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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

"Estudo" da Oxfam sobre concentracao de renda tem problemas - Carlos Goes

Análise 

Pesquisa sobre concentração de renda deve ser vista com cautela

CARLOS GÓES
ESPECIAL PARA A FOLHA, 1/02/2018

Todos os anos, quase sempre em um período concomitante ao Fórum Econômico Mundial, a ONG inglesa Oxfam divulga seu relatório acerca da desigualdade global. 
O documento apresenta dados que parecem demonstrar um aumento na concentração de riquezanas mãos de dezenas de bilionários em detrimento de grande parte da população mundial. 
Apesar de ter bastante impacto em manchetes, é preciso ter muito cuidado ao interpretar esses dados. Eles não significam aquilo que parecem à primeira vista. A realidade é mais complicada do que as manchetes fazem transparecer. 
A Oxfam utiliza dados do Relatório Global sobre Patrimônio, produzido pelo banco Credit Suisse. Mas há duas questões importantes a serem consideradas ao interpretar esses dados. 
A primeira é de ordem conceitual. É usado o conceito de riqueza líquida (ou seja: patrimônio menos dívidas). 
Segundo essa metodologia, alguém que se formou em Harvard, vive numa cobertura em Nova York e ganha US$ 100 mil por ano, mas tem US$ 250 mil em dívidas estudantis, seria mais pobre que um camponês indiano que tem uma bicicleta, vive com US$ 1 por dia e não tem dívida. 
Não importa se o advogado recém-formado gasta centenas de dólares tomando uísque 18 anos quando sai com os amigos. Para a Oxfam, ele é mais pobre que o camponês indiano. 
A pergunta é: esse conceito faz sentido para definir quem é pobre e quem é rico? Certamente não. 
De acordo com qualquer critério razoável, o advogado nova-iorquino tem padrões de consumo em ordens de magnitude mais altas do que a do camponês indiano. Mas, como suas dívidas superam seus bens, ele é considerado "mais pobre" que o camponês indiano pelo conceito adotado pela Oxfam. 
Usando essa metodologia, por exemplo, Eike Batista, cujas dívidas superam seus bens em cerca de US$ 1 bilhão, seria considerado um dos homens mais pobres do Brasil. 
Isso acaba levando a uma distorção importante. Segundo esse critério, a maioria das pessoas com patrimônio negativo (o que as colocaria entre as mais pobres do mundo) está em países desenvolvidos. Porém, cidadãos de países ricos têm acesso a crédito (e, logo, a dívidas) exatamente porque eles são mais ricos, não o contrário. 
Por isso, é preciso tomar muito cuidado ao interpretar os dados, já que eles não indicam as diferenças de padrões de vida que entendemos intuitivamente como pobreza e riqueza. 
A segunda questão é de ordem técnica. Ao contrário de dados sobre a renda, a grande maioria dos países não tem dados completos sobre patrimônio. Esse fato limita a confiabilidade das estatísticas sobre a riqueza.
Segundo o relatório da Credit Suisse, só 23 países têm estimativas completas de riqueza do setor privado. Outros 25 países têm dados parciais, detalhando a riqueza financeira, mas não sobre a riqueza não financeira. 
Nos EUA, a riqueza não financeira é de cerca de 1/3 da riqueza total, o que significa que ignorar a parte não financeira é ignorar boa parte da realidade. Para os outros 150 países do estudo, fizeram extrapolações —que não são inúteis, mas têm muitas limitações e erro de mensuração grande.
BRASIL
Para o Brasil, as limitações dos dados são ainda maiores. Não há informações sobre patrimônio não financeiro —como casas, fazendas, carros, propriedade de micro e pequenas empresas— para nem sequer um ano. Ou seja, para boa parte do patrimônio dos brasileiros, em especial os que não são super-ricos, simplesmente não há estimativas ou pesquisas oficiais disponíveis.
A verdade para além das manchetes é que, numa perspectiva global, segundo os dados de melhor qualidade disponíveis, aqueles sobre a desigualdade de renda, o mundo está se tornando mais igual há pelo menos 40 anos. Isso tem ocorrido porque, durante o período de maior intensidade da globalização, os países mais pobres e populosos, como a China, a Índia e, em menor medida, aqueles da África e da América Latina, têm tido taxa de crescimento na renda média mais velozes do que aquelas dos países mais ricos.
Por causa dessa grande força de convergência na economia internacional, a desigualdade do mundo como um todo tem caído.
 
CARLOS GÓES é pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular e se especializa em desigualdade de renda e mobilidade social.

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