Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
É hora de examinar se vale a pena mantermos encontros que soam ineficazes e obsoletos
Rubens Barbosa *
O Estado de S.Paulo, 10 Julho 2018
A realização da VIII Cúpula das Américas, em Lima, em abril, sugere uma reflexão sobre as sucessivas reuniões presidenciais que vêm sendo realizadas no continente americano sem apresentarem um caminho para os países da região em temas de interesse geral. Caso o número de reuniões de alto nível de fato engendrasse coordenação e resultados concretos, as Américas seriam um exemplo para o mundo e se apresentariam como um modelo de entendimento e cooperação.
Se houvesse resultados concretos para os 34 países da região, a partir de discussões objetivas e desideologizadas, os encontros poderiam ser positivos e deveriam ser apoiados. Mas não é o que ocorre. Poucos guardarão na lembrança alguma conclusão das oito Cúpulas das Américas, incluída esta última. À exceção, talvez, da primeira, que se realizou em Miami em 1994, quando, inaugurando uma estratégia de negociação comercial, os EUA propuseram ao Hemisfério um acordo de livre-comércio das Américas, repetido depois com a Europa e com a Ásia.
O continente americano é o campeão mundial de cúpulas. Contei perto de 20 fóruns, associações e organizações multilaterais, regionais e reuniões presidenciais com outras regiões. Exemplos são a Cúpula Ibero-Americana, a Alba, aliança bolivariana das Américas, a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o Tratado de Cooperação Amazônico, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, uma reunião de presidentes latino-americanos com presidentes da África e do Oriente Médio, o Mercosul e a Aliança do Pacífico. Recentemente, o Brasil, pela inexistência de governança e de resultados concretos, propôs a suspensão da participação de seis países na Unasul. O destino do Conselho de Defesa da América do Sul ficou incerto.
Fica assim evidenciado que há poucos interesses concretos que de fato alinhem nessas cúpulas os 34 países. Elas se repetem sem nenhum resultado prático, em meio a rituais de pomposo cerimonial e oratória vazia e medíocre. Em muitos casos a demagogia fácil supera discussões sérias.
Num momento em que a nova geopolítica reforça o papel do regionalismo em todos os continentes, a América Latina encontra-se fragmentada e enfraquecida. Em cada uma dessas reuniões surge a discórdia entre os países, em muitos casos com ênfase e animosidade.
Chegou a hora de examinar, do ponto de vista do Brasil, se vale a pena o investimento em recursos burocráticos, tempo dos presidentes e atenção da mídia para a manutenção dessa prática de encontros entre os 34 países, mas que agora soa ineficaz e obsoleta. Chegou a hora de mudar o formato e a substância das cúpulas para dar conteúdo real a esses encontros. O documento final da Cúpula de Lima teve 57 parágrafos tratando somente de medidas contra a corrupção, enquanto a prática se amplia e há presidentes e altos funcionários presos ou sendo investigados...
Isso por si só não significa que reuniões presidenciais sejam desimportantes. Encontros de cúpula em outras partes do mundo têm sua lógica e se justificam, ao pautarem os interesses dos países participantes. O G-7, que reúne os países mais industrializados para discutir as linhas principais da economia e das finanças globais, tomou medidas concretas que passaram a afetar o mundo todo. O G-20, criado depois da crise financeira de 2008, focalizou os problemas daquele momento e tem se reunido menos pelo esvaziamento de seu objetivo inicial. Encontros entre chefes de governo da União Europeia, do Nafta, da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), do Acordo Transpacífico (CPTPP) são feitos regularmente por terem foco bem específico e de interesse geral, tal como o aprofundamento da cooperação econômica e comercial.
Com o acelerar das técnicas de comunicação e buscando poupar tempo e recursos, vemos o início de encontros presidenciais virtuais por teleconferência. Apesar da falta do encontro cara a cara e de uma troca direta entre os altos dirigentes presentes, a teleconferência permite mais objetividade e menos perda de tempo.
A partir de 2019, o novo governo brasileiro deveria examinar de forma objetiva, do ponto de vista dos interesses nacionais e dos resultados que se querem alcançar, a conveniência de manter nossa participação nessas reuniões que pouco ou nada representam para nós e, assim, estimular o encerramento de suas atividades. As cúpulas presidenciais vêm carecendo de uma agenda com medidas concretas de avanço - especialmente no caso do Mercosul. Às reuniões presidenciais de rotina, sem nenhum objetivo relevante, o presidente brasileiro não deveria comparecer ou mandaria substituto.
Como forma de compensar essa nova atitude em relação às reuniões de cúpula, o Brasil poderia inaugurar uma nova fase de aprofundamento do relacionamento bilateral com todos os países da região. Caberia apresentar propostas concretas para ampliar o comércio, os investimentos, os projetos de desenvolvimento de infraestrutura, e a assistência e a cooperação técnica que de fato expandam interesses mútuos e nacionais.
Superadas as dificuldades políticas dos últimos dois anos com a eleição do novo governo, em 2019, como uma das dez maiores economias globais e pelo peso da participação do Brasil na América do Sul, o País não poderá deixar de oferecer, de maneira proativa e construtiva, sua contribuição para o crescimento e a estabilidade da região. Esse trabalho poderá começar com iniciativas para a superação das dificuldades políticas por que passa a Venezuela. Com essa atitude o Brasil poderia criar um fato político que permitiria uma reflexão geral sobre o assunto.
* PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DE COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)
O novo líder do Império do Centro hoje detém poder absoluto, como os antigos imperadores
Rubens Barbosa
O Estado de São Paulo, 10/04/2018
A Assembleia do Povo confirmou a decisão do 19.º Congresso do Partido Comunista Chinês no sentido de rever a Constituição e substituir o período de dois mandatos para o presidente da China por eleição sem limite de tempo.
Até 1912 o país foi regido por 24 dinastias. Depois de breve interregno, com a revolução chinesa começou a 25.ª, a do Partido Comunista Chinês, com todo o poder transferido em 1945 para Mao Tsé-tung. Com sua reeleição ilimitada, Xi Jinping, o novo líder do Império do Centro, consolidou seu poder, modificou a relação entre o governo e o partido e viu seu nome e seu pensamento incluídos na Carta Magna, privilégios até aqui reservados somente ao Grande Timoneiro.
O domínio de Xi Jinping fortalece o papel do Partido Comunista e permite um controle mais forte do poder central. Ele concentra os cargos de comandante supremo, secretário-geral do partido e presidente da República. O regime autoritário consolidou-se controlando a ideologia e eliminando qualquer forma de oposição política ao partido. Com poder absoluto, como os antigos imperadores, Xi Jinping poderá acentuar o nacionalismo, continuar a combater a corrupção e as resistências da burocracia à execução das reformas visando ao fortalecimento econômico e militar da China e seu papel como superpotência.
O que o reforço desse autoritarismo pode representar para o mundo?
Em primeiro lugar, confirma a percepção – que sempre defendi, mas tem sido ignorada nos meios ocidentais – de que a liberalização econômica (perestroika) não leva necessariamente à abertura política (glasnost). O que aconteceu na União Soviética é sempre lembrado pelas autoridades chinesas como um exemplo a não ser seguido.
Em segundo lugar, a implementação de políticas e estratégias de médio e longo prazos para a “nova era“ prometida por Xi Jinping durante o congresso do Partido Comunista, com maior presença da China no mundo e competindo em pé de igualdade com os EUA. Essa atitude reflete a percepção do fortalecimento do poder nacional da China. Deixando de lado a posição cautelosa mantida até aqui, a China busca ampliar sua influência geopolítica com iniciativas como a nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), com fundos da ordem de US$ 1 trilhão, a presença militar do Mar do Sul da China, a eventual incorporação de Taiwan ao território continental e a agressiva política industrial Made in China 2025.
Do ponto de vista político, a autoconfiança chinesa reafirmada por Xi Jinping apresenta o modelo autoritário, de partido único, mas de rápido e grande crescimento econômico, como um modelo alternativo à democracia ocidental.
Levando em conta que o governo Donald Trump considera a China competidora estratégica e a maior ameaça aos interesses dos EUA também na área econômica e comercial, foram anunciadas medidas recentes de protecionismo, como sobretaxas ao aço e ao alumínio, além de medidas unilaterais adicionais contra a China: restrições à entrada de produtos chineses que poderiam alcançar US$ 50 bilhões e plano para impor novas restrições a investimentos chineses em equipamentos robóticos, aeroespaciais, marítimos e ferroviários modernos, veículos elétricos e biofármacos. No âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), os EUA vão pedir a abertura de processo contra regras de licenciamento de tecnologia que impedem empresas americanas de competir no mercado chinês e a possibilidade de medidas contra práticas chinesas de propriedade intelectual. As sanções preveem restrições a investimentos nos EUA, entraves para emissão de vistos para pesquisadores chineses e confrontos diretos na OMC sobre práticas comerciais chinesas, que incluiriam guerra digital, entrega de segredos comercias e formação de parcerias com empresas chinesas, dentro do programa Made in China 2025, que objetiva o desenvolvimento de indústrias nacionais em áreas estratégicas. A China respondeu com sobretaxa de 25% sobre 106 produtos dos EUA, representando igualmente perdas de US$ 50 bilhões. Em resposta, o governo norte-americano anunciou estudos para a imposição de novas medidas restritivas que afetarão 1.300 produtos chineses, no valor de US$ 100 bilhões.
A reação chinesa reflete o estilo de Xi Jinping no relacionamento com os EUA. Reação imediata, na mesma intensidade e escala, para salvaguardar os interesses do seu país e equilibrar as perdas causadas. Tratando os EUA como igual, Xi Jinping reagiu de maneira firme, mas cautelosa, buscando também acionar o Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC.
O mundo assiste, até aqui, a uma escalada verbal, pois as medidas restritivas e retaliatórias que poderão acelerar o descrédito do sistema multilateral de comércio (OMC) e o da paz e segurança da ONU ainda não entraram em vigor. As medidas dos EUA estão colocando a China como defensora da globalização e do livre-comércio. Em atitude conciliadora, segundo se informa, Xi Jinping está deixando a porta aberta para conversas bilaterais que propiciem espaço para recuos recíprocos.
Resta saber como, em termos geopolíticos, os EUA reagirão à expansão chinesa, sob Xi Jinping, no Mar do Sul da China, com a criação de bases militares em ilhas criadas na região facilitando a ampliação do raio de influência militar próxima ao Japão. E também em relação às questões da não proliferação nuclear na Coreia do Norte e do apoio ao Irã. A combinação de uma China nacionalista e assertiva e EUA nacionalistas e protecionistas pode ser potencialmente explosiva. Por não interessar a ninguém, até aqui pelo menos, é pouco provável que a escalada protecionista comercial e as ameaças de uma crise político-diplomática saiam de controle e venham a desaguar em conflito bélico, como muitos temem.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAISE COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)
Depois de mais de 15 anos de negociações, passando por momentos favoráveis de avanços e épocas negativas de retrocesso, parece que os entendimentos para um acordo entre o Mercosul e a União Europeia estão chegando à reta final.
Os entraves internos no Mercosul e na Europa estão sendo flexibilizados. As negociações técnicas que se estenderam até a semana passada, em Assunção do Paraguai, avançaram no exame das ofertas agrícolas (produtos mais sensíveis e quotas), de bens e serviços, no acordo de compras governamentais e nas regras técnicas (barreiras tarifárias, não tarifárias, sanitárias, fitossanitárias). Outras, como por exemplo, origem (drawback), propriedade intelectual, indicação geográfica, precaução (desenvolvimento sustentável) e comércio eletrônico continuam pendentes.
Segundo as informações disponíveis, os entendimentos em nível técnico terminaram com uma relação reduzida de temas que somente poderão ser resolvidos pela vontade politica dos dois blocos com concessões recíprocas. A partir da próxima semana, técnicos e ministros do Mercosul se reúnem para tentar superar os últimos entraves, de forma a permitir encontro Mercosul-EU e poder discutir e anunciar, em nível ministerial, um “pré-acordo“ político, deixando para os técnicos os últimos ajustes para se chegar ao texto final.
Na melhor das hipóteses, temos ainda uns poucos meses para concluir esse processo negociador.
Coloca-se então a questão da assinatura do acordo comercial às vésperas da eleição de outubro. Do ângulo do Mercosul e do Brasil, em especial, seria importante que a assinatura fosse feita ainda no atual governo, deixando para o futuro presidente a implementação do acordo. Apesar da negociação estar concluída, caso a União Europeia decida esperar pelo novo governo, haverá um atraso de vários meses, adiando ainda mais a sua entrada em vigor.
É importante sublinhar que, a partir da assinatura, o instrumento legal terá de ser traduzido para a língua dos 27 países membros da UE, o que tomará pelo menos um ano. Deverá ser ratificado pelo Parlamento europeu, em pelo mais um ano, e também pelos Congressos dos países membros do Mercosul. Dessa forma, o acordo que vier a ser assinado só entrará em vigor a partir de 2021. Como os produtos mais sensíveis dos dois lados terão suas tarifas zeradas depois de dez anos, a rigor, os efeitos mais fortes desse acordo passarão a vigorar daqui a 15 anos (a partir de agora), tempo suficiente para que as reformas necessárias para modernizar o Brasil sejam implementadas.
Do ponto de vista do Brasil, o acordo com a União Europeia é importante porque põe fim ao isolamento de nosso pais das negociações comerciais. Vai também forçar o pais a modificar regras e regulamentos para alinhá-los com os avanços que ocorrem no mundo, e vai abrir possiblidades de ampliação da cooperação empresarial nas áreas de ponta, fora o fato de ampliar o mercado europeu para produtos brasileiros.
Em termos mais amplos, a intenção de concluir a negociação com a Europa, de avançar os entendimentos com a EFTA, a Índia e iniciar tratativas com o Canadá deveria também ser vista no contexto da discussão das reformas estruturais (trabalhista, tributária e previdência social). Essas reformas, complementadas por medidas adicionais de facilitação de comércio, infraestrutura e de redução da interferência do Estado nas atividades empresariais, aumentarão a competitividade dos produtos brasileiros que poderão enfrentar a agressiva presença de produtos do exterior no mercado interno e conquistar mercados nos grandes blocos regionais.
Com a luz no fim do túnel nessa longíssima negociação, como é natural, surgem vozes contrárias ao acordo sob o argumento de que ele irá quebrar a nossa indústria, tratada ainda como nascente, e de que, em vez de reduzir, devemos aumentar as tarifas para defender o mercado interno de bens industriais. Nos últimos 50 anos, essa “politica industrial” não facilitou o acompanhamento das transformações que ocorrem na era do conhecimento. A indústria, em sua grande maioria, não absorveu os avanços tecnológicos e de inovação, acarretando a perda de espaço das manufaturas nacionais nos mercados mais dinâmicos e fazendo com que a produção nacional seja seriamente afetada pela concorrência externa. A situação para esse setor se agravou ainda mais pelo fim dos subsídios, das desonerações e do crédito fácil, não por uma questão ideológica, mas porque o Estado brasileiro está quebrado. Por outro lado, questões levantadas pela OMC contra a politica industrial na área automotriz e de informática estão obrigando a ajustes para adequar nossa legislação às regras da Organização. Além disso as negociações de acordos comerciais, como no caso da UE, estão fazendo com que o Brasil tenha de se incorporar às regulamentações existentes no resto do mundo. A decisão do governo brasileiro de acessar a Organização de Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), por seu lado, já esta obrigando o pais a ajustar-se a cerca de 240 acordos, códigos e regulamentos em vigor. Dentro dessa linha, a partir de 2019, dependendo do resultado das eleições, o futuro governo poderia examinar concretamente a possibilidade de associar-se à parceria trans-pacífica (TPP), com o Japão, países asiáticos e países da Aliança do Pacifico. Com essa linha de atuação externa na politica de comércio exterior, o Brasil voltaria a estar plenamente inserido nos fluxos dinâmicos de comércio e de investimentos globais.
A eleição de outubro será um divisor de águas. Ou o Brasil avança com uma agenda de modernização interna e de inserção competitiva no exterior ou compraremos uma passagem, sem retorno seguro, para uma crise de proporção à que vive hoje a Grécia e que Portugal já viveu.
Rubens Barbosa. Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
Brasil precisa definir o que quer de sua política externa, diz embaixador
Para Rubens Barbosa, ainda estamos presos a percepções e conceitos político-econômicos superados
RESUMO Autor responde a artigo de Armínio Fraga e Robert Muggah e defende que a inserção do país na ordem liberal internacional passa também pelo comércio exterior e a política industrial. Ele entende ser urgente que o Brasil defina seus interesses reais e assuma seu papel de décima economia mundial.
Em estimulante artigo na Ilustríssima de 4/2, Armínio Fraga e Robert Muggah chamam a atenção para as rápidas transformações da ordem liberal mundial e discutem a oportunidade que se abre ao Brasil para reformular sua política e economia e, no processo, reposicionar-se no tabuleiro das relações internacionais.
Ressaltando que a posição tanto do governo quanto do setor privado tem sido ambígua em relação às mudanças globais, os articulistas pregam o engajamento mais eficaz do país na reformulação de uma nova e mais progressista ordem liberal internacional. Na conclusão, esperam a eleição de um candidato que defenda uma agenda ampla e profunda de reformas.
A provocação é importante e oportuna porque suscita o debate sobre o lugar do Brasil no mundo, num momento de grandes desafios internos e externos. O enfoque econômico do artigo deveria ser ampliado, com qualificação da capacidade de o país se engajar e influenciar a reformulação da nova ordem liberal internacional.
Para que se possa demandar maior engajamento do Brasil nesse tema —uma das muitas áreas em que o país precisa fazer sua voz ser ouvida—, a análise deve englobar questões político-diplomáticas, mas também as rápidas transformações econômicas, financeiras e de conhecimento.
O liberalismo econômico internacional, por si só, não resolve aspectos relativos ao poder e à riqueza (desenvolvimento) do país, além de estar sob intenso ataque com o esvaziamento da OMC (Organização Mundial do Comércio) e com as políticas restritivas dos EUA, da China e, em muitos setores, da União Europeia.
Para entender a posição do Brasil e suas limitações no cenário internacional, é necessário reconhecer que a fronteira que separava a agenda econômica externa da política econômica interna está desaparecendo, se é que já não desapareceu. Como consequência, a formulação da política macroeconômica deveria incluir também comércio exterior e política industrial, não podendo voltar-se quase exclusivamente à política monetária e ao combate à inflação.
GLOBALIZAÇÃO
O sistema internacional político, econômico e comercial está em acelerada transformação. A ordem global tradicional foi construída, a partir do tratado de Vestfália em 1648 (Estado-nação) e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção das prerrogativas dos Estados e da criação de instituições multilaterais para assegurar a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira do mundo —ONU, Banco Mundial e FMI. Os países desenvolvidos tomavam decisões e impunham suas visões geopolíticas e geoeconômicas como se estivessem sozinhos.
Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização —positivas, como o livre-comércio, e negativas, como o aumento das desigualdades—, com a revolução nas comunicações e com o fim do mundo bipolar, estão afetando o processo decisório dos países e obrigando os governos a repensar a maneira como os desafios externos devem ser encarados.
A defesa do interesse nacional político, econômico e social está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões ideológicas (como a defesa do livre-comércio ou do nacionalismo econômico) e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos.
As percepções sobre o novo sistema internacional devem, assim, ser coerentes com a evolução, os avanços e as rupturas em relação à ordem tradicional. Novos caminhos deveriam ser buscados a partir da atual geopolítica, caracterizada pela globalização, pelo reforço do regionalismo e pela rápida evolução da digitalização.
A nova ordem em formação está adaptando os conceitos vigentes até aqui à realidade de um mundo mais interconectado e que enfrenta desafios como terrorismo, ataques cibernéticos, armas nucleares, mudanças climáticas, desigualdade, guerras localizadas e crises imigratórias. A soberania não é mais um conceito absoluto, e as organizações internacionais deverão ser reformuladas.
CONCEITOS SUPERADOS
No Brasil, ainda estamos presos a percepções e conceitos superados. Não houve renovação no pensamento estratégico em grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica.
Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e novas maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor? Pouco se discute sobre isso.
Das lições da economia política internacional clássica, valeria a pena resgatar os conceitos de poder e de desenvolvimento. Ambos caminham juntos. O crescimento do poder reduz a vulnerabilidade externa, reforça a voz do país no mundo e garante a segurança e a defesa. O desenvolvimento amplia o PIB pela re-industrialização, pela diversificação produtiva, pela expansão do comércio exterior e pelo fortalecimento da defesa. O ex-ministro Olavo Setúbal, de quem fui chefe de gabinete, costumava repetir: poder é PIB.
Está superado o debate entre liberalismo econômico e neo-desenvolvimentismo, entre agricultura e indústria, assim como saber se o desenvolvimento leva à industrialização ou se a especialização produtiva conduz ao crescimento.
No caso do Brasil, por seu território, sua população e suas riquezas naturais, a importância de sua inserção geopolítica deve —também e sobretudo— ser levada em conta na formulação das políticas econômica, industrial, de comércio exterior, de inovação/tecnologia e externa (que tem, entre suas prioridades, a defesa do desenvolvimento econômico do país).
Quando se analisa o lugar do Brasil no mundo e sua possível influência no cenário internacional, devemos partir de algumas premissas.
Como pano de fundo, deve-se reconhecer que a América do Sul está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, está longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia) e, até aqui, não está contaminada pela ameaça terrorista e de grandes crises sociais, guerras e refugiados (como Europa e Oriente Médio).
Em compensação, a região está mais perto da principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política do mundo (EUA), cercada de enormes incertezas, como o início de uma guerra comercial por motivação protecionista (DonaldTrump) nos próximos anos.
O QUE FAZER
Encontrar seu lugar e sua voz no mundo, compatíveis com o papel de uma das dez economias mundiais, é prioridade inadiável para o Brasil. Urge definir nossos reais interesses. Como nos posicionar diante do sistema liberal internacional e do nacionalismo econômico? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics? Não será fácil chegar a tais definições, dada a atual divisão existente na sociedade brasileira.
Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de levar em conta diversos aspectos.
Do ponto de vista político, diplomático e comercial é necessário:
(i) integrar o país nos fluxos dinâmicos de comércio exterior e da economia global, ampliando a competitividade da produção nacional com a simplificação dos processos decisórios e regulatórios;
(ii) assumir a efetiva liderança na América do Sul, o que não significa dominação nem hegemonia, e sim discutir o papel do Mercosul e de nosso relacionamento bilateral;
(iii) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais; e
(iv) pôr fim ao seu isolamento nos entendimentos comerciais, ampliando as negociações bilaterais e com megablocos, como União Europeia e mesmo Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Ampla e Progressiva Trans-Pacífica.
Do ângulo econômico e tecnológico, deve-se:
(i) promover a gradual abertura da economia e a modernização das regras para aproximá-las de padrões internacionais;
(ii) reduzir o papel do Estado, aprovar reformas estruturais (tributária, da Previdência) e desenvolver projetos de infraestrutura que reforcem a competitividade da economia e da produção nacional;
(iii) definir políticas para atrair investimentos em áreas de interesse estratégico, promover indústrias com vantagens comparativas e aumentar as exportações;
(iv) apoiar iniciativas visando aperfeiçoamento da educação e desenvolvimento de pesquisa em inovação e tecnologia de ponta;
(v) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros;
(vi) tornar-se membro pleno da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a partir do programa de ação conjunta aprovado pelo governo brasileiro em fevereiro de 2015.
Assim como ocorre com a política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018.
Um projeto de modernização do Brasil dentro desse amplo contexto deveria ser prioridade para os candidatos comprometidos com um programa mínimo a ser implementado a partir do próximo governo, a fim de definir um lugar significativo do país no mundo, superando os desafios internos e externos.
Rubens Barbosa, 79, ex-embaixador do Brasil em Washington, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (Irice).
Pena que o ditador Getúlio Vargas colocou pedras, trancas, barreiras em seu caminho. Esta foi uma das várias oportunidades perdidas pelo Brasil, pela mesquinhez política do ditador, como revela aqui o embaixador Rubens Barbosa, com base numa carta que Oswaldo Aranha escreveu em janeiro de 1943, para orientar as conversas entre Vargas e Roosevelt, em Natal, e que está disponível na integralidade no link que forneço ao final. Paulo Roberto de Almeida
Atualidade
de Oswaldo Aranha na política externa
Ele nos
inspira a ter voz forte para definir lados e a optar por posições claras no
cenário global
RUBENS
BARBOSA*
O Estado de
S.Paulo, 13 Fevereiro 2018 | 03h00
Em janeiro de 1943, em seu retorno da Conferência de
Casablanca, o presidente Franklin Roosevelt fez escala em Natal (RN) para
reafirmar a Getúlio Vargas a importância das bases americanas no Nordeste para
o esforço de guerra no norte da África. O chanceler Oswaldo Aranha, por decisão
mesquinha de Vargas, excluído do encontro, escreveu uma carta-memorando
(Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro, funag.gov.br), em 25 de janeiro de 1943,
apresentando ao presidente uma série de ações para a conversa com Roosevelt.
Aranha tinha sido embaixador em Washington e o artífice dessa aproximação.
Visto em perspectiva histórica e levando em conta as prioridades da época, esse
texto pode ser considerados um dos mais importantes documentos da história
diplomática do Brasil.
A carta contém os principais elementos do pensamento
estratégico de Oswaldo Aranha num momento de grande instabilidade política no
contexto de uma guerra que se tornava verdadeiramente global e às vésperas de o
Brasil tomar a decisão de entrar na guerra contra Hitler. Dentre os muito
aspectos relevantes do texto, destaco os que continuam atuais, pela falta de
uma definição clara sobre os rumos da política externa brasileira: o que
queremos nas relações exteriores do Brasil, de modo global; o grau adequado de
capacitação econômica para participar da política internacional; uma visão
clara das relações estratégicas que se deve ter em função dessas realidades;
uma clara estratégia de inserção internacional. Aranha define o que queremos de
nossas relações com os EUA, com a Europa, com a África e com nossos vizinhos
(hoje teria incluído a China); indica as principais prioridades naquele
momento, a sua visão do futuro do país e onde reside o interesse nacional na
área externa.
Temperadas pelo realismo (“é real que somos, ainda, um
país fraco econômica e militarmente, sem autoridade bastante para decidir no
seio das grandes nações”), as recomendações de Aranha tinham uma visão de longo
prazo sobre o País (“com população e capital, que virão pelo crescimento
natural do Brasil ou afluirão ao fim da guerra, mais dia ou menos dia, nosso
país será inevitavelmente uma das grandes potências econômicas e políticas do
mundo”).
As posições pró-americanas de Oswaldo Aranha devem ser
entendidas no contexto da 2.ª Guerra Mundial, quando Washington finalmente
liderou o combate às potências nazi-fascistas, que até pouco antes tinham o
apoio de vários ministros do governo Vargas. Aranha foi um dos responsáveis por
mudar o rumo da História ao propugnar, como ministro de Relações Exteriores,
pela declaração de guerra contra as potências agressoras e negociar com os EUA
compensações ao Brasil.
“Nada explicaria agora o nosso retraimento uma vez
que, unidos aos EUA e com eles solidários, já teríamos, no resguardo de nossos
interesses e na preparação de uma função futura, uma missão bem definida nos
fatos atuais, criados pelos problemas da guerra e da paz”, diz Aranha. Essa
posição poderia justificar uma atitude favorável dos EUA ao Brasil no tocante a
ser membro permanente do Conselho de Segurança e à entrada na OCDE, nos dias de
hoje.
O que esperar das relações com os EUA? Aranha
aconselha Vargas a “combinar tudo o que for necessário aqui ou na Europa a
tornar mais eficiente essa colaboração nossa e que ainda mais realce a parte
decisiva e capital de nossa ação diplomática e ajuda política aos EUA. A parte
econômica deve ser estudada, sobremodo a parte que temos a dar e a que
precisamos receber. Devemos ceder na guerra para ganhar na paz. O problema
econômico da paz cifra-se à adoção dos ideais liberais de comércio para as
transações mundiais, da intensificação da cooperação norte-americana para o
programa Vargas de industrialização do país e do livre trânsito e fácil acesso
de imigrantes e capitais para e no Brasil”.
“Quanto à cooperação militar”, continua Aranha, “seria
útil que os governos mantivessem sempre íntimo contato e contínua troca de
ideias a fim de adotarem qualquer medida ou decisão ditada pelos acontecimentos
ou pelos interesses recíprocos. Esse assunto é propriamente militar e dele só
me cabe cogitar como tenho feito, para o fim de definir melhor a posição do
Brasil.”
“Tudo quanto se disse até aqui de pouco ou quase nada
poderá ser útil se não formos bem informados sobre Rússia, Argentina, Portugal,
Américas. Precisamos conhecer os objetivos dos americanos” para defender nossos
interesses, teria hoje anotado Aranha. “Devemos reclamar que contaremos com o
apoio americano em favor dos pontos de vista que viermos a adotar”, sugere, sinalizando
que não existem apoios gratuitos.
Nada mais realista e pragmático do que o conselho de
que “o Brasil desta guerra deve procurar tirar as seguintes consequências: uma
melhor posição na política mundial; uma melhor posição na política com os
países vizinhos pela consolidação de sua preeminência na America do Sul; uma
mais confiante e íntima solidariedade com os EUA; criação de um poder marítimo;
criação de um poder aéreo; criação de um parque industrial para as indústrias
pesadas; criação de uma indústria bélica; criação das indústrias agrícolas,
extrativas e de minérios leves complementares dos norte-americanos e
necessários à reconstrução mundial; exploração dos combustíveis
essenciais”.
Passados 75 anos dessas recomendações a Vargas para
extrair benefícios em razão do nosso apoio no esforço bélico na África e na
Europa, o respaldo dos EUA a muitas das áreas mencionadas acima continua sendo
importante. Reler a carta de Oswaldo Aranha hoje nos inspira a ter uma voz
forte para definir lados e a optar por posições claras no cenário
internacional, onde os países não tem amigos, mas interesses.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)
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Para ler a íntegra da carta (no volume 1) e outros textos de Oswaldo Aranha, siga estes links:
O título da postagem não corresponde ao título do artigo do embaixador Rubens Barbosa, abaixo transcrito, no Estadão desta terça-feira 23/01/2018. Embora esteja de acordo com vários dos argumentos, não concordo com a tese principal: a da candidatura e "derrota" subsequente do grande meliante nas eleições de outubro. Por um motivo muito simples: ninguém tem o direito, sobretudo os atores políticos, de interferir no processo e no curso normal da Justiça, pois isso representaria uma aberração anti-democrática e anti-constitucional. Por mais que a "lógica política" – não a reconheço como tal – recomende esse "derrota", para acabar com o mito (supondo-se que isso seja possível, num ambiente contaminado pelo fundamentalismo salvacionista dos neobolcheviques), isso significaria desviar o curso da Justiça, que deveria seguir o seu caminho, como deve ocorrer em qualquer país minimamente democrático, ou simplesmente se guiando by the rule of Law. Considero essa tese, portanto, errada, como considero LAMENTÁVEL a postura do ex-presidente FHC, que continua sustentando politicamente o grande meliante, sabe-se lá porque exatamente. Essa "tese" – altamente duvidosa – de que é importante deixar o grande transgressor da democracia e da decência registrar sua candidatura, apenas para depois tentar provar que ele pode ser derrotado nas urnas – por uma candidatura responsável, de centro, ou seja tucana – é não só infeliz, mas contrária a um regime democrático decente, onde a LEI DEVE VALER PARA TODOS. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 23 de janeiro de 2018
A
CANDIDATURA LULA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 2018, p. A-2.
A decisão do Tribunal de
Porto Alegre sobre a manutenção ou não da condenação do ex-presidente Lula, a
ser conhecida amanhã, não coloca um ponto final em uma das incertezas políticas
do quadro eleitoral. Pelo contrário, começa um longo processo de judicialização
que não deverá terminar antes das eleições de outubro. Segundo vozes
experientes e abalizadas nas tecnicalidades processuais, apesar da confirmação
da condenação, Lula - sempre amparado por decisões judiciais - poderá ser indicado
como candidato na convenção do PT, ser registrado pelo TSE em agosto e estar
com seu nome nas urnas eletrônicas. Comitês populares, que se atribuem a defesa
da democracia e o direito de Lula ser candidato, criados pelo PT, somados às
declarações radicais de lideranças petistas poderão estimular um clima de
insegurança e violência no pais.
A partir do resultado do julgamento,
o Brasil viveria uma situação paradoxal. Um candidato condenado pela justiça,
com registro eleitoral obtido por decisões judiciais, poderá ser votado e
eventualmente eleito, não podendo, contudo, ser empossado, por força da lei das
inelegibilidades (ficha limpa), a menos que haja decisão do STF em contrário.
Sempre fui favorável a que Lula
pudesse ser candidato em 2018 de modo a evitar que o líder petista tenha sua
imagem de mito reforçada e continue com seu discurso de vítima de um golpe e impedido
de disputar a eleição presidencial pelas forças de direita.E possa repetir a mantra da ilegitimidade do
novo governo eleito porque este teria ganho no tapetão por pressão das elites
rentistas contra os pobres e oprimidos, abrindo espaço para mais quatro anos de
paralisia do governo e do Congresso.
Nesse contexto, a entrevista
concedida por Lula no dia 20 de dezembro, apesar da grande repercussão na mídia
escrita, passou sem uma análise mais detida. Em duas horas de conversa com a imprensa, dizendo-se
não radical, criticou fortemente ex-aliados que votaram pelo impedimento de
Dilma Rousseff e, em especial, as novas políticas do governo Temer. Populista, Lula
defendeu a valorização do salário mínimo, o forte papel do estado investidor e
indutor do crescimento, a expansão do crédito, a isenção do Imposto de Renda
para quem ganha até cinco salários mínimos e a federalização do ensino médio,
como se sua politica econômica não fosse novamente quebrar o país. Acusou o programa
de privatização pela venda irresponsável do patrimônio público, condenou
duramente a reforma trabalhista e não apoiou as da previdência e a tributária,
como estão sendo discutidas agora. Criticou sem muita convicção o combate à
corrupção, dizendo que o dinheiro no exterior não foi recuperado, foi apenas legalizado,
e defendeu a tese bolivariana do referendo revocatório. Na política externa,
propôs retomar todas as “iniciativas altivas e ativas” que isolaram o Brasil e
fizeram com que a voz do país deixasse de ser ouvida nos organismos
internacionais. Em linhas gerais, defendeu de forma enfática as políticas dos
15 anos dos governos petistas e apresentou-se mais uma vez como o salvador da
pátria com uma prometida carta aos brasileiros com as mesmas políticas dos
últimos anos.
Minha convicção de que Lula deve ser
candidato foi reforçada por essa entrevista, verdadeira plataforma e programa
de governo. Alguns viram nessas declarações, muito radicais para uma eleição
presidencial, o reconhecimento de que sua candidatura deverá ser impedida e que
se trataria de plataforma política para eleger uma bancada petista no
Congresso. Não creio que suas declarações tenham sido uma jogada tática,
sinalizando ter jogado a toalha para a eleição presidencial. Minha percepção é
a de que quis, mais uma vez, delimitar seu campo de ação, confiando na estratégia
do “nós contra eles” e mostrando aos seguidores que, apesar das acusações de
corrupção, ele e o PT mantém todas as políticas que, na visão do partido e do
candidato, deram certo.
Será importante que Lula possa
concorrer para que a sociedade brasileira se manifeste sobre seu programa de
forma definitiva. São inegáveis os avanços ocorridos nos governos petistas na
área social, mas, sobretudo no segundo mandato de Lula e no governo Dilma, políticas
econômicas equivocadas foram responsáveis pela profunda crise econômica e social
em que o Brasil foi colocado. Não se pode ignorar os 14 milhões de
desempregados, a grave crise fiscal e a maior recessão da história. Derrotadas politicamente, as propostas e
atitudes divisivas de Lula ficarão superadas de forma legítima e não abrirão
nenhuma possibilidade de contestação. O espectro petista que ronda o pais
poderá ficar afastado de vez. Se Lula ganhar, poderemos ter uma nova e
excitante experiência petista de governo e o Brasil estará comprando uma
passagem direta para a Grécia (onde, aliás já chegou o Rio de Janeiro).
Ganhando um candidato de centro com uma
agenda de reformas, o Brasil poderá voltar a olhar para frente, com uma agenda
de modernização que passe pelo aprofundamento das reformas e da revisão do
papel do Estado, e com o enfrentamento das desigualdades e dos privilégios para
tornar o pais mais justo, mais democrático e mais sustentável, ou seja,
justamente melhor e de forma mais permanente para os desfavorecidos. Com isso,
o pais se tornará melhor preparado para enfrentar as rápidas transformações em
todos os campos do cenário internacional, que desafiam as instituições, os
trabalhadores e os empresários.
As eleições de outubro de 2018 serão
um divisor de águas para as futuras gerações. O voto definirá a volta às
políticas do lulopetismo ou a visão do futuro. O Brasil terá de optar entre
dois caminhos bastante distintos. Esse é o dilema que deve ser enfrentado para
que o Brasil possa definir um rumo claro a ser seguido.
Rubens
Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio
Exterior (IRICE).
A51.ª
edição da reunião de cúpula dos chefes de Estado do Mercosul e Estados
Associados foi realizada em Brasília na semana passada. O Mercosul equivale
hoje à quinta economia do mundo, com produto interno bruto (PIB) de US$ 2,7
trilhões.
Mais
de 10% das exportações brasileiras têm como destino os demais sócios do bloco e
84% delas são produtos manufaturados. As trocas comerciais no Mercosul (US$ 38
bilhões – 2016) são hoje 8,5 vezes maiores do que as registradas no ano da
fundação do bloco (US$ 4,5 bilhões – 1991).
A cúpula
de chefes de Estado encerra a presidência pro tempore exercida pelo Brasil
durante o segundo semestre de 2017. Em vista dos resultados alcançados, pode-se
dizer que a reunião presidencial foi uma das mais eficazes e produtivas dos
últimos anos. Nesse período, foram realizadas cerca de 300 reuniões dos órgãos
decisórios e especializados do Mercosul, tratando de temas como comércio,
regulamentos técnicos, contratações públicas, grupo de monitoramento
macroeconômico, direitos humanos, justiça, desenvolvimento social, saúde e
educação. Com esse esforço se atualizou a agenda de trabalho do bloco, que
voltou a tratar de assuntos relevantes para o intercâmbio comercial e de
questões novas e urgentes.
A cúpula
de Brasília consolidou o fortalecimento do Mercosul como instrumento de
integração capaz de produzir resultados concretos em benefício das sociedades
da região, com base nos pilares presentes quando da criação do bloco:
integração econômico-comercial, democracia e direitos humanos. O grupo retoma a
sua vocação original de regionalismo aberto e busca tornar-se cada vez mais uma
plataforma de inserção competitiva de seus integrantes na economia global. Com
isso os presidentes decidiram acabar com a retórica bolivariana e dar
prioridade a uma agenda reformista e pró-mercado.
Sob a
coordenação brasileira foram reiniciadas discussões de temas que não foram
tratados nos últimos anos, como serviços, comércio eletrônico, facilitação do
comércio, pequenas e médias empresas e o interesse do consumidor nas matérias
de comércio exterior. Foi assinado o acordo de compras governamentais entre os
países-membros. Novos temas foram introduzidos no programa de trabalho do bloco
e há disposição de avançar em setores como questões regulatórias, comércio
eletrônico, bens de informática e o desenvolvimento de uma agenda digital, com
a criação de um grupo que deverá apresentar plano de ação sobre esse tema no
primeiro trimestre de 2018. Modernizou-se o mecanismo de elaboração e
modificação de regulamentos técnicos do Mercosul, em discussão desde 2010, que
permitirá alinhar o bloco aos mais avançados padrões e práticas internacionais,
em benefício dos cidadãos, dos consumidores e das empresas.
Nesse
período, foi também adotado um plano de ação para o fortalecimento das áreas
comercial e econômica, cuja execução levou a melhorias efetivas na fluidez do
comércio regional, e foram reiterados os compromissos de evitar restrições ao
comércio entre os países, com a diminuição substantiva de 86% dos entraves ao
comércio (de 78 medidas restritivas foram eliminadas 67) entre seus
integrantes, fruto de um esforço de fortalecimento do mercado interno.
O Brasil
apresentou projetos para Iniciativas Facilitadoras de Comércio e Protocolo de
Coerência Regulatória, que terão continuidade na presidência pro tempore
paraguaia. Foram aprovados o tratamento do tema de proteção mútua de indicações
geográficas, que também terá sequência na agenda do bloco, e o Acordo sobre
Direito Aplicável em Matéria de Contratos Internacionais de Consumo, que
estabelece critérios para definir o direito aplicável a litígios dos
consumidores em suas relações de consumo.
Do ponto
de vista político, não menos importante, também houve avanços, como a aplicação
da cláusula democrática à Venezuela, cada vez mais autoritária.
Houve
compromisso de continuar na busca de soluções para os temas ainda pendentes,
como a decisão de incorporar plenamente ao regime jurídico do bloco os setores
automotivo e do açúcar, e também a tentativa de corrigir algumas recaídas
protecionistas, como a imposição pelo Uruguai de uma sobretaxa às importações
que, na prática, estabelece uma tarifa externa diferenciada contra as regras do
Mercosul.
Durante
recente encontro na Argentina, os negociadores do Mercosul e da União Europeia
não chegaram a um acordo para que fosse feito um anúncio político a respeito do
progresso e da finalização das negociações em 2018. Agora em meados de janeiro
os entendimentos técnicos devem prosseguir, já incorporando as decisões de
incluir 90% do intercâmbio comercial dos dois agrupamentos e reduzir o
cronograma de desgravação para dez anos. Os presidentes reafirmaram o empenho
do Mercosul na conclusão, no mais breve prazo possível, de um acordo ambicioso,
abrangente e equilibrado, em todas as suas dimensões. Espera-se que a União
Europeia possa melhorar as ofertas de cotas para carne e etanol, de modo a
permitir um rápido avanço nos entendimentos, superando a oposição de alguns membros
europeus.
A
disposição de celebrar acordos com outros países e blocos foi reafirmada com a
disposição de avançar nas negociações com a Associação Europeia de Livre
Comércio (Efta) e nos entendimentos com os países da Associação de Nações do
Sudeste Asiático (Asean), bem como nas negociações com a Índia, o Marrocos e a
Tunísia. Foi destacada, ainda, a perspectiva de lançamento de negociações com o
Canadá e a Coreia do Sul.
A partir
de 1.º de janeiro de 2018 o Paraguai assume a presidência pro tempore do Mercosul
e a tendência é que será dada continuidade a essa nova agenda apoiada pelo
Brasil.
Bloco
troca a retórica bolivariana por uma agenda reformista e pró-mercado
PRESIDENTE
DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP