar e ficar ricos e poderosos. Esse é o projeto deles...
Paulo Roberto de Almeida

O dia seguinte



Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo, 28.10.2014

Ao final de uma das eleições mais renhidas das últimas décadas, as urnas falaram de forma clara e 120 milhões de votantes manifestaram-se de forma ordeira e tranquila, dando mais um sinal de maturidade democrática. Na disputa entre dois modelos distintos de governo, a maioria mais apertada desde 1945 optou pelo do PT. Não se deu a alternância de poder, tão saudável para a democracia,
Ao final de uma das eleições mais renhidas das últimas décadas, as urnas falaram de forma clara e 120 milhões de votantes manifestaram-se de forma ordeira e tranquila, dando mais um sinal de maturidade democrática. Na disputa entre dois modelos distintos de governo, a maioria mais apertada desde 1945 optou pelo do PT. Não se deu a alternância de poder, tão saudável para a democracia.
Nos dias seguintes aos resultados, contudo, temos de pensar no Brasil em primeiro lugar, virar a página dessa histórica eleição e tratar de olhar para a frente pensando no futuro de nosso país. O Brasil não para e não pode ficar refém de rixas radicais entre grupos políticos. A sociedade brasileira espera que de norte a sul, dos mais favorecidos aos mais desvalidos, as feridas e os ressentimentos deixados pelos duros embates e evidentes exageros das campanhas eleitorais sejam superados. A intolerância atingiu níveis perigosos e inaceitáveis no contexto de um rotineiro enfrentamento político que se pressupõe civilizado e conducente ao aperfeiçoamento das práticas democráticas.

O País terá de enfrentar a partir de agora a dura realidade da economia em recessão e das contradições e dos desafios na política nacional.

O governo vai ter de cumprir os principais compromissos assumidos pela presidente reeleita, tais como medidas para estabilizar a economia, ajustes na política econômica para reduzir a inflação, volta do crescimento para manter o nível de emprego e reforma política para permitir o avanço das mudanças de que tanto o País necessita. Por outro lado, esperam-se o prometido combate à corrupção e o restabelecimento dos princípios éticos com a punição dos culpados pelo assalto aos cofres públicos e que tanto prejuízo causaram à maior e mais prestigiosa empresa brasileira.

As oposições, que saem derrotadas, têm de se reinventar e atuar de forma diferente da dos últimos 12 anos para melhor defenderem o modelo e as políticas que expuseram na campanha eleitoral e cobrar resultados do governo nas áreas política, econômica e social.

Os ataques pessoais e a exacerbação das críticas fizeram crescer as paixões partidárias e a animosidade entre os simpatizantes do PSDB e do PT. O ardor da disputa em diversos momentos, não só nos debates na televisão, mas também nas ruas, acirrou os espíritos e fez com que o País emergisse, depois da eleição, dividido eleitoralmente entre Norte-Nordeste e Sul-Sudeste, e socialmente entre pobres e ricos, povo e elite, entre "nós e eles".

Olhando para os interesses permanentes do Brasil, esse elemento novo é preocupante. A insistência na divisão, tão explorada pelo PT para se manter no poder, é uma receita bastante perigosa para a preservação da democracia e da tranquilidade em nosso país.

O novo mandato não se prenuncia fácil para o governo do PT. Se a tática de divisão entre "nós e eles" continuar, a radicalização política e o enfrentamento derivado das opções que serão adotadas vão provocar uma situação de conflito que não deveria interessar a ninguém.

Temos de encontrar formas de restabelecer a harmonia interna para podermos avançar nas agendas que interessam ao Brasil. Desde o início do novo governo petista teremos de estabelecer pontes e canais de comunicação para evitar que a radicalização e a polarização dos últimos meses da campanha eleitoral se mantenham, fracionando a nossa sociedade. Isso vai exigir um esforço de moderação dos dois lados. Temos de demonstrar maturidade para poder dialogar de forma democrática e pacífica.

A legitimidade consagrada pela vitória eleitoral impõe a responsabilidade de que as propostas apresentadas durante a campanha sejam discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional, que, passando a contar com representantes de 28 partidos, normalmente verá seu processo decisório tornar-se mais difícil e complexo.

