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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 8 de novembro de 2020

O que o agronegócio deve esperar de Joe Biden? - Marcos Jank (Veja)

 Amigos,

É com grande satisfação que informo sobre o lançamento da coluna AGRO GLOBAL no site de VEJA, que trará análises exclusivas sobre agronegócio, comércio e sustentabilidade realizadas pela equipe do centro Insper Agro Global e convidados, sob a nossa coordenação. Segue abaixo o primeiro artigo da coluna.

Abraço,

Marcos

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O que o agronegócio deve esperar de Joe Biden?

Coluna AGRO GLOBAL no site de VEJA, 07/11/2020. 

Marcos Sawaya Jank*

Impacto do governo Biden no comércio agrícola, China, Amazônia e políticas climáticas. 

Joe Biden venceu as eleições dos EUA e esse é o tema do 1º artigo da nova coluna AGRO GLOBAL do site de VEJA. Vamos analisar o impacto do novo governo sobre agronegócio, comércio, clima e Amazônia, mostrando porque Biden é a melhor escolha para o agro brasileiro.

 

A primeira grande mudança da gestão Biden nas relações internacionais será o resgate da liderança que os Estados Unidos sempre exerceram na coordenação multilateral do mundo, que se inicia já na independência dos EUA com a ação diplomática de Benjamin Franklin e os demais Founding Fathers contra o colonialismo europeu.

 

Para entender o papel histórico dos EUA no mundo, vale ler um livro magnífico que acaba de ser lançado: America in the World: A History of U.S. Diplomacy and Foreign Policy, de Robert Zoellick, que foi representante de comércio dos EUA (USTR) de 2001 a 2005 e depois Presidente do Banco Mundial. O livro analisa o papel que Franklin, Hamilton, Jefferson, Adams, Lincoln, os Roosevelts, Woodrow Wilson, Cordell Hull, Kennedy, Reagan, Bush e outros “líderes pragmáticos” tiveram na construção da diplomacia e da política externa dos EUA. A obra merece ser lida nesse momento crucial e conflitivo da democracia americana.

 

No final da 2ª guerra, o mundo pedia maior coordenação multilateral em temas como garantia da paz, comércio, finanças, desenvolvimento e outros. Os Estados Unidos assumiram posição central na criação de diversas organizações internacionais para promover paz, direitos humanos e solução de conflitos (ONU), finanças e desenvolvimento (FMI e Banco Mundial), comércio (o acordo do GATT, que depois virou a OMC - Organização Mundial de Comércio), saúde pública (OMS - Organização Mundial de Saúde) e muitas outras.

 

O momento turbulento e polarizado que vivemos hoje exige o aprimoramento da capacidade de coordenação dos países em novos temas como meio ambiente, mudança do clima, segurança biológica (contenção de pandemias), saúde pública, segurança cibernética, migração, anticorrupção, transparência e outros.

 

Com o America First, Trump deu as costas para o mundo e abandonou o papel histórico de concertação dos EUA. Em comércio, para agradar o seu público interno Trump propôs medidas enérgicas para “zerar” os principais déficits comerciais que os EUA mantinham no mundo, iniciando negociações país a país como se o comércio fosse um jogo de soma zero, que não é.

 

Pouco a pouco, Trump retirou os EUA da Parceria Transpacífico (TPP), um extraordinário acordo comercial ligando 12 países americanos e asiáticos do Pacífico. A seguir, repaginou o NAFTA à sua maneira, enfraqueceu a OMC ao se recusar a nomear juízes para o órgão de solução de controvérsias e retirou os EUA da Convenção do Clima. Trump se voltou para dentro do país, confrontando não apenas os novos inimigos do Oriente, como a China, mas também os seus vizinhos e aliados mais tradicionais do Ocidente. Na minha opinião, não deu certo.

 

Não há dúvida que Joe Biden vai seguir priorizando os interesses domésticos americanos acima de tudo, começando pela recuperação econômica do país. Mas, ao contrário de Trump, ele construirá a sua política externa a partir das medidas internas que serão adotadas, reduzindo o tensionamento e aumentando a concertação internacional.

 

É neste contexto que enxergo a possibilidade de novas formas de diálogo entre os EUA e a China. Com certeza a rivalidade EUA-China veio para ficar e não vai terminar com a eleição de Biden, até porque a China continuará crescendo rápido e ameaçando a hegemonia americana. Ao final de 2021, a economia chinesa estará 10% maior do que logo antes da pandemia. Os EUA estarão menores.

 

No agronegócio, não há dúvida que o Brasil se beneficiou da guerra comercial EUA-China, que começou logo após as eleições de Trump em 2017, e pode ser prejudicado por um acordo tácito entre as duas maiores potências do planeta. Mas comemorar guerras e disputas hegemônicas nunca foi uma boa ideia para quem só atua em campos laterais. Prefiro acreditar que a construção de regras multilaterais que valem para todos continua sendo a melhor opção do planeta. Podemos perfeitamente incrementar nossas parcerias estratégicas com os EUA e com a China, rejeitando a política de “comércio administrado” proposta por Trump que, espero, não será seguida por Biden.

 

Dentre as políticas de Biden, a que mais deve impactar o Brasil é uma nova postura dos EUA em relação ao tema da mudança do clima, radicalmente diferente da linha seguida por Trump. Meio ambiente, mudança do clima, promoção de fontes renováveis de energia e taxação de carbono estarão no centro da agenda de Biden. Os EUA vão retornar ao Acordo de Paris, colocando o tema da mudança do clima no centro da sua política externa, comercial e de segurança nacional, o que certamente incluirá uma forte pressão para reduzir o desmatamento no Brasil.

 

Muitos dirão que essa é uma agenda negativa para o Brasil. Eu prefiro acreditar que, na toada das pressões comerciais que o agro já vem sofrendo na região Norte, a eleição de Biden apenas reforça a necessidade de completarmos a “lição de casa” que estamos devendo para o mundo há décadas.

 

Estima-se que 95% do desmatamento brasileiro seja ilegal e, portanto, associado ao descumprimento da legislação brasileira. É nossa obrigação resolver esse problema, que começa com a necessidade de regularização fundiária das regiões norte e nordeste do país, que já dura décadas. Segue-se o problema da regularização ambiental, que ainda não foi efetivada, a despeito de o Código Florestal já ter completado o seu 8º ano de vida.

 

A verdade é que a agricultura brasileira é ao mesmo tempo vilã, vítima e solução no tema da mudança do clima. “Vilã” por estar associada ao desmatamento ilegal, que já atinge mais de 10 mil km2 por ano no Brasil. “Vítima” porque a agricultura vem sofrendo com eventos extremos e grandes instabilidades climáticas, como vimos esse ano no país. “Solução” porque acumulamos grandes ganhos de produtividade e dispomos de uma matriz energética limpa e diversificada - composta por diversos tipos de biocombustíveis e energias renováveis - fazemos 2 a 3 safras por ano e muitas outras conquistas qualificam a nossa agricultura como de “baixo carbono”.

 

A pecuária de corte será o setor mais pressionado pela eleição de Biden, pelo fato de que a cria de bezerros é a primeira ocupação agropecuária em áreas recém desmatadas do bioma Amazônico. Mas os biocombustíveis brasileiros, como o etanol de cana-de-açúcar e o biodiesel de oleaginosas, podem ganhar bastante espaço na agenda internacional com a adesão dos EUA ao Acordo de Paris e a renovada pressão pela substituição de energias fósseis por energias renováveis, tema amplamente vocalizado por Biden durante a campanha. Vale lembrar que 73% das emissões de gases de efeito estufa responsáveis pela mudança do clima vem do setor de energia e transportes, e menos de 7% de desmatamentos e mudanças no uso da terra.

 

Em suma, creio que a eleição de Biden levará o governo brasileiro a abrir novos canais de interlocução com o governo americano. Deveria, também, buscar uma equidistância mais prudente da sua política comercial com os EUA e com a China, fortalecendo as nossas duas maiores parcerias estratégias. Apesar de os EUA serem os nossos principais concorrentes no agronegócio global, há muito espaço para ampliar a cooperação com aquele país em temas como segurança alimentar global, inovação, bioenergia e no reforço da coordenação multilateral.

 

Creio que a principal lição que deveríamos aprender com o retorno dos Democratas ao poder nos EUA é parar de insistir em ver o mundo como “cruzadas maniqueístas”, de uma luta permanente do bem contra o mal entre supostos poderes opostos e incompatíveis. Em vez de louvar amigos e atacar inimigos imaginários, melhor faríamos em identificar claramente os nossos interesses externos e desafios imediatos. Se fizermos isso, veremos que o nosso maior desafio é simplesmente fazer direito a “lição de casa”. Isso vale para as reformas internas prometidas, e ainda não realizadas. Vale também para os problemas ambientais e fundiários do bioma Amazônia, que agora terão de ser resolvidos, para o bem ou para o mal.

 

(*) Marcos Sawaya Jank é professor de agronegócio global do Insper.

sábado, 21 de dezembro de 2019

Agronegócio - crescimento, geopolítica e fortes emoções - Marcos Jank (OESP)

Agronegócio - crescimento, geopolítica e fortes emoções

Jornal “O Estado de S. Paulo”, Opinião, 21/12/2019.

Marcos S. Jank (*)

Nossas perspectivas são extraordinárias, apesar do endosso dos EUA e China ao “comércio administrado” no agronegócio.

A vida dos leitores de bola de cristal está cada vez mais complicada. No caso do agronegócio, a confluência de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, uma terrível epidemia de peste suína africana na Ásia, a retomada de pesadas taxações sobre as exportações no novo governo argentino e, fechando o ano, o anúncio de um mega-acordo EUA-China jogaram por terra as profecias e os cenários dos oráculos dos últimos três anos.

Definitivamente, entramos numa nova “era das incertezas”, marcada por volatilidades, rupturas e o retorno brutal da geopolítica no comércio mundial.

Assim que assumiu, em 2017, Donald Trump decidiu taxar a entrada de produtos chineses nos EUA e a China retaliou fazendo o mesmo contra a entrada de produtos americanos. Por isso o Brasil foi beneficiado com importações crescentes da China no agronegócio, que favoreceram principalmente nossa soja.

De 2016 a 2018 as exportações agrícolas do Brasil para a China saltaram de US$ 21 bilhões para US$ 35 bilhões, enquanto as dos americanos caíram de US$ 25 bilhões para só US$ 13 bilhões. O Brasil tornou-se o maior produtor e exportador de soja do mundo e a China adquire 80% da nossa exportação.

Em meados de 2018 uma epidemia de peste suína atingiu a China e vários países do Sudeste Asiático. Os produtores venderam seus animais no mercado antes de serem obrigados a enterrá-los, incluindo suas matrizes. A China responde por metade da produção mundial de suínos.

O volume perdido de suínos na China é maior que todo o mercado mundial de carne porcina. Isso fez a China reduzir em 12% (11 milhões de toneladas) suas importações de soja, usada basicamente para produzir rações de aves e suínos. Perdemos na soja, mas estamos exportando mais carnes bovinas, suínas e de aves para o gigante asiático. Os produtores brasileiros de carne comemoram, mas os consumidores reclamam dos preços mais altos no mercado interno. A China levará pelo menos três anos para se recuperar do desastre da peste suína.

A boa notícia é que vai haver uma mudança forçada no modelo de produção de suínos na China, substituindo a criação de fundo de quintal por granjas modernas e controladas, onde os animais são menos susceptíveis a doenças. Como a produção comercial em granjas consome mais ração – leia-se muito mais soja e milho –, no longo prazo isso beneficia o Brasil e outros fornecedores.

O último capítulo dessa série de surpresas deu-se na semana passada, com o intempestivo anúncio de Trump de que os EUA e a China teriam fechado a primeira fase de um acordo histórico que pretende acabar com a guerra comercial. Segundo o que foi divulgado, as exportações agro dos EUA para a China saltariam de US$ 14 bilhões para US$ 56 bilhões em apenas dois anos, um aumento enorme. É pouco provável que essa meta seja cumprida, até porque os agricultores americanos acabam de perder quase 50 milhões de toneladas de grãos numa safra marcada por problemas sucessivos de excesso de chuva e frio. O tal acordo agrícola parece ser apenas Trump jogando para a plateia interna em ano pré-eleitoral, no caso, os agricultores do Meio-Oeste americano.

Mas se o acordo se concretizar em algum momento, o montante ali previsto certamente impactará negativamente as nossas exportações de soja, algodão e carnes para a China. Os EUA são, de longe, nosso maior concorrente no mercado mundial.

Por isso se torna fundamental verificar se esse acordo propõe apenas a volta da normalidade competitiva, dentro das regras do mercado, ou se serão criados mecanismos “privilegiados” de comércio entre China e EUA, como, por exemplo, compras dirigidas realizadas por tradings estatais chinesas. É preciso analisar também se o acordo será compatível com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), recentemente debilitada pela recusa dos EUA de nomear juízes para o seu Órgão de Apelação.

Em resumo, entramos numa era sombria dominada pela geopolítica e pelo “comércio administrado”, com o endosso das duas maiores economias do planeta. Mas ainda assim acredito que nossas perspectivas continuam sendo extraordinárias no agro. Se a China substituir as compras do Brasil em favor dos EUA, isso fatalmente nos abrirá espaço em outros mercados importantes do Sul e Sudeste da Ásia e do Oriente Médio, por conta do aumento de renda da pujante classe média asiática. Isso sem contar o potencial de longo prazo da África e da Índia, com o seu imenso crescimento populacional.

Minha tese é que ninguém segura o Brasil nas commodities que não dependem tanto de políticas governamentais (aqui e no exterior), como soja, milho, algodão e celulose, em que a oferta e a demanda se ajustam mais facilmente via mercado.

O maior exemplo desse ajuste é a incrível expansão da oferta de milho e algodão na segunda safra, plantada logo após a soja no mesmo ano agrícola, que já cobre 14 milhões de hectares no País. Ela nos levou ao segundo lugar nas exportações dessas duas commodities em 2019, assustando os EUA, país que ocupa a primeira posição no ranking mundial. 

Em 2019 o milho vai superar a secular indústria de cana-de-açúcar no ranking dos principais produtos exportados pelo Brasil. E o algodão vem um pouco mais atrás, voando baixo. Isso sem contar a turbinada que virá com os investimentos que estão sendo feitos na logística de transporte do País e o grande potencial da integração lavoura-pecuária que ainda temos.

Por outro lado, produtos como açúcar, etanol e carnes demandam esforços consistentes de acesso aos mercados e políticas públicas específicas aqui dentro para conseguirem crescer no exterior.

Em suma, no agronegócio vivemos tempos de grande potencial de crescimento da demanda mundial e de expansão sustentável da oferta no País. Mas são tempos turbulentos e imprevisíveis, marcados por crises frequentes, instabilidades geopolíticas e guerra comercial. E tempos turbulentos exigem estratégia, organização e liderança.

domingo, 17 de março de 2019

Fim da guerra comercial entre China e EUA? Efeitos possiveis sobre o Brasil - Marcos Jank

Se persistir a política anti-China do chanceler, ou mesmo se, por milagre, nossa política externa for totalmente pró-China, ainda assim poderemos ter consequências nefastas de um acordo de conveniência entre a China e o governo Trump. 
Nós sofreremos as consequências, como alerta Marcos Jank...
Transcrevo o trecho final: 
"Enfim, se esse acordo se concretizar, poderemos estar entrando numa era de “comércio administrado” caso a caso, sob a égide de interesses geopolíticos, que pode reduzir o nosso acesso à China, ao Brics e a outros mercados emergentes. Aí sim, estaríamos entregando a nossa alma."
Paulo Roberto de Almeida

Impacto do Acordo EUA-China no agro brasileiro

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 16/03/2019

Marcos S. Jank (*)
André Soares (**)


O encontro entre Jair Bolsonaro e Donald Trump no dia 19 se dará às vésperas da conclusão de um acordo histórico entre EUA e China que pode ser altamente disruptivo para o agronegócio mundial, afetando principalmente o Brasil.

O acordo pode representar o fim de uma era em que o comércio se expandia baseado essencialmente na competitividade dos países, sem grande esforço.

Ele traz novos elementos para a equação: pressionados por imenso déficit comercial de US$ 420 bilhões, os EUA deram início a uma guerra mercantilista com a China impondo elevadas tarifas sobre US$ 250 bilhões em importações. O gigante asiático retrucou impondo tarifas sobre US$ 110 bilhões dos EUA, o que atingiu em cheio a soja americana. A disputa trouxe US$ 8 bilhões adicionais às nossas exportações de soja para a China, levando os incautos a inclusive “comemorar” a guerra comercial.

Tudo indica que os EUA vão forçar a China a ampliar as suas compras de produtos agropecuários americanos em absurdos US$ 30 bilhões anuais, que, na melhor das hipóteses, se somariam aos US$ 14 bilhões que foram adquiridos em 2018. Previsões mais sombrias dizem que as importações chinesas vindas dos EUA poderiam ultrapassar US$ 50 bilhões anuais, se somadas ao valor de 2017, que foi de US$ 22 bilhões.

Acreditamos que as exportações mundiais de soja voltarão ao seu curso normal pré-2017, com os chineses se beneficiando plenamente da alternância das safras americana (EUA) e sul-americana (Brasil e Argentina), que ocorrem em diferentes momentos do ano. Essa complementariedade garante estabilidade de oferta e menor risco para a China.

Ocorre, porém, que, para chegar aos US$ 30 bilhões adicionais, a China teria de oferecer acesso privilegiado aos EUA em outros produtos.

Dois casos com forte impacto sobre o Brasil são o milho e o algodão. O consumo de milho da China é gigante (280 milhões de toneladas), porém as suas importações têm sido muito reduzidas —apenas 3,5 milhões de toneladas em 2018. Os EUA pressionarão a China a importar muito mais milho, flexibilizando o seu regime restritivo de cotas de importação e facilitando o ingresso de milho transgênico.

Outros produtos americanos que seriam beneficiados pelo acordo são o etanol de milho, o DDG (subproduto da produção de etanol usado em alimentação animal) e as carnes. No caso do etanol, a importação viria da obrigatoriedade de mistura de 10% de etanol na gasolina da China (E10), que foi mandatada no passado, mas jamais cumprida.

Estimamos que, entre produtos e subprodutos de milho, etanol e algodão, a China poderia ampliar suas importações dos EUA em mais de US$ 10 bilhões adicionais por ano.

Nas carnes, se a China retirar as restrições técnicas e sanitárias que foram impostas aos americanos nos últimos anos, certamente seremos prejudicados em todas as proteínas animais —aves, suínos e bovinos—, com destaque para as perdas de mercado em pés e coxas de frango.

A China certamente tem meios para atender à forte pressão dos EUA, ampliando o acesso de soja e de outros produtos agropecuários. Resta saber se isso será feito à luz das regras da OMC, se ela vai “forçar a barra” na flexibilização das barreiras técnicas e sanitárias e se usará a sua estrutura estatal (estoques estratégicos e empresas públicas) para operacionalizar o acordo.

Enfim, se esse acordo se concretizar, poderemos estar entrando numa era de “comércio administrado” caso a caso, sob a égide de interesses geopolíticos, que pode reduzir o nosso acesso à China, ao Brics e a outros mercados emergentes. Aí sim, estaríamos entregando a nossa alma.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
(**) André Soares é Senior Fellow do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

sábado, 13 de outubro de 2018

Agronegocio brasileiro: reforma regulatorio - Marcos Jank (FSP)

Segue o quarto e último artigo da série “Agro Global”, publicado hoje na Folha.

Agro Global 4 – Reforma Regulatória

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 13/10/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Estrutura regulatória do agronegócio não acompanhou o crescimento das exportações.

As exportações brasileiras do agronegócio quintuplicaram desde 2000, mas a estrutura regulatória que as cercam não acompanhou o processo em termos operacionais, financeiros, normativos e de pessoal.

Esse é o tema do quarto e último artigo da série sobre a inserção global do agro brasileiro e as reformas necessárias. Nossos desafios são múltiplos:

1. Legislação: está muito defasada e precisa ser modernizada e simplificada. Alguns marcos regulatórios da área de sanidade animal remontam à década de 1930. Nosso arcabouço normativo é mais complexo e engessado do que o dos nossos concorrentes.

2. Fiscalização: precisaria ser mais eficiente e menos custosa. É preciso implementar definitivamente o novo regulamento que transfere para as indústrias a responsabilidade pela conformidade sanitária de processos e produtos finais, com verificações periódicas definidas por análise de riscos e aplicação de punições exemplares em caso de descumprimento.

É fundamental haver um sistema de trânsito constante e obrigatório de agentes de fiscalização, a exemplo de outras carreiras como a diplomacia. Não é recomendável o mesmo fiscal permanecer anos a fio inspecionando a mesma planta. É preciso ainda alocar um maior número de profissionais em locais-chave como Brasília e no exterior.

Outro imenso desafio é melhorar a estrutura de pessoas e equipamentos para evitar a entrada de pragas e doenças em um país continental, que tem 15.700 km de fronteiras com dez países.

3. Agilidade de resposta: apesar dos grandes avanços em informatização de processos e na ampliação da rede de adidos agrícolas em países estratégicos nas gestões de Katia Abreu e Blairo Maggi, ainda presenciamos deficiências por parte do governo e do setor privado.

São frequentes os desentendimentos no intercâmbio de informações com outros governos e em questionários técnicos mal preenchidos ou mal traduzidos.É preciso sistematizar um banco de dados com respostas-padrão para agilizar o preenchimento de questionários e as respostas aos países. Além disso, é preciso melhorar as traduções e revisões de forma que os documentos sejam entregues no padrão que o país-destino exige.

Um maior número de missões do Ministério da Agricultura (Mapa) ao exterior e de visitas técnicas ao Brasil é também necessário para gerar conhecimento mútuo e dar agilidade aos processos no exterior.

A boa notícia é que todos esses desafios foram adequadamente diagnosticados pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, que apontou os caminhos a serem trilhados. Uma das propostas é a criação de uma agência ou serviço social autônomo (como as entidades do “Sistema S”) financiado por recursos públicos e uma taxa de fiscalização paga pelas empresas.

O novo enfoque seria gerenciamento de riscos, execução focada em metas quantificáveis em termos de padrões de sanidade, desburocratização e simplificação de normas e procedimentos.

Qualidade e sanidade de produtos são temas-chave para a abertura e a manutenção de mercados, particularmente no segmento de carnes, o mais sujeito a barreiras comerciais e medidas protecionistas. Basta dizer que enquanto a licença para exportar grãos e fibras é conferida ao país, nas carnes ela costuma ser dada por unidade industrial, ou seja, caso a caso.

Entendo que essa é hoje a área mais prioritária e estratégica de atuação do Mapa. Se ela não funcionar direito, estaremos condenados a exportar apenas commodities primárias mais simples.

Os diagnósticos foram bem feitos. Precisamos debater o tema e avançar na execução das mudanças necessárias já no início do próximo governo.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

domingo, 16 de setembro de 2018

Acucar: uma novela em varios capitulos - Marcos Jank

Uma estratégia global para o açúcar e o etanol

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 15/09/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

A expansão subsidiada da produção de açúcar nos obriga a montar uma estratégia para que países asiáticos convertam cana em etanol.

O Brasil perdeu a posição de maior produtor mundial de açúcar para a Índia, que neste ano vai produzir 35 milhões de toneladas, contra 30 MT do Brasil. Logo atrás do Brasil vem a Tailândia com produção de 15 MT e exportações de 13 MT.

Até 2010 navegamos solitários e imbatíveis no mercado mundial de açúcar, graças aos ganhos de produtividade ocorridos após a desregulamentação do setor nos anos 1990, à existência de forte demanda no mundo e à introdução da frota de veículos flex-fuel no Brasil em 2003. O etanol consome 50 a 60% da cana produzida no país.

Mas nuvens negras foram se acumulando no horizonte deste setor. A primeira foi a política inconsequente de congelamento dos preços dos derivados de petróleo no Brasil, que destruiu a rentabilidade da Petrobras e dos produtores de etanol. Felizmente essa política nefasta foi desmontada no governo Temer.

A segunda, mais sutil, é que a crise gerada pela falta de investimentos no setor a partir de 2010 incentivou concorrentes a expandirem a sua produção. Até 2000, a produtividade de açúcar por hectare da Tailândia e do norte da Índia (em Uttar Pradesh, principal estado produtor) era cerca de metade da alcançada pelo Brasil. Hoje ela quase se iguala à nossa.

Enquanto ficamos esperando uma política pública decente para o etanol, que ainda não se materializou, nossos principais concorrentes nos alcançaram na produtividade da cana e na beterraba açucareira.

Ocorre que esses países concederam pesados subsídios e proteções aos seus produtores, como a fixação de preços garantidos para a cana-de-açúcar, elevadas tarifas de importação, incentivos para conversão de terras para cana e pesados subsídios para insumos, crédito, fretes e exportações.

Isso criou um "círculo vicioso" em que altos preços fixos de cana geram excedentes de açúcar, que são jogados no mercado mundial com o apoio dos Estados, derrubando os preços internacionais e gerando pressão por mais protecionismo.

O drama do setor sucroenergético brasileiro é que o etanol perdeu competitividade para a gasolina entre 2008 e 2017 e agora o açúcar perde mercado com a expansão acelerada da cana e da beterraba no mundo, turbinada pela mão forte de vários governos.

A solução seria criar um "círculo virtuoso" no qual os países direcionassem o seu excedente de cana-de-açúcar para produzir etanol, em vez de açúcar, seguindo a experiência brasileira. China, Índia e Tailândia fixaram metas de misturar 10% de etanol na sua gasolina, mas jamais criaram os instrumentos para cumpri-las. Se o fizessem, poderiam consumir 26 bilhões de litros de etanol por ano até o fim desta década, reduzindo a sua dependência por petróleo e as emissões de gases de efeito estufa, melhorando a qualidade do ar e gerando renda e emprego nos países. Nesse último mês, o governo da Índia sabiamente adotou diversas medidas nessa direção.

Sempre poderemos recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) para questionar subsídios e proteções que não respeitam as regras multilaterais de comércio, mas os processos levam anos para serem concluídos e o resultado é incerto, e nem sempre aplicado.

Temos uma rica experiência para transmitir a esses países em termos de flexibilidade de conversão da cana (em açúcar ou etanol), mandatos obrigatórios de mistura de etanol na gasolina (hoje fixado em 27% no Brasil) e de carros flex que dão ao consumidor a opção de abastecer com gasolina ou etanol.

Nosso programa de etanol é único, robusto e flexível. É hora de internacionalizar essa experiência na Ásia, ajudando os nossos concorrentes a encontrarem uma saída virtuosa para resolver o principal fator que hoje destrói a rentabilidade global do setor açucareiro.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

domingo, 2 de setembro de 2018

Uma estratégia para o agronegocio brasileiro 2 - Marcos Jank

Agro Global 2: Acesso aos Mercados

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 01/09/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Trata-se da peça central de um novo ciclo de crescimento do agro.

No segundo artigo da série sobre os desafios da inserção global do agro brasileiro vamos tratar do tema mais crucial para consolidar um novo ciclo de crescimento desse setor: acesso a mercados.

De nada adianta recebermos dezenas de pedidos de clientes potenciais a cada semana ou propostas de parceria no exterior se não conseguimos a "permissão para exportar", ou seja, para ingressar formalmente nos mercados. Sem acesso efetivo, tampouco adianta baixar custos, melhorar a infraestrutura ou diferenciar produtos.

No passado, as principais restrições de acesso a mercados eram altas tarifas de importação, quotas proibitivas e a concorrência com subsídios domésticos. Hoje as barreiras mais perversas são as não-tarifárias: sanitárias, técnicas ou burocráticas.

Temos ganhado mercado frente aos nossos concorrentes nos produtos que enfrentam menores barreiras, como soja, milho, algodão, café e celulose. Já nas carnes, lácteos, açúcar, frutas e alimentos processados o Brasil tem perdido partes de mercado por causa de barreiras e subsídios, que hoje exigem do país maior estratégia e priorização de ações.

Como a nossa produção agropecuária já ultrapassa, de longe, a dimensão do mercado doméstico, é necessário agir em três frentes de acesso a mercados:

1. Negociações comerciais: para manter o acesso que conquistamos no passado temos obrigatoriamente de retomar negociações com países e blocos estratégicos. Não vai ser fácil. Ficamos 15 anos isolados do mundo, sem uma política comercial consistente. Hoje estamos no fim da fila, pois nossos concorrentes e clientes da Europa, América do Norte, Ásia, Oceania e Aliança do Pacífico estão cobertos por mais de uma centena de acordos de livre-comércio ou preferenciais.

Na agenda agro, precisamos concluir o Acordo UE-Mercosul o mais breve possível, mesmo que de forma subótima. Deveríamos investir pesado na Ásia, por meio do ingresso na Parceria Transpacífica (CPTPP) ou de um acordo com a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Em paralelo, precisamos avançar na difícil negociação com o Japão e a Coreia do Sul, já anunciada mas ainda pouco factível.

2. Parcerias estratégicas: de longe, a parceria mais importante é com a China, nosso maior cliente e investidor no agro. Temos de diversificar as exportações para esse país muito além da soja, atrair investimentos e agir de forma mais estratégica e coordenada, dentro do governo e em ligação estreita com o setor privado. Uma parceria estratégica com os EUA também seria fundamental, ainda que difícil no contexto da atual administração americana.

3. Abertura para importações: exportamos sete vezes mais do que importamos no agro. Queremos acessar o mundo, falamos o tempo todo das nossas belezas e grandezas, mas na hora de negociar com os parceiros comerciais não oferecemos nada em troca.

Dos cinco maiores exportadores do agro mundial, somos o único que tem importações irrisórias. Continuamos sendo um dos países mais fechados do mundo. Trigo, cacau, café, banana, coco, camarão, lácteos e pescados são exemplos de produtos nos quais o protecionismo localizado impede grandes volumes de exportações potenciais.

Acesso aos mercados é peça central no tabuleiro que leva a um novo ciclo de crescimento do agro brasileiro. O tema torna-se ainda mais relevante em um ambiente de comércio administrado por interesses geopolíticos, retaliações, disputas comerciais e um imenso "toma lá dá cá".

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

O agronegocio na relacao Brasil-China - Marcos Jank (FSP)

Azeitona brasileira na empada chinesa, ou um boi inteiro?
Visão estratégica sobre a questão central do relacionamento?
Tem muitas outras coisas a serem discutidas nessa importante questão.
Paulo Roberto de Almeida

Mudanças no agronegócio chinês e o Brasil
Marcos Sawaya Jank (*)
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 03/02/2018

Transformações profundas exigem estratégia refletida e negociação estruturada.

São louváveis as raras iniciativas de reflexão sobre o longo prazo no Brasil. O Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) criou um grupo para discutir em profundidade dez temas estruturais da relação Brasil-China. Participei do debate sobre “complementaridade e dependência no agronegócio”.

Quarenta anos após as primeiras reformas agrícolas conduzidas por Deng Xiaoping, podemos dizer com segurança que as transformações do agronegócio chinês foram profundas e impressionantes. A saber:

1. Segurança alimentar: a China trocou a diretriz da autossuficiência alimentar a qualquer custo por uma política de “segurança alimentar estratégica orientada pelo mercado”. Nesse contexto, ela se abriu inicialmente para a soja em grãos, que responde sozinha por 40% da exportação total e 80% da exportação agrícola do Brasil. Nossas exportações agro para a China e Hong Kong saltaram de US$ 6 bilhões para 30 bilhões nos últimos dez anos.

Agora a China começa a rever a sua política de estoques estratégicos e preços administrados, o que deve levar gradualmente a maiores importações de milho, açúcar e carnes no futuro, ainda que com grandes dificuldades de acesso (cotas e barreiras técnicas e sanitárias) acopladas a travas de defesa comercial (salvaguardas no açúcar e antidumping no frango). O Brasil precisa diversificar a pauta de exportações e adicionar valor aos produtos exportados.

2. Investimentos para garantir a “originação” das matérias-primas: a internacionalização das empresas chinesas visa o controle das cadeias de suprimento – genética, infraestrutura, armazenamento, processamento e comercialização. Exemplos são as aquisições de empresas como Syngenta, Noble, Nidera e Fiagril.

3. Segurança do alimento, qualidade e sustentabilidade: a grande obsessão atual da China é com qualidade, sanidade e sustentabilidade ambiental da produção. Nessa área temos muito a contribuir nas relações bilaterais, mas é preciso melhorar o processo regulatório: processos e padrões mais transparentes, qualidade das respostas nos questionários, rastreabilidade de produtos, combate ao contrabando, integração das cadeias produtivas com investimentos cruzados das empresas e um diálogo mais permanente e fluido para evitar as arbitrariedades. 

4. O papel do Brasil e da China no agronegócio mundial: investimentos em tecnologia, ganhos de escala e subsídios a insumos modernos transformaram a China em uma potência agrícola. O país virou o 3º maior exportador de agro do mundo, com US$ 95 bilhões/ano, ligeiramente à frente do Brasil. O exemplo mais contundente está nas exportações de pescados, frutas e hortaliças, que já ultrapassa US$ 40 bilhões anuais. São centenas de categorias de produtos frescos e processados exportados basicamente para o resto da Ásia.

Os ganhos de produtividade total da agricultura chinesa são equivalentes aos obtidos pelo Brasil desde 1980 3% ao ano, o dobro da média mundial. Esse desempenho extraordinário exige uma visão estratégia concertada nos fóruns internacionais que tratam de segurança alimentar, comércio, clima, água e energia. A coordenação praticamente inexiste, e a relação é dominada por conflitos pontuais de curto prazo.

Estamos condenados a nos casar com a China, de alguma forma. Mas até aqui foi ela que deu corda e dominou a relação, pois pensa estrategicamente e sabe perfeitamente o que quer. Nós somos o oposto da China: ansiosos, imediatistas, individualistas e meio esquizofrênicos. Não sei se isso é curável, mas ano eleitoral é sempre uma oportunidade para refletir sobre a nossa desorganização endêmica e mudar hábitos.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

domingo, 12 de novembro de 2017

India avanca, Brasil patina no mesmo lugar; o diagnostico foi posto - Marcos Jank

O aspecto mais interessante deste artigo de Marcos Sawaya Jank, bem mais do que o aumento do comércio bilateral Brasil-Índia, está aqui:

"...desde 2014 a Índia avançou 42 posições no ranking de "facilidade de fazer negócios" do Banco Mundial, para o 100º lugar. O Brasil caiu cinco posições, para 125º."

Consideria isso uma vergonha para o Brasil, especialmente para seus líderes políticos e também as chamadas "classes produtivas". 
Ou seja, o novo primeiro-ministro da Índia, desde que assumiu, fez da melhoria do ambiente de negócios em seu país sua missão prioritária, sua tarefa básica, sua obrigação pessoal. E conseguiu, sem ser nenhum gênio da administração.
Et pour cause: TUDO ESTAVA PRONTO, BASTAVA SEGUIR O RECEITUARIO.
O que quero dizer com isso? 
Se o Brasil quiser MELHORAR DRAMATICAMENTE, basta pegar o Doing Business Brazil (tem até em Português, para os necessitados), e seguir linha por linha os critérios de melhoria do ambiente de negócios, para trazer o Brasil a melhores posições.
 Não precisa ser nenhum gênio, repito, basta ter dois neurônios e seguir o que já está descrito.
O que nos impede de fazer isso?
No governo dos companheiros era inépcia com desejo de roubar, ou seja, quanto mais burocracia, mais oportunidades para arranjar dinheiro fácil, por propina, ou extorsão direta.
No governo atual o que seria? Apenas estupidez? Falta de vontade?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de novembro de 2017

O novo sabor do agro na Índia
Marcos Sawaya Jank (*)
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 11/11/2017

Narendra Modi vai reformar e modernizar os setores de agricultura, alimentos e varejo.

Narendra Modi vai se firmando como um dos maiores líderes mundiais da atualidade, ao propor reformas para a Índia equivalentes ao que Deng Xiaoping fez nos anos 1980 na China. 

A Índia se parece muito com o Brasil: familiar, festeira, criativa, desorganizada, refém dos ciclos da democracia, fixada no curto prazo e repleta de burocracias e jeitinhos. Em quase tudo, é o oposto da China.

Mas está mudando rapidamente. Basta dizer que desde 2014 a Índia avançou 42 posições no ranking de "facilidade de fazer negócios" do Banco Mundial, para o 100º lugar. O Brasil caiu cinco posições, para 125º.

Um dos setores mais atrasados da Índia é a agricultura, que absorve metade da força de trabalho em propriedades cujo tamanho médio é de só 1,2 hectare. A agroindústria é incipiente e processa menos de 10% do que é produzido no país. A comercialização é precária e se dá em mercados tradicionais, com instabilidade de oferta, volatilidade de preços e graves problemas de qualidade e sanidade. É imensa a necessidade de investimentos em infraestrutura, armazéns e energia elétrica estável.

Na semana passada, Modi abriu o maior evento já realizado na Índia na área de alimentos: a World Food India, que atraiu 4.000 participantes de 60 países. O evento visava atrair investimentos para as áreas de processamento e distribuição de alimentos na Índia.

Entre 2002 e 2014, Modi governou o Estado de Gujarat, onde fez o PIB agrícola crescer 8% ao ano, o melhor desempenho entre os 29 Estados da Índia. Introduziu reformas estruturais que permitiram o acesso dos agricultores às melhores tecnologias (incluindo biotecnologias) e acesso a mercados no país e no exterior.

Agora, através do ambicioso programa "Make in India", Modi quer desregulamentar e modernizar as cadeias agroalimentares, atraindo empresas globais de processamento e distribuição de alimentos. Integração de cadeias produtivas, sanidade e qualidade dos alimentos e a reforma do velho modelo de política agrícola —subsídios ineficientes, controles de preços, estoques públicos, direitos de propriedade— estão no cardápio da nova agenda agro da Índia.

Ao mesmo tempo, o comércio total do agronegócio indiano deu um salto, ao passar de US$ 14 bilhões em 2004 para US$ 60 bilhões hoje. Mas o comércio Brasil-Índia responde por ínfimo US$ 1,6 bilhão ao ano, liderado por exportações voláteis de açúcar e óleo de soja. O volume de comércio e investimentos entre Brasil e Índia no agro equivale a 1/10 do que temos com a China.

Mas as oportunidades estão aí e são imensas em pelo menos duas áreas.

A primeira são os biocombustíveis. Por razões ambientais, a Índia quer consolidar a mistura de 10% de etanol na gasolina (E-10), sem usar suas matérias-primas para fins alimentares. Hoje, ela tem 80% de dependência por petróleo importado, inclusive do Brasil. Com um acordo estratégico, poderíamos suprir boa parte dessa necessidade.

A segunda é o imenso mercado de proteínas da Índia. Aqui entram os lácteos, a carne de frango (a mais aceita na Índia, num momento em que o segmento não vegetariano cresce ano após ano) e leguminosas tradicionais como feijões, ervilhas e lentilhas, produtos que, ao lado das famosas especiarias, formam a base da deliciosa culinária indiana.

Os presidentes-executivos das principais empresas alimentares do mundo manifestaram forte interesse em investir na Índia, que vai dobrar sua demanda por alimentos nos próximos cinco anos. Chegou a hora de apimentarmos essa relação, participando efetivamente da composição dos novos pratos do agro indiano. 

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.