Pena que o ditador Getúlio Vargas colocou pedras, trancas, barreiras em seu caminho. Esta foi uma das várias oportunidades perdidas pelo Brasil, pela mesquinhez política do ditador, como revela aqui o embaixador Rubens Barbosa, com base numa carta que Oswaldo Aranha escreveu em janeiro de 1943, para orientar as conversas entre Vargas e Roosevelt, em Natal, e que está disponível na integralidade no link que forneço ao final.
Paulo Roberto de Almeida
Atualidade
de Oswaldo Aranha na política externa
Ele nos
inspira a ter voz forte para definir lados e a optar por posições claras no
cenário global
RUBENS
BARBOSA*
O Estado de
S.Paulo, 13 Fevereiro 2018 | 03h00
Em janeiro de 1943, em seu retorno da Conferência de
Casablanca, o presidente Franklin Roosevelt fez escala em Natal (RN) para
reafirmar a Getúlio Vargas a importância das bases americanas no Nordeste para
o esforço de guerra no norte da África. O chanceler Oswaldo Aranha, por decisão
mesquinha de Vargas, excluído do encontro, escreveu uma carta-memorando
(Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro, funag.gov.br), em 25 de janeiro de 1943,
apresentando ao presidente uma série de ações para a conversa com Roosevelt.
Aranha tinha sido embaixador em Washington e o artífice dessa aproximação.
Visto em perspectiva histórica e levando em conta as prioridades da época, esse
texto pode ser considerados um dos mais importantes documentos da história
diplomática do Brasil.
A carta contém os principais elementos do pensamento
estratégico de Oswaldo Aranha num momento de grande instabilidade política no
contexto de uma guerra que se tornava verdadeiramente global e às vésperas de o
Brasil tomar a decisão de entrar na guerra contra Hitler. Dentre os muito
aspectos relevantes do texto, destaco os que continuam atuais, pela falta de
uma definição clara sobre os rumos da política externa brasileira: o que
queremos nas relações exteriores do Brasil, de modo global; o grau adequado de
capacitação econômica para participar da política internacional; uma visão
clara das relações estratégicas que se deve ter em função dessas realidades;
uma clara estratégia de inserção internacional. Aranha define o que queremos de
nossas relações com os EUA, com a Europa, com a África e com nossos vizinhos
(hoje teria incluído a China); indica as principais prioridades naquele
momento, a sua visão do futuro do país e onde reside o interesse nacional na
área externa.
Temperadas pelo realismo (“é real que somos, ainda, um
país fraco econômica e militarmente, sem autoridade bastante para decidir no
seio das grandes nações”), as recomendações de Aranha tinham uma visão de longo
prazo sobre o País (“com população e capital, que virão pelo crescimento
natural do Brasil ou afluirão ao fim da guerra, mais dia ou menos dia, nosso
país será inevitavelmente uma das grandes potências econômicas e políticas do
mundo”).
As posições pró-americanas de Oswaldo Aranha devem ser
entendidas no contexto da 2.ª Guerra Mundial, quando Washington finalmente
liderou o combate às potências nazi-fascistas, que até pouco antes tinham o
apoio de vários ministros do governo Vargas. Aranha foi um dos responsáveis por
mudar o rumo da História ao propugnar, como ministro de Relações Exteriores,
pela declaração de guerra contra as potências agressoras e negociar com os EUA
compensações ao Brasil.
“Nada explicaria agora o nosso retraimento uma vez
que, unidos aos EUA e com eles solidários, já teríamos, no resguardo de nossos
interesses e na preparação de uma função futura, uma missão bem definida nos
fatos atuais, criados pelos problemas da guerra e da paz”, diz Aranha. Essa
posição poderia justificar uma atitude favorável dos EUA ao Brasil no tocante a
ser membro permanente do Conselho de Segurança e à entrada na OCDE, nos dias de
hoje.
O que esperar das relações com os EUA? Aranha
aconselha Vargas a “combinar tudo o que for necessário aqui ou na Europa a
tornar mais eficiente essa colaboração nossa e que ainda mais realce a parte
decisiva e capital de nossa ação diplomática e ajuda política aos EUA. A parte
econômica deve ser estudada, sobremodo a parte que temos a dar e a que
precisamos receber. Devemos ceder na guerra para ganhar na paz. O problema
econômico da paz cifra-se à adoção dos ideais liberais de comércio para as
transações mundiais, da intensificação da cooperação norte-americana para o
programa Vargas de industrialização do país e do livre trânsito e fácil acesso
de imigrantes e capitais para e no Brasil”.
“Quanto à cooperação militar”, continua Aranha, “seria
útil que os governos mantivessem sempre íntimo contato e contínua troca de
ideias a fim de adotarem qualquer medida ou decisão ditada pelos acontecimentos
ou pelos interesses recíprocos. Esse assunto é propriamente militar e dele só
me cabe cogitar como tenho feito, para o fim de definir melhor a posição do
Brasil.”
“Tudo quanto se disse até aqui de pouco ou quase nada
poderá ser útil se não formos bem informados sobre Rússia, Argentina, Portugal,
Américas. Precisamos conhecer os objetivos dos americanos” para defender nossos
interesses, teria hoje anotado Aranha. “Devemos reclamar que contaremos com o
apoio americano em favor dos pontos de vista que viermos a adotar”, sugere, sinalizando
que não existem apoios gratuitos.
Nada mais realista e pragmático do que o conselho de
que “o Brasil desta guerra deve procurar tirar as seguintes consequências: uma
melhor posição na política mundial; uma melhor posição na política com os
países vizinhos pela consolidação de sua preeminência na America do Sul; uma
mais confiante e íntima solidariedade com os EUA; criação de um poder marítimo;
criação de um poder aéreo; criação de um parque industrial para as indústrias
pesadas; criação de uma indústria bélica; criação das indústrias agrícolas,
extrativas e de minérios leves complementares dos norte-americanos e
necessários à reconstrução mundial; exploração dos combustíveis
essenciais”.
Passados 75 anos dessas recomendações a Vargas para
extrair benefícios em razão do nosso apoio no esforço bélico na África e na
Europa, o respaldo dos EUA a muitas das áreas mencionadas acima continua sendo
importante. Reler a carta de Oswaldo Aranha hoje nos inspira a ter uma voz
forte para definir lados e a optar por posições claras no cenário
internacional, onde os países não tem amigos, mas interesses.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)
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Para ler a íntegra da carta (no volume 1) e outros textos de Oswaldo Aranha, siga estes links:
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