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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 17 de março de 2019

Fim da guerra comercial entre China e EUA? Efeitos possiveis sobre o Brasil - Marcos Jank

Se persistir a política anti-China do chanceler, ou mesmo se, por milagre, nossa política externa for totalmente pró-China, ainda assim poderemos ter consequências nefastas de um acordo de conveniência entre a China e o governo Trump. 
Nós sofreremos as consequências, como alerta Marcos Jank...
Transcrevo o trecho final: 
"Enfim, se esse acordo se concretizar, poderemos estar entrando numa era de “comércio administrado” caso a caso, sob a égide de interesses geopolíticos, que pode reduzir o nosso acesso à China, ao Brics e a outros mercados emergentes. Aí sim, estaríamos entregando a nossa alma."
Paulo Roberto de Almeida

Impacto do Acordo EUA-China no agro brasileiro

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 16/03/2019

Marcos S. Jank (*)
André Soares (**)


O encontro entre Jair Bolsonaro e Donald Trump no dia 19 se dará às vésperas da conclusão de um acordo histórico entre EUA e China que pode ser altamente disruptivo para o agronegócio mundial, afetando principalmente o Brasil.

O acordo pode representar o fim de uma era em que o comércio se expandia baseado essencialmente na competitividade dos países, sem grande esforço.

Ele traz novos elementos para a equação: pressionados por imenso déficit comercial de US$ 420 bilhões, os EUA deram início a uma guerra mercantilista com a China impondo elevadas tarifas sobre US$ 250 bilhões em importações. O gigante asiático retrucou impondo tarifas sobre US$ 110 bilhões dos EUA, o que atingiu em cheio a soja americana. A disputa trouxe US$ 8 bilhões adicionais às nossas exportações de soja para a China, levando os incautos a inclusive “comemorar” a guerra comercial.

Tudo indica que os EUA vão forçar a China a ampliar as suas compras de produtos agropecuários americanos em absurdos US$ 30 bilhões anuais, que, na melhor das hipóteses, se somariam aos US$ 14 bilhões que foram adquiridos em 2018. Previsões mais sombrias dizem que as importações chinesas vindas dos EUA poderiam ultrapassar US$ 50 bilhões anuais, se somadas ao valor de 2017, que foi de US$ 22 bilhões.

Acreditamos que as exportações mundiais de soja voltarão ao seu curso normal pré-2017, com os chineses se beneficiando plenamente da alternância das safras americana (EUA) e sul-americana (Brasil e Argentina), que ocorrem em diferentes momentos do ano. Essa complementariedade garante estabilidade de oferta e menor risco para a China.

Ocorre, porém, que, para chegar aos US$ 30 bilhões adicionais, a China teria de oferecer acesso privilegiado aos EUA em outros produtos.

Dois casos com forte impacto sobre o Brasil são o milho e o algodão. O consumo de milho da China é gigante (280 milhões de toneladas), porém as suas importações têm sido muito reduzidas —apenas 3,5 milhões de toneladas em 2018. Os EUA pressionarão a China a importar muito mais milho, flexibilizando o seu regime restritivo de cotas de importação e facilitando o ingresso de milho transgênico.

Outros produtos americanos que seriam beneficiados pelo acordo são o etanol de milho, o DDG (subproduto da produção de etanol usado em alimentação animal) e as carnes. No caso do etanol, a importação viria da obrigatoriedade de mistura de 10% de etanol na gasolina da China (E10), que foi mandatada no passado, mas jamais cumprida.

Estimamos que, entre produtos e subprodutos de milho, etanol e algodão, a China poderia ampliar suas importações dos EUA em mais de US$ 10 bilhões adicionais por ano.

Nas carnes, se a China retirar as restrições técnicas e sanitárias que foram impostas aos americanos nos últimos anos, certamente seremos prejudicados em todas as proteínas animais —aves, suínos e bovinos—, com destaque para as perdas de mercado em pés e coxas de frango.

A China certamente tem meios para atender à forte pressão dos EUA, ampliando o acesso de soja e de outros produtos agropecuários. Resta saber se isso será feito à luz das regras da OMC, se ela vai “forçar a barra” na flexibilização das barreiras técnicas e sanitárias e se usará a sua estrutura estatal (estoques estratégicos e empresas públicas) para operacionalizar o acordo.

Enfim, se esse acordo se concretizar, poderemos estar entrando numa era de “comércio administrado” caso a caso, sob a égide de interesses geopolíticos, que pode reduzir o nosso acesso à China, ao Brics e a outros mercados emergentes. Aí sim, estaríamos entregando a nossa alma.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
(**) André Soares é Senior Fellow do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

domingo, 3 de agosto de 2014

Argentina: consequencias da moratoria sobre os vizinhos

Ao contrário do que diz o ministro brasileiro da Fazenda -- mas quem é que ainda empresta qualquer credibilidade ao que ele diz, não é mesmo? --, um agravamento da situação econômica no principal parceiro latino-americano do Brasil terá, sim, profundas consequências para nossa interface comercial externa, como aliás já está tendo, sobretudo no setor automobilístico.
Aliás, não foi na recente cúpula do Mercosul em Caracas, que a presidente disse que o impasse Buenos Aires-abutres "ameaça o sistema financeiro internacional"?
Pois é, ou é uma coisa ou é outra...
Paulo Roberto de Almeida 
El riesgo de impago argentino amenaza a los países vecinos
El fallo de un juez de EE UU que ha derivado en el impago parcial de deuda de Argentina no solo puede impactar en la estanflación (fenómeno que combina recesión con alta inflación) que sufre este país sudamericano sino también en los vecinos, aunque diversos grados y aspectos. En la anterior suspensión de pagos de Buenos Aires, en 2001, en una situación caótica en lo político y socioeconómico que no puede compararse con la actual, solo Uruguay terminó cayendo también en crisis, aunque Brasil también sufrió daños en su comercio. Unos 13 años después, el panorama es distinto también en la vecindad sudamericana.
Argentina es el tercer destino de las exportaciones de Brasil. Aquí va el 7% de las ventas externas del gigante sudamericano. Además, buena parte de esos envíos son manufacturas, no materias primas, como las que envía a su principal socio comercial, China. Brasil es el cuarto inversor extranjero en Argentina, después de EE UU, España y Holanda. Hay fuerte presencia brasileña con las empresas cárnicas Marfrig, Brasil Foods y JBS, la cementera y textil Camargo Corrêa, los bancos do Brasil e Itaú y Petrobras, entre otras.
A Chile también le afecta la situación de Argentina por las inversiones de sus compañías en ese país, como las firmas de comercio minorista Falabella y Cencosud, la embotelladora de Coca-Cola Andina y la aerolínea LAN. Chile es el sexto inversor extranjero en Argentina, después de China.
Uruguay puede que se beneficie de la fuga de capitales desde territorio argentino. En junio pasado se registró la mayor de subida de depósitos de argentinos en bancos uruguayos en seis años. Pero los demás efectos de una crisis en Argentina sería negativos. La industria del turismo depende en buena parte de las visitas del otro lado del Río de la Plata. Argentina es el tercer destino de exportación uruguaya. Aquí va el 4,1% del total, incluidas manufacturas.
Para Bolivia, Argentina también es el segundo comprador de sus ventas externas (20% del conjunto), aunque en este caso pesan más los envíos de gas, una demanda que difícilmente baje aunque caiga la economía. Paraguay, al igual que Chile, no exporta demasiado a Argentina. La preocupación de Asunción reside en una devaluación del peso que fomente el contrabando de productos argentinos, como alimentos, que compiten con los paraguayos, según ha admitido un director del Banco Central de Paraguay, Roland Holst.
“La medida (el impago) afectaría todos los países, pero principalmente a Brasil”, dice José Augusto de Castro, presidente de la Asociación de Comercio Exterior de Brasil. “La demanda de productos brasileños posiblemente caería mucho, en un ambiente de fuerte devaluación y caída de la actividad en Argentina”, añade Castro. El director de la consultora Abeceb, Dante Sica, opina que las preocupaciones de los exportadores brasileños son “totalmente justificadas”: “Buenos Aires ha subestimado mucho el impacto del default (impago). Va haber um agravamiento de los problemas actuales, con más restricciones a las importaciones”.
El sector del automóvil brasileño ya viene reduciendo sus exportaciones a Argentina, compradora del 80% de sus ventas externas. De enero a junio deste año, el total de exportaciones de coches brasileños cayó 35%. Otro sector impactado es el de calzado, que tiene en Argentina a su segundo mayor destino de envíos al extranjero, detrás apenas de EE UU. Heitor Klein, presidente ejecutivo de la Asociación Brasileña de las Industrias de Calzados, predice: “De continuar el ritmo actual de embarques, podemos cerrar el año con una caída hacia Argentina de hasta 50%”.
El Gobierno de Michelle Bachelet ha descartado que la situación económica de su vecino afecte a Chile, pese a que es el sexto inversor extranjero en Argentina. El ministro de Hacienda, Alberto Arenas, ha indicado que la crisis de deuda de Buenos Aires “era una materia conocida por los agentes del mercado y, por lo tanto, no debería cambiar las expectativas en Chile”. La opinión de expertos coincide con la de Arenas: “Los inversionistas entienden que Chile es un país con políticas y reglas absolutamente diferentes y el efecto directo va a ser menor”, ha señalado el economista Sebastián Edwards, según consigna radio Biobío. El nerviosismo por Argentina, sin embargo, se hizo notar este jueves en la bolsa chilena: cayó con fuerza por la situación de las empresas locales con operaciones en Argentina. Las acciones del grupo Latam Airlines (LAN) retrocedieron un 1,9%; Embotelladora Andina, un 1,%: Falabella, un 0,2% y Cencosud, que tiene un 25% de sus ingresos en Argentina, bajó un 1,3%. Pero una de las consecuencias que se observan con mayor interés es la posible devaluación del peso argentino, lo que incentivará la partida de turistas chilenos y desalentará la llegada de los vecinos.
Tanto el Gobierno de Uruguay como los economistas y empresarios de este país coinciden en que la crisis de deuda de Argentina no tendrá graves consecuencias del otro lado del Río de la Plata. Sin embargo, poco después de conocerse la falta de cobro por parte los acreedores de Buenos Aires, el dólar experimentaba su mayor subida frente al peso uruguayo desde 2009, signo de que la pequeña economía local es sensible a lo que sucede en el gigante vecino.
Pero Uruguay también está lejos de la situación de 2002, cuando la crisis de Argentina lo arrastró a una pesadilla que dejó un rastro de pobreza que todavía se lucha por revertir. En aquella época el 45% de los depósitos bancarios en Uruguay pertenecía a los no residentes, en su mayoría argentinos que trataban de evadir impuestos. Actualmente esa cifra ha bajado al 15%. De manera general los sucesivos gobiernos uruguayos han trabajado en una “desargentinización” de la economía: como destino de exportación o como fuente de inversión directa o de depósitos bancarios. Desde los últimos años, el Gobierno argentino ha puesto trabas a las exportaciones de todos los países del mundo, incluidos sus socios de Mercosur (Uruguay, Paraguay, Brasil, Venezuela) y desalienta la salida de turistas mediante el control de cambio.
El Gobierno de Evo Morales considera que la “fortaleza” de la economía boliviana puede soportar los efectos de la crisis argentina. La mayor preocupación se ha centrado en el pago de las exportaciones de gas natural a Argentina, pero el presidente de la petrolera estatal argentina Enarsa, Walter Fagyas, respaldó declaraciones de ejecutivos de su par boliviana YPFB que aseguraron que Buenos Aires no tiene deudas con La Paz por esas operaciones. Fagyas aclaró que existe un depósito de garantía de 400 millones de dólares, equivalente a dos meses de suministro de gas, “que están a disposición de YPFB”. Pero el Instituto Boliviano de Comercio Exterior ha señalado que las exportaciones no tradicionales, como fruta de Chapare, tendrán algunas limitaciones por las dificultades de los importadores argentinos a la hora de obtener los dólares en su país para comprarlas. En los primeros cinco meses de 2014, Bolivia ha exportado a Argentina por 1.076 millones de dólares entre gas, aceites crudos de petróleo, concentrados de zinc, plátanos, palmitos, soja y semillas de girasol, entre otros bienes.
Los impactos en otras grandes economías de Latinoamérica, más alejadas de Argentina, como México, Colombia, Venezuela y Perú, serán menores. En Colombia, la situación de Buenos Aires no tendrá impacto en las condiciones de los mercados financieros, tanto por el lado de la deuda pública como por el de la tasa de cambio, según el ministro de Hacienda, Mauricio Cárdenas. El funcionario aclaró que Colombia es solidaria con la posición de Argentina “en el sentido de defender los arreglos que se hagan soberanamente entre un país y la mayoría de sus acreedores”.

Con la colaboración de Magdalena Martínez, Frederico Rosas, Mabel Azcui, Rocío Montes y Elizabeth Reyes L.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A crise argentina e seus efeitos sobre o Brasil- Parte 3 (final) - Paulo Roberto de Almeida

A crise argentina e seus efeitos sobre o Brasil- Parte 3 (final)

3. Negociações comerciais internacionais e percepções externas nessa área
As negociações birregionais entre o Mercosul e a União Europeia constituem um dos mais patéticos equívocos da estratégia comercial do bloco dos últimos dez anos. A despeito de terem sido feitas aproximações desde o início do Mercosul por parte da União Europeia – que sempre demonstrou certo paternalismo em relação ao bloco, como se este devesse seguir o seu modelo integracionista – as negociações para um acordo de liberalização comercial (e não de livre comércio) só foram de fato engajadas depois que os Estados Unidos propuseram o seu projeto de uma área de livre comércio hemisférica, a Alca, lançada na Cúpula de Miami de dezembro de 1994 (aliás, aceita pelo então chanceler do presidente Itamar Franco, que veio a ser o mesmo do governo Lula, durante os seus dois mandatos).
Desde antes de assumir o poder, Lula e o PT já tinha caracterizado a proposta da Alca como um projeto, não de integração – o que, estrito senso, ele não era – mas de “anexação”. Governo e partido se empenharam, desde o início, na implosão do projeto americano, do qual o Brasil participava de modo muito relutante, por sinal. De modo explícito, as preferências estavam com as negociações multilaterais da Rodada Doha e com as birregionais com a UE, ingenuamente creditadas de algum mérito superior que não poderia existir no esquema hemisférico. Aqui ocorreu notoriamente um enorme erro de avaliação, o que levou a um equívoco ainda maior no plano estratégico. Os fluxos de comércio do Brasil com o hemisfério sempre tiveram um grande componente de produtos manufaturados, ao passo que o intercâmbio com a zona europeia sempre foi mais caracterizado pelo padrão Norte-Sul de intercâmbio comercial, cujos fluxos eram, aliás, claramente prejudicados pelo subvencionismo e protecionismo europeus na área agrícola. Parecia claro, aos olhos de observadores isentos, e de economistas sensatos, que os interesses do Brasil estariam melhor contemplados se consolidado um acesso garantido ao enorme mercado norte-americano, que aliás tinha outras características do que a abertura de mercados (igualmente difícil no setor agrícola). A Alca, do ponto de vista do Brasil seria basicamente um acordo de investimentos, uma vez que o Brasil passaria a atrair a implantação de empresas americanas interessados nos mercados do Mercosul e da América do Sul.
Parece claro que a implosão da Alca, pelos estrategistas do governo Lula, serviu para diminuir amplamente o entusiasmo, ou a propensão, dos europeus por um acordo com o Mercosul, que para eles serviria, essencialmente, para compensar as esperadas desvantagens que teriam surgido com a eventual constituição da Alca. Eliminada esta possibilidade, de maneira completamente ideológica diga-se de passagem (pela ação combinada de Chávez, Kirchner e Lula, na Cúpula de Mar del Plata, em novembro de 2005), um observador atento, ou minimamente racional, poderia chegar à conclusão de que diminuiria proporcionalmente o entusiasmo europeu pela liberalização comercial com o Mercosul (cuja demanda de acesso agrícola continua a sofrer obstinada resistência de diversos membros da UE). Pois bem, dez anos se passaram sem qualquer perspectiva de progressos nas negociações, a despeito de declarações cosméticas sobre sua importância nas relações das duas regiões entre si.
As negociações birregionais entre o Mercosul e a União Europeia constituem um dos mais patéticos equívocos da estratégia comercial do bloco dos últimos dez anos
Chegamos ao momento atual, sem Alca, sem muita esperança do lado da Organização Mundial do Comércio e sem qualquer outro acordo bilateral ou regional de importância (ou mesmo sem muita importância) que tenha sido concluído pelo Mercosul. Alguns dos seus dirigentes – mas não da Argentina, certamente – voltam a depositar grandes esperanças num eventual acordo comercial (de qualquer tipo) com a UE. Seria ele possível, factível, provável? Duvido, mesmo com toda a agitação diplomática que se desenvolve ocasionalmente em torno dele. As razões se devem apenas parcialmente à oposição argentina a um maior grau de liberalização e de abertura de seus próprios mercados na mais que hipotética possibilidade de se chegar a bom termo nesse processo. O fato é que a maior parte dos parceiros, em maior ou menor grau, não estão efetivamente comprometidos com novos esquemas de liberalização, na ausência de poderosas alavancas que poderiam conduzir a um acordo de um tipo qualquer (como a Alca poderia ter sido, por exemplo).
Ainda que a atitude Argentina seja um claro indicador de que não existe, de fato, unidade negocial no âmbito do Mercosul – e isso destrói uma de suas principais características enquanto bloco alegadamente funcional, enquanto união aduaneira – o fato é que não existem prejuízos que possam ser por ela causados ao Brasil que já não tenham sido causados pelas próprias autoridades econômicas brasileiras pela sequência de medidas impensadas, claramente defensivas, quando não abertamente protecionistas, tomadas em defesa de alguns dos seus mais influentes lobbies empresariais – como os da indústria automotiva, por exemplo, aliás todo ele estrangeiro – e de alguns sindicatos de trabalhadores muito ligados à CUT, ao PT e ao próprio Palácio do Planalto. O Brasil vem sendo questionado, na OMC e bilateralmente por alguns grandes parceiros, de recuo nos compromissos de stand-still (neutralização de qualquer nova medida em defesa dos mercados nacionais) e de não recurso ao protecionismo explícito que todos os participantes de uma rodada de negociações assumem quando de seu desenrolar.
A reputação do Brasil enquanto parceiro comercial confiável foi de certo modo arranhada pelas medidas tomadas desde 2009 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e pela Fazenda, não apenas no âmbito comercial, mas igualmente financeiro e fiscal-tributário. Um exemplo precoce da inversão de prioridades já tinha sido revelado quando da “denúncia” unilateral pelo Brasil do acordo automotivo com o México: enquanto ele produziu saldos favoráveis às empresas brasileiras engajadas no intercâmbio, ele foi plenamente aceito pelo governo brasileiro; bastou haver reversão nos fluxos, que ele se tornou repentinamente negativo e objeto de renegociação forçada. Registre-se, por importante, que a parte mexicana não é, nem nunca foi, em nada responsável pela trajetória aleatória do câmbio brasileiro, influenciado por uma série de outros fatores que não os sucessos ou frustrações do acordo automotivo bilateral.
Agora, a Argentina resolve fazer exatamente o mesmo contra os automóveis brasileiros. Resta saber qual será a atitude do governo brasileiro neste particular. A experiência dos dez ou onze anos passados no trato bilateral do Brasil em relação ao protecionismo e às arbitrariedades comerciais do maior sócio no Mercosul não prenunciam nada de muito diferente do que já ocorreu até aqui. Talvez aqui se aplique o conhecido ditado sobre o feitiço e o feiticeiro. Em resumo, quando se trata da Argentina, um país que conheceu uma trajetória espetacular ao longo da história econômica do século 20 (qualquer que seja o sentido que se dê ao termo espetacular), nunca se corre o risco de ser surpreendido por novas surpresas ainda mais surpreendentes do que as anteriores e conhecidas até aqui. Inacreditáveis argentinos…

SOBRE PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, mestre em planejamento econômico pelo Colégio dos Países em Desenvolvimento da Universidade de Estado de Antuérpia, doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas. Trabalhou como assessor especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É autor dos livros: “O Mercosul no contexto regional e internacional” (Aduaneiras, 1993), “ O Brasil e o multilateralismo econômico” (Livraria do Advogado, 1999), “ Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (UFRGS, 1998)” e “O moderno príncipe – Maquiavel revisitado” (2007)