O próximo ano prenuncia-se difícil não só, como tudo indica, pela gradual deterioração da economia - o que exigirá a tomada de medidas fortes para equilibrar as contas públicas, conter a escalada da inflação e tentar aumentar o crescimento econômico -, mas também porque, do ponto de vista político, os detalhes divulgados nas delações premiadas no caso de corrupção na Petrobrás começarão a ser expostos com provas ao grande público e os acusados deverão começar a ser julgados.

Algumas das políticas e medidas prometidas pela então candidata, agora presidente reeleita, têm grande potencial de levar ao aprofundamento das divisões internas. O plebiscito para a reforma política, o controle social da mídia, o controle econômico das empresas de comunicação, a revisão da Lei de Anistia, a criação da política nacional de representação social e a modificação da lei que torna privativas funções de chefia no Itamaraty - para mencionar apenas algumas - não contam com o apoio da maioria da sociedade brasileira. Caso o governo reconduzido queira aplicá-las, haverá, sem dúvida, o aprofundamento da divisão interna e um novo inevitável choque de consequências imprevisíveis para a democracia e a estabilidade do nosso país.

Embora o discurso da presidente Dilma Rousseff após o anúncio oficial dos resultados, no domingo, tenha conclamado "todos os brasileiros e todas as brasileiras sem exceção" à "união" e ao "diálogo", não houve um gesto em relação à oposição, nem sequer uma menção, como é de praxe, a seu opositor, que a havia cumprimentado pouco antes.

O grande desafio que o Brasil vai enfrentar nos próximos meses será como estabelecer as referidas pontes para evitar a radicalização e procurar deixar as diferenças de lado. Não será fácil.

Governo e oposição têm responsabilidade compartilhada para evitar que a divisão se agrave, se aprofunde e leve a uma crise institucional.

*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Eleicoes 2014: O Brasil nos próximos quatro anos - Rubens Barbosa

O Brasil nos próximos quatro anos
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo e O Globo, 14/10/2014

Rubens Barbosa é coordenador da área externa do programa de governo de Aécio Neves

No dia 26 a sociedade brasileira vai decidir o que deseja para o Brasil nos próximos quatro anos. Muito será discutido e escrito sobre o impacto que o resultado da eleição vai ter sobre a economia e sobre a melhoria da qualidade dos serviços na educação e na saúde. Alguns vão pensar na sustentabilidade e poucos se vão preocupar com o papel que o Brasil deveria desempenhar na cena regional e global.
O presidente da República é o comandante-chefe das Forças Armadas e o responsável pela voz do Brasil no cenário internacional. Ao tratar da reação de militares a pedido de desculpas pelas violências ocorridas durante o regime autoritário, escutamos a chefe de governo dizer que "quem não quiser pedir desculpas que não peça". Uma surpreendente reação de quem se espera comando firme. Quase ao mesmo tempo, perplexos, ouvimos em entrevista recente nas Nações Unidas, pela sua voz mais alta, que lamenta profundamente os bombardeios para conter um dos grupos terroristas mais violentos do mundo, deixando implícita, como alternativa, a negociação, como se isso fosse possível.
Nos últimos anos uma série de equívocos arranharam a credibilidade do Brasil e puseram em evidência, de forma negativa, a diplomacia como a expressão da projeção externa do País no mundo.
Os exemplos multiplicaram-se: a omissão do Brasil no conflito entre a Rússia e a Ucrânia e em relação à guerra civil na Síria; o desprezo pelas violações dos direitos humanos na região e em outros países, aos quais abrimos as portas do BNDES com empréstimos generosos que, em alguns casos, são depois perdoados com custo para o Tesouro Nacional; atuamos com baixo perfil, ao invés de apresentarmos uma liderança clara nas discussões sobre sustentabilidade e mudança de clima. Em nosso entorno geográfico, assistimos ao prejuízo para o Brasil pelo imobilismo do Mercosul, que marginalizou nosso país da negociação de acordos comerciais e do acesso às cadeias produtivas. A perda de iniciativa no processo de integração regional colocou o Brasil como caudatário de uma agenda que não é a nossa. A ausência de um pensamento estratégico na integração física na América do Sul impediu a abertura de corredores de exportação de produtos nacionais pelos portos do Pacífico para a China, nosso principal parceiro comercial. E viu-se o abandono das empresas exportadoras brasileiras pela ausência de uma defesa mais firme de nossos interesses nos mercados da Argentina e da Venezuela em nome de afinidades ideológicas.
Tratar temas internacionais complexos com a mesma ligeireza e o mesmo populismo com que são conduzidas as questões internas é receita fácil para criar problemas. A influência partidária, acima dos interesses nacionais, explica equívocos inexplicáveis, antiamericanismos ingênuos e minguados resultados.
O Itamaraty, marginalizado, perdeu o papel central de principal formulador e executor da política externa. Há 77 novos postos, a maioria no Caribe e na África, um crescimento de 50%. A rede no exterior, hoje com 227 postos, está superdimensionada e na sua totalidade, subutilizada; toda a rede de postos deve estar operando a mais ou menos 60% de sua capacidade de funcionamento. A drástica redução de recursos financeiros, que em 2014 representam 0,16% do Orçamento-Geral da União, impede uma administração eficiente, com grave dano à ampliada representação externa do País; o aumento dos quadros diplomáticos criou problema de fluxo de promoções, gerando insatisfação. Diplomatas em todos os níveis estão desestimulados e exasperados pela falta de perspectiva para suas carreiras e para seu trabalho no Brasil e no exterior. Os mais jovens protestaram em carta ao ministro das Relações Exteriores contra anomalias no Itamaraty. Agora se noticia, sem desmentido oficial, que o governo estuda modificar a legislação para permitir a nomeação de pessoas de fora da carreira, sem qualificação, para cargos em comissão do Ministério das Relações Exteriores, seguindo o exemplo da Venezuela. Para completar o processo de esvaziamento da Chancelaria, por decreto presidencial, considerado inconstitucional, vai ser criado conselho, em representação da sociedade civil, com poderes para interferir na formulação e na execução da política externa.
Nunca antes na História deste país o Itamaraty foi tão desprestigiado. Um dos símbolos do Estado brasileiro, a Casa de Rio Branco vive uma das crises mais graves de sua história e deixa de servir, em muitos casos, aos interesses permanentes do País. As virtudes profissionais que marcaram a tradição do Itamaraty foram abandonadas pela política externa, sem rumo e partidarizada. A candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU soa hoje como um sonho cada vez mais distante.
É difícil entender a lógica do sucateamento do Itamaraty e o desprezo do atual governo pela política externa, pois isso enfraquece o Brasil. Pela política externa é que a voz do Brasil é ouvida e por meio dela qualquer governo se manifesta na defesa dos nossos interesses concretos, tanto na área política quanto na comercial. Nos próximos quatro anos, a importância da área externa vai aumentar e não se pode mais ignorar o que acontece com a atitude da presidente em relação ao Itamaraty e o impacto disso na postura do Brasil na cena internacional.
Será que o que desejamos para o Brasil no próximo governo é a continuação dessa situação de desprestígio e de baixos resultados de sua diplomacia? Vamos continuar a apoiar um califado bolivariano?
As propostas de governo de Aécio Neves - moderadas e focadas na defesa do interesse nacional - recolocarão a política externa no seu leito normal, com continuidade e renovação constante, livre da influência partidária.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Miseria da politica externa, e sua necessaria reconstrucao - Rubens Barbosa

Nova política externa
A política externa é um dos setores em que o PT mais deixou registradas sua visão de mundo e suas preferências partidárias, com muitos erros e minguados resultados. Dependendo do resultado das eleições, haveria mudanças nas principais prioridades da atual política externa e o Itamaraty voltaria a defender o que é de fato de nosso interesse, sem qualificações ideológicas ou partidárias.
Alguns dos delineamentos mais importantes de uma nova política externa poderiam ser assim resumidos:
— A estratégia de negociação comercial multilateral (OMC), regional e bilateral deveria ser modificada para a abertura de novos mercados e a integração das empresas brasileiras nas correntes de comércio global;
— A integração regional deveria ser reexaminada, e o Brasil, deixando de ficar a reboque dos acontecimentos, deveria enfrentar o desafio de dar novo enfoque a esse processo;
— O Mercosul deveria ser revisto. De acordo com o estrito interesse brasileiro, não caberia defender o fim da união aduaneira, mas seria deixado claro que essa possibilidade existe, caso os demais parceiros se recusem a seguir o rumo da abertura comercial que nos interessa, como a negociação com a União Europeia;
Relações com os países vizinhos deveriam ser intensificadas, segundo o nosso interesse e não por afinidades ideológicas
— As relações com os países vizinhos deveriam ser intensificadas, segundo o nosso interesse e não por afinidades ideológicas. O Brasil continuaria a apoiar os esforços da Argentina e da Venezuela para o restabelecimento da estabilidade da economia, mas defenderia os interesses das empresas nacionais afetadas por medidas restritivas desses países. O Brasil continuaria a apoiar o fim do embargo econômico a Cuba e a participar, com transparência, do processo de abertura e desenvolvimento do pais;
— O relacionamento com os países em desenvolvimento deveria ser ampliado e diversificado, de acordo com nossos interesses. Em particular com a África e a América do Sul, um programa de cooperação e de ampliação de comércio e proteção de investimentos deveria ser executado;
— Voltar a dar prioridade às relações com os países desenvolvidos, de onde poderá vir a cooperação para a inovação e o acesso à tecnologia;
— Nos organismos multilaterais, o Brasil deveria ampliar e rever sua ação diplomática em todas as áreas, para refletir os valores (democracia e direitos humanos) e os interesses que defendemos internamente. O Brasil manteria seu interesse na ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU;
— Definir uma política em relação ao Brics para expressar o que nos interessa, ampliando a cooperação entre os países que integram o grupo e aumentando a atuação conjunta em temas econômicos e comerciais;
— A politica de assistência técnica e a diplomacia cultural — instrumentos do soft power brasileiro — deveriam ser fortalecidas;
— Prioridade especial para assistência a brasileiros no exterior e o apoio a empresas multinacionais nacionais.
Pragmática, a nova politica externa deveria buscar resultados concretos, e não apenas retóricos, para o Brasil.
Fonte: O Globo, 23/09/2014





SOBRE RUBENS BARBOSA



Rubens Barbosa

Rubens Antônio Barbosa foi embaixador do Brasil em Washington (1999-2004). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior (Coscex) da Fiesp. Barbosa é articulista dos jornais “O Estado de São Paulo” e “O Globo”, e editor chefe da revista “Interesse Nacional”. É autor dos livros “Panorama Visto de Londres”, sobre política externa e econômica; “Integração Econômica da América Latina” e “The Mercosur Codes”. É mestre pela Escola Superior de Ciências Econômicas e Políticas de Londres. Foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e representante permanente do Brasil junto à Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

terça-feira, 24 de junho de 2014

Relacoes Brasil-Estados Unidos - Rubens Barbosa

Diálogo Brasil-EUA
Rubens Barbosa *
O Estado de S. Paulo, 24/06/2014

O Centro de Liderança Pública e o Strategy Group do Aspen Institute, duas prestigiosas instituições do Brasil e dos Estados Unidos, promoveram um amplo diálogo sobre o atual estágio das relações entre os dois países. Com a participação de personalidades da vida pública, privada e do mundo acadêmico, foram passadas em revista as relações políticas, econômicas e comerciais dos dois países. Dada a atualidade dos temas, houve também discussão sobre as implicações das próximas eleições presidenciais e da revolução energética nos EUA e sobre a futura relação bilateral.
A reação por parte dos representantes norte-americanos foi de certa perplexidade com toda a situação não só brasileira, como sul-americana. Alguns com pouca experiência no trato com Brasília, com ingenuidade e desconhecimento da situação política por aqui, perguntaram como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos para ajudar a Venezuela a sair da crise. Outros minimizaram a influência crescente da China na América do Sul e o impacto negativo sobre os interesses econômicos e comerciais do Brasil e dos EUA na região. Outros ainda não se deram conta de que nos últimos dez anos os EUA foram excluídos das novas instituições que têm por atribuição acompanhar as relações entre os países da região, como a Unasul e a Celac, com todas as implicações políticas e diplomáticas que isso está acarretando.
As duas maiores democracias no Hemisfério têm interesses e valores convergentes, além de outros, divergentes, que afastam os dois governos. O respeito mútuo e a defesa dos respectivos interesses devem sempre prevalecer.
O que não parece normal é o que acontece hoje com as relações entre países com tantos interesses comuns, sobretudo da parte do Brasil, que busca atrair inovação e tecnologia e procura aumentar e diversificar as suas exportações de forma a reduzir o déficit de mais de US$ 11bilhões na balança comercial.
As relações políticas e diplomáticas do Brasil com os EUA estão no nível mais baixo das últimas décadas. Não se trata de visão equivocada, como quer a versão oficial, vazada para a imprensa. As relações estão congeladas no tocante aos temas mais importantes. A negociação de acordos que interessam diretamente ao Brasil, como o acordo de facilitação de vistos e o de salvaguarda tecnológica, está paralisada. Visitas e conversações políticas e econômicas de mais alto nível estão suspensas. Isso sem falar dos diversos acordos com os EUA retirados do Congresso por pretextos burocráticos. Resistências ideológicas de alguns setores do nosso governo impedem assim que matérias de nosso interesse sejam tratadas, com prejuízo direto para o cidadão comum e para projetos de grande alcance.
Dada a grande diversidade das relações bilaterais, têm-se multiplicado as visitas ministeriais e outras técnicas operacionais, como ocorreu recentemente com a ida do secretário de Comércio Exterior aos EUA e a vinda do coordenador de Segurança Cibernética da Casa Branca para participar da conferência sobre governança cibernética em São Paulo. O que tem sido apreciado pelas autoridades brasileiras. As relações entre instituições privadas e o gosto da população brasileira pelas atrações oferecidas pela sociedade americana não tomam conhecimento dessas filigranas diplomáticas. Em 2013, mais de 2 milhões de turistas visitaram os EUA. Continuam e se expandem os laços privados nas áreas científicas e tecnológicas, de meio ambiente, de energia e em muitas outras áreas. E 10% dos estudantes no programa Ciência Sem Fronteiras preferiram estudar nos EUA.
As principais questões de governo, contudo, estão paralisadas, à espera de que seja superado o impasse presidencial. A presidente Dilma Rousseff declarou que as relações com os EUA somente seriam normalizadas depois de o presidente Barack Obama pedir desculpas e dar explicações satisfatórias pelo monitoramento feito pela NSA no celular presidencial e na Petrobrás. Como o presidente Obama não pediu desculpas nem à sociedade norte-americana, nem à primeira-ministra Angela Merkel, é difícil acreditar que venha a fazê-lo com o Brasil. O cancelamento da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff a Washington, em outubro passado, e a demora em ser encontrada uma saída política para a crise mostram a baixa prioridade que os dois governos atribuem à relação bilateral. O desinteresse dos EUA na retomada das negociações da Rodada Doha e os difíceis entendimentos para evitar uma retaliação brasileira contra bens e serviços norte-americanos pelo descumprimento de decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) na questão dos subsídios ao algodão têm potencial de contaminar ainda mais o ambiente entre os dois países.
Esperava-se que o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, em visita a Brasília no último dia 17, pudesse fazer um gesto significativo em relação ao nosso país que contribuísse para superar a crise diplomática. Embora aparentemente não tenha havido nenhum sinal nesse sentido, surgem indicações positivas do lado brasileiro de que, depois das eleições, poderá haver um gradual descongelamento das relações com os EUA. Durante a campanha eleitoral prevalecerá a retórica antiamericana, como registrado no programa do PT.
O setor privado - por meio do fórum de presidentes de grandes empresas e do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos - deveria juntar-se a outras áreas com interesses concretos, tanto de um lado como de outro, para estimular os dois governos a superar as dificuldades atuais.

As relações entre os dois países são muito importantes para serem deixadas somente nas mãos das burocracias do Departamento de Estado e do Itamaraty.

* Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)

segunda-feira, 17 de março de 2014

Eleicoes 2014: a equipe de Aecio Neves - Rodrigo Constantino

17/03/2014
 às 13:40 \ EconomiaPolítica

A equipe de Aécio Neves é um alento para os liberais

Anastasia. Fonte: Valor
Em uma reportagem do Valor de hoje, ficamos sabendo os nomes mais próximos que têm prestado consultoria nas diferentes áreas para o candidato tucano Aécio Neves. Trata-se de uma equipe de peso, com capacidade técnica inquestionável:
A sete meses das eleições, o senador e pré-candidato à presidência Aécio Neves (PSDB-MG) formou um grupo de colaboradores mais próximos para ajudá-lo na elaboração das propostas de sua campanha. Vários deles estiveram no primeiro escalão do governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002); outros são acadêmicos e consultores conhecidos no meio empresarial.
Quem deve sistematizar as sugestões e coordenar o programa de governo é Antonio Anastasia (PSDB), governador de Minas Gerais. Seu nome é o mais citado no partido para a tarefa.
[...]
Entre as personalidades, o ex-presidente do Banco Central na gestão de FHC e sócio-fundador da Gávea Investimentos, é, segundo tucanos próximos ao senador, seu principal interlocutor para temas econômicos.
“O Armínio é um dos nomes com quem Aécio mais tem conversado”, disse o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).
[...]
Além de acionar grande número de tucanos, Aécio tem entre seus interlocutores nessa pré-campanha alguns nomes de fora da política partidária.
É o caso de Mansueto Almeida e Samuel Pessôa. O primeiro é da Diretoria de Estudos Setoriais e Inovação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o segundo, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, é outro técnico que tem colaborado com Aécio com ideias sobre energia e infraestrutura.
Posso falar melhor da área econômica, naturalmente. E reconheço que são nomes muito bons que Aécio tem escolhido até agora. Samuel Pessôa e Mansueto Almeida são dois economistas com grande bagagem teórica, e vêm apontando para os equívocos do atual modelo econômico nacional-desenvolvimentista desde o começo. O blog do Mansueto tem derrubado várias falácias das contas públicas, por exemplo.
Adriano Pires tem muito conhecimento sobre o setor energético e tem sido um duro crítico do que o PT vem fazendo com a Petrobras, i.e., destruindo a estatal com sua interferência política e partidária. O próprio Pires admitiu que sua proposta para o setor é de cunho mais liberal, e merece todo apoio por isso.
E como principal interlocutor de economia, Aécio tem confiado bastante em Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Trata-se de alguém que dispensa comentários, pois goza de profunda credibilidade entre os investidores do Brasil e do mundo.
Mas não é só a área econômica que parece alvissareira. O próprio Anastasia, que fez uma gestão eficiente em seu governo de Minas Gerais, é alguém visto como extremamente capaz e técnico, e ficará responsável pela governança, pelo aprimoramento da gestão pública. É, sem dúvida, um nome que permite alguma esperança com a melhoria do país.
Na política externa, o nome de Rubens Barbosa significa incrível avanço frente aos atuais petistas que têm transformado o Mercosul em uma camisa de força ideológica com viés bolivariano. Como comparar Barbosa a Marco Aurélio Garcia, por exemplo? É covardia.
Em suma, o que vimos até aqui é um alento para aqueles cansados do modelo econômico fracassado do PT. Como muitos sabem, costumo ser crítico aos tucanos, pois considero a social-democracia bastante inferior ao modelo liberal que julgo ideal. Mas em política o ideal pode ser inimigo do possível, assim como o ótimo do bom.
É inegável que Aécio Neves tem flertado com conselheiros de inclinação mais liberal, especialmente quando comparado às alternativas do PT nacional-desenvolvimentista e também de Eduardo Campos e Marina Silva. Quem pode permanecer indiferente diante deste quadro? Quem pode achar que tanto faz manter por 4 anos os petistas ou trocar por essa equipe de ponta montada até aqui por Aécio?
Rodrigo Constantino

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A integracao internacional do Brasil, segundo a FIESP - Rubens Barbosa

'Agenda de Integração Externa'

25 de junho de 2013 | 2h 07
RUBENS BARBOSA *
Na vanguarda de um pensamento moderno e atualizado, que vai na direção contrária à tendência protecionista e defensiva defendida por muitos dentro e fora do governo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou recentemente o documento Agenda de Integração Externa com propostas para promover a competitividade da indústria nacional por meio de nova estratégia de negociação comercial.
O trabalho, concentrado nos aspectos econômico e comercial, não analisa as questões políticas da projeção externa do Brasil. Trata-se de uma contribuição para o debate sobre como o Brasil deveria enfrentar os grandes desafios que as transformações que ocorrem no mundo colocam para o intercâmbio comercial global. Para a Fiesp, a inserção internacional é parte de uma agenda de competitividade mais ampla, que, se implementada, poderá facilitar o aumento do fluxo de investimento e o maior acesso aos mercados de bens e serviços no exterior.
No cenário externo, a multiplicação dos acordos de livre comércio nos últimos anos e a crescente integração de países e empresas nas cadeias globais de valor agregado trouxeram desafios para a inserção do Brasil. Em especial, a nova dinâmica de regulação do comércio internacional, via acordos preferenciais de comércio, tem ampliado o escopo das regras consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto o Brasil, por causa de sua reduzida rede de acordos, tem ficado à margem dessa dinâmica. Em vista disso, o documento da Fiesp postula que o modelo de inserção produtiva do Brasil deve mudar.
Essa visão, compartilhada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), contrasta com o imobilismo do governo brasileiro, que, sem uma análise mais profunda como a do setor privado, deixa prevalecer considerações ideológicas que ignoram o que ocorre no mundo. Brasília não está preocupada com a tendência de acordos bilaterais, anunciam porta-vozes oficiais, ignorando, por exemplo, o impacto que pode ter sobre o Brasil um acordo entre EUA e Europa.
As propostas feitas pela Fiesp cobrem a integração regional e extrarregional, as negociações multilaterais, as parcerias econômicas e a reforma da estrutura institucional na área de comércio exterior.
No tocante à integração regional e extrarregional, a Fiesp propõe a imediata reincorporação do Paraguai ao Mercosul e a efetiva incorporação da Venezuela às regras do bloco. Além disso, sugere que o Brasil lidere a definição de países com os quais o bloco deveria negociar acordos de livre comércio. As negociações com Peru e Colômbia, cujo processo de desgravação em relação ao Brasil só se completará daqui a seis anos, deveriam ser aprofundadas e o acesso ao mercado desses países, consolidado. Complementando as negociações comerciais regionais, a Fiesp recomenda ainda a aceleração do processo de integração física pela realização de projetos prioritários para acesso aos portos do Pacífico, de modo a facilitar o escoamento de nossas exportações para a Ásia.
A integração com países de maior desenvolvimento tecnológico e geradores de inovação é outra prioridade. Com a União Europeia, o acordo de livre comércio, em negociação há mais de dez anos, deveria ser concluído até o final de 2014. Caso a Argentina e a Venezuela se tornem um empecilho para a conclusão do acordo, o Brasil deveria flexibilizar as regras atuais e, sob a égide do Mercosul, examinar as listas de produtos individualmente com o parceiro europeu. A decisão de negociar com uma única voz é um falso dilema, pois nada impede acomodar as circunstâncias econômicas e comerciais de cada país por meio de uma diferenciação de listas e cronogramas. Com a América do Norte, os entendimentos com o México e o Canadá deveriam ser acelerados e, com os EUA, iniciados estudos visando à celebração de um acordo de livre comércio.
O documento preconiza também apoio às negociações multilaterais no âmbito da Rodada Doha e, além disso, o fortalecimento da OMC, crucial para a transparência e a aplicação das regras comerciais.
Parcerias com potencial de desenvolvimento com países africanos, os Brics e países de língua portuguesa (CPLP) deveriam merecer apoio especial com vistas à ampliação das exportações de manufaturas.
Pelo lado das políticas públicas, além do aprimoramento dos mecanismos de financiamento, a Fiesp apoia a negociação de acordos para evitar a bitributação e de proteção de investimentos estrangeiros no Brasil e de empresas brasileiras no exterior, em particular na América do Sul e na África.
A interveniência de mais de dez ministérios e órgãos do governo no processo decisório de comércio exterior, além do número excessivo de normas legais, dificulta e burocratiza as atividades ligadas ao intercâmbio externo. Tendo em vista a estrutura do atual processo decisório interno, a Fiesp considera que será necessário priorizar e reforçar a Câmara de Comércio Exterior (Camex). Nesse sentido, a Fiesp propõe que a Camex seja o ponto focal da formulação da política de comércio exterior e da negociação externa e que o órgão seja vinculado diretamente ao presidente da República, de modo a que ganhe peso político maior no contexto da política econômica e possa ampliar a coordenação interna.
A Fiesp reconhece que a integração econômica com o exterior traz desafios à indústria. A baixa competitividade da economia do País representa um obstáculo quando se trata de negociar acordos que liberalizam o intercâmbio comercial brasileiro. Esse fato, porém, não deveria afastar a possibilidade de entendimentos com terceiros países, enquanto faz-se imprescindível que o governo e o setor privado avancem numa agenda de eliminação ou, ao menos, de redução do custo Brasil.
Para a Fiesp, o isolamento do processo de mudança no comércio internacional e o protecionismo não são opções para o Brasil.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP.