O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

domingo, 4 de fevereiro de 2018

O agronegocio na relacao Brasil-China - Marcos Jank (FSP)

Azeitona brasileira na empada chinesa, ou um boi inteiro?
Visão estratégica sobre a questão central do relacionamento?
Tem muitas outras coisas a serem discutidas nessa importante questão.
Paulo Roberto de Almeida

Mudanças no agronegócio chinês e o Brasil
Marcos Sawaya Jank (*)
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 03/02/2018

Transformações profundas exigem estratégia refletida e negociação estruturada.

São louváveis as raras iniciativas de reflexão sobre o longo prazo no Brasil. O Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) criou um grupo para discutir em profundidade dez temas estruturais da relação Brasil-China. Participei do debate sobre “complementaridade e dependência no agronegócio”.

Quarenta anos após as primeiras reformas agrícolas conduzidas por Deng Xiaoping, podemos dizer com segurança que as transformações do agronegócio chinês foram profundas e impressionantes. A saber:

1. Segurança alimentar: a China trocou a diretriz da autossuficiência alimentar a qualquer custo por uma política de “segurança alimentar estratégica orientada pelo mercado”. Nesse contexto, ela se abriu inicialmente para a soja em grãos, que responde sozinha por 40% da exportação total e 80% da exportação agrícola do Brasil. Nossas exportações agro para a China e Hong Kong saltaram de US$ 6 bilhões para 30 bilhões nos últimos dez anos.

Agora a China começa a rever a sua política de estoques estratégicos e preços administrados, o que deve levar gradualmente a maiores importações de milho, açúcar e carnes no futuro, ainda que com grandes dificuldades de acesso (cotas e barreiras técnicas e sanitárias) acopladas a travas de defesa comercial (salvaguardas no açúcar e antidumping no frango). O Brasil precisa diversificar a pauta de exportações e adicionar valor aos produtos exportados.

2. Investimentos para garantir a “originação” das matérias-primas: a internacionalização das empresas chinesas visa o controle das cadeias de suprimento – genética, infraestrutura, armazenamento, processamento e comercialização. Exemplos são as aquisições de empresas como Syngenta, Noble, Nidera e Fiagril.

3. Segurança do alimento, qualidade e sustentabilidade: a grande obsessão atual da China é com qualidade, sanidade e sustentabilidade ambiental da produção. Nessa área temos muito a contribuir nas relações bilaterais, mas é preciso melhorar o processo regulatório: processos e padrões mais transparentes, qualidade das respostas nos questionários, rastreabilidade de produtos, combate ao contrabando, integração das cadeias produtivas com investimentos cruzados das empresas e um diálogo mais permanente e fluido para evitar as arbitrariedades. 

4. O papel do Brasil e da China no agronegócio mundial: investimentos em tecnologia, ganhos de escala e subsídios a insumos modernos transformaram a China em uma potência agrícola. O país virou o 3º maior exportador de agro do mundo, com US$ 95 bilhões/ano, ligeiramente à frente do Brasil. O exemplo mais contundente está nas exportações de pescados, frutas e hortaliças, que já ultrapassa US$ 40 bilhões anuais. São centenas de categorias de produtos frescos e processados exportados basicamente para o resto da Ásia.

Os ganhos de produtividade total da agricultura chinesa são equivalentes aos obtidos pelo Brasil desde 1980 3% ao ano, o dobro da média mundial. Esse desempenho extraordinário exige uma visão estratégia concertada nos fóruns internacionais que tratam de segurança alimentar, comércio, clima, água e energia. A coordenação praticamente inexiste, e a relação é dominada por conflitos pontuais de curto prazo.

Estamos condenados a nos casar com a China, de alguma forma. Mas até aqui foi ela que deu corda e dominou a relação, pois pensa estrategicamente e sabe perfeitamente o que quer. Nós somos o oposto da China: ansiosos, imediatistas, individualistas e meio esquizofrênicos. Não sei se isso é curável, mas ano eleitoral é sempre uma oportunidade para refletir sobre a nossa desorganização endêmica e mudar hábitos.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

Nenhum comentário: