Quase dois anos atrás, mas ainda antes da queda final do poder lulopetista no plano da chefia do Estado, eu redigia um epitáfio ao lulopetismo diplomático, antes mesmo de deixar o meu limbo diplomático de muitos anos, afastado de qualquer função na Secretaria de Estado, até a queda do governo podre e corrupto dos companheiros, quando finalmente pude vislumbrar um retorno ao trabalho normal.
Não sei se trata-se realmente de um epitáfio, mas é uma espécie de balanço de tudo o que se fazia de errado no âmbito externo, e não sei exatamente que avaliação fazer dois anos depois.
Em todo caso, segue o artigo então redigido.
Epitáfio do lulopetismo diplomático
Paulo Roberto de Almeida
Dois elementos são
essenciais a qualquer diplomacia: credibilidade e inserção internacional. Esta
última característica constitui aquilo que Nelson Rodrigues chamou de “óbvio
ululante” e, por isso mesmo, a credibilidade nas palavras e ações de um país emerge
como crucial na construção e na manutenção de sua respeitabilidade externa.
Ao aproximar-se o fim de
mais de treze anos de bizarrices na política externa, cabe rememorar como a
diplomacia lulopetista, partidária por definição, sacrificou ambos elementos no
altar de posturas sectárias e iniciativas obscuras. A deformação das mais
sensatas tradições da diplomacia profissional não só retirou credibilidade ao
Brasil no contexto regional, como isolou o país da economia mundial, fazendo
retroceder tanto a integração no Mercosul quanto nossa inserção nas cadeias
produtivas globais.
Os lulopetistas
retiraram credibilidade à política externa e à própria diplomacia profissional
em primeiro lugar pelo alinhamento canhestro a regimes de esquerda na região,
numa demonstração de anti-imperialismo anacrônico e de antiamericanismo
infantil (existiam motivos atrás disso, o Foro de São Paulo, uma organização de
fachada que permite aos comunistas cubanos controlar correias de transmissão no
hemisfério). Houve um tempo em que o Brasil parecia dispor de vários ministros
de relações exteriores, sendo um ironicamente designado de “chanceler para a
América do Sul”, um apparatchik do partido, amador em assuntos externos, mas
dispondo de grande poder para impor posturas contrárias ao interesse nacional,
contra as opiniões mais sensatas da diplomacia profissional. Não faltou sequer
certa dose de traição aos interesses do país, como revelado em episódios
lastimáveis da diplomacia partidária, como a expropriação ilegal e indevida de
ativos nacionais em países vizinhos, ou até a tentativa, felizmente frustrada,
de fazer organismos externos interferir em nossa política interna, todos a
partir de atropelos dos lulopetistas aprendizes de feiticeiro na agenda
internacional do Brasil, que teria ficado em melhores condições nas mãos dos
diplomatas profissionais.
O desmantelamento dos
objetivos comerciais e econômicos do Mercosul, e sua transformação em mera
tribuna política, sem qualquer efeito sobre seu fortalecimento enquanto
parceiro internacional confiável, foi outra das lamentáveis “realizações” dos
lulopetistas: o Mercosul se desqualificou, quando não abandonou por completo sua
participação em negociações regionais ou plurilaterais em prol da abertura
econômica, liberalização comercial ou inserção em cadeias mundiais de valor. O
apoio concreto a duvidosos regimes esquerdistas – quando não ditaduras abertas
– constituiu o aspecto mais histriônico, e nefasto, dessa política externa
bizarra, aliás em total desrespeito a normas constitucionais e em contradição completa
com nossas tradições diplomáticas (como a interferência nos assuntos internos
de Honduras, por exemplo). Tudo isso minou a credibilidade da política externa
e da diplomacia profissional.
O isolamento econômico
do Brasil não foi algo improvisado, mas sim resultou de concepções anacrônicas
em matéria de políticas industriais ou comerciais, que rescendem a um bolor
desenvolvimentista de décadas passadas, mas que os lulopetistas sempre
admiraram pelo seu lado estatista e dirigista, com raízes no protecionismo
comercial e na proteção de uma “indústria infante” (a automobilística, por exemplo),
que ainda não terminou de ser criança, mesmo passados sessenta anos. Regras de
conteúdo local e discriminação tributária, como condição de acesso ao mercado
interno, não estão apenas em contradição com regras do Gatt-OMC, mas
realimentam velhos sonhos soviéticos de “socialismo num só país”, no nosso caso
transformado em perfeito exemplo de “stalinismo industrial”, ou seja, uma
indústria isolada do mundo.
O renascimento da
política externa num novo governo terá de rever todas essas posturas
anacrônicas do lulopetismo diplomático, indignas de nossas melhores tradições
profissionais nessa área. A restauração da credibilidade externa do Brasil
começa pela dupla superação da doença infantil do esquerdismo
terceiro-mundista, traduzido na míope “diplomacia Sul-Sul”, e da obsessão pela
busca de “parceiros estratégicos”, um fantasmagórico grupo de
“anti-hegemônicos” (na concepção dos lulopetistas), cada um, na verdade,
cuidando de seu interesse próprio no cenário mundial. O fim do auto-isolamento
econômico e comercial passa, por sua vez, pela reversão completa das medidas
adotadas nos últimos anos, começando por colocar novamente na agenda os
objetivos prioritários inscritos no artigo primeiro do Tratado do Mercosul, ou
então a concessão de liberdade a cada membro para negociar acordos de
liberalização comercial com os parceiros mais prometedores. A indústria
brasileira não precisa tanto de proteção e subsídios, quanto de abertura e
competição, à condição que ela deixe de ser esmagada por uma carga tributária
tão extorsiva quanto imoral.
A política externa
lulopetista isolou o Brasil do mundo e retirou credibilidade à sua diplomacia
profissional, ao partir de pressupostos completamente equivocados, em alguns
casos deliberadamente voltados para prestar serviço a obscuros clientes
externos, que nada tinham a ver com os nossos interesses nacionais. O Itamaraty
precisa ser restaurado em seu papel fundamental de assessoria competente,
essencialmente técnica, à formulação das diretrizes presidenciais em matéria de
política externa, sem qualquer vezo partidário ou ideológico. Afastados
apparatchiks partidários – que aliás romperam com métodos de trabalho obrigatórios
na diplomacia profissional, como o registro documental de cada ação empreendida
–, o Brasil poderá recuperar sua credibilidade externa e reinserir-se
produtivamente na economia mundial. Não era sem tempo!
[Paulo Roberto de Almeida;
Brasília, 2 de maio de 2016]
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