Visão estratégica sobre a questão central do relacionamento?
Tem muitas outras coisas a serem discutidas nessa importante questão.
Paulo Roberto de Almeida
Quarenta anos após as primeiras reformas agrícolas conduzidas por Deng Xiaoping, podemos dizer com segurança que as transformações do agronegócio chinês foram profundas e impressionantes. A saber:
1. Segurança alimentar: a China trocou a diretriz da autossuficiência alimentar a qualquer custo por uma política de “segurança alimentar estratégica orientada pelo mercado”. Nesse contexto, ela se abriu inicialmente para a soja em grãos, que responde sozinha por 40% da exportação total e 80% da exportação agrícola do Brasil. Nossas exportações agro para a China e Hong Kong saltaram de US$ 6 bilhões para 30 bilhões nos últimos dez anos.
Agora a China começa a rever a sua política de estoques estratégicos e preços administrados, o que deve levar gradualmente a maiores importações de milho, açúcar e carnes no futuro, ainda que com grandes dificuldades de acesso (cotas e barreiras técnicas e sanitárias) acopladas a travas de defesa comercial (salvaguardas no açúcar e antidumping no frango). O Brasil precisa diversificar a pauta de exportações e adicionar valor aos produtos exportados.
2. Investimentos para garantir a “originação” das matérias-primas: a internacionalização das empresas chinesas visa o controle das cadeias de suprimento – genética, infraestrutura, armazenamento, processamento e comercialização. Exemplos são as aquisições de empresas como Syngenta, Noble, Nidera e Fiagril.
3. Segurança do alimento, qualidade e sustentabilidade: a grande obsessão atual da China é com qualidade, sanidade e sustentabilidade ambiental da produção. Nessa área temos muito a contribuir nas relações bilaterais, mas é preciso melhorar o processo regulatório: processos e padrões mais transparentes, qualidade das respostas nos questionários, rastreabilidade de produtos, combate ao contrabando, integração das cadeias produtivas com investimentos cruzados das empresas e um diálogo mais permanente e fluido para evitar as arbitrariedades.
4. O papel do Brasil e da China no agronegócio mundial: investimentos em tecnologia, ganhos de escala e subsídios a insumos modernos transformaram a China em uma potência agrícola. O país virou o 3º maior exportador de agro do mundo, com US$ 95 bilhões/ano, ligeiramente à frente do Brasil. O exemplo mais contundente está nas exportações de pescados, frutas e hortaliças, que já ultrapassa US$ 40 bilhões anuais. São centenas de categorias de produtos frescos e processados exportados basicamente para o resto da Ásia.
Os ganhos de produtividade total da agricultura chinesa são equivalentes aos obtidos pelo Brasil desde 1980 3% ao ano, o dobro da média mundial. Esse desempenho extraordinário exige uma visão estratégia concertada nos fóruns internacionais que tratam de segurança alimentar, comércio, clima, água e energia. A coordenação praticamente inexiste, e a relação é dominada por conflitos pontuais de curto prazo.
Estamos condenados a nos casar com a China, de alguma forma. Mas até aqui foi ela que deu corda e dominou a relação, pois pensa estrategicamente e sabe perfeitamente o que quer. Nós somos o oposto da China: ansiosos, imediatistas, individualistas e meio esquizofrênicos. Não sei se isso é curável, mas ano eleitoral é sempre uma oportunidade para refletir sobre a nossa desorganização endêmica e mudar hábitos.
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